Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2193/08.0PULSB.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
BURLA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Integrando a matéria de facto provada, os elementos típicos dos crimes de falsificação de documento e de burla, mas não tendo a falsificação sido executada, apenas, com o fim de concretizar a burla em causa, existe uma situação de concurso real entre aqueles dois crimes;
IIº Com a alteração introduzida ao art.256, do Código Penal, pela Lei nº59/07, de 4Set., o legislador não quis afastar a jurisprudência fixada pelo Ac. do S.T.J. de 4Maio00 (DR Iª Série A nº119, de 23Maio00);
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:
Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº2193/08.0PULSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, em que é arguido, A..., o tribunal, após julgamento, por acórdão de 29Set.11, decidiu:

...
I. Absolve o arguido da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. nos art.256º/1.b) e d) do Código Penal.
II. Absolve o arguido da prática de um crime de burla, p. e p. no artº 217º/1 do Código Penal.
III. Condena o arguido A..., pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. nos artº 256º/1.e) e f), e 3, em concurso aparente com um crime de burla simples, na forma tentada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
….”.

2. Desta decisão recorrem o Ministério Público e o arguido, A..., tendo apresentado motivações, das quais extraíram as seguintes conclusões:
A) O Ministério Público:
1. O arguido A..., foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. nos artº 256º/1.e) e f), e 3, em concurso aparente com um crime de burla simples, na forma tentada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
2. Assim decidindo o tribunal colectivo (com um voto de vencido), contrariou jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3. Na decisão proferida o tribunal colectivo seguiu de perto o Acórdão da Relação de Lisboa de 29/6/2010 (Pº 4395/03.6TDLSB.L1-5) que, com unanimidade, decidiu no sentido do concurso aparente.
4. Contudo nesse processo o Tribunal da Relação fundamentou a sua divergência do STJ por considerar que, dos factos provados, resultava que a falsificação foi utilizada exclusivamente como meio para praticar um concreto crime de burla, esgotando na prática deste crime “a sua danosidade social”.
5. Em abono deste entendimento aí se transcrevia a posição do Professor Figueiredo Dias que, muito claramente, entende apenas se verificar um concurso aparente de normas quando a falsificação seja “levada a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim e de nele esgotar a sua danosidade social”.
6. Bem diversa é a situação dos autos.
7. Nestes autos, embora para a prática do crime de burla o arguido tivesse utilizado um BI falsificado certo é que não resultou provado que o mesmo tivesse obtido e tivesse consigo tal documento com o único propósito de praticar aquele crime em concreto com exclusão de qualquer outro.
8. Existindo uma pluralidade de ilícitos típicos cometidos o arguido deveria ter sido condenado pela prática, em concurso real, de um crime de falsificação de documento, p. e p. nos artº 256º/1.e) e f), e 3 e um crime de burla simples, na forma tentada.
9. Não o fazendo o acórdão violou jurisprudência uniforme fixada pelo Assento nº 8/2000, de 04 de Maio de 2000, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 23 de Maio de 2000 e o disposto no artº 30º do Código Penal,
10. devendo assim ser julgado procedente o presente recurso, alterando-se a decisão recorrida em conformidade.

B) O arguido, A...:
1- O arguido A... foi submetido a julgamento em processo comum e perante tribunal colectivo, acusado, em concurso real e efectivo da prática de dois crimes de falsificação e dois crimes de burla, sendo um na forma tentada, nos termos do artigos 256 nº1 alíneas b), d), e) e f) e nº3 e artigos 217° nº1,22° e 23° todos do Código Penal.
2- Da audiência de julgamento resultaram provados os factos necessários ao preenchimento de apenas de um crime de falsificação e de um crime de burla, na forma tentada, tendo o arguido sido condenado pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento em concurso aparente com um crime de burla simples, na forma tentada, na pena efectiva de um ano e seis meses de prisão.
3- Entende o arguido que a pena de prisão efectiva, não obedece aos princípios dos artigos 40°, 70°, 71 ° e do artigo 50 do Código Penal.
4- Nos termos do nº1 do artigo 71° do Código penal, a determinação da medida da pena, dentro da moldura penal fixada na lei, deverá fixar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
5- Para a escolha concreta da pena estabelece o Código penal, no seu artigo 70°, um critério: se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente a finalidades da punição supra mencionadas.
6- Atendendo à moldura penal, aos critérios estabelecidos pela lei e aos factos dados como provados, entende o arguido que os Meritíssimos Juízes do Tribunal a quo, ao optar pela pena de prisão e ao graduar a mesma como graduou não fez uma correcta apreciação da matéria de facto provada e dos critérios legais para a determinação concreta da medida da pena, em violação do disposto nos artigos 70° e 71 ° do Código Penal.
7- Efectivamente, no entender do arguido, na decisão recorrida não foram tidos devidamente em conta o facto de "1. No dia 30 de Novembro de 2008, de forma não concretamente apurada, a carteira de B..., foi subtraída do interior do seu veículo quando teve acidente de viação em Lisboa. 2. A carteira continha vários documentos pessoais titulados por aquele, .... 3. De forma não concretamente apurada, o arguido entrou na posse destes documentos" (nº1, 2 e 3 dos factos provados com interesse para a decisão no acórdão de que se recorre. Sublinhados nosso), de o arguido não ter antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, o facto de estarmos perante um crime de burla na forma tentada que consumido por crime de falsificação de documento e ao percurso de vida do arguido e das suas condições pessoais (Relatório do Instituto de Reinserção Social).
8- Aliás, como se infere da douta sentença, bem como do certificado do registo criminal, o arguido não tem condenações por crimes da mesma natureza. Acresce que não tendo o arguido praticado crimes da mesma natureza, nunca o arguido foi sujeito a uma pena de multa pela prática de crimes dessa natureza. Não sendo correcta a afirmação do douto acórdão " que a multa, para o arguido, não foi advertência suficiente, pelo que se opta pela pena de prisão."
9- Assim o tribunal a quo devia ter optado pela aplicação de uma pena de multa e não de uma pena de prisão, uma vez que a primeira satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, quer as de prevenção geral quer as de prevenção especial.
10- Caso os Venerandos Juízes Desembargadores não entenderem ser de aplicar ao arguido uma pena de prisão não privativa da liberdade, deverá então ser suspensa por igual período, a pena de prisão de que se recorre.
11- A ser aplicada uma pena de prisão em medida não superior a cinco anos deverá o tribunal suspender a execução da pena se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, conforme impõe o artigo 50° do Código Penal.
12- Por tudo o exposto entende o arguido como adequado e suficiente:
-a aplicação de uma pena de multa dentro dos limites legais de 60 a 600 dias ou;
-assim se não entender, deverá sempre a pena de prisão ser reduzida para um prazo razoável, e sempre suspensa na sua execução
-sem conceder, acaso esse Venerando Tribunal entenda não ser de reduzir a pena de prisão de que se recorre, que a mesma seja suspensa na sua execução.

3. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, concluindo pelo não provimento do recurso do arguido, após o que os recursos foram admitidos a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se pelo provimento do recurso do Ministério Público.
5. Colhidos os vistos legais, realizou-se conferência.
6. Tal como decorre das conclusões dos recursos as questões a apreciar são:
A) Recurso do Ministério Público:
-concurso aparente, ou real, entre os crimes de falsificação de documento e um crime de burla na forma tentada;
B) Recurso do arguido:
-escolha da pena;
-medida da pena;
-suspensão da execução da pena;
*     *     *
IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
2.1. FACTOS PROVADOS COM INTERESSE PARA A DECISÃO
ACUSAÇÃO
1. No dia 30 de Novembro de 2008, de forma não concretamente apurada, a carteira de B..., foi subtraída do interior do seu veículo, quando este teve um acidente de viação em Lisboa.
2. A carteira continha vários documentos pessoais titulados por aquele, nomeadamente o BI com o nº 77… e o cartão BLISS do Banco SANTANDER com o nº 54….
3. De forma não concretamente apurada, o arguido entrou na posse destes documentos.
4. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, foi aposta a fotografia do arguido, por cima da fotografia de B... que constava naquele BI, ficando, assim, escondida, esta última fotografia e foi, ainda, plastificado o referido BI, conseguindo-se assim fazer com que aquele BI parecesse o próprio documento de identificação do arguido.
5. Na noite do dia 12.12.2008, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial "MEDIA MARKT”, sito na zona de Benfica, em Lisboa, para tentar obter um financiamento no valor total de € 1.146,00, em nome de B..., que lhe permitisse adquirir vários artigos.
6. Para esse efeito apresentou-se perante uma das funcionárias deste estabelecimento, C..., apresentando-lhe o supra referido BI titulado por B..., fazendo-se passar por este último, e dizendo a esta funcionária que pretendia obter aquele financiamento para adquirir os referidos produtos.
7. A discrepância entre a idade aparente do arguido e a data de nascimento que constava do BI titulado por B... levou esta funcionária a suspeitar da falsificação do documento de identificação, pelo que, agindo de forma a que o arguido não suspeitasse do que iria fazer, contactou o serviço de segurança do referido estabelecimento para se certificar da situação daquele BI.
8. Porém, o arguido suspeitou de algo e fugiu do estabelecimento.
9. O arguido só não concretizou o negócio de financiamento para aquisição dos supra referidos bens no estabelecimento MEDIA MARKT porque a funcionária que o recebeu suspeitou da situação do BI que o mesmo apresentou.
10. Ao usar o BI titulado por B..., com aposição no mesmo de uma fotografia sua, o arguido bem sabia que usava e detinha um documento com características e dados de identificação alterados, bem sabendo que a sua fotografia ali aposta não correspondia à verdadeira identidade do titular daquele BI, sabendo o arguido que assim punha em causa a fé pública e a credibilidade que os documentos de identificação oferecem em geral.
11. Com a apresentação do referido BI na situação supra referida, o arguido agiu o propósito de criar nos funcionários do estabelecimento MEDIA MARKT a convicção de que a sua identificação era realmente aquela com que se apresentou, de B..., tendo-o usado com o propósito de evitar a sua identificação na transacção que tentou realizar, aproveitando-se de uma identidade alheia para conseguir obter vantagens económicas a que sabia não ter direito, por não ser o verdadeiro titular daquele documento,
12. O arguido sabia que a sua actuação punha em causa a confiança, credibilidade e fé pública que merecem os documentos, nomeadamente os documentos de identificação, quando emitidos pelos serviços competentes.
13. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido.
CONDENAÇÕES AVERBADAS E PROCESSOS PENDENTES
14. O arguido foi condenado por decisão de 29.05.07, transitada em julgado em 13.06.07, no Pº nº 1523/99.8PCALM, do 1º Juízo Criminal de Almada, pela prática, em 09.11.99, de um crime de furto simples, p. e p. no artº 203º/1 do CP, numa pena de 40 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
15. Foi condenado por decisão de 30.07.08, transitada em julgado em 22.09.08, no Pº nº 904/08.2PFXL, do 2º Juízo Criminal do Seixal, pela prática, em 30.07.08, de um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário, p. e p. no artº 291º/1.b) do CP, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
16. Foi condenado por decisão de 05.05.09, transitada em julgado em 12.06.09, no Pº nº 404/07.8GASSB, do Tribunal Judicial de Sesimbra, pela prática, em 23.08.07, de um crime de furto simples e um crime de furto qualificado, p. e p. nos artºs 203º e 204º do CP, numa pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período.
17. Foi condenado por decisão de 19.05.08, transitada em julgado em 27.07.09, no Pº nº 283/05.0GTSTB, do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal, pela prática, em 03.07.05, de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artº 208º do CP, numa pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
18. Foi condenado por decisão de 26.06.09, transitada em julgado em 27.07.09, no Pº nº 822/07.1PGALM, do 2º Juízo Criminal de Almada, pela prática, em 07.09.07, de um crime de furto simples, p. e p. no artº 203º/1 do CP, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
19. Foi condenado por decisão de 12.11.09, transitada em julgado em 02.12.09, no Pº nº 1104/08.7PBSXL, da 2ª Secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 09.08.08, de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. no artº 208º do CP, numa pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
20. Foi condenado por decisão de 09.02.010, transitada em julgado em 01.03.010, no Pº nº 1172/07.9POLSB, da 2ª Secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 06.12.07, de um crime de furto qualificado, p. e p. no artº 204º do CP, numa pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
21. Foi condenado por decisão de 11.03.010, transitada em julgado em 29.03.010, no Pº nº 1630/08.8PFSXL, do 2º Juízo Criminal de Seixal, pela prática, em 08.08.08, de 6 crimes de furto simples, 1 crime de dano simples, 1 crime de dano qualificado, um crime de receptação, 4 crimes de furto qualificado, 2 crimes de condução perigosa, 2 crimes de resistência e coacção, 2 crimes de injúria agravada, e 1 crime de detenção de arma proibida, numa pena de 8 anos de prisão.
22. Foi condenado por decisão de 26.03.010, transitada em julgado em 26.04.010, no Pº nº 6090/08.0TDLSB, do 2º Juízo do Tribunal da Moita, pela prática, em 25.05.08, de 2 crimes de emissão de cheque sem provisão, p. e p. no artº 11º do DL 454/91, de 28.12, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
23. Cumpre pena de 8 anos de prisão à ordem do Pº nº 1630/08.8PFSXL, do 2º Juízo Criminal do Seixal, no estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.
24. Constam, ainda, como pendentes, designadamente, os seguintes processos : nº 876/08.3PELSB, do 4º Juízo Criminal de Lisboa, nº 475/08.0PBSXL do 2º Juízo do Seixal, nº 822/07.1PGALM, do 2º Juízo de Almada e nº 1395/08.3SELSB da 6ª Vara Criminal de Lisboa.
PERCURSO DE VIDA DO ARGUIDO E CONDIÇÕES PESSOAIS
25. A... é oriundo de uma família tradicional de recursos sócio-económicos médios-baixos, existindo forte afectividade entre os seus membros.
26. O arguido completou o 12° ano de escolaridade, quando frequentou a Força Aérea, efectuando posteriormente a frequência universitária na área da Informática, tendo interrompido a actividade académica não só pelo facto de se ter autonomizado do seu agregado de origem, mas fundamentalmente, devido ao consumo abusivo de substâncias estupefacientes.
27. Começou a consumir substâncias estupefacientes, aos 17 anos, quando cumpriu serviço militar como voluntário, situação que se manteve ao longo do seu percurso vivencial, embora tivesse efectuado tentativas de desintoxicação em regime ambulatório e em Comunidade Terapêutica. Na sequência da sua problemática aditiva, A... contraiu doença do foro imunológico, de prognóstico irreversível.
28. A nível laboral desenvolveu actividade diferenciada de forma irregular e em variadas áreas de trabalho, nunca beneficiando de estabilidade, devido também ao percurso aditivo que mantinha.
29. Aos 19 anos iniciou um relacionamento afectivo, actualmente terminado, que se prolongou durante cerca de quinze anos, e do qual tem um filho, com 11 anos, que se encontra à guarda e cuidados da progenitora.
30. Em Agosto de 2008, paralelamente a uma recaída no consumo de estupefacientes, e ao agravamento da instabilidade a nível emocional e laboral, A... agudizou os seus ilícitos criminais.
31. Apresentava na altura, uma reduzida capacidade de autocrítica face ao seu percurso de vida e dificuldade em compreender e aceitar que grande parte da instabilidade que vivenciava, se encontrava directamente relacionada com a problemática de toxicodependência, uma vez que entendia que conseguia controlar a situação, solicitando licenças sem vencimento na altura em que recaía nos consumos.
32. Presentemente, revela maior interiorização face ao desvalor da sua conduta anterior, entendendo que a problemática que apresenta se trata de uma doença que necessita de tratamento, porquanto vem prosseguindo, embora com alguma irregularidade, terapêutica com antagonista" Antaxone".
33. No exterior continua a dispor do apoio de seus familiares, mãe e irmã, embora este enquadramento se encontre condicionado face à sua condição pessoal e vontade consistente em manter uma conduta social ajustada.
34. No Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz onde se encontra desde 18.08.010, registou um incidente disciplinar em Janeiro de 2011, por ter acusado positivo a opiáceos nos testes de despistagem ao consumo de estupefacientes.
35. Na sequência deste incidente disciplinar teve de abandonar a frequência de um curso de formação levado a efeito no E.P.P.C., pela Associação Vale D' Açor.
36. Posteriormente a esta situação, veio a retomar a terapêutica com Antaxone, que tinha interrompido entretanto, o que vem prosseguindo actualmente, com alguma regularidade.
37. Encontra-se presentemente, desocupado a nível laboral e formativo, referindo ter já solicitado colocação laboral.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS COM INTERESSE PARA A DECISÃO
38. No dia 3 de Dezembro de 2008, o arguido dirigiu-se à loja denominada "Al Rossio", sita na Estação do Metro do Rossio, tendo sido atendido pelo funcionário ……., a quem o arguido exibiu o BI supra referido, fazendo-se passar por B..., usando depois o cartão BLlSS do Banco SANTANDER associado à conta bancária titulada por B... para pagar um telemóvel de marca HTC, modelo EP370, que adquiriu neste estabelecimento pelo valor de € 559,90 e ainda para pagar um outro telemóvel de marca Sony Ericsson, modelo W580i, igualmente adquirido neste estabelecimento comercial pelo valor de € 119,90. Na aquisição deste último telemóvel o arguido só utilizou aquele cartão BLlSS para pagar uma parte do preço, mais exactamente para pagar a quantia de € 104,90, o remanescente do preço deste telemóvel, de € 15,00, foi pago pelo arguido em numerário.
39. Ainda nesse dia e voltando a utilizar o supra referido BI e cartão BLISS, o arguido efectuou mais duas aquisições de bens em dois Postos de Abastecimento de Combustível cuja localização não se apurou em concreto, tendo-se o arguido abastecido de combustível por duas vezes nessas situações, num total de € 20,05.
40. Para esse efeito, exibiu e usou os referidos cartões - o BI e o cartão Bliss titulados por B... - fazendo-se o arguido passar por este último naquelas transacções.
41. No dia 12 de Dezembro de 2008, o arguido deslocou-se ao Serviço de Finanças Lisboa 2, sito na Rua Rodrigo da Fonseca, nº 57, em Lisboa, onde solicitou uma segunda via do cartão de contribuinte titulado por B..., tendo para o efeito preenchido e assinado o requerimento de fls. 131 a 132, o qual se dá por reproduzido, imitando a assinatura que constava do supra referido BI titulado por B..., exibindo este documento no referido Serviço de Finanças para conferir credibilidade à identidade com que se apresentou e subscreveu o referido requerimento.
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal quanto aos factos que resultaram provados, adveio do conjunto da prova produzida, apreciada criticamente e conjugada com as regras de experiência e lógica e com a livre convicção dos julgadores.
Assim foi valorado o depoimento da testemunha B..., que, de forma objectiva e isenta, esclareceu apenas o que sabia, no tocante ao desaparecimento da sua carteira, na sequência do acidente de viação que teve, concretizando o conteúdo da mesma e os documentos ali existentes, bem como as operações posteriores cambiárias efectuadas, das quais veio a ter conhecimento pelo extracto enviado, desconhecendo, todavia, o arguido e se foi este o autor das operações efectuadas.
Quanto ao facto de o arguido entrar efectivamente na posse do BI e do cartão, referidos em 2), e da subsequente viciação, por aposição da fotografia e plastificação, tal resulta do próprio documento junto a fls. 304 e do exame pericial de fls. 306, sendo evidente que a foto aposta é a do arguido, presente em julgamento. Tal posse anterior, também é decorrência lógica da utilização posterior que do mesmo efectuou e que foi possível apurar. Na verdade, a testemunha C..., funcionária do estabelecimento MEDIA MARKT, num depoimento absolutamente consistente, seguro, preciso e que mereceu total credibilidade, esclareceu os factos atinentes ao uso do BI pelo arguido naquele estabelecimento, com vista à obtenção de crédito, para obtenção dos produtos constantes do documento de fls. 26 a 28, sendo que foi a postura do arguido, o facto de ter de ligar a alguém para fornecer a sua morada, o boné que envergava à noite, a observação do BI e a disparidade da idade possível do arguido com aquela constante do documento que tinha em seu poder, que a alertaram para a desconformidade do documento. Acresce que, com total segurança reconheceu o arguido em audiência, como sendo a pessoa que atendeu na loja, bem como sendo a constante dos fotogramas de fls. 252 a 275.
Também foi valorado o depoimento da testemunha T1…, controlador das câmaras de vigilância do estabelecimento referido. Esta testemunha, também num depoimento absolutamente credível, reconheceu o arguido em audiência e confirmou ter visualizado a entrada do arguido, bem como o facto de o mesmo estar junto da testemunha C… a fazer um financiamento, tendo sido alertado por esta para a desconformidade possível do BI usado, confirmando o mesmo a sobreposição das fotos. Também esclareceu que o arguido conseguiu fugir, tendo, todavia, deixado a mala que trazia consigo, a qual foi recuperada e entregue à polícia.
Quanto ao concreto conteúdo da mala, foi valorado o auto de apreensão junto aos autos a fls. 5ss e o termo de entrega de fls. 178, resultando, claramente demonstrado que o cartão BLISS também estava na posse do arguido, por estar dentro da mala que foi deixada por ele.
A versão trazida pelo arguido, em face desta prova e quanto à factualidade provada, consubstanciou, pois, a mera negação da evidência, sem qualquer consistência e credibilidade.
Relativamente às condenações averbadas e processos pendentes, o tribunal valorou o Certificado de Registo Criminal de fls. 378 a 388 e a Guia Prisional de fls. 429 a 432. O Relatório Social da DGRS, constante de fls. 399 a 402, foi relevante para se apurar o percurso de vida do arguido e as suas condições pessoais.
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A matéria de facto que resultou não provada, foi consequência da total inconsistência da prova produzida e examinada para permitir qualquer juízo de certeza positivo sobre a mesma. Na verdade e quanto à utilização, em 03.12.08, do BI e do cartão BLISS, no estabelecimento comercial ALROSSIO e operações efectuadas, o depoimento da testemunha …, que à data, ali trabalhava, foi inconsistente para se apurar quem foi o autor desses factos, pois que, a testemunha descrevendo as compras efectuadas, não foi capaz de concretizar com clareza as formas de pagamento e de relacionar o arguido com esses factos ou sequer reconhecê-lo na audiência.
Sobre as alegadas aquisições em postos de abastecimento, nenhuma prova foi produzida no sentido pretendido de relacionar as mesmas com o arguido.
Finalmente, nenhuma prova foi produzida no sentido de o arguido ter solicitado a 2ª via do cartão de contribuinte. O que existe é apenas o próprio documento de fls. 131 e 132, do qual, por si só, não é possível concluir que tenha sido o arguido a assinar, ou quem foi, e a entregar, inexistindo qualquer outra prova de suporte.
Esclarece-se que, o facto apurado e certo de o arguido estar na posse do BI, e designadamente, do cartão BLISS e contribuinte do B..., o que se apurou pela prova referida quanto ao uso do BI e quanto aos demais, pelo facto de o arguido também os transportar na mala que foi por si deixada na MEDIA MARKT, e apreendidos como referido, podem constituir indícios fortes da actuação do arguido também quanto às compras efectuadas com o cartão BLISS, bem como à solicitação até do contribuinte. Todavia não passam disso mesmo. De meros indícios que de nada valem nesta fase processual, pois que, a prova que os suportava, revelou-se insuficiente para qualquer juízo positivo de certeza exigido.
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IIIº A) Recurso do Ministério Público.
1. Após concluir que o arguido praticou um crime de falsificação de documento e um crime de burla na forma tentada, o tribunal recorrido considerou que esses crimes estão numa relação de concurso aparente, para o efeito apoiando-se na argumentação do Ac. desta Secção de 29Jun.10 (proferido no processo nº4395/03.6TDLSB.L1-5, Relator Pedro Martins, acessível em www.dgsi.pt).
O acórdão recorrido, seguindo aquele Ac. de 29Jun.10, faz referência ao Ac. do S.T.J. de 4Maio00 (DR Iª Série A nº119, de 23Maio00) que uniformizou jurisprudência nesta questão «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº1, alínea a), e do artigo 217º, nº1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei nº48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes»[1].
A orientação que fez vencimento naquele Ac. do S.T.J. de 4Maio00 (confirmando a jurisprudência já fixada pelo acórdão do plenário das secções criminais do STJ, 19Fev.92, in Diário da República, série I-A, de 9 de Abril de 1992), faz apelo aos diferentes bens jurídicos tutelados pelos artigos 217, nº1, e 256º, nº1, do Código Penal de 1995, o património no crime de burla e a verdade intrínseca do documento no crime de falsificação.
O acórdão recorrido, tal como o citado Ac. desta Secção de 29Jun.10, afasta a jurisprudência uniformizada pelo Ac. do S.T.J. de 4Maio00, apoiando-se em várias referências doutrinárias.
Entre elas, uma anotação de Helena Moniz publicada na RDCC 2000/3/457 àquele acórdão de 2000, em que a autora mantém a posição contrária que já tinha assumido na sua tese de mestrado e referências doutrinárias dos Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, as quais, porém, não são diferentes das já defendidas por estes ilustres professores antes daquele acórdão do S.T.J. de 4Maio00.
Os argumentos invocados por estes autores, contra o sentido daquele acórdão, foram nele ponderados, como resulta do voto de vendido ao mesmo, onde foi defendido “…A falsificação, portanto, faz parte do tipo legal da burla e não pode ser autonomizada, em relação à burla de que faz parte, sob pena de violação do princípio constitucional de non bis in idem”, razão por que estes argumentos não podem ser considerados suficientes para justificar divergência à jurisprudência fixada[2].
Apela o acórdão recorrido, ainda, à alteração ocorrida com a Lei nº59/2007, de 04/09, na sequência da qual o art.256, que previa ”1: Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”, passou a prever “1: Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”, assim como ao que escreve Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CP, Dez.2008, nota 23 ao art. 256, pág. 674.
Nada permite afirmar, porém, que com esta alteração o legislador tenha querido afastar a jurisprudência fixada por aquele acórdão do S.T.J. de 4Maio00.
Como refere o Ac. do S.T.J. de 26Out.11 (Pº.1441/07.8JDLSB.L1.S1- 3.ª Secção, Relator Cons. Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt) “…ao alargar a acção típica aos segmentos «ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outros crimes», o legislador apenas terá pretendido incluir condutas que, até aí, não estavam previstas, por forma a abranger aquelas situações em que o agente pudesse não ter tido intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter, para si ou para outrem, beneficio ilegítimo, mas apenas tivesse a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Assim se justifica, na redacção actual da norma, a conjunção ou que antecede o novo segmento do texto e o pronome outro que precede a palavra crime. Esse alargamento introduzido pelo legislador em nada afecta ou contende com a dimensão normativa dos preceitos penais em causa, uma vez que o que releva nesta sede é a natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, e essa natureza não foi beliscada pela alteração legislativa introduzida”[3].
No caso em apreço, de acordo com a matéria de facto provada, o arguido entrou na posse dos documentos pessoais de B..., nomeadamente o BI, tendo em circunstâncias não concretamente apuradas sido aposta a sua fotografia, por cima da fotografia de B... e plastificado o BI, conseguindo assim fazer com que aquele BI parecesse o próprio documento de identificação do arguido. Na noite do dia 12.12.2008, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial "MEDIA MARKT”, sito na zona de Benfica, em Lisboa, para tentar obter um financiamento no valor total de €1.146,00, em nome de B..., que lhe permitisse adquirir vários artigos.
Perante estes factos, inexiste uma situação motivacional unitária. De facto, nada permite afirmar que o arguido tenha formulado a resolução de obter o financiamento naquele estabelecimento comercial em simultâneo com a resolução de deter o BI alterado nos referidos termos.
Detendo o arguido o documento alterado antes de se decidir pela burla e não estando provado que tivesse intenção de esgotar o uso do documento alterado com o acto naquele estabelecimento, é manifesto que o “crime-meio” não se esgota no “crime-fim”, não conduzindo a punição do comportamento em causa pelos dois crimes, em concurso real, a uma situação de violação do princípio ne bis in idem.
Apela o acórdão recorrido, ainda, ao referido por Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código Penal, nota 23 ao art. 256, pág. 674), na parte em que escreve “Há concurso aparente (consunção) entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla ou qualquer outro crime que tenha sido preparado, facilitado, executado ou encoberto por intermédio de documento falso…”.
No entanto, sendo diferentes os bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras, não se vê como se pode considerar adequadamente protegido o património violado com a norma que visa proteger a verdade intrínseca do documento.
Refere o acórdão recorrido que “O acto de falsificação é levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime fim e nele esgota a sua danosidade … no caso concreto, havendo proximidade temporal, sendo o uso do documento falsificado o meio enganoso e o principal acto de execução do crime de burla … a punição tem de ser apenas feita por um dos tipos, obviamente pelo mais grave, pois que a punir pelos dois estamos a julgar duas vezes o mesmo facto”.
Tais considerações, com o devido respeito, não têm o mínimo apoio na matéria de facto provada. O documento saiu da posse do seu titular em 30Nov.08 e entrou na detenção do arguido em data e circunstâncias não apuradas, tendo sido usado na execução da burla em 12Dez.08, não sendo possível afirmar a referida proximidade temporal, pois nada permite concluir que só neste dia o documento alterado tenha sido usado ou detido pelo arguido, nem que o mesmo não pretendesse prolongar esse uso para além dessa ocasião.
O acórdão recorrido, com se referiu, segue de perto o acórdão desta Secção de 29Jun.10, transcrevendo grande parte dele, mas ignora que a situação de facto que justificou essa decisão não é equiparável à destes autos. Como refere o Ministério Público no seu recurso, naquele acórdão de 29Jun.10, a falsificação foi utilizada exclusivamente como meio de praticar um concreto crime de burla, como de forma expressa consta do texto do mesmo “Face aos factos dados como provados, o crime de falsificação cometido pelo arguido foi o meio com que cometeu o crime de burla. E apenas com o fim de cometer o crime de burla é que falsificou (e usou) os documentos que não serviram para mais nenhum efeito…”.
A falsificação de documento é um crime de perigo abstracto, punindo-se a simples detenção do documento alterado, assim se defendendo a verdade intrínseca do mesmo. Na burla, mesmo quando no respectivo processo de execução se usou o documento falsificado, são ofendidos outros bens jurídicos, em particular o património do lesado, não protegido pelo crime de falsificação.
Não tendo a falsificação sido executada, apenas, como fim de concretizar a burla em causa, existe uma situação de concurso real entre os crimes de falsificação de documento (art.256º/1.e, e f, e 3) e de burla simples, na forma tentada (arts.217, nº1, 22, nº2, al.b e 23).

B) Recurso do arguido:
1. O crime pelo qual o recorrente foi condenado é punido com pena de prisão ou multa, insurgindo-se o recorrente contra a opção do tribunal recorrido pela primeira.
De acordo com o art.70, do Código Penal, nestes casos, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O tribunal recorrido, optou pela pena de prisão justificando essa opção “... as finalidades da punição carecem da aplicação de uma pena privativa da liberdade, … resultando manifesto, in casu, que a multa, para o arguido, não foi advertência suficiente…”.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias[4]são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição...”.
Ora, considerando as várias condenações já sofridas pelo arguido, em pena de multa, mas também em pena de prisão, cumprindo actualmente oito anos de prisão, por vários crimes, nomeadamente contra a propriedade, o património em geral e a segurança rodoviária, entende-se que pena não detentiva não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso em apreço.

2. A determinação da medida concreta da pena, faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes.
A culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite mínimo é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro destes limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização[5].
Quanto às exigências de prevenção geral, dizem as mesmas respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes, têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade.
Já as exigências de prevenção especial se prendem com a capacidade do arguido de se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade.
No caso, o tribunal recorrido considerou o grau de ilicitude e de culpa acima da média, para o tipo de falsificação em causa, o que não merece censura, uma fez que usou e deteve BI alterado, documento esse que é o mais importante para a identificação de qualquer cidadão e agiu com dolo directo, revelador de um grau de culpa elevado.
Perante estes elementos e face à medida da pena abstracta de prisão (6 meses a 5 anos), o tribunal recorrido graduou-a em 1 ano e 6 meses, isto é, não muito acima do limite mínimo e bem abaixo do ponto médio, o que é revelador de benevolência, que só pode ser criticada por excessiva.

3. Quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena, o tribunal recorrido, afastou-a, para o efeito ponderando “… o percurso de vida do arguido, com um evidente desrespeito pelos mais variados bens jurídicos, bem patente nas condenações que tem averbadas, entende-se ser necessário, para assegurar as finalidades da punição, quer ao nível da prevenção geral …, quer ao nível da prevenção especial …, o cumprimento de pena efectiva, não resultando, in casu, que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena, dotada de um sentido pedagógico e reeducativo, funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social, contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça do executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa[6].
No caso, o percurso criminal do arguido, manifestamente, não permite aquele juízo de prognose favorável. Na verdade, não é por não ter condenações anteriores por este tipo de crime que se vai acreditar que ele vai passar a adequar o seu comportamento ao direito, pois as repetidas condenações, por crimes de variada natureza, só evidencia a facilidade com que ele se decide contra a ordem jurídica.

C) 1. Como consequência da procedência do recurso do Ministério Público, impõe-se a determinação da pena concreta pelo crime de burla, na forma tentada e a pena única pelos dois crimes.
Ao crime de burla simples, na forma tentada (arts.217, nº1, 22, nº2, al.b e 23), corresponde pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
As enunciadas razões que justificaram a opção por pena de prisão em relação ao crime de falsificação, valem para este crime, sendo evidente que, também em relação ao crime de burla, face aos antecedentes criminais do arguido, pena não detentiva não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O grau da culpa é elevado, atenta a intensidade criminosa revelada pela conduta do arguido, que se apresentou em estabelecimento comercial com identificação que não era a sua e procurando convencer o funcionário a lhe conceder financiamento superior a mil euros, sendo moderado o grau da ilicitude, dado não ter concluído a execução do crime.
Assim, seguindo critério próximo do adoptado em relação ao outro crime, considera-se adequada pena não muito acima do limite mínimo da pena abstracta, apresentando-se adequada a pena de seis meses de prisão.

2. Tendo praticado dois crimes, impõe-se a condenação do arguido numa pena única, em que serão ponderados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art.77, nº1, do Código Penal).
O elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário[7].
Na avaliação da personalidade, como refere o Prof. Figueiredo Dias[8], “…revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
No caso, considerando as sucessivas investidas do arguido contra a ordem jurídica, não é possível ver a conduta delituosa destes autos como fruto do acaso, mas antes reflexo da sua própria personalidade, o que aumenta as exigências ao nível da prevenção especial de socialização.
Considerando as regras do art.77, nº2, C.P., a pena única tem como limite mínimo 1 ano e 6 meses de prisão e limite máximo 2 anos de prisão.
Considerando as referidas fortes exigências de prevenção especial de socialização, entende-se que a pena única deve ser graduada no ponto médio entre aqueles limites, ou seja, em 1 ano e 9 meses de prisão.
*     *     *
IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam:
a) Em negar provimento ao recurso do arguido;
b) Em dar provimento ao recurso do Ministério Público, condenando o arguido, em concurso real, pelos crime de falsificação de documento (art.256º/1.e, e f, e 3, do Código Penal) e pelo crime de burla simples, na forma tentada (arts.217, nº1, 22, nº2, al.b e 23, do Código Penal).
c) Em fixar em seis meses de prisão, a pena pelo crime de burla simples, na forma tentada;
d) Em fixar em um (1) ano e nove (9) meses de prisão, a pena única por aqueles dois crimes;
e) Em condenar o arguido em quatro UCs de taxa de justiça;
f) A 1ª instância decidirá sobre a existência de fundamento para a realização de cúmulo jurídico com outras penas sofridas pelo arguido (após averiguação sobre o estado dos processos que se encontravam pendentes na altura do julgamento destes autos).

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012

Relator: Vieira Lamim;
Adjunto: Artur Vargues;
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[1] O Tribunal Constitucional já se pronunciou quanto à constitucionalidade deste Acórdão, afirmando a sua constitucionalidade nos Acórdãos nº 303/2005, DR, II, 5/08/05 e nº 375/2005, DR, II, 21/09/05, os quais invocam, essencialmente, que os bens jurídicos tutelados são diferentes nos crimes em presença.
[2] Como decidiu o Ac. do S.T.J. de 26Jan.06 (Pº 06P181, Relator Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt):
1 - A partir da reforma de 1998 do processo penal, os tribunais judiciais podem-se afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (n.º 3 do art. 445.º do CPP).
2 – Mas, com essa norma não se quis seguramente referir o dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 97.º, n.º 4, 374.º do CPP), antes postular um dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.
….
5 - Isso sucederá, v.g. quando:
– o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;
– se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente,
– a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juizes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada.
…”.
[3] Neste sentido, Ac. desta Secção de 15Dez.11 (Pº29/04.0JDLSB.L1, Relator Des. Paulo Barreto, acessível em www.dgsi.pt) “ Iº Com a nova redacção do art.256, do Código Penal, introduzida pela Lei nº59/07, de 4Set., o legislador não teve a intenção de afastar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do acórdão nº8/2000 (DR 119 SÉRIE I-A, de 2000-05-23); IIº Com aquela nova redacção, o legislador limita-se a alargar o tipo, cometendo o crime, também, quem quiser apenas preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”.
[4] As Consequências Jurídicas do Crime, pág.331.
[5] Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, 1993, págs.227 e segs.
[6] Neste sentido, Jescheck, Tratado, Parte Geral, 2º, págs.1152 da Edição Espanhola e, entre outros, Ac. do S.T.J. de 30Jun.93, BMJ nº428, pág.353.
[7] Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, II, pág.152.
[8] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág.291.