Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14072/08.6YYLSB-A.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: INJUNÇÃO
CITAÇÃO
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
FRUSTRAÇÃO
NULIDADE
OPOSIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O recurso à via postal simples ( em sede de notificação do requerimento de injunção, previsto e regulado no artº 12º, do Regime Anexo ao DL 269/98) com prova de depósito para uma morada onde se confirmou, previamente, que o citando não reside, constitui violação do princípio do contraditório (consagrado no art. 3º do CPC) e, portanto, envolve uma violação da proibição da indefesa estabelecida no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
II - Precisando melhor, o art. 12º, nºs 3, 4, 5 e 9, do Regime Anexo ao DL. nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção resultante do art. 2º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou para deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do nº 1 do mesmo art. 12º), através de solicitador de execução – por o mesmo fazer constar da certidão negativa que não encontrou ninguém na morada indicada pelo requerente e que o porteiro do prédio informou que a notificanda não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi outrora a morada dos respectivos pais -, o requerido pode ser notificado por via postal para essa mesma morada, mediante depósito do distribuidor postal, contanto que das bases de dados dos Serviços de Identificação Civil, da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação conste que é essa a morada do requerido, o tribunal “a quo” devia ter desaplicado essas normas e considerado, ao invés, que ocorreu, “in casu”, falta de notificação do requerimento de injunção – art. 195º, n.º 1, al. e) do CPC.
III - Ora, porque a falta de citação constitui nulidade processual que implica a anulação de tudo o que se tiver processado após a petição inicial – art.º 194º do CPC, sendo que este regime é igualmente aplicável ao processo de injunção, a nulidade da notificação do requerimento de injunção efectuada nos termos supra descritos pela Secretaria Geral de Injunção do Porto implica que não estava ele em condições de lhe ser aposta a fórmula executória, e , consequentemente, acarreta ainda a anulação do processado posterior à apresentação do requerimento de injunção e, bem assim, a invalidade do título que serve de base à execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

A , divorciada, empresária, residente em Rua …., nº 00, ..., 0000-000 ..., inconformada com o despacho (proferido em 24/5/2011) que indeferiu liminarmente, nos termos do artigo 817º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, a Oposição por ela deduzida à Execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada por B (….INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A.), (com base num Requerimento de Injunção ao qual foi conferida força executiva, visto a Requerida – ora Executada – não ter deduzido oposição, quando notificada para tanto), interpôs recurso de tal decisão, que foi recebido como de Apelação (com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – arts. 234º-A, nº 2, 691º, nº 1, 691º-A, alínea a), 692º, n.º 1, 922º-A e 922º-B, n.º 1, alínea c), todos do Cód. Proc. Civil), tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
“a)-A oponente invocou na oposição factos de que poderão derivar a nulidade da sua citação para a injunção realizada por via postal simples com prova de depósito (art. 814º do CPC)
b)- As formas de citação não presenciais admitem sempre a possibilidade da sua invalidação pela demonstração de que o citando não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável. (art. 195º nº 1 alínea e) do CPC)
c)- No procedimento de injunção há uma certidão negativa passada por solicitadora de execução, onde consta que, por informação do porteiro do prédio, a requerida não residia na morada indicada.
d)- A oponente alegou que, ressalvadas situações de domicílio convencionado, não é lícito o recurso à citação por via postal simples com prova de depósito quando já está demonstrado nos autos, por certidão negativa, que o citando não reside na morada constante das bases de dados, porque aquela forma de citação se baseia numa presunção de residência já previamente ilidida.
e)- Mais alegou que, no caso da injunção precedida de tentativa frustrada de notificação por solicitador, não deveria a secretaria lançar mão da citação por via postal simples para a mesma morada e, antes, aplicar, de imediato, o disposto no art. 12º nº 7 do DL 269/98, redacção em vigor.
f)- Por outro lado, porque se tratava de domicílio convencionado e para obstar à aplicação do art. 12º A daquele diploma, a oponente invocou factos susceptíveis de se inscreverem na previsão do art. 195º nº 2 do CPC.
g)- Os factos invocados, a serem provados, são susceptíveis de conferir procedência à oposição.
h)- “O indeferimento liminar fundado na manifesta improcedência do pedido constitui uma situação de natureza excepcional, a utilizar com parcimoniosa prudência, uma vez que coarcta, à partida, toda e qualquer expectativa do requerente ver apreciada e julgada a sua pretensão.Ac. RL de 29/6/2010, Proc. 721/08.0YYLSB-A, in dgsi.pt
i)- O indeferimento liminar da oposição da recorrente viola, por conseguinte, o disposto no art. 659º nº 2 in fine, “ex vi” do disposto no art. 817º nº 1 alínea c), ambos do CPC, devendo, como tal ser revogado.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, por via dele, revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que ordene o prosseguimento dos autos nos termos procedimentais.”
A Exequente não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Executada/Opoente ora Apelante que o objecto do presente recurso de apelação está circunscrito a uma única questão:
1) Se, no procedimento de injunção, caso se frustre a notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou para deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do art. 12º, nº 1, do Regime Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro), através de solicitador de execução – por o mesmo fazer constar da certidão negativa que não encontrou ninguém na morada indicada pelo requerente e que o porteiro do prédio informou que a notificanda não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi outrora a morada dos respectivos pais, desconhecendo qual a morada da mesma -, o requerido não pode – sob pena de nulidade da notificação/citação assim operada - ser notificado por via postal para essa mesma morada, mediante depósito do distribuidor postal, nos termos do nº 3 do cit. art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98, mesmo que das bases de dados da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa conste que é essa a morada da requerida, devendo antes utilizar-se outras formas de citação da requerida, nos termos combinados dos nºs 9 e 7 do referido art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98.
A  DECISÃO  RECORRIDA
O Despacho de Indeferimento Liminar da Oposição que constitui objecto do presente recurso de apelação é do seguinte teor :
«Por apenso à execução instaurada por B contra a executada A  veio esta deduzir a presente oposição à execução, alegando, em suma, que não foram cumpridas as formalidades previstas para a sua notificação no âmbito do procedimento de injunção onde se formou o título executivo.
*
Atento o exposto, cumpre apreciar desde já se existe fundamento de oposição à execução nos termos do disposto no art. 817º n.º 1 do Cód. Proc. Civil, ou se a mesma deverá desde logo ser indeferida liminarmente.
Importa começar por apreciar o tipo de título executivo que é apresentado na acção executiva.
Dos autos de execução de que esta oposição constitui um apenso, resulta que a exequente deu à execução um requerimento de injunção, ao qual, em 30.04.2008, foi conferida força executiva, uma vez que a requerida, aqui opoente, notificada, não se opôs.
À execução apenas podem servir de base os títulos enunciados no art. 46º do Cód. Proc. Civil, entre os quais os compreendidos na alínea d): “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Um título que se inclui na referida alínea d) é o requerimento de injunção no qual foi aposta fórmula executória, sendo a injunção um procedimento cujo regime jurídico consta do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
De acordo com o disposto no art. 7º do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art. 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
A fórmula executória é-lhe dada pelo secretário de justiça que, verificada a não dedução pelo requerido de oposição tendo sido notificado, aporá no requerimento de injunção a fórmula “este documento tem força executiva” (art. 14º, n.º 1 do anexo).
Trata-se, assim, de um processo pré-judicial, com vista à criação de um título executivo extra-judicial, na sequência de uma notificação para pagamento da quantia em dívida, sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição de o requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição.
No caso dos autos, a executada/opoente alega que não foram cumpridas as formalidades previstas para a sua notificação no âmbito do procedimento de injunção onde se formou o título executivo, o que constitui fundamento de oposição à execução de acordo com o disposto no art. 814º, alínea d) do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, estabelece o citado preceito legal que é fundamento de oposição à execução a falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo.
O mesmo efeito jurídico deve ter a execução baseada no requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, mas em cujo procedimento houve falta da notificação ou esta padece de nulidade.
Na realidade, a notificação do requerido no procedimento de injunção consubstancia-se em citação, porque lhe é dado conhecimento de que foi formulado contra ele um pedido e se chama para pagar ou deduzir oposição (art. 228º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).
Importa assim verificar, face aos elementos constantes dos autos, se a executada/opoente foi regularmente notificada do requerimento de injunção apresentado pela exequente.
Vejamos.
Apresentado requerimento de injunção, o secretário judicial notifica o requerido, no prazo de 5 dias, através de carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão (cfr. art. 12° n.° 1 do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro).
No caso de se frustrar a notificação por via postal, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência ou local de trabalho nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação (cfr. art. 12° n.° 3 do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro).
Se a residência para a qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto dos serviços enumerados no n.º 3 do Dec.-Lei n.°269/98, de 1 de Setembro, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local (cfr. art. 12° n.° 4 do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro).
O disposto no art. 12º do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro não prejudica a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a citação (cfr. art. 12° n.° 8 do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro).
Ora, conforme resulta da simples leitura do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, dado à execução, a requerente, ora exequente, requereu que a notificação da requerida, ora executada/opoente, fosse efectuada por solicitador de execução, o que lhe era permitido ao abrigo do já citado art. 12° n.° 8 do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro.
A notificação a efectuar por solicitador de execução frustrou-se, conforme resulta da certidão negativa de fls. 13 dos autos principais.
Nessa sequência, por despacho da Secretaria Geral de Injunção do Porto, de 1 de Abril de 2008, foi determinado que, em face daquela certidão negativa, se procedesse à notificação da requerida nos termos do disposto no art. 12º, n.º 3 do Regime Anexo ao Dec.- Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro.
Em cumprimento desse despacho e nos termos da disposição legal nele citada, foram efectuadas pesquisas nas bases de dados da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa para apuramento do domicílio da ora executada/opoente, das quais resultou ter a mesma residência na referida morada.
Com efeito, em todas as bases de dados pesquisadas constava que a morada da ora executada/opoente era a Rua ….., n.º 2,   R/C C, 1500 Lisboa.
A notificação do requerimento de injunção à ora executada/opoente foi então feita por via postal simples com prova de depósito enviada para a mencionada morada, tendo sido depositada pelo distribuidor postal no dia 3.04.2008.
Assim sendo, resulta demonstrado que a ora executada/opoente foi regularmente notificada do requerimento de injunção que constitui título executivo nestes autos, tendo sido observadas todas as formalidades exigidas por lei.
Ademais, a executada/opoente confessa ter recebido correspondência da ora exequente na morada onde foi notificada do requerimento de injunção.
Em momento algum alega não ter tido conhecimento da notificação efectuada.
É a própria executada/opoente que admite nunca ter comunicado à ora exequente a mudança de morada.
A executada/opoente não nega a existência da dívida exequenda.
Deve assim concluir-se, sem necessidade de outras considerações, que a oposição apresentada é manifestamente improcedente.
A oposição à execução é indeferida liminarmente quando for manifestamente improcedente (art. 817º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil).
Impõe-se, por isso, decidir pelo indeferimento liminar da oposição.
*
Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, indefiro liminarmente a oposição à execução.
Custas pela executada.
Registe.
Notifique.»
FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA O JULGAMENTO DO MÉRITO DO PRESENTE RECURSO
Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação do mérito da presente Apelação:
1) A exequente deu à execução – no processo principal - um requerimento de injunção, ao qual, em 30/04/2008, foi conferida força executiva, uma vez que a Requerida, aqui opoente e ora Apelante, notificada, não se opôs.
2) A requerente, ora Exequente/Apelada, requereu que a notificação da requerida, ora Executada/Opoente/Apelante, fosse efectuada por solicitador de execução, ao abrigo do já art. 12°, n.° 8, do Dec.-Lei n.° 269/98, de 1 de Setembro.
3) A notificação a efectuar por solicitador de execução frustrou-se - conforme resulta da certidão negativa de fls. 13 dos autos principais, na qual o solicitador de execução certificou que, tendo-se deslocado à Rua de ….., nº 2, R/C - C, em ..., para proceder à citação/notificação pessoal da requerida, não encontrou ali ninguém, vindo a apurar, através do porteiro do prédio, que a requerida não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi em tempos a morada dos pais da requerida (e não desta), não sabendo indicar qual a morada da mesma.
4) Nessa sequência, por despacho da Secretaria Geral de Injunção do Porto, de 1 de Abril de 2008, foi determinado que, em face daquela certidão negativa, se procedesse à notificação da requerida nos termos do disposto no art. 12º, n.º 3 do Regime Anexo ao Dec.- Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro.
5) Em cumprimento desse despacho e nos termos da disposição legal nele citada, foram efectuadas pesquisas nas bases de dados da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa para apuramento do domicílio da ora executada/opoente, das quais resultou ter a mesma residência na referida morada, já que em todas as bases de dados pesquisadas constava que a morada da ora Executada/Opoente/Apelante era a Rua ………….., n.º 2, R/C C, 1500 Lisboa.
6) A notificação do requerimento de injunção à ora Executada/Opoente/Apelante foi então feita por via postal simples com prova de depósito enviada para a mencionada morada, tendo sido depositada pelo distribuidor postal no dia 3/04/2008.
O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
No procedimento de injunção, caso se frustre a notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou para deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do art. 12º, nº 1, do Regime Anexo ao DL nº 269/98, de 1 de Setembro), através de solicitador de execução – por o mesmo fazer constar da certidão negativa que não encontrou ninguém na morada indicada pelo requerente e que o porteiro do prédio informou que a notificanda não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi outrora a morada dos respectivos pais, desconhecendo qual a morada da mesma -, o requerido não pode – sob pena de nulidade da notificação/citação assim operada - ser notificado por via postal para essa mesma morada, mediante depósito do distribuidor postal, nos termos do nº 3 do cit. art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98, mesmo que das bases de dados da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa conste que é essa a morada da requerida, devendo antes utilizar-se outras formas de citação da requerida, nos termos combinados dos nºs 9 e 7 do referido art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98 ?
A Executada ora Apelante fundou a sua Oposição à Execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada com base num Requerimento de Injunção ao qual foi conferida força executiva, visto a Requerida – ora Executada – não ter deduzido oposição, quando notificada para tanto) num único fundamento: a nulidade da sua citação para a injunção realizada por via postal simples com prova de depósito (art. 814º do CPC).
Para tanto, aduziu o seguinte argumentário:
- As formas de citação não presenciais admitem sempre a possibilidade da sua invalidação pela demonstração de que o citando não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável. (art. 195º, nº 1, alínea e), do CPC);
- Na génese da citação por via postal simples com prova de depósito está a presunção de residência, derivada do conteúdo das bases de dados.
- Ressalvadas situações de domicílio convencionado, não é lícito o recurso à citação por via postal simples com prova de depósito quando já está demonstrado nos autos, por certidão negativa, que o citando não reside na morada constante das bases de dados, porque aquela forma de citação se baseia numa presunção de residência já previamente ilidida;
- Na verdade, o recurso à via postal simples com prova de depósito para uma morada onde se confirmou previamente que o citando não reside, constitui violação do princípio do contraditório (art. 3º do CPC);
- Ora, no procedimento de injunção onde se formou o título ora dado à execução, foi lavrada uma certidão negativa passada por solicitadora de execução, onde consta, por informação do porteiro do prédio, que a requerida não residia na morada indicada;
- Por isso, a presunção de residência constante das bases de dados já estava previamente ilidida pelo teor da certidão negativa junta aos autos;
- Donde que, em lugar de se lançar mão da citação por via postal simples para a mesma morada, haveria antes lugar, nos termos combinados dos nºs 9 e 7 do art. 12º do DL nº 269/98 (na redacção em vigor), à utilização de outras formas de citação da requerida.
Quid juris ?
O artigo 12º do Regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção resultante do art. 2º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho) estatui que :
«1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre a residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre a sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.
6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.
7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.
8 - Não se aplica o disposto nos n.ºs 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.
9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs 3 a 7.
10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.»
Perante o teor desta disposição, nomeadamente, em face do estatuído no seu nº 9 («No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs 3 a 7»), não se levantam dúvidas quanto à legalidade do procedimento adoptado pela Secretaria Geral de Injunção do Porto, em 1 de Abril de 2008, ao determinar que, em face da certidão negativa de notificação lavrada pela Solicitadora de Execução (na qual esta fez constar que, tendo-se deslocado à Rua ….., nº 2, R/C – C, em ..., para proceder à citação/notificação pessoal da requerida, não encontrou ali ninguém, vindo a apurar, através do porteiro do prédio, que a requerida não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi em tempos a morada dos pais da requerida (e não desta), não sabendo indicar qual a morada da mesma), se procedesse à notificação da Requerida (ora Executada/Apelante) nos termos do disposto no art. 12º, n.º 3, do Regime Anexo ao Dec.- Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, efectuando para tanto pesquisas nas bases de dados da Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa para apuramento do domicílio da ora executada/opoente.
Ora, como em todas as bases de dados pesquisadas (dos serviços de identificação civil [cfr. fls. 50], da Direcção-Geral dos Impostos [cfr. fls. 51], da segurança social [cfr. fls. 52]  e da Direcção-Geral de Viação [cfr. fls. 53]) constava que a morada da ora executada/opoente era a Rua ……, n.º 2, R/C C, 1500 Lisboa – precisamente a mesma morada onde a Solicitadora de Execução não lograra notificar pessoalmente a Executada/Opoente ora Apelante, por não a ter ali encontrado e haver apurado, através do porteiro do prédio, que a notificanda ali não residia, nem nunca ali residira, tendo sido aquela, outrora, a morada dos respectivos pais -, a Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa não fez senão observar o disposto no nº 4 do cit. art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98  («Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte») quando procedeu à notificação do requerimento de injunção à ora Executada/Opoente/Apelante por via postal simples com prova de depósito enviada para a referida morada.
               Não estando, portanto, em causa a legalidade dos procedimentos seguidos pela Secretaria-Geral de Injunção de Lisboa, o que se questiona é a constitucionalidade do regime legal de notificação do requerimento de injunção previsto e regulado no cit. art. 12º do Regime Anexo ao DL. nº 269/98. Dito doutro modo: o que se pergunta é se o recurso à via postal simples com prova de depósito para uma morada onde se confirmou, previamente, que o citando não reside, constitui ou não violação do princípio do contraditório (consagrado no art. 3º do CPC) e, portanto, envolve uma violação da proibição da indefesa estabelecida no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa.
Desde logo, não pode deixar de se reconhecer a grande similitude existente entre este regime de notificação do requerimento de injunção (estabelecido no referido art. 12º, nºs 3, 4 e 5, do Regime Anexo ao DL. nº 269/98) e o regime de citação consagrado no art.º 238º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, e que foi depois revogado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
Ora, precisamente a norma constante do artigo 238° do Código de Processo Civil, na redacção emergente do cit. Decreto-Lei n° 183/2000) foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição, «ao estabelecer que se presume, em termos absolutos e irremediáveis, que o citando reside ou trabalha em algum dos locais referenciados nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação, ficcionando-se que o demandado teve oportuna cognoscibilidade da pretensão contra ele formulada através do simples depósito de carta nos respectivos receptáculos postais – e quando foi demonstrado pelo réu que,  à data do depósito da carta na caixa do correio, já não residia no local – ficando sujeito ao consequente efeito cominatório da revelia e ao caso julgado, formado no caso de procedência da pretensão, qualquer que seja o montante desta» - cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 632/2006, de 16/11/2006 (Relatora – MARIA FERNANDA PALMA), cujo texto integral está acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
Para tanto, o Tribunal Constitucional invocou o seguinte argumentário:
«O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a norma do artigo 238º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 183/2000, de 1 de Agosto, interpretada no sentido de presumir, nos casos em que se frustra a citação por via postal registada, que o citando reside em algum dos locais referenciados nas bases de dados dos serviços públicos indicados no preceito, consumando-se a citação (independentemente do valor da acção) com o mero depósito de carta simples no receptáculo postal das residências presumidas, independentemente de o citando ter ou não efectivo e oportuno conhecimento da existência do acto e do respectivo conteúdo.
O regime de citação por via postal simples consagrado pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, procedeu à desformalização do acto de citação, através da ampla admissibilidade da citação por via postal simples, presumindo-se a citação pessoal quando se deposita a carta no receptáculo postal de um dos domicílios constantes das bases de dados de certas entidades legalmente referidas. Subjaz, naturalmente, a tal solução o valor da celeridade processual.
Contudo, a celeridade processual tem de ser conjugada com outros valores, nomeadamente com o direito de acesso à justiça e aos tribunais e com a possibilidade de contraditório, numa lógica de proporcionalidade que impede uma absolutização das opções legislativas.
Nos presentes autos, a dimensão normativa em causa é aplicada estando em causa a efectivação de responsabilidade civil extra-contratual, o que exclui a existência de um domicílio convencional ou electivo. Por outro lado, o valor da pretensão é de € 12.557,62. Se o demandado não contestar fica sujeito ao efeito cominatório semi-pleno (confissão dos factos alegados pelo autor) e caso os autos prossigam, ao efeito do caso julgado. Por último, e as várias bases de dados consultadas revelaram residências não coincidentes.
Não está, pois, em causa uma situação equiparável àquelas para as quais o Decreto-Lei nº 383/99, de 23 de Setembro, admitiu, como “última ratio”, a citação por via postal simples, situações que se traduziam em “acções de massa” e de reduzido valor, com consequências na esfera do demandado de diminuta importância.
O Tribunal Constitucional já apreciou dimensões normativas do regime de citação em questão, formulando juízos que ponderaram as particularidades de cada situação processual concreta.
Assim, no Acórdão nº 287/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional o artigo 238º, nº 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual se deve proceder à imediata citação do réu por via postal simples, nos casos de frustração de citação por via postal registada, sem que o tribunal deva averiguar, por consulta das bases de dados referidas no nº 1 do preceito, se a residência indicada pelo credor (em acção subsequente ao procedimento de injunção) coincidia ou não com o teor dos registos públicos constantes daquelas bases.
Já no Acórdão nº 104/2006 (www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional decidiu “julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238º-A, nº 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, quando aplicada em casos de intervenção provocada em que a não intervenção do chamado no processo não impeça que se constitua, quanto a ele, caso julgado”.
Este Acórdão convoca os princípios da proibição da indefesa e da proporcionalidade (assim como os sub-princípios da adequação e da necessidade), ponderando os interesses em jogo, a possibilidade de formação de caso julgado contra o requerido e a inexistência de domicílio convencional ou electivo.
Não se afigura procedente afirmar que a necessidade de conciliar “lógicas e princípios diversos”, articula, na concreta tramitação do processo civil, a regra do contraditório com as exigências de celeridade e eficácia que não se compadecem com “investigações exaustivas e infindáveis” sobre o paradeiro do réu, como entendeu o Tribunal Constitucional nos Acórdãos nºs 91/2004 e 243/2005, ainda que em situações também diversas da dos autos.
Não se preconiza, evidentemente, a paralisação do processo quando não se consiga localizar o réu. O que está em causa nos presentes autos é saber se o regime em apreciação não origina uma ponderação desproporcionada do valor celeridade e dos interesses da administração judiciária numa simplificação e numa desformalização processuais sobre o direito de defesa do demandado.
A resposta do tribunal a esta inquirição não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito, afigura-se desproporcionado, em face das respectivas consequências referidas supra, considerar definitivamente como actual, isto é, sem qualquer possibilidade de infirmação, a morada que consta das bases de dados indicadas nos autos em questão e presumir que a citação por via postal simples é suficiente para assegurar a cognoscibilidade da pretensão do demandante e para assegurar o direito de defesa, mesmo nos casos em que foi alegado e demonstrado que, à data do depósito da carta no receptáculo postal, o demandado já não residia no local.
Não procede contra este entendimento o argumento segundo o qual impende sobre os sujeitos o ónus de manter actualizadas as informações constantes dessas bases de dados. De facto, não está em causa um litígio que oponha o sujeito e uma das instituições que detêm as bases de dados (o que poderia merecer uma ponderação diversa), mas sim um litígio entre particulares …… no qual não faz sequer sentido invocar um domicílio electivo ou convencional.
A norma em apreciação viola, pois, os princípios da proporcionalidade, da proibição de indefesa e do processo equitativo (artigo 20º da Constituição)».
Ora – como bem se observou no Ac. da Rel. de Évora de 25/9/2008 (Processo nº 1109/08-2; Relator – BERNARDO DOMINGOS), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt. -, «o que acaba de transcrever-se, aplica-se mutatis mutandis, às normas constantes dos n.º 4 e 5 do Art.º 12º do DL n.º 269/98, na redacção dada pelo DL n.º 32/2003».
Isto porque: «A interpretação destas normas e a do art.º 195º n.º 1 al. e) do CPC, tal como foi feita na sentença recorrida, no sentido de que, para afastar a presunção de cognoscibilidade da notificação, não bastará a prova da ausência do notificando do local onde foi depositada a carta, ao tempo da notificação e durante o período concedido para a defesa mas antes será necessário uma prova inequívoca do não conhecimento da notificação por parte do notificando, será seguramente inconstitucional por violação do princípio do acesso ao direito na vertente da proibição da indefesa, tal como se demonstra no aresto transcrito» (ibidem).
«O regime previsto para a notificação do requerimento de injunção destina-se a salvaguardar, por um lado, o princípio do contraditório e por outro a garantir a segurança do procedimento de injunção face às dificuldades na sua concretização, conhecida a proverbial e sistemática evasão de muitos devedores» (ibidem). «Mas sem desvirtuar o regime é possível, compatibilizar os fins visados sem ofensa dos princípios constitucionais referidos» (ibidem). «Bastará, para tanto, que se admita como bastante para abalar a presunção de notificação decorrente dos art.ºs 12º n.º 2 e 4 do DL 269/98 e 195º n.º 1 al. e) do CPC, a prova segura que o notificando esteve ausente do local onde foi deixada a carta de notificação nos dias em que a mesma foi depositada e bem assim nos que se lhe seguiram até ao termo do prazo para o exercício do direito de defesa» (ibidem). «Exigir a prova inequívoca da falta de conhecimento é manifestamente desproporcional (conhecida que é a dificuldade em provar a generalidades de factos negativos) ou mesmo uma exigência impossível de concretizar em termos de direito probatório!» (ibidem). «Que prova ou tipo de prova seria necessário produzir para demonstrar que o notificando não teve conhecimento, por qualquer meio, do teor ou conteúdo da notificação no prazo assinado para a defesa?» (ibidem). «Em rigor só a prova da impossibilidade absoluta de conhecer e entender satisfaria tal exigência, o que, convenhamos não é aceitável nem razoável» (ibidem).
Ora, se assim deve ser num caso em que o notificando logra provar que esteve ausente do local onde foi deixada a carta de notificação, nos dias em que a mesma foi depositada e bem assim nos que se lhe seguiram até ao termo do prazo para o exercício do direito de defesa, por maioria de razão não pode deixar de o ser num caso – como o dos autos – em que já estava provado nos autos, antes mesmo de a Secretaria-Geral de Injunção do Porto lançar mão do mecanismo da notificação do requerimento de injunção à ora Executada/Opoente/Apelante por via postal simples com prova de depósito enviada para a morada constante das bases de dados dos Serviços de Identificação Civil, da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação, que a notificanda não residia (nem nunca residiu) naquela morada.
Numa hipótese como a dos autos (em que o valor da injunção já é bastante apreciável: € 24.094,77), cobram pleno sentido as seguintes considerações tecidas pelo Tribunal Constitucional (no seu Acórdão nº 104/2006, de 7/2/2006 [relatado por PAULO MOTA PINTO e acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos], que julgou inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238.º-A, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, quando aplicada em casos de intervenção provocada em que a não intervenção do chamado no processo não impeça que se constitua, quanto a ele, caso julgado):
«O caso dos autos ilustra, de forma paradigmática, os riscos emergentes do regime inovatoriamente estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 183/2000 – e que, apesar da sua evidência, só muito tardiamente o legislador veio reconhecer – na perspectiva de uma tutela minimamente consistente e adequada do “direito de defesa do réu em processo civil: na verdade, numa acção ordinária, no valor de 85.880.278$00, considera-se citado pessoalmente – e integralmente sujeito às respectivas cominações – um pretenso co-devedor, mediante mero depósito de carta simples nas moradas “alternativas averiguadas mediante informação prestada pelas entidades referidas no artigo 238.°, n.º 1, do Código de Processo Civil – ficcionando-se a residência em alguns desses locais, apesar de se ter apurado já nos autos que o citando há muito ali não residia!»
Assente, pois, que o cit. art. 12º, nºs 3, 4, 5 e 9, do Regime Anexo ao DL. nº 269/98, de 1 de Setembro (na redacção resultante do art. 2º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho), é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou para deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do nº 1 do mesmo art. 12º), através de solicitador de execução – por o mesmo fazer constar da certidão negativa que não encontrou ninguém na morada indicada pelo requerente e que o porteiro do prédio informou que a notificanda não reside nem nunca residiu naquela morada, que foi outrora a morada dos respectivos pais -, o requerido pode ser notificado por via postal para essa mesma morada, mediante depósito do distribuidor postal, contanto que das bases de dados dos Serviços de Identificação Civil, da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação conste que é essa a morada do requerido, o tribunal “a quo” devia ter desaplicado essas normas e considerado, ao invés, que ocorreu, “in casu”, falta de notificação do requerimento de injunção – art. 195º, n.º 1, al. e) do CPC.
Ora, a falta de citação constitui nulidade processual que implica a anulação de tudo o que se tiver processado após a petição inicial – art.º 194º do CPC, sendo que este regime é igualmente aplicável ao processo de injunção.
Tal nulidade foi arguida em tempo (art. 204º, nº 2, do CPC), na 1ª ocasião em que o requerido/opoente ora Apelante interveio no processo (sem o que se consideraria automaticamente sanada: cfr. o art. 196º do CPC) e até é de conhecimento oficioso (art.º 202º do CPC).
Sendo nula a notificação do requerimento de injunção efectuada nos termos supra descritos pela Secretaria Geral de Injunção do Porto, não estava o mesmo em condições de lhe ser aposta a fórmula executória e, consequentemente, a anulação do processado posterior à apresentação do requerimento de injunção acarreta a invalidade do título que serve de base à execução. Donde que a presente Execução, baseada num título executivo inválido, carece de título executivo.
A esta luz, o despacho que indeferiu liminarmente, nos termos do artigo 817º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, a Oposição deduzida pela ora Apelante à Execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada (com base no mencionado Requerimento de Injunção ao qual foi, indevidamente, conferida força executiva, no erróneo pressuposto de que a Requerida – ora Executada – não deduziu oposição, quando validamente notificada para tanto) não pode subsistir, impondo-se revogá-lo, em ordem à sua substituição por outro despacho que receba a aludida Oposição e mande notificar a Exequente para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração  (nos termos do art. 817º, nº 2, do CPC).


DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Apelação, revogando o despacho recorrido (que indeferiu liminarmente, nos termos do artigo 817º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, a Oposição deduzida pela ora Apelante A à Execução para pagamento de quantia certa contra si instaurada pela ora Apelada B e ordenando que o mesmo seja substituído, no tribunal de 1ª instância, por outro despacho que receba a aludida Oposição e mande notificar a Exequente para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração  (nos termos do art. 817º, nº 2, do CPC).
Sem custas, dada a não oposição da Exequente/Apelada.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Rui Torres Vouga (relator)
Maria do Rosário Barbosa (1º Adjunto)
Maria do Rosário Gonçalves (2º Adjunto)
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).