Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1260/10.4YXLSB.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: MANDATO
SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O processo constitui um conjunto encadeado de atos, que se articulam entre si, compreende-se a sua interdependência, de modo a que se constituía num todo harmónico com vista à obtenção da justa composição do litígio, mas no respeito dos direitos que assistem às partes, nomeadamente, o contraditório, trave mestra de todo o sistema.
II - Neste entendimento justifica-se a ponderação de todos os elementos constantes dos autos, de modo que na respetiva observância, seja proferida decisão que se harmonize com o demais já ali constante, incumbindo ao juiz, sem prejuízo do impulso processual, providenciar pelo andamento, desde logo, regular, para além de célere, do processo, na qual se espera a cooperação de todos os intervenientes e boa fé processual das partes.
III - Invocando o R. a necessidade de dispensa de segredo profissional para exercer o seu direito de defesa, e assim um prazo maior para apresentação da contestação, o que lhe foi diferido, tendo sido a mesma apresentada no dia em que tal dispensa foi concedida, apreciando o Tribunal a contestação, admitindo o pedido reconvencional na mesma formulada, declarando-se incompetente em razão do valor e ordenando a remessa ao Competente, não pode este último julgar inválido o ato de apresentação da contestação
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
           
I - Relatório
1. A e S demandaram L, pedindo que o R seja condenado a pagar-lhe a quantia de 12.196,20€,  a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, a partir da data de citação.
2. Alegam para tanto que contrataram o R. como advogado, para os representar em juízo, assinando e entregando procuração para tanto, no âmbito do processo que passaria a correr trâmites no tribunal.
Contudo, o R. não atuou com a diligência e competência que lhe assistia, mostrando total desinteresse pela causa, o que representou para os AA um prejuízo de 10.196,20€, e de danos não patrimoniais quantificados em 2.000,00€.
2. Apresentada a contestação, foi ordenado o seu desentranhamento.
3. Considerados confessados os factos articulados na petição inicial pelos AA, foi proferida sentença que condenou o R. a pagar aos AA a quantia de 12.196,20€, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, e vincendos à taxa supletiva legal geral, até efetivo e integral pagamento.
4. Inconformado, veio o R. interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
· A presente ação foi distribuída nos Juízos Cíveis de Lisboa, correndo termos na Secção do Juízo.
· O recorrente, foi citado para contestar a ação a 30 de setembro de 2010.
· A presente ação prende-se coma a relação profissional entre o R. e os AA, decorrente do mandato forense, por via do facto do R. ter a qualidade de advogado.
· Tendo o R. a qualidade de advogado, s sua profissão rege-se pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, publicado pela Lei n.º 15/2005 de 25 de janeiro, EOA.
· Ora o art.º 87, do EOA, consagra no n.º 1 que: “…o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha das suas funções ou da prestação dos seus serviços” e no seu n.º 3 determina que “o segredo profissional abrange os documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo”.
· Acresce que o n.º 5 do mesmo preceito determina “ os atos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.
· Já o n.º 4 determina e na parte que interessa nos autos que “ o advogado pode revelar os factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado (..) mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos do respetivo regulamento.
· Ora o R. não poderá contestar a petição inicial apresentada pelos AA, ora recorridos, sob pena da sua prova não ser aceite por violação do art.º 87, do EOA.
· Como bem se nota, nem no seu interesse, como é in casu o advogado pode revelar segredos profissionais sem a necessária autorização prévia do órgão respetivo.
· Face ao exposto, o R. disso informou o Tribunal e solicitou duas prorrogações de prazo, que foram aceites, exatamente por se entender assistir razão ao R.
· O R. foi notificado a 10 de dezembro de 2010, cfr. doc. 25 da contestação, que o seu requerimento de levantamento de sigilo profissional, foi deferido, e nesse mesmo dia apresentou a sua contestação.
· A contestação, foi iniciada por uma questão prévia que se cita “1. Quer a advogada subscritora, quer o R na qualidade de advogado, requereram a dispensa de sigilo profissional junto do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados. 2.º Entendeu o Ex.mo Senhor D., Ilustre Advogado e … do Conselho Distrital de …, conceder o diferimento do pedido formulado e que se junta como doc. 25 dando-se aqui por integralmente reproduzido/3.º Esse deferimento tem a data de hoje, 10 de dezembro de 2010, reunindo assim quer a mandatária quer mandante, as condições civis, criminais, e estatutárias, para efetivar a defesa concreta do R.”
· Pelo que se infere que está expressamente justificada a data de entrada do articulado,
· E nessa sequência mereceu o seguinte despacho que no que interessa determina: “No caso concreto, uma vez que foi deduzida contestação e dentro do prazo quer para uma forma processual”  e mais foi determinado a redistribuição da ação para as Varas Cíveis de …, por via de alteração do valor da ação, correndo agora termos no Tribunal a quo.
· Tal despacho foi notificado às partes e não foi impugnado, pelo que transitou em julgado.
· Ou seja a contestação é tempestiva.
· Aliás sempre se dirá, que o Juiz titular que detinha o dominus do processo e conhecia a sua dinâmica, só proferiu tal despacho apenas motivado pelo justo impedimento do R.
· Sucede que a Secretaria do Tribunal a quo por manifesto erro nos termos do n.º 6 do art.º 161, do CPC, imputa uma multa ao R. nos termos do n.º 6 do art.º 145, n.º 6, que na realidade o recorrente não pagou, nem tinha de pagar.
· Consequentemente o Tribunal a quo determina o desentranhamento da contestação por falta do pagamento de multa, tendo o R. se oposto e consequentemente a secretaria volta a informar que o prazo para contestar tinha terminado a 6 de dezembro, e o R. não tinha pago a multa, e consequentemente foi o R. notificado da confirmação do desentranhamento e para alegar, tendo este mantido alegação do erro da secretaria, e por fim foi notificado da sentença condenatória por via da revelia do R.
· Na perspetiva do R. o Tribunal a quo tinha todos os elementos no processo, para decidir de forma diferente, a saber: a) que a relação material controvertida prende-se como o mandato por via do facto de o recorrente ter a qualidade de advogado; b) que o recorrente para contestar tinha obrigatoriamente de solicitar ao Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados o levantamento do sigilo profissional para poder exercer a sua defesa; c) que o recorrente-advogado o alegou e requereu prazo para esse fim, tendo sido deferido; d) que o recorrente apresentou a sua contestação no mesmo dia em que foi notificado de tal autorização; e) que o juiz titular junto dos juízos cíveis de … determinou que a contestação entrou em prazo e que o referido despacho transitou em julgado.
· Porém foi induzido por um erro de secretaria, que não pode em caso algum afetar os direitos das partes, nos termos do n.º1, do art.º 161, do CPC.
· A douta sentença em crise violou, face ao sentido decisório, o disposto no n.º 3 do art.º 265, e o art.º 265-A, do CPC, pois do processo constam todos os elementos, anteriores à contestação e a este articulado propriamente dito, para verificar que o R. alegou justo impedimento, que é de conhecimento oficioso, e que contestou no dia em que este cessou, cfr. doc. 25 junto com a contestação, pelo que deveriam ter sido realizadas todas as diligências com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
· Em consequência a sentença é nula, nos termos da al. e) do art.º 668, porque se pronunciou sobre a não admissão da contestação quando esta já estava admitida por despacho transitado em julgado.
· Nestes termos, deve o recurso ser procedente por provado, e como consequência necessária revogada a sentença recorrida e substituída por outra que admita a contestação do R., seguindo-se os ulteriores termos do processo.
     5. Cumpre apreciar e decidir.
*
            II – Do enquadramento facto-jurídico
            Na sentença sob recurso, considerando a não contestação, deram-se como confessados, por parte do R., os factos articulados na petição inicial e, assim:
- Que os AA. celebraram com M um contrato promessa de compra e venda de um imóvel;
- Que por razões diversas foi suscitado em tribunal por aquela a devolução do sinal que tinha pago pela celebração do referido contrato promessa;
- Que citados para contestar, os AA. contrataram o Advogado, L, aqui R., para os representar em juízo, assinando e entregando procuração para o efeito, conforme orientação deste, Doc. 1, fls. 1 a 4 – e liquidando o respetivo valor solicitado por este para realizar os préstimos jurídicos no processo que passaria a correr trâmites em tribunal, sem no entanto, este nunca ter passado recibo para o efeito;
- Que foi distribuído no Juízo Cível, Secção, processo n.º …;
- Que realizada a contestação pelo R. foi feito despacho saneador com a cominação legal de apresentar testemunhas;
- Que contudo, nem foi alguma vez suscitado ou requerido pelo R. aos AA. qualquer testemunha, ou elemento de prova, como nunca foi apresentado qualquer testemunha por este nos autos;
- Que quando os AA. por diversas vezes colocaram à disposição do R. e quando fosse considerado oportuno por este, os nomes das respetivas testemunhas;
- Que imposta a necessidade de liquidar a taxa de justiça subsequente, decorrente do despacho saneador proferido foi também por este omitido tal desiderato e nunca requereu aos AA. o seu pagamento, mesmo quando instado para pagamento, com a respetiva multa;
- Que agendada para dia 27 de outubro de 2008 a data da audiência de discussão e julgamento o R., como mandatário dos AA., não compareceu e não informou, nem justificou, os AA. da ocorrência ou se haveria alguém a substitui-lo;
- Que marcada a data para a leitura de resposta aos quesitos, também não compareceu;
- Que em 9 de janeiro de 2009 é proferida sentença e o réu nunca informou os AA. da decisão judicial, nem nunca solicitou ou questionou estes da possibilidade de recurso;
- Que os autores só vêm a ter conhecimento da sentença porque notificados para pagar as custas judiciais, em abril de 2009, já bem depois da sentença ter transitado em julgado, que ocorreu em 22 de janeiro de 2001;
- Que os AA., surpreendidos, tentam por todos os meios saber o que se passa junto do seu mandatário, que nunca conseguiram e preocupados e sem qualquer informação dirigem-se então a tribunal para saber o que se passa, onde deparam então com a total e manifesta impossibilidade de já não poderem fazer mais nada, com a agravante de terem que pagar não só as custas judiciais, como a quantia em que foram condenados no processo em causa, tudo no montante de 10.196,20 euros (dez mil cento e noventa e seis euros e vinte cêntimos);
- Que mais uma vez, tentam não só por telefone, como por carta, obter uma qualquer informação que os pudesse serenar e explicar o que se passava, mas sempre resultaram infrutíferas as tentativas realizadas e a respetiva sentença de condenação executada pela, entretanto, exequente L, no processo aludido supra, provocando manifesta consternação perante a penhora de bens dos autores, o que obrigou à necessidade de pagamento das custas também do processo executivo, que correu trâmites no º juízo de execução,.ª secção, processo n.º ….;
- Que a conduta do réu representou para os AA. um prejuízo de 10.196,20 euros;
- Que os autores sentiram frustração de uma expectativa provável de sucesso na ação que foi referenciada pelo R. como suscetível de obter vencimento, também pela imposição de não poderem recorrer uma vez que já tinha decorrido o prazo para o efeito, agravado pelo processo executivo instaurado contra os AA. e que levou à penhora de bens destes sem que alguma vez tenham sido advertidos do que quer que seja pelo R.
            No atendimento do factualismo enunciado entendeu-se que os AA, ora recorridos tinham logrado comprovar todos os pressupostos da responsabilidade, pois pela conduta do ora Apelante, fora-lhes vedada a possibilidade de defesa no processo, o que acontecera com culpa, presumida – presunção que o R. não lograra ilidir.
            Das conclusões formuladas no recurso apresentado pelo R., ora recorrente, que como se sabe, definem o respetivo objeto, artigos 684.º, n.º 3, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC, resulta que a questão[1] a apreciar prende-se, tão só, com a validade do ato de apresentação da contestação.
            Para tanto relevam as seguintes ocorrências processuais:
1. Os AA vieram interpor a presente ação, invocando que contrataram o R, como advogado, para os representar em juízo, não tendo este atuado com a diligência e competência devidas, o que representou para eles prejuízos e danos não patrimoniais que pretendem ver ressarcidos
2. Foi atribuído inicialmente o valor de 12.196.20€, sendo os autos distribuídos junto do Juízo Cível.
3. O R. foi citado em 30.9.2010.
4. O R., alegando que a causa se prendia com factos, acontecimentos e pessoas que chegaram ao seu conhecimento através da relação profissional estabelecida com os AA, estando o conteúdo da petição inicial abrangido pelo segredo profissional, tendo elaborado requerimento de autorização de levantamento de sigilo profissional dirigido ao Presidente do Conselho Distrital de … da Ordem dos Advogados, requereu que fosse fixado prazo para a apresentação da contestação, ou em alternativa fosse considerado interrompido o prazo de contestação até notificação por parte dos órgãos competentes da Ordem dos Advogados sobre o requerimento de levantamento de sigilo profissional, ou em alternativa e em último caso, fosse considerado esse evento como justo impedimento que obsta à prática do ato, nos termos do art.º 146, do CPC.
5. Em 25.10.2010 foi proferido despacho no qual se consignou:
Vem o R. pedir a prorrogação de prazo para contestar, referindo, entre outros argumentos, que carece de autorização da Ordem dos Advogados para levantamento do sigilo e poder adequadamente se defender.
Compreendem-se os motivos invocados. Pois se em causa estão factos decorrentes do mandato, poderá ter razão o R. quando afirma que precisa de ser autorizado a levantar o sigilo para se defender. E nessa medida, quando estatui o legislador que quando haja motivo ponderoso que impeça ou dificulte o mandatário de organizar a defesa do R. atempada este pode pedir a prorrogação do prazo para a sua apresentação, cfr. art.º 486, n.º 5 CPC, cremos que ser precisamente para este tipo de situações.
Porque os autos não podem ficar indefinidamente à espera que a Ordem dos Advogados tome uma decisão, concede-se mais trinta dias para que o il. mandatário apresente a sua defesa e interceda junto da AO a conceder-lhe uma resposta dentro desse prazo.
6. Por requerimento de 24.11.2010 veio o R. pedir a concessão de mais um prazo de 10 dias, por não ter sido ainda informado do pedido de autorização para levantamento do sigilo profissional.
7. Em 26.11.2010, no despacho proferido consignou-se:
(…) Deferido, pelo prazo máximo de mais 10 dias, findos os quais se não for apresentada contestação a ação seguirá os seus termos (…)
8. O despacho foi notificado no dia 29.11.2010 (conforme certificação CITIUS[2])
9. A contestação foi apresentada no dia 10.12.2010.
10. Na contestação, a título de questão prévia, fez-se constar que o deferimento da dispensa do sigilo profissional foi realizado nesse dia 10.12.2010 reunindo assim o mandatário e mandante condições civis, criminais e estatutárias para efetuar a defesa concreta do R., tendo igualmente sido deduzido pedido reconvencional.
11. Com a contestação foi junto a fls. 161, um Documento Único de Cobrança (DUC) com data de emissão de 7.04.2010.
12. Os AA vieram apresentar a resposta a contestação, na qual, para além do mais invocam a incompetência do Tribunal em razão do valor, no sentido de os autos prosseguirem os seus termos nas Varas Cíveis.
13. Em 25.01.2011, foi proferido despacho, no qual se consignou:
(….) Contestando o R. vem ainda apresentar pedido reconvencional. E note-se que o seu pedido reconvencional, mau grado os argumentos dos AA para que não fosse admitido, deriva de toda a sua defesa.(…)
(…) Assim sendo, admitindo o pedido reconvencional, conclui-se que o R. peticiona uma condenação dos AA no valor total de 17.950€ (correspondente aos honorários em falta e indemnizações).
Ao valor da ação soma-se o valor do pedido reconvencional (porque distintos) e assim se encontra o valor da ação, a qual se cifra, e se fixa em 30.146.20€ (….)
(….) No caso concreto, uma vez que já foi deduzida contestação, e dentro do prazo quer para uma forma processual, considerando que existe no processo réplica e tréplica (própria para o processo ordinário), não se vislumbra que tenha havido até ao momento qualquer diminuição de garantias processuais, pelo que não há que proceder à anulação do processado posterior à p.i. seguindo agora os autos na forma de processo ordinário (….)
(…) E deste modo, pelo valor da ação fácil é constatar que a presente ação em função do valor tem a forma de processo ordinário e deve ser julgada nas varas cíveis de Lisboa.
Em face do exposto, julgo este juízo cível incompetente, em razão do valor, para tramitar a presente ação que ora segue a forma de processo ordinário, julgando competente as Varas Cíveis de …, pelo que determino a remessa dos autos para aquelas Varas Cíveis.
14. A fls 273, na conclusão de 23.03.2011, foi prestada a seguinte informação:
“Informando Vª Exª que se verifica dos autos que o DUC de fls. 161 se encontra registado em prcº que corre termos pelo Tribunal do Trabalho de C…, motivo pelo qual a multa do art.º 145º do CPC pela apresentação tardia da contestação, não se mostra efetuada.
Verificado tal facto, foi o mandatário do Réu notificado nos termos do art.º 145º/6 do CPC, não se mostrando paga a guia que lhe foi enviada e cujo prazo terminou em 10/03/2011.
15. Subsequentemente foi proferido despacho no qual se consignou:
Considerando o supra informado e dado que, já foi dado cumprimento ao disposto no art.º 145.º n.º 6 do C.P.C., estando a validade da apresentação de contestação dependente de tal pagamento que foi omitido, julgo invalidamente praticado o ato de apresentação da contestação e, em consequência, determino o seu desentranhamento dos autos, ficando, em consequência, por falta de tal articulado, prejudicada a réplica (então denominada de resposta) apresentada.
16. O R. veio requerer que fosse mandado informar os autos em que está registado o DUC, junto para efeitos da alínea c) do n.º 5, do art.º 145, do CPC, e no caso de a informação de confirmar, mandar notificar o R. dessa informação, e mandar passar as respetivas guias de pagamento, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
17. Por despacho de 28.04.2011, foi indeferido o requerido.
18. Por requerimento de fls. 290, de 28.05.2011, veio o R. invocar que ao apresentar a sua contestação no dia 10.12.2010, o fez em prazo, tendo sido notificado para pagar uma multa sem qualquer justificação, existindo um erro notório do ato praticado pela secretaria, sendo que por influência desse erro foi a contestação mandada desentranhar. Alegando que está a ser gravemente prejudicado por um erro praticado pela Secretaria, dado que a contestação entrou em tempo, tendo aliás sobre a mesma sido proferido despacho de admissão e a remissão dos juízos Cíveis para as Varas, solicita que seja conhecido tal erro, dando-se sem efeito o desentranhamento da contestação e nulos os atos subsequentes e iniciadas as diligências regulares.
19. A fls. 293, na conclusão de 30.06.2011, foi prestada a informação:
“Informando V. Exª que o R. foi citado em 30.09.2010 e o prazo para apresentação da contestação terminou em 6.12.2010 (art.º 783, 252-A, b) e 486, n.º 6 – fls. 137 e 144  - todos do CPC) tendo a mesma sido apresentada em 10.02.2010 (art.º 145/5º CPC) sem que a multa tenha sido paga pelas razões apontadas a fls. 273.
20. Subsequentemente foi proferido despacho no qual se consignou:
Como resulta do supra do exposto e do já referido na informação e no despacho exarados a fls. 273 do P.P. não assiste fundamento para o deferimento da arguição de nulidade arguida pelo réu.
Nestes termos e porque não existe qualquer ato imputável à secretaria que tenha acarretado algum prejuízo para o requerente, não tendo legal cabimento o ora pretendido, indefere-se o requerido no requerimento em apreço.
Da subsunção jurídica.
Pretende o Recorrente que a data de apresentação da contestação se mostra devidamente justificada no atendimento das vicissitudes processuais enunciadas, maxime no concerne ao pedido de dispensa de sigilo profissional, tendo aliás sido esse o entendimento acolhido no despacho que determinou a remessa dos autos às Varas Cíveis, e que não foi impugnado pelas partes.
Mais alega, que a Secretaria Judicial, por manifesto erro, lhe imputou o pagamento de uma multa nos termos do n.º 6 do art.º 145, do CPC, que não tinha que efetuar, pagamento esse que na realidade não efetuou, o que veio a determinar o desentranhamento da contestação, detendo o Tribunal a quo todos os elementos necessários para verificar que o Recorrente tinha alegado justo impedimento, e que contestara no dia em que o mesmo cessara, pelo deveriam ter sido realizadas as diligências com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio.
Diz ainda, que tendo a sentença sob recurso se pronunciado sobre a não admissão da contestação, quando esta já estava admitida por despacho transitado em julgado, enferma da nulidade prevista no art.º 668, n.º 1, e) do CPC.
Apreciando, e desde logo no concerne à nulidade arguida, prevista quando o o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, não se questiona, que presente o princípio dispositivo, art.º 264, do CPC, compete à parte formular a sua pretensão em juízo, bem como escolher o circunstancialismo em que faz assentar o pedido formulado, isto é, a causa de pedir.
Esta deverá, assim, ser entendida como o facto produtor de efeitos jurídicos, mas não juridicamente qualificado, isto é, e explicitando, reporta-se, tão só ao facto sob o ponto de vista material, e não à sua possível qualificação jurídica, sabendo-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, de modo diverso ao que acontece quanto à matéria de facto, art.º 664, do CPC, sem prejuízo do disposto no art.º 514 e 665, do mesmo diploma legal.
Por outro lado, não deverá ser esquecido que a nulidade da sentença, como seu vício intrínseco, deve ser apreciado em função do texto e discurso lógico nela desenvolvida, não se confundindo com os erros na apreciação da matéria de facto, e possíveis ilações dela retirada, ou com a errada aplicação das normas jurídica aos factos dados como apurados, que constituem erros de julgamento, a sindicar noutro âmbito.
Ora, concerne à invocada nulidade verifica-se que na sentença agora em crise a referência à não contestação válida do Recorrente assenta no decidido em despacho anterior, e subsequentemente, no atendimento da confissão dos factos alegados na petição inicial, procedeu-se ao enquadramento legal dos mesmos em conformidade com a pretensão formulada, concluindo-se pela procedência do pedido deduzido pelos AA., agora Recorridos.
Verifica-se, assim, que inexiste a desconformidade invocada no que à sentença respeita na observância das premissas trazidas pelos Recorridas, delimitando então o âmbito de conhecimento do Tribunal, questão diversa sendo a de saber se deveria ter sido desde logo proferida tal sentença, por ter sido desconsiderada a contestação apresentada nos termos de decisão anteriormente proferida, e assim aqui impugnada, e a ser apreciada, como decorre do disposto no art.º 691, n.º 3, do CPC.
Na verdade, sabendo-se que o processo constitui um conjunto encadeado de atos, que se articulam entre si, compreende-se a sua interdependência, de modo a que se constituía num todo harmónico com vista à obtenção da justa composição do litígio, mas no respeito dos direitos que assistem às partes, nomeadamente, o contraditório, trave mestra de todo o sistema.
Neste entendimento justifica-se a ponderação de todos os elementos constantes dos autos, de modo que na respetiva observância, seja proferida decisão que se harmonize com o demais já ali constante, incumbindo ao juiz, sem prejuízo do impulso processual, providenciar pelo andamento, desde logo, regular, para além de célere, do processo, na qual se espera a cooperação de todos os intervenientes e boa fé processual das partes, art.º 265, 266 e 266-A, do CPC.
As considerações efetuadas prendem-se com o facto de o Recorrente invocar que aquando da prolação do despacho de fls. 273, que determinou o desentranhamento da contestação, com as consequências processuais decorrentes, não foi tomado em linha de conta o que já constava dos autos e que levava a que não fosse proferida tal decisão, devendo antes os autos prosseguir os seus termos normais, com o atendimento da defesa oferecida.
Adiantando, diremos que lhe assiste razão.
Conforme decorre do enunciado os Recorridos, enquanto AA, interpuseram os presentes autos com vista a serem ressarcidos dos danos que invocam que lhe terem advindo da conduta negligente do R, ora Apelante, no âmbito do exercício da atividade de advogado.
O Recorrente citado, veio dizer que o exercício do seu direito de defesa dependia da dispensa de segredo profissional, pedindo a prorrogação ou interrupção do prazo para contestar, sem deixar, de referenciar, em última análise, a existência de justo impedimento, entendendo o Tribunal que a situação se podia enquadrar no âmbito da prorrogação de prazo, nos termos do art.º 486, n.º 5, do CPC.
Formulado o pedido de concessão de mais um prazo de 10 dias, com fundamento de não ter sido ainda comunicado o resultado do pedido, foi o mesmo deferido, verificando-se que o despacho, datado de 26.11.2010, foi notificado ao Recorrente em 29.11.2010, sendo a contestação junta em 10.12.2010.
Segundo a informação prestada pela Secretaria Judicial o prazo para apresentar a contestação terminava no dia 6.12.2010, e daí que a mesma tenha dado cumprimento ao disposto no art.º 145, n.º 6, do CPC, com remessa de guias para pagamento de multa pela apresentação tardia da contestação.
A consideração de tal data para o fim do prazo encontra-se no disposto no art.º 486, n.º 6, do CPC, como expressamente se fez constar na informação de fls. 293, isto é, a secretaria notificará imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos dos n.º 5, segunda parte e n.º 6 do art.º 176, isto é, tratando-se de atos urgentes, pode ainda ser utilizado o telegrama, a comunicação telefónica é sempre documentada nos autos e seguida de confirmação por qualquer meio; relativamente às partes, apenas é lícita como forma de transmissão de uma convocação ou desconvocação para atos processuais.
Conforme resulta do enunciado não se evidencia que tenha sido observado o cumprimento de tal regime especial, sendo que, regra geral, na notificação por transmissão eletrónica de dados, realizadas através do sistema informático CITIUS, no atendimento da Portaria n.º 114/2008 de 6 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 1538/2008, de 30 de dezembro, nos termos do art.º 21.ºA, n.º5, aquele sistema assegura a certificação da data da elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o prazo termine em dia não útil[3].
Deste modo, e como se depreende, tendo em conta a data da notificação efetuada, bem como a possibilidade de se atender ao regime geral descrito, face ao tramitado, configura-se, que a contagem do prazo de dez dias não terminava no referenciado dia 6.12.2010, mas posteriormente, não se mostrando o mesmo esgotado, aquando da apresentação no dia 10.12.2010, não se justificando, assim a emissão de quaisquer guias para pagamento de multa nos termos do art.º 145, n.º 5, ou 6, por não devida.
Mas, ainda que assim não se entenda, para além da eventual relevância da junção do “DUC de multa” com a contestação, não pode deixar de se considerar a menção expressa efetuada naquela peça processual, a título de questão prévia, de só na data da sua apresentação ter sido deferido o pedido de dispensa de sigilo profissional, o que aliás não foi questionado pelos Recorridos[4], e que face ao que fora alegado previamente pelo Apelante, sempre deveria merecer a atenção do Tribunal e decorrente apreciação em termos de justo impedimento, conforme o disposto no art.º 146, do CPC.
Salientando-se que os Apelados não questionaram a tempestividade da apresentação da contestação, importa, por outro lado ter presente, que em sede de resposta/réplica, aqueles vieram deduzir a exceção da incompetência do Tribunal em razão do valor, tendo em conformidade sido apreciada, para tanto aferindo da admissibilidade do pedido reconvencional vertido na contestação com as inerentes consequências processuais, e essa medida, como se infere, necessariamente, considerando-a validamente apresentada.
Ora, da decisão proferida sobre a competência cabe recurso de apelação, nos termos do art.º 691, n.º 2, b) do CPC, formando-se caso julgado formal, nos termos do art.º 672 do mesmo diploma legal, de que ressalta como necessário pressuposto a validade da apresentação da contestação, nesses termos a ponderar.
Chegados aqui, não resulta, diversamente do entendido, despacho de fls. 273, maxime com os fundamentos invocados, que o ato de apresentação da contestação tenha sido invalidamente praticado, o que determina que o mesmo seja revogado, e anulados os termos processuais posteriores, caso da sentença proferida, devendo os autos prosseguirem os seus termos normais, isto é, condensação, instrução e julgamento.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a apelação, e em conformidade, revogar o despacho que julgou invalidamente praticado o ato de apresentação da contestação, anulando os termos processuais posteriores, prosseguindo o processo, conforme o acima indicado.
Custas afinal.

Lisboa, 20 de Março de 2012

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
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[1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista.
[2] Bem como do histórico do processo em impressão junta na contracapa do 2.º volume.
[3] Cfr. Ac. STJ de 19 de janeiro de 2012, in www.dgsi.pt, referindo que o legislador pretendeu uma igualação do sistema de notificação eletrónica ao sistema de notificação postal, mantendo-se, consequentemente, a preocupação de não reduzir prazos aos advogados em relação à notificação postal.
[4] Como resulta do art.º 3 da resposta/réplica.