Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
106/09.0T2AMD-A.L1-7
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RENÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A renúncia ao direito de alimentos apenas é válida em relação a prestações de alimentos vencidas.
Não é válido o acordo extrajudicial dos progenitores do filho menor nos termos do qual um deles, em contrapartida de autorizar que o filho fosse viver com o outro para o estrangeiro, ficaria dispensado do pagamento das prestações alimentícias fixadas por acordo judicialmente homologado.
(Sumário do Relator - A.S.A.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I - C

deduziu o presente incidente se incumprimento da regulação do poder paternal contra

R

pedindo o pagamento da quantia de € 9.000,00 (reduzido para € 8.550,00, a fls. 70), respeitantes às prestações de alimentos em dívida e que se venceram durante a menoridade do seu filho B.
Alegou que, de acordo com o que foi fixado no regime do poder paternal relativo ao filho menor B, o Requerido ficou obrigado a entregar-lhe, a título de alimentos, a quantia mensal de € 150,00, mas que, desde Junho de 2002 a Maio de 2007, nada pagou.

Na sua alegação concluiu o Requerido pela ilegitimidade da Requerente e pela sua absolvição do pedido, por não ser exigível a quantia peticionada e por não dispor de condições económicas para tanto.

A excepção da legitimidade foi julgada procedente, mas a Relação de Lisboa revogou tal decisão, ordenando a sua substituição por outra que reconhecesse legitimidade à Requerente para deduzir o incidente no tocante às prestações de alimentos vencidas e não pagas durante a menoridade do filho de ambos B.

Apresentadas alegações, foi proferida decisão que condenou o Requerido no pagamento das prestações de alimentos devidas entre Junho de 2002 e Maio de 2007.

Apelou o Requerido e concluiu que:
a) É ilegal e injusta a interpretação do disposto no art. 2008º, nº 1, do CC, no sentido de que se verificou uma renúncia ou cedência do direito a alimentos e que considerou nulo o acordo celebrado entre as partes;
b) Ao invés, deverá considerar-se que a progenitora assumiu tal obrigação na íntegra, como dispõe o art. 1878º, nº 2, do CC;
c) A prestação de alimentos devia ter sido paga à mãe do menor, porém, durante 5 anos, sem que alguma tivesse vindo a Tribunal ou ao requerido pedir qualquer quantia, foi a mesma que assumiu o encargo do sustento do B, nos termos do acordo estabelecido;
d) Por seu turno, foi o requerido quem exclusivamente assumiu o encargo com a filha D, também ela menor à data da separação e mantendo-se a estudar e a viver a expensas do pai, durante aqueles 5 anos e ainda nos dias de hoje;
e) Razão pela qual se deverá relevar o acordo assumido entre requerente e requerido, com as necessárias consequências, como seja, considerar que não são devidas quaisquer importâncias à requerente a título de pensão de alimentos, pois havia assumido esse encargo, na prática, ao longo de 5 anos.

Não foram admitidas as contra-alegações.

II – Factos provados:
1. Por acordo celebrado em 27-5-02, nos autos de regulação do exercício do poder paternal, devidamente homologado, foi regulado o exercício do poder paternal do menor B, nos termos do qual foi confiado à guarda e cuidados da Requerente, ficando o Requerido R obrigado a pagar a mensalidade de € 150,00, a título de alimentos para sustento do menor, quantia actualizada anualmente, no mês de Janeiro, por aplicação da percentagem de aumento do vencimento;
2. O Requerido deixou de pagar a pensão de alimentos a partir de Junho de 2002;
3. Por documento particular de 27-6-02, a fls. 49, Requerente e Requerido acordaram no seguinte:
«1. R autorizo o meu filho a ir viver para … com a mãe, C.
(...).
Acorda-se (...) que, em contrapartida, o cônjuge marido não paga a prestação de alimentos ao B no valor de € 150,00 como antes tinha acordado (...) antes de ser feita esta autorização de saída do país»;
4. O B completou os 18 anos de idade em 4-2-07.

III – Decidindo:
1. O Requerente invoca nas suas conclusões factos que não se encontram provados relacionados com as circunstâncias em que ocorreu o acordo superveniente à homologação judicial do exercício do poder paternal relativo ao seu filho B.
Nada na matéria de facto permite concluir que o acordo tenha envolvido a assunção exclusiva da responsabilidade pelos alimentos devidos à outra filha do casal, D. Desconhece-se, aliás, se em relação a esta filha havia ou não havia qualquer obrigação alimentar que devesse ser cumprida.
Não tendo sido impugnada a decisão da matéria de facto considerada provada e considerando que, além da prova documental apresentada, também não foram indicados outros meios de prova, será apenas com base nos elementos constantes dos autos que se reapreciará a decisão recorrida.

2. Para o efeito não releva a argumentação do Recorrente relacionada com as suas alegadas dificuldades económicas.
Uma vez que a Requerente pretendeu fazer valer o direito a alimentos emergente de acordo estabelecido entre as partes e judicialmente homologado, para efeitos de apuramento da obrigação não importa a ponderação de factores atinentes à situação económica do Requerido.

3. Já se encontra definitivamente resolvida a questão do pressuposto processual da legitimidade activa, na medida em que a Relação, em acórdão anterior, veio concluir que a Requerente tinha legitimidade para exigir as prestações de alimentos que se venceram durante a menoridade do filho B.

3.1. De entre as questões suscitadas pelo Requerido, a única que importa apreciar situa-se em redor da validade do acordo superveniente e informal que foi estabelecido com a Requerente acerca da dispensa do pagamento da quantia a que se comprometera a pagar título de pensão de alimentos devidos ao seu filho B cuja guarda fora entregue à Requerente.
A Requerente atribui ao referido acordo uma interpretação segundo a qual o mesmo apenas valeria para os períodos em que o menor viesse passar férias a Portugal com o Requerido.
Na decisão recorrida, ultrapassada a questão da legitimidade activa da Requerente para exigir o pagamento das referidas quantias respeitantes ao período da menoridade do filho de ambos, considerou-se que o acordo estabelecido entre as partes era nulo, na medida em que importava renúncia ao direito de alimentos que fora judicialmente fixado.

3.2. A interpretação pretendida pela Requerente quanto aos termos do acordo não encontra no seu texto qualquer justificação.
O sentido que dele se extrai e que deverá ser atendido para efeitos de resolução do caso é o de que a autorização conferida pelo Requerido para que o seu filho fosse viver com a sua mãe para …. teria como “contrapartida” a dispensa de o mesmo proceder ao pagamento da quantia acordada a título de prestação de alimentos.

3.3. A prestação de alimentos foi fixada a favor do filho B. Mas considerando que este ficou a viver com a sua mãe, as prestações de alimentos necessárias a enfrentar as despesas constituem um crédito que é exigível pela Requerente, mesmo depois de o filho ter atingido a maioridade.
Tendo-se vencido as prestações que decorrem do acordo judicialmente homologado, tais quantias não foram pagas, podendo ser reclamadas pela Requerente, como já foi afirmado por esta Relação no âmbito do agravo que incidiu sobre o pressuposto da legitimidade activa.
Efectivamente, como também consta do Ac. do STJ, de 25-3-10, www.dgsi.pt, “o progenitor a quem foi confiada a guarda do filho não perde a legitimidade para continuar a exigir do outro, designadamente no incidente de incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, após a maioridade deste”, argumentando que “o beneficiário da prestação alimentar é o menor, mas é o progenitor a quem foi confiado que goza da respectiva titularidade. Este progenitor «age em substituição processual, parcial, representativa do menor». Age em nome próprio e, por isso, é parte processual (Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos, págs. 297 e 298)”.

3.4. Mas independentemente da identificação do credor originário de tal prestação, a mesma está sujeita ao regime da irrenunciabilidade que emerge do art. 2008º do CC.
De acordo com tal preceito, pode haver renúncia a prestações vencidas, mas não é válida uma declaração de renúncia que se reporte às prestações vincendas.
Remédio Marques refere expressamente que “sobre as prestações vincendas não é admissível qualquer tipo de renúncia”, assim como “estão credor e devedor de alimentos proibidos de, mediante recíprocas concessões, prevenirem ou extinguirem um conflito atinente ao pagamento de alimentos futuros, contanto que esse contrato importe na diminuição ou renúncia de montantes que seriam legalmente devidos” (Algumas Notas Sobre Alimentos, pág. 113, nota 163).
Ora, considerando que o referido acordo data de 27-6-02 e que o seu campo de aplicação se restringe às prestações futuras, não tem qualquer validade, não podendo, por isso, servir de pretexto para considerar que não existe qualquer crédito da requerente perante o requerido.

3.5. Aliás, sempre a validade do referido acordo ficaria posta em causa pelo facto de não existir qualquer conexão entre uma obrigação – a de alimentos – e a necessidade de a saída do país envolver, porventura, uma autorização do pai do menor ou uma modificação do acordo que fora judicialmente homologado.
Como refere Antunes Varela, anot. ao art. 208º do CC, “o direito a alimentos assenta num interesse público de tal ordem que repele liminarmente a validade da renúncia a ele”, de modo que a concessão de uma autorização para saída do país nunca poderia constituir uma contrapartida legítima para a extinção do direito de crédito relacionado com as prestações alimentícias vincendas em benefício do próprio filho menor.

III – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2010

António Santos Abrantes Geraldes
Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado