Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3897/05.4TVLSB.L1-2
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CADUCIDADE
DEFEITO DA OBRA
ÓNUS DA PROVA
RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR
PARTE COMUM
ORDEM DE CONHECIMENTO DOS RECURSOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I. Ao adquirente de imóvel destinado a longa duração só assiste o direito de proceder, por si ou por terceiro, à reparação dos defeitos patenteados pela coisa, e de reclamar, antecipadamente ou não, do construtor, o reembolso da despesa correspondente, no caso de incumprimento definitivo, pelo último, da sua obrigação de eliminação desses defeitos, ou em caso de comprovada urgência.
II. O direito referido em I., está sujeito aos prazos de caducidade fixados na lei para o exercício dos direitos que são conferidos ao dono da obra.
III. Tratando-se, porém, de defeitos verificados nas partes comuns de prédio em regime de propriedade horizontal, o prazo de caducidade conta-se, não da entrega do prédio, mas do momento em que se mostrar constituída a administração do condomínio.
IV. Se se verificar uma relação de prejudicialidade entre o objecto do recurso de apelação e o do recurso de agravo interposto anteriormente, deve conhecer-se, em primeiro lugar, do objecto da apelação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.

O Condomínio do Prédio Sito …, nº …, em Lisboa, propôs, na 4ª Vara Cível, 3ª secção, da Comarca de Lisboa, contra “A”, Lda., acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, pedindo:
a) A condenação da ré a realizar as obras necessárias e adequadas resolver os defeitos elencados na petição inicial e nos documentos que junta;
b) O reconhecimento do direito de ressarcimento, em relação, à ré, pela realização dos trabalhos descritos naqueles documentos, em montante não inferior a € 31 145,40, no caso de esses defeitos se agravarem e ser forçado a realizar tais obras.
c) Que seja objecto de liquidação, em execução de sentença, o montante exacto dos trabalhos necessários para a eliminação integral dos defeitos;
d) A condenação da ré no pagamento da quantia de € 629,00, referente às quantias efectivamente comprovadas nos presentes autos e daquelas que se apurarem em liquidação de sentença a título de reembolso pelas despesas com a presente pendência.
Fundamentou a sua pretensão no facto de a ré, entre 1997 e Setembro de 2000, ter procedido à construção do prédio urbano, que é um condomínio, e apresenta, nas partes comuns, defeitos, que, apesar de reconhecidos e reparados pela ré, se mantêm, orçando as obras para reparar essas deficiências em € 31 145,40, e de, em consequência da actuação e omissão da ré ter tido despesas e prejuízos no valor de € 629,00.
A ré defendeu-se por excepção dilatória, alegando a ilegitimidade ad causam do autor no tocante às situações que vão para além das partes comuns do edifício, por excepção peremptória, invocando a caducidade do direito daquele, e por impugnação, afirmando que alguns dos defeitos alegados pelo autor foram corrigidos e os outros não o são.
Oferecido o articulado de réplica, procedeu-se, por antecipação, à perícia colegial, que teve por objecto a verificação dos defeitos alegados e a determinação das suas causas, tendo o respectivo relatório sido tirado por unanimidade.
O despacho saneador julgou as partes legítimas e, depois de observar que o dies a quo do prazo de denúncia dos defeitos relativos às partes comuns do prédio sujeito a propriedade horizontal se conta do momento da constituição da administração do condomínio, decidiu que o direito do autor não está caduco pelo decurso do prazo a que alude o artº 1225 nº 1 do CC e relegou para final o conhecimento da excepção da caducidade pelo decurso dos prazos a que alude o artº 1225 nº 2 do CC.
No início da audiência de discussão e julgamento, o autor ampliou o pedido para € 58 780,00, mais IVA, e ofereceu um articulado superveniente que, por extemporâneo, não foi admitido, decisão de que o autor logo interpôs recurso de agravo, no qual pede a sua revogação e a sua substituição por outra que admita tal articulado.
Na resposta a este recurso, a ré concluiu pela improcedência dele.
Entretanto, afirmando que não tenha ainda sido proferida decisão sobre o requerimento de ampliação do seu pedido, o autor ampliou-o para € 57 039,49, mas a ampliação foi indeferida por despacho que o autor impugnou por recurso ordinário de agravo, que, porém, por falta de alegação, foi logo julgado deserto.
Realizou-se, enfim, a audiência de discussão e julgamento, com registo em suporte digital das provas nela produzidas, no início da qual se procedeu à audição do perito designado pelo tribunal e do indicado pela ré.
A sentença final julgou a acção parcialmente procedente, tendo – sem se pronunciar sobre a excepção peremptória da caducidade cujo conhecimento foi relegado para esse momento – condenado a ré apenas a realizar os trabalhos necessários e adequados a remover os resíduos de cimento no pavimento do 8º andar e nos três patamares dos andares em cave do prédio.
O autor e a ré apelaram, principal e subordinadamente, pedindo, ambos a revogação dessa sentença e a sua substituição, por outra que condene a ré pela responsabilidade por todos os defeitos elencados na petição inicial, incluindo os decorrentes das infiltrações de águas, e que reconheça a caducidade e a absolva da condenação de que foi alvo, respectivamente.
O autor condensou a sua discordância no tocante à decisão objecto do recurso ordinário de agravo nestas conclusões:
a) O A. – ora Agravante – apresentou em Juízo um articulado superveniente, onde dá conhecimento ao Tribunal a quo que os trabalhos de obra destinados a reparar as deficiências elencadas na pendência tiveram início no mês de Março de 2007, não estando ainda finalizada a execução na altura da apresentação do referido articulado superveniente (21 de Junho de 2007);
b) Quando o articulado superveniente foi apresentado, os trabalhos de obra decorriam normalmente, não tendo, na altura, o Agravante procedido ao pagamento integral dos referidos trabalhos à sociedade “B”– SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA.;
c) Os factos descritos no articulado superveniente em causa – os trabalhos de obras destinados a reparar as deficiências elencadas na pendência – tratam de um facto duradouro, que não se esgotou no mês de Março de 2007;
d) O prazo para apresentação de articulado superveniente não se conta a partir do início da verificação do facto, sendo, pois, atempado o articulado superveniente se apresentado enquanto o facto se mantém;
e) No caso concreto, na data da apresentação do articulado superveniente, as obras tinham já tido início, estando a decorrer, mas ainda não estavam finalizadas, pelo que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o articulado apresentado em 21 de Junho de 2007 não é extemporâneo;
f) Em conformidade, o Tribunal a quo ao decidir pela extemporaneidade do articulado superveniente, violou a regra constante no artigo 506º do Código de Processo Civil.
Para inculcar o mal fundado da sentença final da causa, o autor extraiu da sua alegação estas conclusões:
a) Os factos 1º a 16º da base instrutória – factos não provados referentes à existência de infiltrações no edifício em discussão nos autos – foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, porque não existe compatibilidade e coerência entre o teor do relatório pericial, documentos juntos aos autos e das inquirições das testemunhas produzidas e as resposta dadas;
b) Face ao exposto, deve o Tribunal ad quem reapreciar a prova gravada e, em conformidade, julgar inequivocamente que a resposta quanto à existência de infiltrações de águas decorrentes da falta de isolamento da parede exterior (forrada a pedra) (factos 1º a 16º da base instrutória) não pode, nem deve, ser negativa, mas positiva (logo provados);
c) Porque deu credibilidade ao relatório dos peritos, o tribunal a quo deveria ter considerado os factos reportados pelos peritos nomeadamente que a causa das humidades existentes nos 1ºs andares esquerdo e direito, cuja origem atribuem às infiltrações das águas da chuva através das juntas do forro de pedra da fachada que deverão ser colmatadas (resposta ao artigo 26º da petição inicial, e que corresponde ao artigo 12.º da base instrutória), o que aliás foi considerado no requerimento de ampliação do pedido (tendo sido exercido o contraditório), pelo que não o tendo feito violou os artigos 264.º e 664.º, ambos do Código do Processo Civil;
d) Concretizados os factos provados, conclui-se que estão verificadas as condições para que a Apelada seja responsável, na qualidade de construtora/vendedora, por defeitos nas partes comuns do edifício em discussão nos autos;
e) Ora, o Direito que o Apelante pretende fazer valer em Juízo existe, por estarem verificados, no caso concreto, factos que comprovam a existência do Direito a que arroga (factos a fixar em face da reapreciação da prova gravada): eliminação dos defeitos da obra vendida ou ressarcimento dos montantes gastos pelo Apelante na eliminação dos aludidos defeitos (obras de reparação das juntas do forro de pedra da fachada, conforme sugestão dos senhores peritos);
f) A Apelada – construtor/vendedor tem o dever de eliminar todos os defeitos da obra vendida e o direito de eliminar os defeitos que a obra apresenta;
g) Perante a denúncia dos defeitos do Apelante, a Apelada tem apenas aquele direito se agir em tempo útil e por modo útil quanto à eliminação dos defeitos. O que não aconteceu no caso concreto;
h) O direito à eliminação dos defeitos por parte do construtor/vendedor cede perante uma situação de urgência ou estado de necessidade à qual não ocorra, pelo que o Apelante, através de terceiro a seu mando, tenha eliminado dos defeitos, pelo que pretende exercer, na presente acção o direito ao ressarcimento pela eliminação dos defeitos (decorrendo tal pretensão do recurso de agravo apresentado em Juízo);
i) Baseando a Douta Sentença considerando os factos 1.º a 16º (quanto à existência das infiltrações) como não provados, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos 1221.º e 1225.ºº, todos do Código Civil;
j) Pelo que também se encontram violadas as normas presentes nos artigos 336.º e 339.º, ambos do Código Civil, quanto à intervenção directa do Apelante (obras realizadas para parar com as infiltrações de águas e humidades).
A ré, na reposta, depois de fazer notar que este recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto, deve ser rejeitado por o autor não indicar os meios em que se funda por referência ao assinalado na acta, concluiu, em todo o caso, pela improcedência dele.
Por sua vez, a ré, ordenada pela finalidade de mostrar a falta de bondade da mesma sentença, cristalizou a sua alegação do recurso subordinado nestas conclusões:
1.ª Face à factualidade dada por provada nos nºs 2 e 4 da Base Instrutória, a Apelada foi condenada a realizar os trabalhos necessários e adequados a remover tais resíduos de cimento.
2.ª Ora, tal como se alegou nos art.ºs 24º a 29º da Contestação, o direito de reclamar sobre estes resíduos de cimento há muito se encontra extinto, por caducidade, porquanto, tendo a obra o prazo de garantia de 5 anos, o prazo para a denúncia dos defeitos é de 1 ano a partir do momento da detecção e a acção de reparação ou indemnização deve ser intentada no prazo de 1 ano após a denúncia art.º 1225º, nº 2, do Código Civil.
3.ª E sendo tais defeitos visíveis ab initio e comprovadamente desde a data da entrega do imóvel, decorreu muito mais de um ano entre a entrega da obra e a denúncia. Mesmo entendendo a data alegada pelo Apelante, de 20 ou 22/09/2000 (art.ºs 16º, 17º, 20º e 21º da Réplica e acta do condomínio nº 1, a fls. 26) como da entrega da obra, decorreu muito mais de um ano até à denúncia, e também bem mais de um ano entre a denúncia e a presente acção. Consequentemente, há muito que se encontra caducado o alegado direito do Apelante.
4º) No douto despacho saneador, esta matéria foi relegada para conhecimento e decisão final, mas não foi apreciada, pelo que mal andou, nesta parte, a douta sentença recorrida, ao não conhecer da invocada caducidade do direito do Apelante e ao condenar a Apelada à reparação, quando devia ter declarado o direito reclamado pelo Apelante extinto, violando o disposto no art.º 1225º, nº 2 do Código Civil, sofrendo a mesma de nulidade, nos termos do art.º 668º nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
5º) Acresce que o alegado pelo Apelante na p.i. como sendo factos que agora quer ver por provados, na verdade, são conclusões. Na audiência preliminar de selecção da matéria de facto, foram seleccionados diversos artigos da p.i. com matéria conclusiva, a que a Ré ora Apelada reagiu, por reclamação, mas que não mereceu acolhimento.
6º) Como então se invocou na reclamação, A Ré, no art.º 99º da contestação alegou que tudo o invocado pela Autora com base no relatório por si junto é genérico, contraditório e conclusivo e, pelo menos os art.ºs 19º, 21º, 22º, 24º, 46º e 50º da petição inicial (correspondentes aos nºs 5, 7, 8, 10, 17 e 21 da BI) encerram matéria conclusiva e não factual, aí exemplificado situações concretas, mas o douto despacho que decidiu a reclamação entendeu que os artigos em causa contêm matéria de facto e manteve a selecção.
7º) Ora, a terem acolhimento as alegações do Apelante, o que não se concede, sempre a matéria conclusiva do Apelante inserta na BI não deve ser considerada.
O autor não respondeu.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos.
2.1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso de agravo:
Relevam para o conhecimento do objecto do recurso de agravo os factos seguintes que o processo documenta:
2.1.1. A audiência preliminar teve lugar no dia 11 de Abril de 2007.
2.1.2. O autor alegou, no articulado que ofereceu na audiência de discussão e julgamento, que teve lugar no dia 21 de Junho de 2007, designadamente, que os trabalhos destinados a reparar as deficiências elencadas na pendência tiveram início no passado mês de Março de 2007, não estando ainda finalizada a sua execução, que “B” – Sociedade de Construção Civil Lda. está a proceder aos trabalhos, não tendo ainda o condomínio procedido ao seu pagamento integral e que, como a obra estava ainda a decorrer, e não estava determinado o valor exacto dos trabalhos necessários para a eliminação integral dos defeitos, porque ainda não foi integralmente pago o preço pela execução da obra, deverá tal montante ser objecto de liquidação em execução de sentença.
      2.1.3. O autor ofereceu, com este articulado, uma proposta de orçamento, produzida por “B” – Sociedade de Construção Civil Lda., datada de 10 de Dezembro de 2006.
2.2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto dos recursos de apelação.
2.2.1. Foram seleccionados para a base instrutória, entre outros, os seguintes enunciados:
                        1º
Na fase de acabamentos de construção do imóvel, ao proceder ao reboco da argamassa (cimento) das paredes das caves a R. não procedeu à limpeza imediata (antes do cimento adquirir dureza)?
                        2º
Desde a data da entrega do imóvel que são visíveis resíduos de cimento, as facturas e fendilhações no pavimento do terraço do 8º piso e as infiltrações daí decorrente; a falta de inclinação do chão das varandas das fracções e que não são partes comuns, defeito de escoamento das águas pluviais e da construção das condutas e suas obstruções, a colocação de ralos, bem como os demais defeitos apresentados e com base no relatório técnico que constitui o doc. nº 6 junto com a p.i.?
                        3º
No último trimestre de 2003, o prédio supra identificado começou a apresentar os seguintes defeitos nas partes comuns do imóvel:
a) Diversas fracturas e fendilhações no pavimento do terraço exterior do 8º piso?
b) Infiltrações de água na casa da porteira e sala de condomínio (sitas no piso 8º, por baixo do terraço exterior;
c) Empolamento e levantamento de mosaicos cerâmicos do terraço acessível?
d) Os painéis de madeira que forram o hall de entrada do prédio apresentavam manchas escuras (provocadas por humidades), consequência de infiltrações de águas entre a parede e os painéis de madeira?
                        4º
Os defeitos mencionados nos artigos supra resultam da falta de remoção dos resíduos de argamassa de cimento com produtos adequados (com posterior vitrificação do pavimento dos três patamares dos andares em cave)?
                        5º
As infiltrações do terraço de cobertura resultam da elevada permeabilidade do pavimento e dos deficientes remates com a parede exterior, permitindo a infiltração de águas das chuvas, provocando um elevado teor de humidade permanente na casa da porteira e sala de condomínio?
                        6º
As manchas escuras nas madeiras que forram o hall de entrada do edifício são consequência de infiltrações de águas e humidades, bem como a existência de fungos?
                        7º
As fissuras e infiltrações de águas referidas, resultaram de defeitos originários de construção, referentes à inexistência de adequada impermeabilização da cobertura do prédio (muros perimetrais e pavimento dos terraços?
                        8º
Resultam da deficiente execução e construção na impermeabilização dos terraços, nomeadamente com emprego de materiais de baixa qualidade e má execução das diferentes fases de construção?
                        9º
Além das infiltrações de águas, os defeitos supramencionados deram também origem a manchas de humidade e a formação de bolores nos painéis de madeira do hall de entrada, que afectam a qualidade do edifício?
                        10º
O escoamento das águas pluviais dos terraços é deficiente (por não permitir o escoamento fluído das águas pluviais), o que implica uma intervenção geral ao nível do solo dos referidos terraços?
                        11º
As referidas condutas estão construídas de forma a que as águas pluviais sejam despejadas no esgoto existente no solo da Avenida …?
                        12º
As condutas têm obstruções e rupturas que são causa de humidades?
                        13º
Para garantir o escoamento das águas residuais, os ralos de esgoto deveriam ter sido construídos a uma quota inferior ao pavimento do terraço, o que não acontece no caso concreto?
                        14º
As manchas nas madeiras do hall de entrada têm origem numa ruptura do ramal de abastecimento de água do prédio e/ou de deficiente estanquicidade em alguma junta de ligação no troço entre a caixa de ligação e os contadores?
                        15º
Os trabalhos de obra feitas pela Ré não cumpriram com o objectivo: reparações das infiltrações de águas e humidades (nos terraços e no hall de entrada do edifício), fissuras existentes nos muros e pavimentos dos terraços do 8º piso, restos de cimento nos pavimentos das caves?
                        16º
Logo no decurso do primeiro inverno – 2004/2005 – após os trabalhos de reparação para Ré, a administração verificou que no pavimento do terraço do 8º piso continuaram a verificar-se empolamentos, designadamente com ladrilhos?
2.2.2. O tribunal da audiência decidiu os enunciados referidos em 2.2.1., nestes exactos termos: artºs 1º, 5º a 10º, 12º a 14º – Não provado; artº 11º - Provado; artº 2º - Provado apenas que desde a data da entrega do imóvel, são visíveis resíduos de cimento no pavimento do terraço do 8º piso; artº 3º provado apenas que em Novembro de 2006, o prédio apresentava os seguintes defeitos nas partes comuns: a) fendilhações na betonilha de recobrimento da cobertura do 8º andar; b) alguns mosaicos soltos no terraço exterior do 8º andar; c) os painéis de madeira que forram o hall de entrada apresentavam manchas escuras; artº 4º - Provado que os defeitos mencionados no artº 2º resultam da falta de remoção dos resíduos de argamassa de cimento com produtos adequados, o que se verifica também nos patamares dos andares em cave; artº 15º e 16º em conjunto: Provado que após a realização dos trabalhos de obra feitos pela ré continuaram a verificar-se restos de cimento nos pavimentos das caves e mosaicos descolados no terraço do 8º piso.
2.2.3. O tribunal da audiência motivou o julgamento referido em 2.2.2., nestes precisos termos:
Para a formação da convicção o Tribunal tomou em consideração que a Ré procedeu a obras de reparação de alguns defeitos de construção nos meses de Janeiro a Março de 2004; que em Março de 2005 foi elaborado o relatório técnico junto como doc. N.º 6 da PI; e que em Novembro de 2006 foi elaborado relatório pericial com base em perícia colegial ordenada pelo Tribunal.
Considerados estes factos verifica-se que qualquer dos relatórios técnicos foram elaborados após a realização das obras pela Ré sendo que entre a data de realização do relatório apresentado pelo A. e a data do relatório apresentado pelos Sr.s peritos nomeados não decorreram (de acordo com a prova testemunhal e documental junta aos autos) quaisquer intervenções feitas pela Ré ou por terceiros. Ora, analisados os dois relatórios apresentados verifica-se que a Sr. eng. - contratada pelo A. observou e concluiu coisa diversa dos Srs., Peritos nomeados que se deslocaram ao local cerca de ano e meio mais tarde. Sendo certo que os defeitos e degradações de um edifício têm tendência a agravar-se com o decurso do tempo e não a desaparecer o Tribunal entende ser de dar maior credibilidade a este último relatório até por o mesmo ser elaborado na sequência de perícia colegial, por peritos nomeados por A, R. e pelo Tribunal, o que lhe confere maior isenção e objectividade.
Relevantes foram também os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento que, no geral, não se mostraram contraditórios entre si.
Assim, considerou-se não provado o art.º 1° porquanto não foi possível aferir, por ser facto desconhecido das testemunhas e não ter havido depoimento de parte, se a Ré procedeu ou não a limpeza imediata.
Também o art.º 2º mereceu a resposta restritiva dada porquanto, dos defeitos apontados neste art.º apenas foi possível apurar a existência de resíduos de cimento, conforme, decorre da resposta dada aos artigos subsequentes.
Quanto á matéria vertida no art.° 3°, não foi possível apurar, de forma fiável quais os defeitos verificados em 2003 já que as testemunhas arroladas pelo A. e inquiridas a esta matéria - “C” e “D”, residentes no edifício - não souberam precisar os efeitos verificados nessa data. Assim, o Tribunal considerou apenas os defeitos verificados no relatório pericial, tendo, por isso, respondido de forma restritiva ao artigo em causa, dando apenas por provado o que consta daquele relatório (fls. 341).
A resposta dada ao artigo 4° decorreu da resposta dada ao art.º 2º e dos depoimentos das testemunhas “E”, “C” e “D”.
A resposta negativa dada aos quesitos 5° a 9° resultou do teor do relatório pericial junto já que os Srs. Peritos concluíram não haver vestígios de infiltrações nem problemas de impermeabilização dos terraços, como confirmaram em audiência. Quanto às manchas verificadas nas madeiras do hall de entrada, o relatório foi também inconclusivo não tendo sido possível aferir qual a sua origem, sendo certo que não se prende com humidade (relatório de fls. 341, resposta ao art." 12° d) da pi). Esta resposta dos Srs., Peritos determinou também a resposta dada ao art." 14° A resposta dada pelos Srs. Peritos á matéria vertida nos art.º l0° e 12° (fls. 342 - sobre os artigo 24° e 26° da PI) foi também determinante das respostas dadas.
Considerou-se provado o art.º 11° em face do depoimento da testemunha “F” que trabalhou para a “A” até 2006 e demonstrou conhecimento dos factos.
Considerou-se não provado o art." 13° uma vez que não se apurou que no caso concreto os ralos não estejam construídos com quota inferior ao pavimento do terraço e porque do relatório pericial junto aos autos decorre que o escoamento das águas do terraço é normal e suficiente. Tal resposta determinou também a resposta dada ao art.º 21°.
Optou-se por dar resposta conjunta aos art.º 15° e 16° uma vez que conforme já se referiu os srs. Peritos concluíram pela inexistência de infiltrações, tendo-se apenas apurado, com base no relatório e nos depoimentos das testemunhas inquiridas que se mantém os restos de cimento e alguns mosaicos descolados no terraço do 8° piso. Respondeu-se de forma conjunta aos quesitos 17° a 20° pelos motivos acima expostos.
Efectivamente é certo que o A. solicitou á Sr.ª Eng. “E” a elaboração do relatório que se encontra junto aos autos e que desse relatório constam vários defeitos. Porém, como acima se esclareceu tais defeitos não foram verificados pelos Srs. Peritos nomeados pelo tribunal pelo que não podem considerar-se provados (…).
2.2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte:
Dos factos assentes.
A - A R. é uma sociedade comercial que se dedica à construção e consequente comercialização de prédios urbanos de habitação e comércio;
B - No exercício dessa actividade, no ano de 1999, a R. construiu o prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, número …,  em Lisboa, área desta comarca;
C - O imóvel mencionado é um condomínio, constituído por 8 andares à superfície e 3 em cave, destinados a estacionamento automóvel e arrecadação;
D - Do 1.° ao 7.º andar é composto por 14 fracções autónomas (duas por piso);
E - O rés-do-chão é composto pelo hall de entrada do edifício, casa do lixo e zona de contadores;
F - O 8° andar - piso de cobertura - é composto por uma fracção habitacional (casa da porteira), sala de condomínio e terraço comum;
G - Por correspondência com data de 8 de Dezembro de 2003, a administração do A. interpelou a R. e, em relação às partes comuns, referiu a existência de anomalias de construção detectadas no imóvel (com descrição pormenorizada dos defeitos e anomalias), interpelando para a reparação de tais defeitos;
H - Posteriormente, reconhecendo a existência dos referidos defeitos de construção, a R. procedeu a obras e reparações destinadas a reparar os mencionados vícios;
I - Tais obras e reparações foram realizadas pela R. nos meses de Janeiro a Março de 2004;
J - Na sequência da comunicação e interpelação realizadas pela Administração e dos trabalhos de obra referidos na alínea H), a R. respondeu por carta datada de 29 de Março de 2004 na qual referiu:
K - … que as anomalias existentes no pavimento do terraço exterior do 8° piso - fissuras e infiltrações nas junções dos mosaicos - foram todas reparadas;
L - … que não existem infiltrações de águas na casa da porteira e sim acumulação de vapores;
M - … que o isolamento da placa que serve de telhado à casa da porteira e sala de condomínio foi reparado;
N - Que foram também reparadas a última janela junto à casa de banho da sala de condomínio e as janelas da escada comum situadas entre o 7° e o 8º pisos (incluindo a reparação da pintura interior e exterior);
O - Mais refere a R. que as manchas escuras nas madeiras que forram o hall de entrada do imóvel se devem, não à existência de infiltrações de águas, e sim aos produtos utilizados na limpeza das mencionadas madeiras;
P - Por último, a R. refere que foi reparado o cimento que serve de pavimento nos pisos negativos (caves a que correspondem os pisos -1 a -3);
Q - Na sequência das intervenções da Ré, a administração da Autora, no dia 14 de Março de 2005, enviou carta alertando para a manutenção dos defeitos mesmo depois da intervenção da Ré e juntando o relatório técnico acima mencionado que constitui o doc. n.º 6;
R - Nessa correspondência, o A. interpelou para a realização de obras de reparação urgente das anomalias descritas neste relatório, sendo referido que "a urgência na execução das obras de reparação decorre, além do mais, da necessidade de evitar que a próxima época de chuvas cause infiltrações graves no prédio, que exigiriam obras acrescidas";
Da base instrutória:
S - Desde a da entrega do imóvel são visíveis os resíduos de cimento no pavimento do terraço do 8º andar (resposta ao n.º 2 da BI);
T - Em Novembro de 2006, o prédio apresentava os seguintes defeitos nas partes comuns:
a) fendilhações na betonilha de recobrimento da cobertura do 8.º andar;
b) alguns mosaicos soltos no terraço do 8.º andar;
c) os painéis de madeira que forram o hall de entrada apresentavam manchas escuras (resp. ao n.º 3 da BI);
U - Os defeitos mencionados na al. S) resultam da falta de remoção dos resíduos de argamassa de cimento com produtos adequados, o que se verifica também nos três patamares dos andares em cave (resp. ao n.º 4 da BI);
V - As condutas estão construídas de forma a que as águas pluviais sejam despejadas no esgoto existente no solo da Avenida … (resp. ao n.º 11 da BI);
X - Após a realização dos trabalhos de obra feitos pela Ré continuaram a verificar-se restos de cimento nos pavimentos das caves e mosaicos descolados no terraço do 8.º andar (resp. aos n.ºs 15 e 16 da BI);
Z - O A. solicitou a técnica especializada, Sr.ª Engenheira “E”, o relatório técnico que se encontra junto a fls. 33 a 87 como documento n.º 6 da p.i. (resp. aos n.ºs 17 a 20 da BI);
AA - Os trabalhos de reparação pela R. nos terraços implicaram colocação de massa nas fissuras e aplicação de tela asfáltica na zona da platibanda (resp. ao n.º 22 da BI);
BB - Como contrapartida pela elaboração do referido relatório o A. despendeu a quantia de € 300,00 (resp. ao n.º 24 da BI);
CC - O A. solicitou uma vistoria à Câmara Municipal de Lisboa, que a Sr.ª Eng.ª “E” se encarregou de acompanhar, e pelo qual recebeu do A. € 250,00 (resp. ao n.º 25 da BI);
DD - O A. solicitou orçamento a um técnico para a realização de obras nos terraços de cobertura do prédio, no hall de entrada e no piso das caves (resp. ao n.º 27 da BI);
EE - O orçamento referido na al. DD) ascende a € 25.740,00, acrescido de I.V.A., à taxa em vigor (resp. ao n.º 28 da BI).
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito dos recursos.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
Tendo em conta os parâmetros de cognição resultantes do conteúdo das alegações e das decisões impugnadas, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver são as de saber:
a) No tocante ao recurso ordinário de agravo, se a decisão que rejeitou o articulado superveniente deve ser revogada e substituída por outra que admita esse articulado;
a) Relativamente aos recursos de apelação, principal e subordinado, se a sentença final da causa deve ser revogada e substituída por outra condene ou que a absolva a demandada in totum do pedido, respectivamente.
A resolução destes problemas reclama o exame, ainda que breve:
a) No que tange ao recurso de agravo, as condições de admissibilidade dos articulados supervenientes;
      b) No que concerne aos recurso de apelação, dos poderes de controlo desta Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância, do regime da nulidade da decisão judicial, das pretensões assentes na garantia edilícia e do modo de extinção delas representada pela caducidade.
      3.2. Ordem de conhecimento dos recursos.
      Como o recurso de agravo subiu com a apelação interposta da sentença final da causa, o julgamento do primeiro daqueles recursos deveria, em princípio, preceder o do segundo (artº 710 nº 1, 1ª parte, do CPC).
      No caso, porém, a ordem de conhecimento dos recursos deve ser a inversa.
      A leitura do articulado superveniente mostra que tem por objecto os factos que constituem a causa petendi deste particular direito: o direito do adquirente de imóvel destinado a longa duração, construído pelo vendedor, proceder, por si, à reparação dos defeitos da coisa ou da obra prestada, e de reclamar, depois, do construtor, o reembolso da despesa correspondente (artº 1225 nºs 1 e 4 do Código Civil).
      Como melhor se procurará detalhar, de harmonia com a doutrina que se tem por preferível, um tal direito só deve ser reconhecido ao adquirente nos casos de incumprimento definitivo, pelo construtor, da sua obrigação de eliminar o defeito ou em caso de comprovada urgência. Portanto, o reconhecimento desse direito ao adquirente exige a prova por este, além do mais, deste facto fundamental: a existência do defeito da coisa ou da obra prestada.
      Ora é justamente esse problema que se debate tanto no recurso de apelação interposto pelo agravante como pela parte contrária.
      Efectivamente, o tribunal da audiência do conjunto dos defeitos da obra alegados pelo autor, apenas declarou provada a existência actual deste defeito: restos de cimento nos pavimentos das caves e mosaicos descolados no terraço do 8º andar. Todavia, segundo o recorrente, uma tal decisão encontra-se ferida por um error in iudicando, por erro na apreciação das provas e é um tal erro que constitui o nódulo fundamental do recurso de apelação dessa parte. E mesmo relativamente ao direito assente no defeito único defeito reconhecido pela sentença apelada é oposta pela recorrida, no recurso subordinado de apelação, a excepção da caducidade.
      A conexão entre os objectos das apelações e do agravo mostra, assim, que a relação de prejudicialidade se verifica entre os fundamentos da apelação e os fundamentos do agravo. Só se o recurso de apelação interposto pelo autor dever proceder – e, portanto, se concluir pela existência dos defeitos alegados – é que os factos relativos ao direito de proceder, ele mesmo, à sua reparação, invocados no articulado superveniente, objecto do recurso de agravo, adquirirão relevância. Se essa apelação improceder é clara a improcedência do agravo, dado que, não se demonstrando a existência actual dos defeitos é evidente que ao autor não assiste o direito de proceder, ele mesmo, ainda que por recurso a terceiros, à sua reparação e de exigir da ré o reembolso do dispêndio correspondente.
      Estas considerações vinculam, pois, a que o conhecimento do recurso de agravo interposto pelo autor seja precedido do julgamento dos recursos de apelação.
Entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada um das soluções plausíveis da questão de direito - justifica-se, metodologicamente, que, no tocante aos recursos de apelação, a exposição subsequente se abra com a determinação da responsabilidade do construtor de imóvel destinado a longa duração pelo mau cumprimento da sua obrigação de prestar e o modo de extinção das pretensões assentes nesse cumprimento defeituoso.
      3.3. Recursos de apelação.
      3.3.1. Responsabilidade do construtor de imóvel destinado a longa duração e extinção das pretensões assentes no cumprimento defeituoso, por aquele, do seu dever de prestar.
      No tocante a imóveis destinados a longa duração construídos pelo vendedor e à responsabilidade deste pelo mau cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, há que ponderar as regras relativas à responsabilidade do empreiteiro pela prestação de obra defeituosa. Sempre que o vendedor seja simultaneamente o construtor do imóvel de longa duração, àquela responsabilidade aplicam-se as regras do contrato de empreitada que regem a responsabilidade – ex contractu – do empreiteiro pelos defeitos da obra (artº 1225 nº 4 do Código Civil).
      De uma maneira deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o empreiteiro, adstrito ao dever de realizar uma obra, pode violar o seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de empreitada, é também objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 1218 e ss. do Código Civil). O empreiteiro não está vinculado apenas à obrigação de realizar uma obra, de obter certo resultado; ele encontra-se ainda vinculado executar uma obra isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artºs 1218 nº 1 e 1219 nº 1 do Código Civil).
      Obra defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado[2].
      Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria. Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Na construção de um edifício, pressupõe-se, por exemplo, que as superfícies exteriores se mantenham agregadas e sejam impermeáveis.
      O adquirente está vinculado ao dever de, no momento da entrega da coisa, proceder à verificação do defeito (artº 1218 do Código Civil). Dever que deve ser cumprido de forma diligente em face da diferença do regime a que estão sujeitos os defeitos ocultos e os defeitos aparentes ou reconhecíveis.
       Defeito oculto é, aquele que, sendo desconhecido do adquirente pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias[3]; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência[4].
      Maneira que o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos disponibilizados pela lei se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.
      A lei assinala à prestação de obra defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do empreiteiro: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do Código Civil).
      Em caso de cumprimento defeituoso, atribui-se ao dono da obra, além da indemnização, o direito de exigir a eliminação dos defeitos, a realização de nova obra, a redução do preço e a resolução do contrato de empreitada (artºs 1221, 1222, 1223 e 1224 do Código Civil). Mas estes direitos não são de exercício atrabiliário, antes obedecem a uma ordem lógica[5].   
      Mostrando-se a prestação do empreiteiro defeituosa, o direito primeiro que a lei reconhece ao dono da obra é o de exigir a eliminação do defeito (artºs 1218 nº 1 e 1221 nº 1 do Código Civil). Na verdade, tendo este direito sido estabelecido no interesse de ambos os contraentes, não é lícito do dono da obra impedir o cumprimento dessa obrigação do empreiteiro, mesmo no caso de já mostrar constituído, no tocante a ela, na situação de mora. A não eliminação do defeito ou a não repetição da obra não confere ao dono da obra o direito de, por si ou por terceiro, eliminar o defeito ou refazer a obra, reclamando, depois – ou mesmo antecipadamente - do empreiteiro, o reembolso da despesa correspondente[6]. Só assim não será, segundo a doutrina que se tem por preferível, no caso de incumprimento definitivo daquela obrigação do empreiteiro de eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência (artºs 339 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil)[7].
      Os direitos conferidos ao dono da obra estão também sujeitos, para o seu exercício, a prazos de caducidade, em geral, particularmente curtos (artº 1224 nºs 1 e 2 do Código Civil). Todavia, o prazo geral de dois anos é alargado para cinco, também a contar da entrega, no caso de a empreitada ter por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis, destinados por sua natureza, a longa duração (artº 1225 nº 1 do Código Civil).
      Porém, no tocante ao direito à reparação dos defeitos verificados em partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal, o prazo de 5 anos conta-se, não da entrega, mas do momento em que é instituída a administração do condomínio[8]. O momento relevante é, portanto, não o da entrega aos condóminos das fracções autónomas – mas aquele em que a estrutura orgânica do condomínio – assembleia de condóminos e administrador – se mostra constituída e, portanto, em condições de exercer aquele direito (artº 1430 nº 1 do Código Civil).
      A denúncia do defeito deve ser feita no prazo de um ano, sendo também de um ano o prazo para a interposição da acção judicial (artº 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil). Portanto, no caso de o contrato de empreitada ter por objecto a construção de imóveis, a denúncia do defeito deve ser feita no prazo de um ano e a indemnização e eliminação dos efeitos deve ser pedida no ano seguinte ao da denúncia. A lei não indica o momento partir do que se inicia o prazo da denúncia. Deve, porém, entender-se, que esse prazo começa a correr a partir da descoberta do defeito (artº 1220 nº 1, por analogia, do Código Civil).
      O reconhecimento pelo empreiteiro da existência dos defeitos – que tanto pode ser expresso como tácito[9] – equivale à sua denúncia (artº 1220 nº 2 do Código Civil).
      No caso de o construtor ter, sem êxito, realizado trabalhos de reparação dos defeitos – ou obra nova – mantendo-se os defeitos, os prazos de caducidade dos novos direitos conta-se a partir da data da entrega da obra reparada ou da obra nova[10].
      A comparação do regime da compra e venda, tout court, e da compra e venda de imóveis em que o vendedor do imóvel foi quem o construiu, modificou ou reparou, mostra uma divergência de prazos: no primeiro caso o limite máximo da garantia pode atingir cinco anos e meio a contar da entrega, dado que aos cinco anos desde a entrega da coisa vendida para a denúncia do defeito, somam-se mais seis meses para interpor a acção judicial (artºs 916 nº 3 e 917 do Código Civil); no segundo, esse último prazo é de um ano (artº 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil).
      É, portanto, patente uma convergência fundamental de regimes entre a responsabilidade do vendedor e do empreiteiro, que minimizou as injustiças de tratamento desigual, sem fundamento razoável para essa diferença, entre e um e outro caso. Mas a equiparação não é total, pois o vendedor que não tenha construído, modificado ou reparado o imóvel responde nos termos dos artºs 917 e ss. do Código Civil, ao passo que aquele que venda o edifício depois de o ter construído, modificado ou reparado, responde na qualidade de empreiteiro, nos termos do artº 1218 e ss. do mesmo Código. Note-se que a aplicação deste último regime não tem a virtualidade de alterar a qualificação do contrato: este continua a ser um contrato de compra e venda e são-lhe aplicáveis, excepto quanto àquele ponto, as normas específicas deste tipo contratual.
Como se notou os diversos direitos, no caso de violação positiva do contrato ou de cumprimento defeituoso das obrigações que dele emergem para o vendedor ou para o empreiteiro, que a lei reconhece ao comprador, estão sujeitos a caducidade.
      A caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva[11]. Em sentido estrito, a caducidade exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas. A caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou a convenção atribuam semelhante efeito (artº 331 nº 1 do Código Civil).
No caso, da leitura ainda que meramente oblíqua dos preceitos que a estabelecem conclui-se que se trata de uma caducidade simples, quer dizer, não punitiva, dado que se limita a prever a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo, legal, visto que é predisposta directamente pela lei, e relativa a matéria disponível: a sua apreciação não é oficiosa (artºs 330, 331 nº 2 e 333 do Código Civil).
A caducidade produz, ao contrário da prescrição, um efeito extintivo, na espécie sujeita, dos direitos do comprador, assentes na prestação de coisa defeituosa. Dado que este direito é disponível, a caducidade confere ao devedor o direito potestativo de, através de declaração de vontade, que consiste em invocá-la, por termo àquele direito[12].
Esses prazos de caducidade são inteiramente aplicáveis mesmo ao direito que emerge, não do incumprimento definitivo do vendedor ou do empreiteiro, mas da necessidade sentida pelo comprador em proceder, por sua conta, à eliminação dos defeitos, face à urgência na reparação. Como aqui estamos perante a uma simples substituição da modalidade de indemnização a que o vendedor ou o empreiteiro ficaram obrigados pelo cumprimento defeituoso, os prazos de caducidade indicados têm inteira aplicação. A solução justifica-se por o comprador não haver ainda exercido qualquer direito perante o vendedor ou o empreiteiro relativamente aos defeitos da coisa ou da obra prestada.
O Código Civil ao fixar o princípio geral da matéria do ónus da prova apelou, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.
Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado – mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).
      De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito assente, por exemplo, num contrato de compra e venda ou num contrato de empreitada, e se o demandado lhe opõe a caducidade desse direito, a aplicação daquele princípio impõe ao primeiro o ónus de provar os elementos estruturais – constitutivos – do seu direito à prestação – a celebração do contrato entre as partes e a inclusão da prestação exigida entre os efeitos do contrato a cargo do devedor – cabendo ao último a prova do facto extintivo do demandante, que é a caducidade.
      Portanto, se o autor fundado na prestação de coisa ou de obra defeituosa quiser fazer valer o seu direito à eliminação do defeito e à indemnização do dano, incumbe-lhe provar, desde logo, os que dizem respeito à existência do defeito ou do vício, dado que é desses factos que emergem qualquer daqueles direitos.
      Na espécie do recurso, a sentença impugnada declarou largamente improcedentes as pretensões deduzidas pelo apelante principal, por este não ter cumprido, no tocante à generalidade dos defeitos do prédio alegados, o ónus de os provar.
      Mas esta decisão – sustenta o recorrente – só se explica pelo error in iudicando em que incorreu, no tocante à questão de facto, o tribunal da audiência.
      Importa, portanto, ponderar os parâmetros dos poderes de controlo desta Relação relativamente ao julgamento da matéria de facto da 1ª instância.
      Previamente, porém, há que decidir se a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido foi ou não objecto de adequada impugnação.
      3.3.2. Recurso de apelação principal.
      3.3.2.1. Ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto.
      Quando o recorrente impugna a decisão da matéria de facto deve especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados e quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos (artº 690-A nº 1 a) b) do CPC).
      Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à indicação dos depoimentos em que se fundamenta por referência ao assinalado na acta (artºs 690-A nº 2 do CPC).
      Nessa hipótese, incumbe ao recorrido proceder, na resposta, à indicação dos depoimentos que contrariem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta (artº 690-A nº 3 do CPC).
      O recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente um tal erro. Na realidade, não parece prudente que, no curso da alegação, o recorrente não exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor da 1ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração.
      Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor; caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo[13].
      De resto, o ónus de apontar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados e de fundamentar a imputação do error in judicando da decisão correspondente, constitui simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso.
      Na espécie sujeita, o recorrente principal individualiza as provas que, no seu modo de ver, impõem, no tocante à questão de facto, decisão diversa da encontrada pelo decisor da 1ª instância: os depoimentos das testemunhas “C” e “D”; os esclarecimentos dos peritos que compareceram nessa audiência.
      É exacto, como salienta a ré, que o recorrente não localiza os depoimentos daquelas testemunhas nem as declarações daqueles peritos por referência ao assinalado na acta, portanto, através da indicação do início e do termo da sua gravação no suporte magnético.
      Simplesmente no caso, não era exigível ao recorrente principal essa indicação dado que ela não consta da acta da audiência, o que se explica pelo perfil do sistema de registo utilizado: gravação digital em CD. Não constando tal menção naquela acta, segue-se, naturalmente, que não é possível identificar o início e o termo do registo, por referência ao assinalado na acta. Uma tal irregularidade – de todo alheia ao impugnante – não deve tolher o seu direito à impugnação da matéria de facto, de harmonia, de resto, com o princípio de que as omissões da secretaria judicial não devem, em caso algum, prejudicar as partes (artº 161 nº 6 do CPC).
      De resto, não parece que mesmo face omissão, pelo recorrente, do referido ónus de impugnação e, portanto, que lhe deva ser aplicada a sanção, particularmente severa, disposta na lei, para o seu incumprimento: a rejeição, no segmento relativo à impugnação da matéria de facto, do recurso. Em tal caso, sendo exacto que um tal ónus não teria sido cumprido com um escrúpulo religioso, também não o seria menos que o impugnante indica, de modo inequívoco, os depoimentos em que fundamenta a sua discordância no tocante à decisão da matéria de facto - e os passos desses depoimentos que justificam decisão diversa da encontrada pelo tribunal recorrido - e de forma que permite a sua localização no registo sonoro.
      De resto, a experiência mostra que são vulgares os erros dos recorrentes quanto à exacta localização dos depoimentos no registo magnético e comuns as divergências, no tocante a essa localização, entre o conteúdo da acta da audiência e o do registo, que, levados, num rigor radical, à conta de não cumprimento do referido ónus, conduziram à sistemática rejeição do recurso, tornando meramente nominal a garantia de um efectivo duplo grau de jurisdição no plano da matéria de facto.
      Tanto nestes casos como no do recurso, o procedimento exacto é o da actuação dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, i.e., de controlo da correcção da indicação do recorrente, e da localização exacta do depoimento no registo, em ordem à prossecução da finalidade última dessa indicação: a audição dos depoimentos indicados, seja pelo recorrente seja pelo recorrido (artº 690-A nº 4 do CPC).
      Não há, portanto, motivo para que se rejeite, de forma seca, o recurso, no segmento relativo á impugnação da decisão da matéria de facto. Resta, porém, saber se se lhe deve dar provimento.
      3.3.3.2. Poderes de controlo da Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto.
      A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido.
      O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas.
      Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento (artº 690-A nºs 1 b) e 2 e 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).
      O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC). Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro).
      O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.
      A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).
      Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[14]. O recurso ordinário de apelação em caso algum perde a sua feição de recurso de reponderação para passar a ser um recurso de reexame.
      Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[15].
      Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.
      De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[16]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[17]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.
      A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[18] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.
      Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[19].
      Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.
      O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.
      Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa menor é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit - daquilo que normalmente sucede[20].
Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[21].
      O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.
      3.3.3.2.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância.
      Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado. É o caso, por exemplo, da prova testemunhal (artº 396 do Código Civil). Essa apreciação baseia-se – já se notou – na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC). Neste contexto, nada impede, por exemplo, que a convicção do juiz se funde no depoimento de uma única testemunha[22].
Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade.
Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural um atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade. O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir.
Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queria dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado. De resto, aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira.
Outra prova igualmente sujeita à livre, mas prudente, convicção do tribunal é a prova pericial (artº 389 do Código Civil)[23].
      Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.
      Agora, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388 do Código Civil).
      Maneira que à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[24] (artº 653 nº 2 e 659 nº 2, in fine, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[25].
      Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.
No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.
A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[26].
As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
O recorrente principal reputa de mal julgados os enunciados contido na base instrutória sob os nºs 1º a 16º. De harmonia com a sua alegação tais enunciados, que, segundo o apelante, o tribunal da audiência julgou não provados, devem julgar-se provados. Logo no plano da delimitação dos pontos de facto mal que diz mal julgados, a alegação do recorrente suscita dois reparos.
O primeiro é este: o tribunal não declarou todos aqueles enunciados de facto não provados; isso só se verifica no tocante aos pontos 1º, 5º a 10º, 12º a 14º: o enunciado contido no ponto 11º foi julgado provado sem qualquer reserva e os demais pontos mereceram respostas positivas, embora restritivas. É o que o ocorre, por exemplo, com o ponto 4º, que, no seu segmento essencial – a causa do defeito representado pelos resíduos de argamassa de cimento nos pavimentos – foi julgado provado.
O segundo prende-se – como também nota a ré – com a circunstância de aqueles enunciados se encontrarem pejados de meras ou puras conclusões. O exemplo mais claro disso mesmo é o enunciado contida no ponto 8º: resultam da deficiente execução e construção da impermeabilização, nomeadamente com emprego de materiais de baixa qualidade e má execução das diferentes fases de construção? Portanto, bem vistas as coisas, nalguns casos ao menos, a deficiência não está tanto nas respostas – mas mais nas perguntas.
Só devem ser objecto de selecção para base instrutória os factos materiais e concretos e é a eles que se restringe a competência decisória do tribunal do audiência (artº 646 nº 4 e 653 nº 2 do CPC). Todas as respostas desse tribunal sobre meras conclusões de facto, i.e., sobre juízos de valor, eventualmente contidas na base da prova devem ter-se por inexistentes (artº 646 nº 4, analogicamente, do CPC)[27].
Desta constatação decorre que a reponderação da decisão da matéria de facto deve restringir-se aos factos materiais que seja possível, de alguma maneira, identificar nos enunciados aludidos, o que, decerto, não ocorre, por exemplo, no tocante aos pontos 7º, 2ª parte, e 8º.
Como bem nota o recorrente principal, a prova que exerceu no ânimo do tribunal da audiência uma influência decisiva para julgar não provados – ou só parcialmente provados – os factos cujo julgamento impugna foi a perícia colegial. Isto é inteiramente exacto. Descontando aspectos de pormenor, o julgamento daqueles pontos de facto foi inteiramente moldado sobre o relatório unânime dos peritos.
Na audiência apenas compareceram dois peritos – o designado pelo tribunal e o indicado pela ré – e estes foram terminantes em reiterar o juízo acorde expresso no relatório da perícia, excepto quanto a um ponto, que, de resto, desfavorece o ponto de vista do recorrente: a necessidade de proceder à remoção da betonilha de recobrimento da cobertura da área habitacional do 8º andar para verificar se a impermeabilização tinha sido de algum modo afectada: ambos os peritos declararam, una voce, que não se justifica remover a betonilha para verificar a tela asfáltica; era desnecessário.
É exacto, como alega o recorrente, que os peritos não inspeccionaram todas as fracções do edifício contíguas à parede exterior forrada com pedra. Realmente, aqueles dois peritos afirmaram que verificaram as fracções onde havia queixas, visitamos as fracções que nos diziam que tinham infiltrações, tendo acrescentado que não deram conta de alguma coisa nos andares inferiores. Mas este ponto em nada tolhe a força persuasiva do parecer dos peritos.
Num relatório produzido pelos peritos com a finalidade de estimar o custo das obras consideradas pelos peritos para a correcção dos defeitos de construção apontados no seu relatório de 8 de Novembro de 2006 – que depois de um primeira decisão que ordenou o seu desentranhamento, acabou depois, por outra, por ser admitido como documento, o perito nomeado pelo autor – que não compareceu na audiência final – em comentários complementares exprime a opinião que caso vertente todos os problemas detectados – na objectividade dos quesitos e na avaliação dos peritos - se situam especificamente nas fachadas e na cobertura.
Todavia, os outros dois peritos, nos esclarecimentos prestados na audiência, não foram inteiramente desta opinião, salientando que na altura da visita já estava controlado – as infiltrações – do lado da fachada frontal e que as infiltrações tinham a ver com a água das chuvas, não tinham a ver com a cobertura, mas com a fachada. De resto, já em momento anterior das suas declarações, estes peritos haviam notado que a origem das infiltrações não tem a ver com o terraço.
Ora, se percorrermos os pontos de facto impugnados – seleccionados a partir da alegação do autor – verificamos que as infiltrações de água são indicadas duas causas: a permeabilidade da cobertura e a deficiência do sistema de recolha das águas recebidas nesse espaço; as rupturas e obstruções das condutas de condução das águas pluviais recolhidas no terraço. Todavia, os peritos foram acordes em declarar que nas datas das várias inspecções não existiam as infiltrações alegadas, que não havia sinais de infiltrações de água das chuvas na casa da porteira e da sala de condomínio – localizadas por baixo de um dos terraços – que o escoamento de águas pluviais no terraço é normal, que não se verificou a existência de rupturas ou entupimentos nas prumadas das águas pluviais e em atribuir, como causa das humidades existentes no 1º andares, esquerdo e direito, infiltrações de águas da chuva através das juntas do forro de pedra da fachada. Do mesmo modo, concordaram unanimemente que nos painéis de madeira do hall não existiam quaisquer vestígios de humidade, pelo que as causas das manchas são indeterminadas. Juízo que os dois peritos que compareceram na audiência final reiteraram, sem hesitação, nos seus esclarecimentos.
Considerado a partir do relatório da perícia – e dos esclarecimentos dos peritos – a resposta encontrada pelo tribunal da audiência para os pontos de facto impugnados mostra-se exacta.
Nem essa exactidão é contrariada pelo depoimento das testemunhas  “C” – bancário – e “D” – advogado, reformado da actividade bancária – ambos administradores do condomínio no ano de 2005, ano em que foi deliberada, pela assembleia de condóminos, a proposição desta acção.
Ambas as testemunhas foram acordes em declarar que a sua razão de ciência resultava, sobretudo, do exercício do cargo em que estavam investidos e em situar temporalmente o seu conhecimento dos factos no ano em que o exerceram: 2005. Ambos os depoentes afirmaram, una voce, que nesse ano, continuavam a existir infiltrações, verificavam porque os condóminos reclamavam, com essas reclamações foram verificar o que se passava, que havia infiltrações na nossa administração. Todavia, já registaram alguma hesitação no tocante à localização precisa no tempo de algumas dessas infiltrações. Assim, ambas relataram que na casa de banho da casa da porteira entrava água pelo sítio da lâmpada. Todavia, instada a esclarecer se essa entrada de água ocorreu antes ou depois da intervenção da ré, a testemunha “D”, declarou que não sabia dizer se foi antes daquela intervenção.
Porém, os peritos – que realizaram os actos de inspecção nos dias 16 e 20 de Outubro e 6 de Novembro de 2006 e elaboraram o respectivo relatório no dia 8 do mesmo mês – foram peremptórios, em concluir, designadamente, que nas datas da vistoria não existiam as infiltrações apontadas, não existiam sinais de infiltrações de água, que a reduzida sobrelevação da cota dos vãos a soleira que ligam as zonas cobertas ao terraço do 8º andar não causaram quaisquer infiltrações.
Quer dizer: a perícia, realizada em momento posterior àquele em que as testemunhas situaram temporalmente a verificação dos defeitos, não corrobora as suas declarações, antes as contrariam abertamente.
De resto, ambas as testemunhas – em resultado da compreensível ausência de conhecimento especiais exigidos para determinar as causas próxima dos defeitos – foram hesitantes na indicação dessa causa: as infiltrações dos andares coloca-se a hipótese de ser do terraço ou da empena; no 1º andar a situação seria mais da empena, ou era do terraço ou da empena – afirmou a testemunha “C”; se era da empena, se não é, não faço ideia de onde é que vinha a água, não faço ideia donde aquilo vinha declarou a testemunha “D”. E este ponto releva, dado como se notou, nos pontos de facto cujo julgamento se discute, as infiltrações eram assacadas a deficiências de impermeabilização das superfícies de cobertura e do sistema de recolha da água e a rupturas ou obstruções das condutas das águas recolhidas nessa zona do edifício – e não à falta de estanquicidade do forro de pedra da fachada.
Todas as contas feitas, pode portanto, retirar-se esta proposição conclusiva: apesar da refracção provocada pela distância entre este Tribunal e as provas e o modo como conheceu de algumas delas não há, realmente, motivo para que se conclua que a decisão da matéria de facto contém um error in judicando – por ter incorrido em erro lógico, em uma contradição material ou ter violado regras da vida e da experiência e, portanto, para modificar esse julgamento.
Um tal julgamento dos factos provados, considerado, ao menos a posteriori, à luz das regras da lógica, da experiência e de critérios sociais, não é desrazoável. Não há, assim, motivo para o alterar.
Face a essa matéria de facto, o único defeito do edifício demonstrado é aquele em cuja reparação a ré foi condenada: os resíduos de cimento nos pavimentos. Mas esse defeito – dado seu carácter e a facilidade do seu conhecimento – não é de natureza a conceder ao recorrente o direito de o reparar, ele mesmo, nem justifica a concessão da indemnização pedida pelo autor, relativa à despesa com a elaboração do relatório e com a vistoria municipal, por ausência do adequado nexo causal entre aquele defeito e este dano (artº 563 do Código Civil).
O recurso de apelação do autor deve, por isso, improceder.
Simplesmente, a ré sustenta, no seu recurso subordinado a sentença apelada não é exacta, mesmo quanto à sua condenação na reparação do defeito apontado, dado que o direito nele fundado se mostra extinto por caducidade.
3.4. Recurso subordinado de apelação.
O recurso de apelação tem dois objectos: a nulidade da sentença apelada, por omissão de pronúncia; a extinção, por caducidade, do único direito que aquela sentença reconheceu ao autor.
No segmento relativo à nulidade da sentença apelada, a impugnação é inteiramente exacta.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras[28]. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 1ª parte).
E uma tal omissão é, no caso, evidente. Realmente o despacho saneador relegou para a sentença final o conhecimento da excepção da caducidade pelo decurso dos prazos a que alude o artº 1225 nº 2 do CC, mas aquela sentença guardou sobre tal questão um absoluto silêncio.
Todavia, tendo em conta o sistema a que obedece, nesta Relação, o julgamento da arguição da nulidade da sentença, esta deve ter-se por irrelevante.
      O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.
      Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).
      No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).
      Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.
      Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.
      Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja, á míngua de outro mais persuasivo, apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).
      É, justamente, o que sucede na espécie sujeita.
A ré sustenta, com fundamento da caducidade, o facto de ter decorrido mais de um ano entre a entrega do edifício e a denúncia do defeito representado pelos resíduos de cimento no pavimento. Este entendimento do problema, no tocante ao momento do inicio do prazo de caducidade não corresponde aquele que tem por exacto, dado que, como se notou, tratando-se de defeito nas zonas comuns do imóvel, esse prazo se deve contar da constituição da administração do condomínio.
Todavia, segundo a alegação mesma do autor, a constituição da sua administração ocorreu em Setembro de 2000; a acção foi proposta em 2005.
A denúncia do defeito – que é aparente e, portanto se presume conhecido - deveria ser feita no prazo de um ano, sendo também de um ano o prazo para a interposição da acção judicial (artºs 1218 nº 2 e 1225 nºs 2 e 3 do Código Civil). Portanto, no nosso caso, a denúncia do defeito deveria ter sido ser feita no prazo de um ano e a indemnização e eliminação dos efeitos devia ter sido ser pedida no ano seguinte ao da denúncia.
Em face disso é clara, no caso, a actuação da caducidade e, portanto, a procedência da excepção peremptória correspondente.
Importa, por esse motivo, revogar, no segmento relativo à condenação da ré, a sentença apelada e absolver aquela parte do pedido.
3.5. Recurso de agravo.
O articulado superveniente tem por finalidade permitir às partes a alegação de factos que, dada a sua superveniência, objectiva ou subjectiva, não puderam ser invocados nos articulados normais (artº 506 nº 1 do CPC).
      A superveniência é objectiva se o facto ocorreu em momento posterior ao da apresentação pela parte do articulado normal; é subjectiva se a parte só teve conhecimento do facto ocorrido depois de findar o prazo de oferecimento daquele articulado (artº 506 nº 2 do CPC). A superveniência objectiva demonstra-se por si: se o facto ocorreu depois da apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente superveniente; a aferição da superveniência subjectiva é mais espinhosa, mas deve valer para a sua determinação este critério: apenas o desconhecimento da parte com negligência grave do facto deve importar a preclusão desse facto e a inadmissibilidade da sua alegação como facto superveniente.
      De outro aspecto, a lei vincula ao distinguo entre o articulado posterior, utilizado para alegar facto superveniente ainda durante a fase dos articulados, e o articulado novo, a que assinala a função de invocação de factos ocorridos ou conhecidos depois do encerramento daquela fase (artº 506 nº 1 do CPC).
      O novo articulado – único para o qual a lei fixa um prazo para a sua apresentação – pode ser apresentado em três momentos distintos: na audiência preliminar, quanto tenha havido lugar a ela e os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao encerramento dos seus trabalhos (artº 506 nº 3 do CPC); nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, quando os factos sejam posteriores ao termo da audiência preliminar ou não tenha havido a esta diligência (artºs 506 nº 3 b), 508-A, nº 2 b) e 512 nº 2 do CPC); na audiência de discussão e julgamento, se os factos tiverem ocorrido ou parte tiver deles tido conhecimento em data posterior à marcação dessa audiência (artº 506 nº 3 c) do CPC).
      Apresentado o novo articulado o juiz deve rejeitá-lo designadamente quando, por culpa da parte, ele tiver sido oferecido fora de tempo ou for manifesto que os factos alegados não interessam á decisão (artº 506 nº 4, 2ª parte, do CPC).
      Foi com o primeiro daqueles fundamentos que, no caso, o despacho impugnado rejeitou o novo articulado oferecido, pelo autor, no início da audiência de discussão e julgamento.
      Na espécie sujeita, porém, está prejudicada a apreciação da exactidão deste fundamento de rejeição daquele articulado.
      Como se sublinhou, os factos alegados nesse articulado respeitavam ao direito do autor de, em face da invocada situação de urgência, proceder à reparação dos defeitos articulados como causa de pedir.
      O julgamento dos recursos de apelação mostra, do mesmo passo, que o autor não demonstrou a quase totalidade dos defeitos alegados, e que o direito à reparação daquele que demonstrou – além de não justificar a concessão ao autor do direito de proceder ele mesmo à sua reparação - foi atingido pela caducidade.
      Os factos alegados naquele articulado são, por isso, de todo irrelevantes para a decisão da causa.
      Esta razão é suficiente para negar provimento a este recurso.
      As custas dos recursos deverão ser satisfeitas pela parte vencida: o autor (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos:
a) Nega-se provimento aos recursos, de agravo e de apelação, interpostos pelo autor;
      b) Julga-se procedente o recurso subordinado de apelação da ré, “A” –  Lda. e, consequentemente, revoga-se a sentença impugnada na parte em que a condenou, e absolve-se aquela da totalidade do pedido.

      Custas de todos os recursos pelo autor.

Lisboa, 5 de Maio de 2011

Henrique Antunes
Ondina Carmo Alves
Ana Paula Boularot
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[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.3.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim visado pelas partes com a obra – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[3] Ac. da RL de 21.02.91, CJ, XVI, I, pág. 161
[4] Ac. da RP de 17.11.92, CJ, XVIII, V, pág. 224.
[5] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 395 e João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 115 a 119; Acs. da RC de 10.12.96, RLJ, Ano 131, pág. 113, RE de 23.04.98, BMJ nº 476, pág. 507 e RL de 18.05.99, CJ, XXIV, II, pág. 102.
[6] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, págs.106 a 110; Acs. STJ de 19.10.94, CJ, STJ, II, III, pág. 93, RE de 26.9.96, CJ XXI, IV, pág. 282 e RC de 2.10.01, CJ XXVI, IV, pág. 24.
[7] João Cura Mariano, A Responsabilidade, cit., págs. 114 e 115, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 346 e Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 483 e Acs. da RP de 22.1.96, CJ XXI, I, pág. 202 e da RC de 10.12.96, RLJ Ano 131, pág. 113.
[8] Acs. do STJ de 01.06.10 e de 06.06.02, e da RL de 21.04.05 e de 01.03.07, www.dgsi.pt.
[9] O que sucederá, por exemplo, no caso de o construtor aceitar proceder à reparação da obra que realizou: Ac. do STJ de 08.03.06, www.dgsi.pt.
[10] Acs. do STJ de 15.02.05, da RC de 12.12.06 e da RP de 22.02.07 e 19.03.07, www.dgsi.pt.
[11] António Menezes Cordeiro, Da Caducidade no Direito Português, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina Coimbra, 2007, pág. 7.
[12] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, págs. 26 a 30.
[13] António Abrantes Santos Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 142 e 143 e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Praticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80.
[14] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[15] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[16] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[17] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[18] Ac. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[19] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[20] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[21] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[22] Ac. da RC de 18.05.94, BMJ nº 437, pág. 598.
[23] Acs. da RP de 29.03.93 e da RE de 11.11.94, BMJ nºs 425, pág. 627 e 441, pág. 421. Cfr., contudo, em sentido aparentemente contrário, o Ac. da RP de 29.4.98, BMJ nº 476, pág. 489.
[24] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 263 e 264.
[25] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, págs. 789 e 780.
[26] Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330.
[27] José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 605 e 606.
[28] Acs. do STJ de 26.09.95, CJ, STJ, III, pág. 22 e de 16.01.96, CJ, STJ, III, pág. 43.