Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17790/10.5YYLSB-B.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
OPOSIÇÃO
EFEITO COMINATÓRIO PLENO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Desaparecido o efeito cominatório pleno com a reforma de 1995, a falta de oposição à prestação espontânea de caução, ainda que a revelia seja relevante, não obstará a que o juiz aprecie se os fundamentos alegados pelo requerente justificam a prestação de caução.
II - O oferecimento como caução de uma hipoteca que já garantia a quantia exequenda tem se considerar como inidóneo a assegurar qualquer reforço da segurança do exequente.
III - Face ao regime instituído pelo DL 38/2003, a existência de garantia real suficiente (constituída antes do processo executivo ou por via de penhora já efectuada), bastará à suspensão da execução, em caso de dedução à oposição, sem necessidade de prestação de caução suplementar.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

I – RELATÓRIO.
A… executado na acção executiva para pagamento de quantia certa contra si instaurada por B…, veio deduzir incidente de prestação de caução, nos termos do disposto no 818º do CPC,
alegando, em síntese:
na formalização do mútuo que deu origem ao título executivo foi prestada hipoteca sobre a fracção do imóvel que identifica, para garantia do bom e pontual cumprimento do contrato, hipoteca que se encontra definitivamente registada a favor da exequente;
o ora requerente oferece caução através de uma hipoteca por valor muito superior ao peticionado pelo exequente;
por mero dever de patrocínio e à cautela, para a eventualidade  de o tribunal considerar necessária a prestação de 2ª caução através de nova hipoteca, o ora requerente está disponível para realizar tal, se isso for julgado necessário.
Conclui, requerendo a suspensão do processo de execução.
Notificada para deduzir oposição, a exequente nada disse.
Pelo juiz a quo, foi proferido despacho a julgar improcedente o incidente de prestação de caução, com o seguinte fundamento:
O exequente nomeou, e bem, à penhora o imóvel dado de garantia, através de hipoteca, ao contrato de mútuo que se executa.
Assim, torna-se evidente que o presente incidente é manifestamente inútil, uma vez que o executado não oferece, como caução, qualquer outra garantia de que o exequente não disponha já, por via do próprio contrato que executa, sendo tal bem o primeiro a responder pela quantia devida, por força do já citado artigo 835º, n.º 1, do CPC”.
Não se conformando com tal despacho, o executado dele interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem subjacente a douta sentença proferida que vem julgar improcedente o incidente de prestação de caução, por considerar a garantia oferecida como não idónea, no entanto, e salvo o devido respeito, tendo por base a fundamentação de direito outra deveria ser a decisão ora em apreço.
2. Tal caução iria ser prestada através da constituição de uma hipoteca voluntária sobre um imóvel, melhor identificado na douta sentença, imóvel este que igualmente serve de garantia ao contrato de mútuo subjacente à acção executiva, tendo, no entanto, um valor muito superior à alegada obrigação que visa garantir.
3. Estatui o n.º 3, do artigo 988º, do CPC que na eventualidade de o citado não deduzir oposição e devendo a revelia considerar-se operante, a caução oferecida é logo considerada idónea. Caso contrário aplica-se, com as necessárias adaptações o constante nos artigos 983º e 984º do CPC.
4. Acresce que, o n.º 3, do artigo 984.º do CPC prevê, na eventualidade de impugnação da idoneidade da garantia o juiz profere decisão após a realização das diligências necessárias.
5. Ora, na situação em apreço, a Exequente não deduziu oposição, assim a revelia deve ser considerada operante (nos termos do artigo 484.º do CPC) e consequentemente a decisão deveria ter sido em sentido diverso.
6. Mesmo a não ser considerada operante a referida revelia, a decisão não deveria ir naquele sentido.
7. O Apelante, com o devido respeito, não vislumbra a razão da caução por si oferecida não ter sido tida como suficiente, válida e operante, uma vez que, o alegado crédito exequendo está plenamente garantido.
8. A garantia oferecida pelo Apelante é legalmente idónea para servir de caução, nos termos do artigo 623.º do C.C.
9. O facto de o Apelante não oferecer como caução uma garantia nova, mas sim afectar uma preexistente aos fins da caução, não é motivo para a considerar não idónea, uma vez que, a quantia exequenda já se encontra garantida.
10. Em suma, os fins da caução tanto são alcançados mediante uma garantia de constituição nova, bem como mediante uma garantia preexistente.
11. Neste sentido veja-se In Curso de Processo Executivo Comum; pág.162/163, o qual refere: “A suspensão da execução deve ter lugar contanto que a dívida exequenda tenha já uma garantia anteriormente constituída que cabalmente assegure o seu cumprimento e devendo, se assim acontecer, suspender-se a execução mesmo sem necessidade de prestação da atinente caução.”
12. Acresce que, a idoneidade de uma caução verifica-se quando a mesma é prestada por um dos meios legalmente admitidos, e o seu valor seja suficiente para garantir a quantia alegadamente em divida, o que se verifica na situação em apreço.
13. Ora, se a obrigação já esta garantida, não existe qualquer razão para obrigar o Apelante a prestar uma caução diferente para a suspensão da execução, devendo a mesma ser considerada idónea com todos os devidos efeitos legais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, a questões levantadas pela apelante são unicamente as seguintes:
1. Se a ausência de oposição, obrigava o juiz a uma decisão de procedência do incidente de caução.
2. Idoneidade da caução oferecida.
3. Suspensão da execução no caso de existência de garantia real anterior.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
1. Se a ausência de oposição obriga o juiz a uma decisão de procedência do incidente de prestação de caução.
Segundo o Apelante, o nº 3 do art. 988º do CPC impunha que, na eventualidade do citado não deduzir oposição, a revelia se considerasse operante, considerando-se idónea a caução.
Dispõe o art. 988º, sob a epígrafe, “Prestação espontânea de caução”.
1. Sendo a caução oferecida por aquele que tem obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
2. A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor e a idoneidade da garantia.
3. Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 983º e 984º.
4. Quando a caução for oferecida em substituição de hipoteca legal, o devedor, além de indicar o valor dela e o modo de a prestar, formulará e justificará na petição inicial o pedido de substituição e o credor será citado para impugnar também este pedido, observando-se, quanto à impugnação dele, o disposto no número anterior relativamente à impugnação do valor e da idoneidade da caução.
As dificuldades residirão na interpretação a dar ao nº3 da citada norma, nomeadamente, no alcance da expressão, “é logo julgada idónea a caução oferecida”, podendo levantar-se a dúvida sobre se nos encontramos perante uma condenação de preceito ou uma mera confissão dos factos, ou, ainda, se perante um reconhecimento do pedido mas circunscrito à idoneidade da caução – quanto ao seu montante ou à modalidade de caução oferecida.
A actual redacção dos arts. 981º e ss., respeitantes à prestação de caução, resultou da reforma do processo civil introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro.
O art. 433º do CPC, respeitante à prestação espontânea de caução, na redacção anterior ao citado diploma recorria à seguinte mesma fórmula “ – se o citado não deduzir oposição, é logo “julgada idónea a caução oferecida”.
Constatamos, assim, ter sido aditada a tal norma, com o DL 329-A/95, a expressão “devendo a revelia considerar-se operante” – ou seja, a ausência de oposição só implicará que a caução venha a ser julgada idónea, no caso de a revelia se considerar operante[1].
O teor e o âmbito das alterações surgem um pouco mais claras quanto à prestação provocada de caução:
Enquanto o nº2, do anterior art. 429º, determinava que “o requerido é citado para deduzir oposição, sob pena de “confissão do pedido”, o actual art. 983º, nº1, prevê que “o requerido é citado para, no prazo de 15 dias, deduzir oposição ou oferecer caução idónea, devendo indicar logo as provas[2]”.
No Preâmbulo do citado DL nº 329-A/95, aponta-se como traço comum às alterações introduzidas em todos os processos especiais, como decorrência do regime fixado para o processo comum declaratório, a adopção de um único efeito – o cominatório semi-pleno – para todas as hipóteses de revelia.
E, mais adiante, ao analisar especificamente a reformulação do regime da prestação de caução, o legislador refere expressamente como uma das alterações relevantes a nível substancial, a “eliminação dos efeitos cominatórios plenos[3].
Assim sendo, e desaparecido o efeito cominatório pleno, a falta de oposição importará, pelo menos, a confissão dos factos articulados pelo autor[4], ou ainda, ou quando muito, querendo atribuir algum sentido útil à expressão “julgar idónea a caução”, a admissão de que o valor oferecido e o modo pelo qual pretende prestar a caução são adequados.
Não poderá é ter o sentido que lhe pretende dar o apelante – que a falta de oposição implicasse, sem mais, e necessariamente, a procedência do incidente julgando-se idónea a garantia oferecida.
Com efeito, e se o legislador prevê a obrigatoriedade do autor indicar, na petição inicial, o motivo porque a oferece, o valor a caucionar e o modo porque a quer prestar, a citação do requerido é efectuada unicamente para “impugnar o valor ou a idoneidade da garantia”, e só em relação a estes dois factores surge a cominação da vir a ser julgada idónea a caução oferecida.
Ou seja, pelo menos quanto ao motivo pelo qual é oferecida a caução, sempre restaria ao juiz inteira liberdade de aplicar o direito à situação em apreço, aferindo se a mesma se enquadra dentro das hipóteses e fins para os quais a lei prevê a prestação de caução – se a situação em apreço constituiu um caso de obrigação legal de prestar caução ou se a caução surge como condição de exercício de determinados direitos.
Face ao desiderato de eliminação do efeito cominatório pleno, expressamente reconhecido pelo legislador, teremos que entender que a cominação prevista no nº 3 do art. 988º – se o citado não deduzir oposição, é logo julgada idónea a caução oferecida –, não obstará a que, considerando confessados os factos alegados pelo requerente, o juiz julgue improcedente a caução oferecida por manifestamente destituída de fundamento ou por manifesta inadequação quanto ao valor ou quanto ao meio oferecido[5].
Concluindo, a falta de dedução da oposição por parte do exequente, e sendo a revelia operante, não obstava a que o juiz a quo apreciasse o mérito do pedido formulado pelo requerente.
            2. Idoneidade da caução oferecida para efeitos de suspensão da execução ao abrigo do art. 818º do CPC.
Segundo o Apelante, a garantia por si oferecida é legalmente idónea para servir de caução, sendo que “o facto de o apelante não oferecer como caução uma garantia nova, mas sim afectar a pré-existente aos fins da caução, não é motivo para a não considerar idónea, uma vez que a quantia exequenda já se encontra garantida.
Antes de mais, haverá que atentar em que, em bom rigor, o pedido formulado pelo executado a título principal não reside na prestação de caução por meio de hipoteca:
O que ele pretende, em primeiro lugar, é que se tenha em consideração a hipoteca já prestada, uma vez que a mesma seria suficiente para garantir a quantia exequenda, e que se suspenda a execução.
Ele oferece como caução a hipoteca já prestada aquando da celebração do contrato de mútuo que aqui se executa.
E, só para o caso de assim se não entender, ou seja, unicamente a título subsidiário – “na eventualidade do tribunal considerar necessária a prestação de 2ª caução através de hipoteca, o ora requerente está disponível para realizar tal, se isso for julgado necessário”.
Ora, ao “disponibilizar” a hipoteca já anteriormente constituída aquando da celebração do contrato de mútuo, na realidade, o requerente não oferece qualquer garantia que o exequente não tenha já – ou seja, verdadeiramente nada oferece como caução.
Com efeito, constituindo a caução uma garantia especial das obrigações[6] (arts. 623º e ss. do CC), da sua prestação terá de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie.
Ou, como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-04-2009[7], a caução, quando exigida por lei, deve constituir “um mais” em relação às garantias pré-existentes.
Assim sendo, a prestação de caução através de hipoteca constituída aquando da celebração do contrato que se executa e para garantia do mesmo, terá de ser considerada inidónea por, na prática, não aportar qualquer garantia adicional em relação às garantias existentes para pagamento da quantia exequenda.
Já no caso de se propor a constituição de uma nova hipoteca a incidir sobre o mesmo bem, pode tal proposta importar um benefício para o exequente, na medida em que a hipoteca anterior não cubra a totalidade da quantia exequenda ou os respectivos juros, e se pretenda cobrir o valor não abrangido pela 1ª hipoteca.
De qualquer modo, não se poderá ter em consideração este pedido formulado a título subsidiário, uma vez que o nº3 do art.982º, exige que, oferecendo-se caução por meio de hipoteca, “apresentar-se-á logo certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda certidão do rendimento colectável, se o houver”.
Ora, tratando-se de um incidente urgente, nos termos do nº2 do art. 990º[8], era obrigação do requerente apresentar logo com o requerimento inicial, a certidão de registo provisório da hipoteca a constituir[9], o que não fez, limitando-se a juntar uma certidão da qual consta a hipoteca constituída aquando da celebração do contrato de mutuo que se executa.  
Ou seja, e concluindo, a caução oferecida pelo requerente sempre se teria de considera inidónea.
3. Suspensão da execução no caso de existência de garantia real anterior.
Questão diferente da idoneidade da caução e que o Apelante confunde nas suas alegações, será determinar se, encontrando-se já devidamente garantida a quantia exequenda e respectivos juros – como será o caso, uma vez que a hipoteca constituída garante um valor superior ao aqui executado – se poderá prescindir da prestação de caução, para efeitos de suspensão da execução nos termos do art. 818º do CPC.
Tal questão, embora com algumas nuances, tem vindo a obter resposta tendencialmente afirmativa na doutrina[10] e resposta negativa na jurisprudência[11].
Quando a lei faz depender a suspensão da execução pela dedução de oposição, da prestação de caução, têm vindo a ser associadas a esta as finalidades de garantia de pagamento da quantia exequenda e de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora de prosseguimento da acção executiva, evitando que, por virtude de tal demora, o executado venha a delapidar o seu património.
Como referia o Prof. Alberto dos Reis, a exigência legal de que o embargante preste caução tem por fim “por o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento da acção executiva; desde que o exequente tem a segurança de que, se os embargos improcederem, encontrará à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização efectiva do seu crédito, o seguimento da execução não tem razão de ser[12]”.
No sentido de que a existência de uma garantia real torna desnecessária a prestação de caução quando aquela possa cobrir os riscos decorrentes da suspensão da execução, começaram por se pronunciar, Vaz Serra e Anselmo de Castro[13].
“Não se afigura que deva julgar-se sempre necessário que o embargante preste caução, quando o crédito do exequente se ache já assegurado por uma garantia real, tudo dependendo de saber se, no caso concreto, essa garantia é ou não suficiente para colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento da execução[14]”.
Vaz Serra desvaloriza o facto de a lei não distinguir, no que respeita à necessidade de prestação de caução, as situações em que a quantia se mostra coberta por uma garantia diversa da penhora, por esta ou por nenhuma: no seu entender, a situação do crédito já provido de outra garantia real, especialmente quando se trata de hipoteca ou outra garantia real suficiente, confere ao credor uma segurança superior à que a penhora lhe oferece, pois atribui preferência ao credor em qualquer processo[15].
José Lebre de Freitas, no âmbito do regime anterior à reforma da acção executiva introduzida pelo DL 38/2003, e respondendo à questão de saber se, havendo garantia real suficiente (constituída antes do processo ou por via de penhora já efectuada), ela basta à suspensão da execução, sem necessidade de prestar caução suplementar, afirmou que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível eventualmente existente entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo[16]”.
J. P. Remédio Marques, partindo da ideia de que desempenhando a caução uma mera função de garantia (lato sensu) do cumprimento das obrigações, ser-lhe-ia alheia a finalidade de o exequente ficar a salvo dos riscos e prejuízos resultantes da demora da execução, concluía, então, que a ratio do nº1 do art. 818º do CPC só impunha a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efectuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo[17].
Carlos Lopes do Rego dispensa igualmente a constituição de uma nova garantia, dando embora à questão um enquadramento diferente:
“É evidente que, se se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, nos termos do art. 986º, “prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente[18]”.
O regime da suspensão da execução, por via do recebimento da oposição, veio a sofrer alterações com a reforma da acção executiva introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Março, distinguindo-se consoante houve, ou não, lugar a citação prévia do executado:
- havendo lugar a citação prévia, o regime anterior mantém-se: a execução só é suspensa quando o oponente preste caução, ou no caso de impugnação da assinatura do documento particular (nº1 do art. 818º);
- não havendo lugar a citação prévia, “o recebimento da oposição suspende o processo de execução, sem prejuízo do reforço ou da substituição da penhora” (nº2 do art. 818º).
O nº2 veio consagrar um regime diferente para o caso de não ter havido lugar a citação prévia, e que tem como pressuposto a constatação de que, em tal caso, aquando da citação e da dedução da oposição o exequente já se encontra munido de uma garantia real, a penhora.
Ou seja, o legislador considerou que o facto de os direitos do exequente se encontrarem acautelados pela penhora já efectuada (sem prejuízo do seu eventual reforço ou substituição), torna desnecessária a prestação de caução, dado o que com esta se pretende acautelar já se encontra contido na penhora efectuada.
Encontrar-se-á subjacente uma preocupação de equilíbrio entre a posição do exequente e a do executado, de molde a não onerar excessivamente este último, nomeadamente com obrigatoriedade de prestação de caução, aí se fazendo a destrinça entre os executados que beneficiaram de citação prévia e aqueles em que tal não ocorreu[19].
Ora, tais considerações valerão, por maioria de razão, para o exequente já munido de hipoteca prévia, sobretudo, tendo em consideração que esta é uma garantia muito mais forte do que a penhora, não só tendo em consideração a preferência que lhe é dada relativamente a créditos de outra natureza, mas igualmente pelo facto de não vir a ser afectada pela declaração de insolvência do devedor.
Pronunciando-se quanto às consequências relativamente a tal questão, das alterações introduzidas pelo DL 38/2003, de 8 de Março, afirmam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes:
“A questão está hoje resolvida quanto à penhora: uma vez ela efectuada, a posterior oposição à execução acarreta a automática suspensão do processo executivo, sem prejuízo do reforço ou da substituição da penhora, nos termos do art. 834º-3. A lei perfilhou a ideia de que, havendo garantia constituída pela penhora, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o valor do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo. Esta mesma ideia, decorrente do princípio da proporcionalidade ou da adequação a observar na penhora é invocável para outras garantias, constituídas antes do processo, que não há razão para duplicar, pelo que terão de ser tomadas em conta quando se põe a questão do montante da caução a prestar[20]”.
Concluindo, atendendo aos seguintes factos, considerados pelo tribunal a quo:
1. A exequente veio instaurar acção executiva para pagamento de quantia certa contra o executado, tendo por título executivo um contrato de mútuo garantido por hipoteca voluntária constituída sobre a fracção autónoma, designada pela letra Q, do prédio id. no requerimento inicial.
2. A executada deduziu oposição à execução, a qual foi recebida.
E aos seguintes factos, resultantes dos documentos juntos aos autos:
3. Pela Ap. 22 de 04.11.2008, tal hipoteca ficou inscrita definitivamente em 04.11.2008 a favor da exequente, com o capital de 59.000,00 € (certidão junta pelo requerente/oponente);
4. Na execução encontra-se peticionado o valor de € 48.670,00.
Face às considerações expostas, não tendo o exequente deduzido oposição ao requerido, consideremos que o valor da quantia exequenda e respectivos juros se encontram já devidamente acautelados pela hipoteca registada a 04.11.2008, sendo de deferir o pedido de suspensão da execução.
A apelação procederá.

IV – DECISÃO.
Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar a apelação procedente, revogando-se decisão recorrida, defere-se o pedido de suspensão da execução formulado ao abrigo do art. 818º, nº1 do CPC.
Sem custas[21].
                                                                                    
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2012

Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] Aditamento que, por si só, pouco esclarece pois, a dúvida situar-se-á, não tanto na determinação das situações em que a revelia é inoperante (casos previstos no nº1 do art. 484º e 485º, do CPC), mas nas consequências da revelia operante (e no significado da expressão “julgar idónea a caução”).
[2] Quanto a esta norma, eliminando-se, embora, o efeito cominatório pleno resultante da expressão “confissão do pedido”, não se refere qualquer cominação para a revelia operante.
[3] Também Carlos Lopes do Rego, se refere a tal alteração, em anotação ao citado art. 988º:
“I - Corresponde, no essencial, ao regime que o art. 433º estabelecia para a prestação espontânea de caução. Porém – em consonância com o estabelecido no âmbito da prestação provocada de caução – é eliminado o efeito cominatório pleno, que se verificava sempre que o citado não deduzisse oposição, julgando-se imediatamente idónea a caução oferecida. Pelo contrário, o nº3 deste artigo exclui o efeito cominatório quando a revelia não deva considerar-se operante, nomeadamente quando ocorram as excepções previstas no art. 485º – não implicando o silêncio do credor que deva presumir-se, sem mais, a garantia oferecida como idónea.” – cfr, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pag. 640.
E, em anotação ao art. 982º, respeitante à prestação provocada de caução, explicita um pouco mais o alcance de tal alteração: “(…), ao contrário do que sucedia face ao estatuído no nº2 do art. 429º – foi eliminado o efeito cominatório pleno ali estabelecido para a falta de oposição: tal implica, à semelhança do que ocorre no domínio do processo comum, que a falta de oposição não dispensa o juiz de verificar se os fundamentos alegados pelo requerente justificam, do ponto de vista jurídico, a existência de uma obrigação de caucionar e se o valor indicado é com ela concludente” – obra citada, pag. 635.
[4] Regime regra consagrado pelo art. 484º, nº1 do CPC, para o processo ordinário, e aplicável ao processo sumário e processos especiais, por força do nº1 do art. 463º, desde que não contrariado pelas disposições que lhes são próprias.
[5] Nomeadamente, no caso de o requerente oferecer a prestação de caução por um meio diferente dos expressamente previstos nos ns. 1 e 2 do art. 623º do CC.
[6] A caução é considerada uma garantia para obrigações incertas, quer quanto à sua existência, quer quanto ao seu âmbito, com o significado de assegurar algo que se encontra exposto a um risco ou o cumprimento de uma obrigação, ainda que futura ou eventual – cfr., neste sentido, Luís Menezes Leitão, “Garantias das Obrigações”, pag. 115, nota 263.
[7] Acórdão relatado por Freitas Vieira, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Introduzido pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro (aplicável às acções intentadas posteriormente a 31 de Março de 2009).
[9] Cfr., neste sentido, entre outros, Ac. TRL de 03-05-2011, in http://www.dgsi.pt/jtrl., e Ac. TRP de 16.12.2009, in http://www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel.
[10] Em sentido divergente, na doutrina, encontrámos unicamente a opinião de Jacinto Rodrigues Bastos, com o único fundamento de que “isso mesmo resulta do texto legal” – cfr., “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. IV, Lisboa, 1984, pag. 37.
[11] A jurisprudência vem decidindo que a suspensão da execução, decorrente da dedução de oposição à execução implica sempre a prestação de caução – cfr., entre outros, Acórdãos do TRP de 28.04.2011, relatado por Deolinda Varão, e de 02.04.2009, relatado por Freitas Vieira, e Ac. TRL de 04.02.2010, relatado por Silva Santos, disponíveis in http://dgsi.pt.
[12] “Processo de Execução”, Vol. 2º, Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, pag. 66.
[13] “A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial”, 3ª ed., pag. 322 e ss.
[14] Anotação ao Ac. STJ de 18.01.1966, in RLJ Ano 99, pag. 221 e ss.
[15] Cfr. local citado, pag. 222, onde, a tal respeito, afirma ainda Vaz Serra: “Verificado que, por ex., o crédito do exequente está garantido por hipoteca bastante para lhe assegurar que, caso sejam improcedentes os embargos, terá o mesmo exequente à sua disposição valores que lhe permitirão a satisfação do seu crédito, a que título impor ao embargante o encargo de prestar outra caução, que aliás, pode ser outra hipoteca? Não será absurdo que, tendo ele já constituído uma hipoteca para garantia do crédito, e sendo esta suficiente, se lhe exija que preste outra hipoteca ou outra caução? Não será isso agravar, sem necessidade, a situação do executado”.
[16] “A Acção Executiva à luz do Código Registo”, 2ª ed., Coimbra Editora, pag. 166, nota 76.
[17] “Curso de Processo Executivo Comum, à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, pag. 163 e 164. Fernando Amâncio Ferreira, com base em igual fundamento, pronuncia-se no mesmo sentido, já na vigência do actual regime da acção executiva: “Sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da acção executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à acção executiva, ou se ulteriormente se efectuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo” – cfr., “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, pag. 196.
[18] “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pag. 543.
[19] Cfr., neste sentido, Ac. TRL de 23.06.2009, relatado por Rosário Gonçalves, disponível in http://www.dgsi.pt.
[20] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora 2003, pag. 327.
[21] A exequente não deu causa ao recurso nem apresentou contra-alegações.