Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
822/11.7BBNV-B.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Compete aos requerentes do pedido de exoneração do passivo restante expor, em termos claros, completos e discriminados, a situação de facto que explica a insuficiência patrimonial registada, com menção dos créditos ( natureza, montantes e vencimento ) que, por esse mesmo motivo, deixaram de satisfazer.
II - Sendo possível afirmar, perante os elementos trazidos aos autos pela requerente e através do teor do relatório elaborado pelo administrador da insolvência, que a situação económica dos requerentes se agravou sensivelmente nos últimos tempos em função de vicissitudes inerentes à sua situação pessoal e familiar, permitindo concluir ainda que os requerentes adoptaram um “ comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência “ ( o que, a não acontecer, lhes retiraria o merecimento da atribuição deste benefício ), o incidente de exoneração do passivo restante deverá ter seguimento, não se justificando, do ponto de vista substantivo, o seu indeferimento liminar, nos termos do artº 238º, nº 1, alínea d), do CIRE.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.
Requereram M. e A., através de requerimento entrado em juízo em 13 de Maio de 2011 e ao abrigo do disposto nos artsº 23º, 235º e segs., 249º e segs., do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ), a sua declaração de insolvência, bem como a exoneração do passivo restante.
Alegaram essencialmente :
São casados, um com o outro, no regime de comunhão de bens adquiridos, sendo o seu agregado composto pelos requerentes e um filho com 12 anos de idade.
 O requerente marido trabalha como motorista de pesados, auferindo uma remuneração mensal líquida de € 811,00; a requerente mulher trabalha como operária fabril, auferindo uma remuneração mensal de € 472,00.
O seu património é de €113.515,00, tendo obrigações no montante de €130.294.00, apesar de ainda não estarem em incumprimento das obrigações.
A situação de insolvência deveu-se ao facto de que, no ano de 2007, depois de terem adquirido casa própria para habitação e um veículo automóvel, com recurso a crédito bancário, a requerente mulher começou a ficar doente, recorrendo a acompanhamento médico, o que a obrigou a permanecer longos tempos de baixa, incapacitada para o trabalho, o que ocorre desde o ano de 2007 até à presente data.
No ano de 2010, a requerente ficou grávida, com despesas de deslocação e medicação e consultas, que agravaram a situação financeira do casal.
De modo a satisfazer as despesas com alimentação, habitação, vestuário e saúde e as despesas escolares do menor, contrataram empréstimos, acreditando na melhoria da sua situação económica.
Na assembleia de apreciação do relatório foi dada a possibilidade dos credores se pronunciarem sobre o requerimento.
Os credores B…S.A. e C… declararam opor-se à proposta de exoneração de passivo.
O primeiro credor alegou que os requerente não cumpriram o prazo de apresentação à insolvência.
O Sr. administrador de insolvência deu parecer no sentido de não existirem motivos para o indeferimento do pedido.
Foi apresentado RELATÓRIO pelo administrador de insolvência, conforme fls. 43 a 47, no qual se refere essencialmente :
“ ( … ) Em 2007, a insolvente mulher ficou gravemente doente. Após várias consultas, tratamentos e diagnósticos, veio a descobrir que sofria de várias doenças, algumas que chegam mesmo a ser incapacitantes, tais como Artrite Reumatóide, Fibromialgia, Síndrome de Sjogren e Hipotiroidismo.
O estado de saúde agravou-se, pelo que a mesma ficou por longos períodos de baixa, situação essa que se mantém até à presente data. O marido sofre de diabetes e como tal necessitam ambos de cuidados médicos especiais.
No ano de 2010, a insolvente mulher fica grávida, sendo que tal gravidez atentos os problemas de saúde que a mesma padece, revela-se uma gravidez de risco, e as despesas de saúde do agregado familiar aumentam ainda mais atentas as necessidades de deslocações frequentes a Lisboa, para consultas médicas.
Assim, em face do aqui exposto os insolventes sofreram uma aumento exponencial das suas despesas, nomeadamente nas despesas com a saúde o que originou que os mesmos passassem a ter menos rendimento disponível para fazer face às suas obrigações, logo passaram a ter grandes dificuldades no cumprimento das mesmas.
Esta situação de desequilíbrio económico afectou a normalidade da vida familiar causando-lhes especial constrangimento pessoal e social. Não obstante os esforços que efectuaram junto dos seus credores na tentativa de negociar planos de pagamento reais e adequados à sua situação financeira actual, não foram por estes aceites.
Assim, viram-se aqui os insolventes numa situação de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações, não possuindo património ou rendimentos suficientes para fazer face ao seu passivo, tendo por essa razão os mesmos interposto a presente acção a peticionara declaração de insolvência, que veio a ser declarada…”. 
Por sentença de 29 de Junho de 2011, foi julgada procedente a acção, declarando-se a insolvência dos requerentes M. e A. ( fls. 38 a 42 ).
Através da decisão proferida em 21 de Setembro de 2011 foi deferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ( fls. 50 a 54 ).
Apresentou o credor B… S.A. recurso desta decisão, o qual veio a ser admitido como de apelação ( fls. 65 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 55 a 63, formulou o apelante as seguintes conclusões :
1ª – Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 21 de Setembro de 2011 pelo qual o Tribunal a quo admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante requerido pelos insolventes.
2ª – O recorrente não se pode conformar com tal entendimento, não tendo a decisão recorrida acolhido devidamente a especificidade da matéria em causa e o âmbito jurídico da mesma, sendo manifesto a improcedência do pedido de exoneração apresentado.
3ª – Os insolventes requereram, no seu requerimento de insolvência datado de 13 de Maio de 2011 a exoneração do passivo restante nos termos do artº 236º, nº 1, do CIRE.
4ª – A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem decidido, de forma pacífica, que o prazo de seis meses previsto na alínea a) do artº 238º, do CIRE conta-se a partir do momento da verificação da situação de insolvência.
5ª – Os insolventes apresentam uma situação de insolvência, pelo menos, desde 2007, data em que a requerente mulher começou a ficar gravemente doente – artº 16º da petição inicial.
6ª – Aliás, foi esse o fundamento, aliado a uma alegada gravidez de risco da insolvente A, no ano de 2010, para justificar o pedido de insolvência requerido nos autos e dado como válido e assente na sentença que decretou a insolvência, datada de 29 de Junho de 2011.
7ª – Acresce que não é verdade o alegado no artº 38º da petição inicial : “ Encontrando-se numa situação em que, não obstante não estarem em incumprimento com nenhuma das suas obrigações até Novembro de 2010, concluem não conseguir cumprir as mesmas a partir desta data.
8ª – Com efeito, na sequência do exercício da sua actividade bancária, o reclamente e os insolventes celebraram, em 13 de Agosto de 2007, um contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato, no valor de € 105.000,00., para aquisição da fracção autónoma designada pela letra “ … “, correspondente ao …, destinado a habitação, sito em ….
9ª – A aludida quantia mutuada foi efectivamente entregue aos mutuários, ora insolventes, por crédito na sua conta de depósitos à ordem junto do B… S.A..
10ª – Para garantia do bom pagamento da importância mutuada, dos juros à taxa anual efectiva de 10,5 %, acrescido de uma sobretaxa de mora de 2% e despesas judiciais e extrajudiciais no valor de € 4.200,00 que o Banco houvesse de fazer para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, os mutuários insolventes constituíram sobre a aludida fracção hipoteca a favor da aqui credora reclamante recorrente.
11ª – Porém, os mutuários insolventes não efectuaram o pagamento das prestações vencidas relativamente ao empréstimo acima identificado em 1 de Setembro de 2010, nem as subsequentes.
12ª – Mantendo-se desde essa data a situação de incumprimento por parte dos insolventes, razão pela qual, em virtude da sentença de insolvência proferida em 29 de Junho de 2011, se apurou em dívida o capital de € 102.344,55, a que acrescem juros remuneratórios, sendo o total em dívida de € 106.632,97, de que é credora a reclamante recorrente. 
13ª – Deste modo resulta inequívoco que os insolventes, em virtude da comunicabilidade da dívida, entraram em incumprimento em 1 de Setembro de 2010.
14ª – E apresentaram-se a esta insolvência em 13 de Maio de 2011.
15ª – Atento o exposto, os insolventes não cumpriram o prazo a que alude o artº 238º, nº 1, alínea d) do CIRE, razão pela qual deveria o pedido de exoneração do passivo restante requerido pelos insolventes ser liminarmente indeferido.
16ª – Importa ainda realçar que o crédito reclamado pela recorrente representa cerca de 82,75% dos créditos reclamados nestes autos, pelo qual tal conduta omissiva por parte dos insolventes acarretou e acarreta prejuízos para este credor recorrente.
17ª – Considerando o património dos insolventes à data do vencimento das referidas dívidas, resulta que estes apenas se apresentaram à insolvência decorrido bem mais de seis meses depois da sua impossibilidade de cumprimento, que se deve aferir em função da incapacidade ou impotência financeira ou patrimonial para liquidar as obrigações vencidas.
18ª – Acresce ainda que o referido comportamento temerário e negligente dos insolventes acarretou sérios prejuízos para os credores reclamantes, nomeadamente resultante da sua não apresentação à insolvência no prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com o avolumar das dívidas dos requerentes e o protelamento do pagamento dos seus créditos.
19ª – Face a todos os elementos expostos, cedo se verifica que o lapso temporal, e os comportamentos tidos pelos insolventes, foram lesivos para os credores existentes e implicaram um acréscimo do passivo, pelo que não poderá a exoneração do passivo restante ser deferida.
20ª – Por último, cumpre referir que as causas da insolvência foram o facto de terem sido diagnosticadas no ano de 2007 várias doenças à insolvente A., algumas que chegam mesmo a ser incapacitantes, tais como artrite reumatóide, fibromialgia, síndrome de Sjogren e Hipotiroidismo, bem como a alegada gravidez de risco da insolvente A… ( 30 anos ) no ano de 2010 e os alegados diabetes de que padece o insolvente M..
21ª – Ora, estas alegadas doenças não estão documentadas nos autos pelo que não deveriam ter sido dadas como provadas na decisão recorrida ( pontos 4º, 5º e 6º dos factos dados como provados ).
22ª – Face a tudo o exposto, não se encontram minimamente preenchidos os requisitos previstos e determinados nos artigos 235º e segs do CIRE, para a concessão da exoneração do passivo restante formulado, devendo por isso ser liminarmente rejeitado.
23ª – Tendo a decisão recorrida violado o artº 238, nº 1, alíenas d) e g) do CIRE, devendo a mesma ser revogada nos termos e para os efeitos vertidos no artº 246º do mesmo diploma legal.
Não houve resposta.
 
III - FACTOS PROVADOS.
1- M…. e A…. estão casados um com o outro, sendo o agregado familiar composto pelos próprios insolventes e por dois filhos com 13 anos e um bebé com 6 meses;
2- M…. tem 40 anos de idade e exerce funções de motorista de pesados auferindo mensalmente a remuneração de €811;
3- A…. tem 31 anos de exerce funções de operária fabril, auferindo uma remuneração mensal líquida de €472;
4- No ano de 2007, a insolvente mulher ficou gravemente doente, situação que se agravou, o que faz com que fique longos períodos de baixa, o que se mantém;
5- O marido sofre de diabetes e necessita de cuidados médicos especiais;
6- No ano de 2010, a insolvente mulher fica grávida, sendo tal gravidez de risco;
7- Os insolventes sofreram um aumento exponencial das despesas, nomeadamente nas despesas de saúde, o que fez com que ficassem com grandes dificuldades no cumprimento das obrigações;
 
IV – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 - Da exoneração do passivo restante. Âmbito e finalidades.
2 - Deferimento liminar do incidente. Análise da efectiva verificação do previsto na alínea d), do nº 1, do artº 238º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1].
Passemos à sua análise :
1 - Da exoneração do passivo restante. Âmbito e finalidades.
Conforme escreve Catarina Serra, in “ O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução “, pags. 73 a 74, o objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é “ a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “ aprendida a lição “, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica “.
Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente - emblematicamente designada de modelo fresh star ou da nova oportunidade.
A atribuição deste benefício[2] pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente, inclusive anterior ao processo, de forma a poder concluir-se que é dele merecedor[3].
Neste sentido, afirma Assunção Cristas in “ Novo Direito da Insolvência “, Revista Thémis, Ano de 2005, pag. 170, que para ser proferido despacho inicial “ é necessário que o devedor preencha determinados requisitos de ordem substantiva. A saber que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência ( … ) é neste momento inicial de obtenção do despacho inicial de acolhimento do pedido de exoneração que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e a provar. A conduta do devedor é devidamente analisada através da ponderação de dados objectivos passíveis de revelarem se a pessoa se afigura ou não merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta. “.
De salientar ainda que, conforme é enfatizado no preâmbulo do CIRE, o objectivo precípuo do processo de insolvência constitui o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência[4], não podendo o hodierno fenómeno social do sobreendividamento[5] - abarcado pelo carácter amplo e abrangente da figura da exoneração do passivo restante - ser erigido em objecto imediato deste mesmo instituto[6].
Competindo ao processo de insolvência criar as melhores e mais realistas condições para que o devedor possa cumprir, na medida do possível, as suas obrigações perante os credores, atendendo às circunstâncias da vida que, de modo imprevisto, fortuito ou acidental, o conduziram à situação de inadimplemento,
não servirá, contudo, fins meramente assistencialistas, não se destinando a cobrir situações de pura irresponsabilidade económica e a caucionar condutas que se revelem contra  a racionalidade e o bom senso elementares - que a todos se exige na vida em sociedade.[7]
2 - Deferimento liminar do incidente. Análise da efectiva verificação do previsto na alínea d), do nº 1, do artº 238º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Dispõe o artº 238º, nº 1, do CIRE :
“ O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se :
( … )
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigando a apresentar-se, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica ; “.
Conforme escreve sobre esta matéria Catarina Serra, in “ O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução “, pags. 73 a 74, o objectivo do instituto da exoneração do passivo restante é “ a extinção das dívidas e a libertação do devedor, para que, “ aprendida a lição “, este não fique inibido de começar de novo e de, eventualmente, retomar o exercício da sua actividade económica “.
Está em causa a libertação definitiva dos débitos não integralmente satisfeitos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo a reabilitação económica do insolvente.
In casu,
Consta da decisão recorrida :
“Tendo em conta os fundamentos de indeferimento liminar previstos no artigo 238.º, n.º1 do CIRE, confrontando-os com os elementos apurados, chegamos à seguinte conclusão:
-os devedores apresentaram o pedido de exoneração do passivo tempestivamente (artigo 236.º, n.º1 e 238.º, n.º1, alínea a) do CIRE);
-não se apuram elementos que indiciem o fornecimento pelos insolventes de informações falsas ou incompletas sobre a sua situação económica [al. b)];
-os insolventes não beneficiaram da exoneração do passivo restante nos dez anos anteriores á data de início do processo de insolvência [al. c)];
-não se apuraram por parte dos insolventes condenações transitadas em julgado pelos crimes previstos nos artigos 227.º e 238.º do CIRE [al. f)];
-não resulta que os insolventes tenham violado os deveres de informação, apresentação e colaboração [al. g)].
Coloca-se a questão da alínea e), relativa à existência de elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.
Em primeiro lugar, importa tomar em consideração as circunstâncias que levaram à insolvência, tendo os devedores se colocado numa situação de sobre endividamento num contexto de doença dos membros do agregado familiar, particularmente grave na situação da insolvente mulher, que faz diminuir as receitas do casal e aumentar as respectivas despesas. Posteriormente, nasceu um filho, circunstância que muitas vezes não é programável e que é, por conhecimento geral, gerador de elevadas despesas. Veja-se o parecer do Sr. administrador de insolvência.
Assim, entendemos que não existem elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na situação de insolvência.
Consideramos, assim, que esta causa de indeferimento liminar não está verificada.
Importa ter em consideração, por último, o disposto na alínea d). O pedido é indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
O artigo 18.º do CIRE estabelece que o devedor deve requerer a declaração de insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência. Está numa situação de insolvência quem se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Exceptua-se, contudo, do dever de apresentação à insolvência das pessoas singulares que não sejam titulares de empresa (artigo 18.º, n.º2 do CIRE).
No caso concreto, verifica-se que os devedores são pessoas singulares, pelo que não estão obrigados a apresentar-se à insolvência.
Contudo, ainda seria possível concluir que os devedores se abstiveram dessa apresentação nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
No caso concreto, entendemos que não se mostra comprovado nos autos que os devedores não podiam deixar de ignorar, atenta a condição pessoal supra referida, a inexistência de perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
Debatendo-se os devedores com problemas de saúde e confrontados com o nascimento de um filho, é de admitir que estes tenham feito um prognóstico de reversibilidade da situação e de recuperação da capacidade produtiva, o que acabou por não acontecer. Trata-se de um juízo razoável e que afasta a culpa grave na não consideração pelos devedores de uma deterioração da sua situação económica.
      Pelo exposto, entendo que o pedido de exoneração do passivo não é de indeferir liminarmente. “.
Vejamos :
A decisão recorrida não nos merece qualquer reparo.
Com efeito,
Compete aos requerentes do pedido de exoneração do passivo restante expor, em termos claros, completos e discriminados, a situação de facto que explica a insuficiência patrimonial registada, com menção dos créditos ( natureza, montantes e vencimento ) que, por esse mesmo motivo, deixaram de satisfazer.
In casu,
Fizeram-no com o desenvolvimento suficiente - não tendo sido tal matéria verdadeiramente contraditada, mas antes acolhida no relatório elaborado pelo administrador.
Indicaram os factores que estiveram na base do seu descalabro económico, procedendo ainda ao elenco de todos os créditos que, neste contexto, deixaram de conseguir honrar.
Em contrapartida,
Nem o administrador da insolvência, nem qualquer dos credores ( e mesmo aqueles que se opuseram ao pedido, incluindo a ora apelante ) evidenciaram, em termos concretos e inequívocos, a verificação de atraso na apresentação à insolvência conexo com a produção de significativos prejuízos, gerados autonomamente como consequência dessa mesma intempestividade.
Assim,
Perante os elementos trazidos aos autos, é possível concluir que a situação económica dos insolventes se agravou sensivelmente nos últimos tempos em função de vicissitudes inerentes à sua situação pessoal e familiar.
Cumpre salientar, sobre esta matéria, que o credor ora apelante reconhece que o incumprimento que dá origem ao seu crédito apenas se iniciou em Setembro de 2010[8], sendo certo que o mesmo representa 82,75% dos créditos reclamados nos autos[9].
Daqui se retira que a situação de insolvência dos apelados não data do ano de 2007 – embora as dificuldades económicas tivessem começado então - tendo estes procurado porfiadamente ir cumprindo as suas obrigações até ao momento – em Setembro de 2010 – em que, objectivamente, tal se tornou impossível.
Ora,
A diferença temporal de Setembro de 2010 a 13 de Maio de 2011 ( oito meses ) que mediou entre o momento em que se verificou o início do incumprimento e a data da apresentação à insolvência compreende-se, não representando, por si só, qualquer significativo atraso.
Muito menos a apontada diferença de dois meses[10] traduz qualquer prejuízo autónomo e relevante para efeitos de retirar aos insolventes, gravosamente, a possibilidade de usufruírem da exoneração do passivo restante.
Isto é,
Os factos apurados revelam que,
Em toda a sequência conducente à apresentação à insolvência, os requerentes adoptaram um “ comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência “ - o que, a não acontecer, lhes retiraria - então e só então - o merecimento da atribuição deste benefício.
Por outro lado,
A natureza específica dos presentes autos não obrigava à prova necessária e forçosamente documental ou pericial da situação clínica dos insolventes, não tendo, sobre esta matéria, sido suscitada nos autos qualquer dúvida séria[11].
Assim sendo,
Os factos alegados pelos requerentes que justificam e explicam o seu pedido não são susceptíveis de integrar a previsão da alínea d) do nº 1, do CIRE.
O incidente de exoneração do passivo restante deverá ter, por ora, seguimento.
A apelação improcede.

III - DECISÃO :
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 6 de Março de 2011.

Luís Espírito Santo
Gouveia Barros
Conceição Saavedra
----------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Doravante simplificadamente referenciado por “ CIRE “.
[2] Que comporta uma correspectiva perda patrimonial para os credores.
[3] Vide, sobre este ponto, Luís Carvalho Fernandes, in “ Colectânea de Estudos sobre a Insolvência “, pags. 276 e 277.
[4] No mesmo sentido, vide Assunção Cristas, na obra citada, fls. 160, ao definir o processo de insolvência como “ tendente à obtenção de um resultado que é, primordialmente ( embora não exclusivamente ), a satisfação dos interesses dos credores “.
[5] Sobre os mecanismos de “ tratamento do sobreendividamento “, vide Catariana Frade, in “ Mediação do Sobreendividamento : uma solução célere e de proximidade “, publicado na Revista Thémis, Ano VI, pag. 201 e segs.
[6] Sobre este ponto, vide Luís Carvalho Fernandes, in obra citada supra, pag. 308, e preâmbulo do CIRE onde se refere : “ Esclareça-se que a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores. “.
[7] Variada tem sido a jurisprudência em torno dos requisitos exigíveis para a admissão liminar do pedido : salientou-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2009 ( relatora Sílvia Pires ), publicado in “ Contratos Comerciais, Direito Bancário e Insolvência ( CIRE ) “, Tomo Temático da Colectânea de Jurisprudência, pags. 710 a 712, que “ a não observância do prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência por pessoa singular não titular de empresa comercial, para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante tem que resultar clara nos autos e ser cumulativa com a evidência de que o atraso na apresentação prejudicou os interesses dos credores, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica “, negando-se, portanto, tal indeferimento em relação ao requerente que havia “ titular de sociedade comercial “ declarada insolvente dois anos antes e da qual tinha sido avalista, ascendendo os créditos reclamados a mais de € 255.000,00.
Já no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2006 ( relator Vaz Gomes ), publicado in “ Contratos Comerciais, Direito Bancário e Insolvência ( CIRE ) “, Tomo Temático da Colectânea de Jurisprudência, pags. 719 a 722, se concluiu “ deve presumir-se o prejuízo dos credores de o requerente da exoneração quando seja manifesto que ele, desde há vários anos, não tinha bens penhoráveis susceptíveis de satisfazer os créditos dos seus credores “.
Enfatiza-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Janeiro de 2006 ( relator Pinto de Almeida ), publicado in “ Contratos Comerciais, Direito Bancário e Insolvência ( CIRE ) “, Tomo Temático da Colectânea de Jurisprudência, pags. 722 a 724, que “ na apreciação do deferimento liminar ou não do pedido de exoneração do passivo restante se afira se o devedor/insolvente é merecedor de uma nova oportunidade e esta tem de sobressair do seu comportamento anterior, lícito e transparente, bem como aos deveres associados ao processo de insolvência. “.
No mesmo sentido, escreve-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Setembro de 2010 ( relator Ramos Lopes ), publicitado in www.jusnet.pt : “ A prolação do despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante está dependente de se poder concluir ter tido o devedor um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé, no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência. “.
Vincando este aspecto, afirmou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Janeiro de 2010 ( relator António Valente ), publicado in www.dgsi.pt  : “ A razão de ser da exoneração do passivo restante é a de facultar ao insolvente, mesmo que com manifesto prejuízo dos credores, a possibilidade de refazer a sua vida em termos económicos, pelo simples método de o libertar do pagamento das dívidas que subsistiam após os pagamentos efectuados no decurso do processo e insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
Trata-se, como é bom de ver, de uma medida extremamente gravosa para os credores e como tal deve ser analisada cuidadosamente, nomeadamente atentando-se no comportamento do devedor, na transparência e boa fé que demonstrou desde o vencimento dos débitos. “.
Da mesma forma, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Julho de 2009 ( relatora Maria José Mouro ), publicitado in www.jusnet.pt aludiu-se a que “ para caracterizar a insolvência ( … ) o que verdadeiramente releva é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado de continuar a satisfazer a generalidade dos compromissos “, confirmando-se o indeferimento liminar do pedido de exoneração à requerente que ao longo de anos recorreu ao crédito pessoal para pagar as despesas do agregado familiar e gastos imprevistos, apresentando um passivo de capital de € 137.970,22, afirmando-se ainda que “ resultando da normalidade da normalidade das coisas prejuízo para os credores pela não apresentação tempestiva, atento o aumento dos créditos face ao vencimento de juros, pelo avolumar do passivo global da insolvente ( o que dificulta o pagamento dos créditos ) e pelo retardamento da cobrança dos créditos. “.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Outubro de 2010 ( relator Filipe Caroço ), publicado in www.dgsi.pt, pronunciou-se no sentido de que “ Ao estabelecer-se, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos ( a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer ). São estes comportamentos desconformes ao proceder honesto, lícito, transparente e de boa fé, cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida a possibilidade ( verificados os demais requisitos ) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica. “.
No que concerne ao ónus da alegação dos requisitos ( positivos e negativos ) de que depende a concessão da exoneração do passivo restante, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Maio de 2010 ( relatora Isabel Fonseca ), publicitado in www.jusnet.pt : “ …se o insolvente pretende beneficiar da prerrogativa de exoneração do passivo restante, é sobre o mesmo que recai o ónus de alegação e prova dos respectivos requisitos, que integram factos constitutivos do seu direito - artº 342º, nº 1, do Cód. Civil ( … ) há que não confundir factos constitutivos do direito, sejam eles positivos ou negativos, cuja prova incumbe à parte que invoca o direito, seja por acção seja por reconvenção, com as regras próprias do ónus probatório relativas às acções de simples apreciação negativa ( … ) No caso, seguramente que o insolvente se encontra em melhor posição que os seus credores para explicitar as vicissitudes que conduziram à situação de insolvência e à sua inexorabilidade, por forma a que se possa concluir que sempre agiu com lisura de procedimentos e, portanto, que, pese embora não se tenha apresentado à insolvência, é merecedor de uma nova oportunidade. “.
Em sentido oposto, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2010 ( relator Oliveira de Vasconcelos ) e de 6 de Julho de 2010 ( relator Fernandes do Vale ), publicados in www.dgsi.pt, que concluíram no sentido de que as alíneas do nº 1, do artº 238º, do CIRE, ao estabelecerem os fundamentos do indeferimento liminar do pedido de exoneração restante não constituem factos constitutivos do direito do devedor a pedir a exoneração, mas, pelo contrário, factos impeditivos desse direito, cujo ónus de prova compete ao administrador de insolvência e aos credores, em obediência à regra geral consignada no nº 2 do artº 342º, do Código Civil.
[8] Vide conclusão 13ª das alegações de recurso.
[9] Vide conclusão 18ª das alegações de recurso.
[10] Tendo por referência o prazo de seis meses previsto na alínea d), do nº 1, do artº 238º do CIRE.
[11] O Banco ora apelante limitou-se a aludir, na assembleia, a que “…sensivelmente desde Abril do presente ano tem havido um uso frequente de processos desta natureza contra créditos concedidos pelo B…S.A., para aquisição de habitação própria permanente, onde a justificação utilizada é geralmente a mesma ( doença que padece a cônjuge mulher )…” ( cfr. fls. 49 ).