Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7251/2007-3
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: PRÁTICA RESTRITIVA DA CONCORRÊNCIA
CONTRA-ORDENAÇÃO
REQUISITOS
COIMA
MEDIDA DA PENA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I – Um concreto facto alegado por um sujeito processual não consubstancia, só por si, uma “questão” no sentido em que essa expressão é utilizada na alínea c) do invocado n.º 1 do artigo 379º. Uma “questão” é um aspecto de um problema sobre o qual pode recair uma decisão autónoma.
II – Os factos provados e não provados a que o n.º 2 do artigo 374º se refere são tão só os relevantes para a questão da culpabilidade, e não aqueles que apenas podem ser considerados para a determinação da sanção.
III – No n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, encontra-se descrita uma pluralidade de condutas típicas que diferem entre si significativamente, quer do ponto de vista objectivo, quer do subjectivo. O preenchimento de qualquer delas, independentemente da verificação dos elementos típicos das outras, constitui contra-ordenação.
IV – Em todos esses tipos contra-ordenacionais descrevem-se comportamentos que só assumem relevância se praticados por um determinado círculo de agentes, que é constituído pelas empresas e pelas associações de empresas.
V – As acções típicas podem, alternativamente, consistir:
a) na celebração de um acordo com uma outra empresa;
b) na tomada de uma decisão por parte de uma associação de empresas; ou
c) na prática concertada com outra ou outras empresas;
VI – Tais actos só são proibidos:
a) quando o acordo ou a decisão referidas tiverem por objecto impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do território nacional; ou
b) quando o acordo, a decisão ou a prática concertada provocarem esse mesmo efeito sobre a concorrência.
VII – Nesta disposição legal prevêem-se tipos de mera actividade e de perigo, na modalidade de aptidão [os indicados na alínea a) do ponto VI] e tipos de resultado e de dano [os indicados na alínea b) desse mesmo ponto], exigindo-se quanto a estes últimos a imputação objectiva do resultado à conduta.
VIII – O primeiro dos tipos descritos nesta disposição legal exige apenas que uma empresa, dolosamente, celebre com outra um acordo que tenha por objecto o impedimento, o falseamento ou a restrição de forma sensível da concorrência no todo ou em parte do território nacional.
IX – Um outro tipo exige a celebração de um acordo entre empresas que, não tendo aquele objecto, venha, pelo menos por negligência, a ter o indicado efeito sobre a concorrência.
X – Um terceiro tipo requer a prática concertada entre empresas que tenha como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.
XI – Há violação da livre concorrência quando o comportamento adoptado pelas empresas ou pelas associações de empresas afecta o princípio da autonomia da estratégia empresarial «que pressupõe a possibilidade de os operadores económicos, que já actuam num mercado, decidir livremente a sua política empresarial, atendendo exclusivamente a elementos como a situação do mercado, a relação custo-benefício ou ao comportamento de outras empresas que operam no mesmo sector».
XII – De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 43º da Lei da Concorrência a violação do disposto não artigo 4º «constitui contra-ordenação punível com coima que não pode exceder, para cada uma das empresas partes na infracção, 10% do volume de negócios no último ano».
XIII – O ano a considerar para a determinação do limite máximo da coima é àquele em que cessou a prática ilícita.
XIV – O volume de negócios a considerar é o volume total de negócios da empresa em causa porque é essa a única realidade em que pode assentar o pretendido efeito dissuasor da sanção.
XV – A adopção generalizada de práticas “defensivas” pelas empresas concorrentes no mercado, se indiscriminadamente aceite, conduziria à eliminação do próprio sistema de livre concorrência efectiva e funcional, com os inerentes prejuízos da sua função económica e político-social.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – Por sentença de 2 de Maio de 2007, o Tribunal de Comércio de Lisboa julgou parcialmente procedentes os recursos de impugnação interpostos pelas arguidas “(A) – Companhia de Produtos Alimentares, S.A.”, “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.” e “Sociedade (H), Lda.”, recursos esses que aproveitaram também à arguida “(X) – Sociedade Refinadora de Sal, Lda.”, tendo-as condenado pela prática, em co-autoria material, de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 4º, n.º 1, e 43º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, nas seguintes coimas:
a) A “(A) – Companhia de Produtos Alimentares, S.A.”, na coima de € 380.000,00 (trezentos e oitenta mil euros);
b) A “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.”, na coima de € 200.000,00 (duzentos mil euros);
c) A “Sociedade (H), Lda.”, na coima de € 95.00,00 (noventa e cinco mil euros);
d) A “(X) – Sociedade Refinadora de Sal, Lda.”, na coima de € 29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros).
O referido tribunal condenou ainda as arguidas a proceder, a expensas suas, à publicação num jornal diário de circulação nacional e no Diário da República, II Série, de um extracto da decisão proferida, do qual constassem os fundamentos de facto e de direito que levaram a essa condenação, a delimitar pelo tribunal após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Nessa peça processual o tribunal considerou provado que:
«1 – (A) – Companhia de Produtos Alimentares, S.A., pessoa colectiva n.º 502644699, com sede no ..., Vila Franca de Xira, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira, tem por objecto social a exploração de todo e qualquer ramo de indústria alimentar e particularmente representação, distribuição, importação, exportação, indústria e comércio de sal, alfarroba, embalagens e produtos de higiene, limpeza e conservação.
2 – Tem como actividades principais a refinação, higienização e distribuição de sal.
3 – A sociedade tem o capital social de € 500.000,00, inicialmente detido na totalidade pela sociedade M&C - Indústrias Alimentares e Comércio, S.A., após 1999 pela (P) - Participações (SGPS), Lda. e presentemente pela sociedade(E) International GmbH.
4 – O grupo(E) - European Salt Company GmbH & Coo KG, inicialmente constituído como uma joint venture dos grupos Solvay e K+S Aktiengesellschaft é, desde Junho de 2004, totalmente dominado por este último, tendo a (A), dessa forma, transitado do grupo Solvay para o grupo K+S.
5 – (S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A., pessoa colectiva nº 500238588, com sede..., Olhão,  matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Olhão, tem por objecto social a exploração da indústria de purificação e refinação de sal e a exploração de salinas.
6 – A sociedade tem o capital social de € 5.489,00.
7 – E detém a maioria do capital social da (R) - Sociedade Industrial de Exportação das Praínhas, Lda., sendo os seus administradores os gerentes desta última.
8 – Sociedade (H), Lda. pessoa colectiva n.º 500254338, com sede..., Aveiro, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro, tem por objecto social a preparação industrial do expurgo e higienização do sal marinho comum.
9 – Dedicando-se à refinação, higienização e distribuição de Sal.
10 – Detém a maioria do capital social da (V) - Indústria e Comércio de Sal, Lda., sendo (AFJ) gerente de ambas as sociedades.
11 – A Sociedade (H), Lda. é conhecida no mercado pelo nome "(V)".
12 – (X) – Sociedade Refinadora de Sal, Lda. pessoa colectiva n.º 500238782 com sede ..., em Setúbal, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal, tem por objecto social a indústria e comércio de higienização e refinação de sal.
13 – Tem o capital social de € 75.000,00.
14 – E foi declarada insolvente por sentença datada de 22 de Janeiro de 2007, proferida no proc. n.º 285/06.9TYLSB do 3.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
15 – As arguidas (A), (S), SAHS e (X) celebraram, em data não apurada do ano de 1997, mas anterior a 1 de Outubro, um acordo em que fixaram as quotas de mercado relativas de cada uma no mercado da comercialização de Sal para fins industriais e alimentares.
16 – A reunião tendente à celebração de tal acordo decorreu nas instalações da (S) e nela participaram(MA), (AFJ), (MAP), Eng. (L) e (AG).
17 – Que à data eram:
-(MA): Presidente do Conselho de Administração da (S);
- (AFJ): sócio-gerente da SAHS;
- (MAP): administrador da (A);
- Eng. (L): pertencia à sociedade (MC);
- (AG): sócia-gerente da (X).
18 – Actualmente (MAP) é director comercial da (A).
19 – Numa reunião preparatória do referido acordo (AFJ), sócio gerente da arguida SAHS, alertou os representantes das restantes arguidas para a desconformidade do acordo com as regras que regulam a concorrência.
20 – A acordada atribuição das quotas entre as arguidas foi feita com base no histórico das vendas relativas aos três últimos anos de cada uma das empresas.
21 – As arguidas acordaram ainda na fixação de um nível mínimo de preços do sal higienizado.
22 – E instituíram um sistema de compensações para o caso de alguns dos intervenientes ganhar quota de mercado relativamente aos outros: quando alguma das empresas ficasse com uma quota de mercado maior do que a inicial estabelecida no acordo, essa empresa teria de compensar as demais.
23 – Compensação a efectuar em dinheiro ou através de encomendas feitas à empresa que estivesse a vender menos, tendo as arguidas acordado sobre o respectivo montante.
24 – Ficou ainda acordado que, em cada mês, cada uma das empresas informava a (S) sobre o seu volume de vendas e esta elaborava e remetia os mapas com os volumes de vendas, as diferenças de quotas e respectivas penalizações, sendo o respeito pelas quotas avaliado anualmente.
25 – A repartição de quotas de mercado acordada entre as arguidas obedecia a uma distinção entre:
- Sal, no mercado por grosso, destinado a consumo industrial (indústria), por elas designado por "família 1";
- Sal destinado à distribuição e comércio alimentar, incluindo grandes superfícies e comércio tradicional, por elas designado por "família 2”.
26 – Tendo sido acordada a seguinte repartição e manutenção de quotas de mercado:
Família 1
- (A) - 30,18%
- (S) - 41,13%
- (V) - 25,19%
- (X) - 3,50%
Família 2
- (A) - 44,53%
- (S) - 31,52%
- (V) - 18,15%
- (X) - 5,80%.
27 – O sistema de informação referido em 24) permitia às arguidas monitorizar constantemente o cumprimento recíproco do acordo e eventuais desvios ao mesmo.
28 – As arguidas trocavam entre si a informação relativa aos volumes de vendas mensais e a (S) informava as restantes arguidas, através de mapas, da evolução do volume total das vendas das arguidas (nas famílias 1 e 2) e suas concretas repartições pelas empresas participantes no acordo.
29 – As arguidas procediam anualmente à compensação dos desvios face às quotas de mercado acordadas, sendo que aquela(s) cujas vendas totais houvessem excedido a(s) sua(s) quota(s) estipulada(s) no acordo compensava(m) as restantes.
30 – Recorrendo ou à emissão e envio de notas de débito àquela(s) que excedeu(eram) a(s) sua(s) quota(s) pelo valor das compensações ou à colocação, por aquela(s) que excedeu(eram) a(s) sua(s) quota(s) nas restantes, de encomendas de Sal no valor da(s) compensação (ões).
31 – De acordo com os cálculos elaborados pelas arguidas a (A) teria de pagar, às restantes arguidas, as seguintes compensações:
a) relativas ao período entre 31 de Dezembro de 1998 e 28 de Fevereiro de 2002 o montante global de Esc. 57.946.299$50, repartido do seguinte modo:
- à (S) – Esc. 26.077.580$00;
- à SAHS – Esc. 28.153.860$00;
- à (X) – Esc. 3.714.862$00;
b) relativas ao período entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2003:
- à (S) – € 39.299,80;
- à SAHS – € 63.324,38;
- à (X) – € 10.986,76;
c) relativas ao período entre 1 de Janeiro e 31  de Dezembro de 2004, o montante global de cerca de € 115.000,00.
32 – A arguida (A) pagou às restantes arguidas as compensações referentes aos anos de 1997 a 2003.
33 – No âmbito do acordo representantes das arguidas encontravam-se regularmente e trocavam entre si informação relativa aos volumes de vendas para a grande distribuição.
34 – Com a instituição do sistema de compensações as arguidas quiseram assegurar um nível mínimo de proveitos, entre si, assumindo que esses proveitos seriam suportados por aquela que mais conseguisse vender.
35 – O grupo das empresas participantes no acordo denominava-se “grupo Salpor” ou “G4”.
36 – (MAP) era o representante da arguida (A) nas reuniões celebradas entre as quatro empresas.
37 – Entre Maio de 2000 e Janeiro de 2005 verificaram-se, pelo menos, 15 reuniões entre os representantes das quatro arguidas.
38 – Nessas reuniões as arguidas discutiam e acordavam sobre os preços por elas a praticar do Sal destinado a consumo industrial ("família 1") e do Sal destinado à distribuição e comércio alimentar, incluindo grandes superfícies ("família 2").
39 – As arguidas reuniam-se com o propósito específico de acompanhar e verificar o cumprimento mútuo do acordado, designadamente quanto à repartição e fixação das suas quotas de mercado, e com o propósito de verificar se as compensações e penalizações entre elas acordadas eram suficientes.
40 – Bem como de acordar sobre preços mínimos e respectivas alterações.
41 – Nessas reuniões as arguidas discutiam sobre as posições dos seus concorrentes e respectivos clientes, sobre promoções e apresentações de produto.
42 – E discutam e acordavam sobre quem apresentava propostas de fornecimento a clientes da grande distribuição e respectivos preços.
43 – No dia 20 de Março de 2003 as arguidas acordaram na exclusão, daí em diante, do âmbito de aplicação das penalizações ao sal em saco na família 1.
44 – No dia 13 de Dezembro de 2003 as arguidas acordaram na exclusão do sector de "discount" do âmbito do acordo, na exclusão do âmbito de aplicação das penalizações ao sal em saco na família 1 e a sua manutenção para efeitos do acordo de preços.
45 – No ano de 2004 as arguidas reuniram-se, discutiram o funcionamento do acordo para vigorar nesse ano e mantiveram o acordo para vigorar no ano de 2004.
46 – No dia 27 de Janeiro de 2005 as arguidas reuniram-se, discutiram os acertos relativos ao ano de 2004 e acordaram no fim do acordo.
47 – O acordo celebrado entre as arguidas foi sendo objecto de alterações ao longo da sua execução.
48 – O acordo celebrado entre as arguidas tinha por objecto o sal refinado, higienizado e distribuído para fins industriais e alimentares.
49 – A penalização acordada para a família 1 era de Esc. 2$50 por Kg.
50 – E na família 2, inicialmente era de Esc. 3$00 por Kg. e a partir de 1999 de Esc. 3$50 por Kg.
51 – Não existem quaisquer barreiras que impeçam as arguidas de actuar em todo o território nacional.
52 – O custo do transporte assume algum relevo na comercialização do Sal.
53 – No ano de 2003 a arguida (A) realizou parte das suas vendas nas famílias 1 a distribuidores e concorrentes:
- 1.424 toneladas de sal para consumo humano a distribuidores, representando 6% das suas vendas anuais neste segmento;
- 94 toneladas de sal para consumo humano a concorrentes, representando 0,37% das suas vendas anuais neste segmento;
54 – No ano de 2003 a arguida (A) realizou parte das suas vendas nas famílias 2 a concorrentes ou revendedores:
- 29.377 toneladas de sal para consumo industrial a revendedores, representando 53% das suas vendas anuais neste segmento;
- 2.236 toneladas de sal para consumo industrial a concorrentes, representando 4% das suas vendas anuais neste segmento;
55 – As quatro arguidas quiseram, de forma deliberada, livre e voluntária, celebrar e manter ao longo do tempo o acordo supra referido de repartição e manutenção de quotas relativas de mercado, fixação de preços mínimos e repartição de clientela.
56 – As quatro arguidas sabiam que um acordo celebrado entre empresas concorrentes, destinado a repartir quotas de mercado, fixar preços mínimos e repartir clientela, falseia a concorrência e é proibido por lei.
57 – Mesmo assim  quiseram celebrar o acordo nos termos em que o fizeram.
58 – No exercício de 2004 a arguida SAHS apresentou os seguintes resultados:
a) imobilizado incorpóreo líquido: € 5.105,20;
b) imobilizado corpóreo líquido: € 445.007,02;
c) investimentos financeiros: € 2.133.902,49;
d) existências (líquido): € 428.852,65;
e) dívidas de terceiros: € 962.930,77;
f) depósitos e caixa: € 7.768,70;
g) capital próprio: €1.067.111,56;
h) total do passivo: € 2.919.699,61;
i) proveitos e ganhos operacionais: 3.033.034,93, dos quais € 3.017.725,85 correspondem ao seu volume de negócios;
i) custos e perdas operacionais: € 3.052.845,36;
k) resultado líquido de exercício negativo: € 75.140,66.
59 – No exercício de 2004 a arguida (S) apresentou os seguintes resultados:
a) imobilizado incorpóreo líquido: € 5.004.540,29;
b) imobilizado corpóreo líquido: € 2.590.732,99;
c) investimentos financeiros: € 7.030.721,08;
d) existências (líquido): € 1.705.580,88;
e) dívidas de terceiros: € 21.536.934,31;
f) depósitos e caixa: € 1.259.196,53;
g) capital próprio: € 14.670.661,16;
h) total do passivo: € 24.476.502,99;
i) proveitos e ganhos operacionais: 45.159.168,79, dos quais € 45.069.497,64 correspondem ao seu volume de negócios;
i) custos e perdas operacionais: € 44.357.071,58;
k) resultado líquido de exercício: € 103.627,42.
60 – No exercício de 2004 a arguida (A) apresentou os seguintes resultados:
a) imobilizado corpóreo líquido: € 1.528.786,14;
b) existências (líquido): € 504.855,80;
c) dívidas de terceiros: € 2.912.291,35;
d) depósitos e caixa: € 430.705,99;
e) capital próprio: € 1.531.840,37;
f) total do passivo: € 3.869.749,61;
g) proveitos e ganhos operacionais: 10.603.718,35, dos quais € 10.893.442,53 correspondem ao seu volume de negócios;
i) custos e perdas operacionais: € 9.852.398,20;
j) resultado líquido de exercício: € 423.608,64.
61 – Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais às arguidas.
62 – A iniciativa de celebrar o acordo pertenceu à arguida (S), tendo as reuniões realizadas entre as arguidas tido lugar nas suas instalações.
63 – Um dos objectivos das arguidas ao celebrar o acordo era o de unir forças contra os grandes distribuidores que impõem as suas próprias condições.
64 – O acordo celebrado entre as arguidas terminou por iniciativa da (A).
65 – A (A) foi a arguida que suportou o encargo de pagar as mais elevadas compensações na família 2.
66 – Durante o período em que vigorou o acordo havia no mercado agentes nacionais e estrangeiros para além das arguidas.
67 – Designadamente uma empresa designada M que era a fornecedora exclusiva da marca branca do Modelo Continente.
68 – E os revendedores de sal continuaram a realizar importações.
69 – No acordo celebrado entre as arguidas não foi estabelecido qualquer mecanismo de compensação para manter os preços estipulados.
70 – A (A) não efectuou qualquer pagamento de compensações às outras arguidas referentes ao ano de 2004.
71 – Na sequência do acordo, as arguidas não concorriam entre si no segmento da grande distribuição.
72 – Durante a vigência do acordo realizaram-se importações de sal de Israel e Espanha.
73 – Há países onde o preço do sal é mais baixo do que em Portugal.
74 – A importação de sal implica elevados custos de transporte, com excepção do caso de Israel e Espanha.
75 – Em Israel o sal é tratado quase como um resíduo, razão pela qual o custo de importação do sal oriundo de Israel resume-se praticamente ao preço do transporte.
76 – Ao longo dos últimos anos houve um aumento de importação de sal de Israel.
77 – No dia em que se realizaram as buscas na sede e no estabelecimento da arguida (A), não se encontrava presente nos referidos locais nenhum dos seus administradores.
78 – A AdC não notificou os legais representantes da (A) para prestar declarações na fase administrativa do processo.
79 – No exercício de 2004 o volume de negócios da (S) relativo ao negócio do sal foi de € 5.436.188,74.
80 – Correspondendo o restante ao volume de negócios do arroz, azeite, outros óleos alimentares, águas e detergentes e produtos de terceiros.
81 – Desde há alguns anos que as mercearias e minimercados estão agrupados em centrais de compras.
82 – Há pelo menos uma empresa espanhola, a Salmar, a intervir no mercado nacional do sal a preços competitivos.
83 – A SAHS teve, no exercício de 2005, um volume de negócios inferior a € 2.000.000,00».

2 – As arguidas “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.” e “Sociedade (H), Lda.” interpuseram recurso dessa sentença.
2.1 A motivação apresentada pela sociedade “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.” termina com a formulação das seguintes conclusões:
I. No seu recurso de impugnação judicial a recorrente alegou que era uma empresa conceituada como reconhecido pela distinção que lhe fora conferida pelo poder autárquico do território onde se encontra sedeada.
II. A douta sentença não conheceu de tal realidade factual, nem a valorou como circunstância a qualquer título relevante.
III. E deveria tê-la conhecido e apreciado, pois que tem relevância para a medida da sanção aplicada.
IV. Assim, é nula, por esta vertente, a sentença sub judice
V. A sentença recorrida decidiu que não houve violação, por parte das arguidas, do artigo 810 do Tratado C.E., ao contrário do que havia decidido a AdC e que tal deveria funcionar em "sentido favorável" a elas.
VI. Mas a sentença não curou de dizer em como e em que medida tal "sentido favorável" fundamentadamente presidiu à escolha e à medida da sanção aplicada.
VII. Por isso, também por esta óptica, a douta sentença padece do vício de nulidade e de inconstitucionalidade, por lhe falecer a fundamentação devida.
VIII. Como esteio da sua alegação da figura do "estado de necessidade" a recorrente indicou um conjunto de dados económicos numérica e graficamente expressos, dados que nunca foram postos em causa nem pela AdC nem pelo M.P.
IX. Tais dados, conjugados com as regras da experiência comum consubstanciam argumentação capaz e cabal para sustentar a posição defendida pela recorrente "estado de necessidade".
X. Esses dados devem ainda ser somados com o que provado se encontra nos pontos 63 e 81 da matéria de facto provada (pgs. 65 e 66 da sentença.
XI. Toda esta realidade, mesmo que se entenda que aqui só tem aplicação o artigo 350, no 2 do C. Penal, deveria ter determinado uma atenuação especial da coima, o que o Tribunal não fez, tendo neste campo decidido mal.
XII. A dita realidade (procura, impondo as suas condições à oferta no negócio do sal) configura, na prática, uma situação de "abuso de dependência económica", também alegada pela recorrente no seu recurso de impugnação judicial.
XIII. O "Acordo" em exame nestes autos surgiu e desenvolveu-se num quadro económico do sector do sal em que as empresas respectivas, entre as quais a recorrente, vinham acumulando resultados de exercício negativos, em vista da actuação das chamadas "grandes superfícies" e "centrais de compras" do comércio tradicional, as quais configuravam e configuram uma situação de "abuso de dependência económica".
XIV. Mesmo que tal situação, de per si, não justificasse o acordo dos autos, por não estarem preenchidos os requisitos do artigo 50 da L.C. sempre deveria ser levado em linha de conta, considerando-se diminuta a culpa das arguidas participantes no acordo, com o consequente impacto na respectiva censurabilidade e na dosimetria sancionatória.
XV. E mal andou a Meritíssima Juíza a quo ao não ter levado em linha de conta no sentido propugnado.
XVI. Foi exclusivamente quanto à mercadoria "sal" que foi estabelecido o acordo dos autos, que terá motivado a contra ordenação em apreço.
XVII. No que respeita ao ano de 2004 o volume de negócios da recorrente respeitante ao sal, foi de € 5.436.188,74 correspondendo 10% deste valor a € 543.618,87.
XVIII. O volume de negócios da recorrente, a considerar para efeitos de medida da coima, deve reportar-se unicamente ao sal, pelo que deve o artigo 43o, n.º 1 al. a) da L.C. ser interpretado restritivamente nesse sentido, sob pena de a recorrente ficar prejudicada relativamente às suas co-arguidas, pondo-se em crise o princípio constitucional da igualdade, pois que quanto a elas não resultou provado que negociassem com outro produto para além do sal.
XIX. Deve ser assim, aplicada coima à recorrente que não exceda o montante de € 27.180,94, considerando o que se diz no artigo 71 das alegações do recurso de impugnação judicial, o que tudo aqui se dá por reproduzido, por economia processual.
XX. A sentença labora em erro ao calcular o benefício económico obtido alegadamente pela recorrente com o acordo, fazendo-o corresponder às compensações recebidas.
XXI.  As empresas arguidas, mesmo quando recebiam as penalizações/ compensações ficavam prejudicadas, pois perdiam quotas de mercado e os custos fixos da empresa, em função das quantidades vendidas, aumentavam.
XXII. Só com uma perícia aos elementos económico-contabilísticos da recorrente e co-arguidas se poderia, efectivamente, ter apurado com certeza e segurança e tal não foi feito.
XXIII. Não pode, assim, o benefício económico, entendido como foi pelo Tribunal, funcionar como critério de determinação da medida da coima contra a recorrente e co-arguidas, pois que tal violaria o princípio da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo, o que está constitucionalmente consagrado.
XXIV. Não deve ser considerada circunstância agravante para a recorrente o facto de ter iniciado o acordo, pois que não teve uma posição de liderança no funcionamento do mesmo, como vem reconhecido na sentença e ipso facto não poderá tal "Agravante" ser tida em conta na medida da coima.
XXV. Não se provou que durante o período de vigência do acordo tivesse havido aumentos dos preços do sal; que tenha havido efeitos no sector da extracção de sal limitando aí as aquisições; não se provou que as arguidas fossem responsáveis por cerca de 75% a 90% das vendas de sal por grosso em território nacional; nem se provou que o poder de negociação delas face aos seus clientes passasse para as mesmas percentagens no mercado do sal.
XXVI. Continuou no dito período a haver concorrência e importações de sal.
XXVII. O mercado do sal continuou a funcionar e não foi demonstrado que tenha sido afectado de forma sensível, o que afasta a prática da infracção ao artigo 4º, n.º 1 da L.C.
XXVIII. Mesmo que assim não se entenda, o desvalor e danosidade da conduta em apreço são diminutas e deveriam ter-se repercutido como tal na medida da coima.
XXIX. A coima aplicada, de qualquer modo, é excessiva, sendo exorbitante o valor da mesma, pelo que sempre deverá ser diminuída como atrás se propugnou em conclusão.
XXX. O acordo - mesmo que entenda que violou o artigo 4º, n.º 1 da L.C. - teve carácter defensivo face à prática comercial das "Grandes Superfícies/Grandes distribuidoras" e "Centrais de compras", no campo da procura, o que retira, ou diminui drasticamente, a censurabilidade à conduta da recorrente.
XXXI. A decisão a quo violou o disposto nos artigos 3740, n.º 2 e 375°, n.º 1 e 379° do C. P. Penal; artigos 4°, n.º 1, 43°, n.º 1 e 44° da L.C.; artigos 18°, n.º 1, 32° e 44°, n.º 1 da R.G.C.O.; artigos 35, n.º 2 e 71° e 72° do C. Penal e artigos 13°, 32°, n.ºs 2 e 10 e 205°, n.º 1 da C.R.P.
XXXII. O art° 43°, no 1 da L.C. devia ter sido interpretado restritivamente in casu, quanto à recorrente, no sentido de que o "volume de negócios" ali referido só se reportava ao "sal".
XXXIII. Devem ser decretadas as nulidades e a inconstitucionalidade apontadas à sentença nas precedentes conclusões (IV e VII, notadamente); mesmo que não se entenda que a decisão é nula e inconstitucional, deve, de qualquer modo ser a mesma revogada e substituída por outra que reconheça que não houve infracção ao artigo 4º, n.º 1 da L.C. ou, caso também assim não se entenda, deve a coima aplicada ser considerada excessiva e baixada para € 27.180,94, o que tudo se requer com as legais consequências».

2.2 A motivação apresentada pela “Sociedade (H), Lda.” termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. «A decisão recorrida decidiu condenar as arguidas em montantes determinados, e concretamente, no que respeita à SAHS, numa coima no montante de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros), mas não se pronuncia sobre aspectos relevantes (nomeadamente, em que medida as diversas circunstâncias agravantes e/ou atenuantes concorreram para a determinação da medida da coima), impedindo que dela se possa retirar o raciocínio que terá presidido à fixação de tal valor, e não outro.
2. Ao não se pronunciar sobre tais aspectos e, assim, ao não fundamentar devidamente a decisão, a douta sentença padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 205º/1 da CRP, e de ilegalidade por violação das disposições conjugadas dos arts. 22º e 44º da LC, art. 41º/1 RGCO e arts. 374º/2 e 375º do CPP, sendo, por isso, nula (cfr. art. 379º/1/a CPP), inconstitucionalidade e nulidade essas que expressamente se invocam.
Sem conceder:
3. As empresas participantes no acordo apenas teriam incorrido na infracção em que foram condenadas pela Sentença recorrida se o acordo que realizaram tivesse por objecto ou como efeito "impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência" no mercado do sal, o que não aconteceu.
4. O acordo não teve por objecto falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no mercado nacional do sal, tendo antes sido concebido como uma tentativa de auto-defesa das empresas participantes contra práticas, elas sim anti­concorrenciais das empresas da chamada "grande distribuição".
5. O objectivo essencial do acordo era o de criar um meio de defesa contra as práticas abusivas que eram praticadas pelas empresas da "grande distribuição", práticas essas que, a breve trecho, se previa que iriam pura e simplesmente extinguir a indústria do sal em Portugal, e contra as quais o sistema de defesa da concorrência era inoperante.
6. Isso seria feito procurando as empresas garantir um nível mínimo de preços que permitisse aos industriais do sal sobreviver no referido contexto altamente hostil e de relações desequilibradas e injustas que se verificava por parte da grande distribuição.
7. Para tentar evitar (sem resultado...) que alguma das empresas se aproveitasse da situação do acordo para crescer em prejuízo das restantes, foram determinadas quotas (com base no histórico) das várias empresas – quotas relativas, isto é, quotas de cada uma das empresas no conjunto das empresas que celebraram o acordo, e não quotas de mercado – e previstas compensações para as eventuais variações de quotas das várias empresas, a pagar pelas empresas que vendessem mais às empresas que vendessem menos.
8. Apesar de a arguida SAHS, bem como as outras arguidas, nomeadamente a (S), terem carreado para os autos diversos e importantes elementos para demonstrar a situação difícil em que as empresas produtoras se encontravam, boa parte desses elementos não foram considerados na decisão; e nem sequer dos factos dados como provados foram retiradas as conclusões que, face a outros elementos que são notórios e à experiência comum, deveriam ter sido retiradas.
9. Quer a decisão da AdC quer a do Tribunal de Comércio atribuíram (compreensivelmente) importância, para efeitos de culpa, à circunstância de, em reunião preparatória do acordo, o sócio-gerente da SAHS (AFJ) ter alertado os representantes das arguidas "para a desconformidade do acordo com as regras que regulam a concorrência" – esta matéria foi considerada provada com base no depoimento do referido sócio-gerente, reduzido a escrito em 16/02/2006, e que se encontra de fls. 237 a 239.
10. Todavia, desse mesmo depoimento apenas foi retirada a informação que interessava em sentido desfavorável às arguidas (e ainda assim incorrectamente), e já não outras informações que objectivamente assumiam relevo para a descoberta objectiva da verdade dos factos.
11. Nesse depoimento de fls. 237 e ss., o que foi declarado foi que o referido sócio-gerente "chamou a atenção dos presentes para a eventual ilegalidade do acordo que pretendiam fazer”, isto é, não deu como certa a ilegalidade do acordo;
12. E não o fez pelo motivo que a seguir referiu também aos presentes naquela reunião, com base nas razões que tinham sido abordadas nessa mesma reunião, e que na verdade a tinham motivado: "... a única eventual defesa num procedimento que viesse a ser levantado pelas autoridades em matéria de concorrência seria o facto, por todos reconhecido na mesma reunião, de que a actuação que vinha sendo adoptada pelas grandes superfícies era de tal forma abusiva que, a breve prazo, e na ausência de disposições legais que a isso obstassem, levaria o conjunto das empresas do sector à inviabilidade económica e financeira."
13. Referiu ainda que "o acordo acabou assim por ser celebrado como um acto de auto-defesa perante aquele excessivo poder de negociação por parte das grandes superfícies".
14. O objectivo das empresas e a sua intenção não era o de obterem através dele quaisquer lucros suplementares, mas evitar que a situação, que já era crítica, das indústrias do sal, ficasse ainda pior e culminasse no respectivo encerramento.
15. Apesar de se reconhecer a eventual ilicitude objectiva do acordo, entenderam as partes que essa seria (e muito provavelmente foi) a única forma de evitar (ou adiar) que a indústria portuguesa do sal não tivesse sido extinta pelas práticas, elas sim abusivas, da grande distribuição (certamente bem conhecidas da AdC, mas ao que parece sem consequências efectivas, pois tais práticas continuam),
16. Práticas essas contra as quais as empresas fornecedoras eram impotentes para reagir, não só porque sofreriam retaliações imediatas (como se pode facilmente imaginar, a empresa que fizesse uma tal denúncia não venderia mais um kg de sal a nenhum grande distribuidor) mas também porque a legislação e os mecanismos de defesa da concorrência então vigentes não asseguravam uma protecção eficaz contra tais abusos.
17. A SAHS apenas tomou parte no acordo para se defender contra práticas que considerava abusivas e contra as quais não via outra defesa viável, nomeadamente a que lhe era garantida pela lei e pelas entidades públicas de defesa da concorrência.
18. É um facto notório constante de diversas publicações sobre direito da concorrência, que, pelo menos até à criação da Autoridade da Concorrência e entrada em funcionamento dos actuais mecanismos, o regime legal de defesa da concorrência apresentava insuficiências e lacunas, e, ainda assim, não era efectivamente aplicado de modo a que os agentes económicos tivessem confiança numa protecção efectiva, especialmente no que toca à defesa contra abusos praticados pela "grande distribuição".
19. O artigo 5º da LC prevê um regime especial e um procedimento próprio de "justificação de práticas proibidas", mas não exclui a possibilidade de haver causas justificativas de determinadas condutas que as regras e os princípios gerais postulem.
20. A extinção de empresas num mercado em que há relativamente poucas (como é o mercado do sal) pode fácil e rapidamente resultar num monopólio de facto. E, em tal caso, aquilo que pode parecer favorável no curto prazo é francamente desfavorável a médio/longo prazo.
21. A douta decisão sob recurso enferma de erro de julgamento ao concluir que o acordo tinha por objecto a distorção de forma sensível das regras da concorrência no mercado nacional do sal.
22. Por outro lado, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o acordo não teve como efeito falsear ou restringir concorrência no mercado nacional do sal, e muito menos o fez de forma sensível ou significativa.
23. Quer da matéria de facto provada nos autos quer de factos notórios e de regras de experiência e de bom senso, resultam elementos suficientes para se concluir que, mesmo no período em que vigorou o acordo, se mantiveram efectivamente no mercado do sal em causa condições normais de concorrência.
24. Ao contrário do que se diz na sentença – que o acordo teria interferido com o regular funcionamento do mercado, limitando a liberdade negocial de cada um e reflectindo-se "necessariamente" no mercado –, a verdade é que esse reflexo no mercado não era necessário: em cada negócio concreto, podiam sempre concorrer (como na verdade concorriam) outros operadores económicos para além das empresas participantes no acordo, operadores esses que podiam oferecer (como ofereceram) melhores e piores preços, pelo que o mercado continuou a funcionar de forma normal. E que assim foi efectivamente, pode avaliar-se pelos resultados, nomeadamente ao nível da evolução dos preços.
25. Reconhece-se na douta decisão sob recurso que não se provou que durante o período de vigência do acordo tenha havido aumento dos preços do sal.
26. Mas ainda que se tivesse provado, e que esse aumento fosse da ordem do demonstrado nos autos (7,65%, entre 1998 e 2004), esse aumento sempre teria ficado muito aquém da evolução do IPC e da inflação, pois o valor da inflação e do aumento do índice de preços no consumidor no mesmo período foi de cerca de 18%.
27. A evolução dos preços de venda durante o período do acordo e a sua comparação com a evolução dos índices de preços demonstram também por isso, de forma clara, que não houve restrição da concorrência no mercado do sal por efeito do acordo.
28. Se o acordo – admitindo apenas para efeito de raciocínio que era isso o que se pretendia, e, como se disse, não era – tivesse restringido ou falseado de forma sensível ou significativa a concorrência, seria de esperar que os respectivos membros tivessem tirado partido dessas distorções, fazendo aumentar os preços mais do que a inflação e o IPC, assim obtendo acréscimos de ganhos à custa dos clientes (distribuidores) e dos consumidores. Mas foi justamente o contrário que aconteceu!
29. Por outro lado, não se provou também que o acordo tivesse tido quaisquer "efeitos no sector da extracção do sal, limitando a aquisição de sal nesse sector", nem que o mesmo tenha provocado "restrições ao nível do fornecimento de sal aos concorrentes da arguida".
30. Tal como não se provou que, por força do acordo, o poder de negociação das arguidas para com os seus clientes tivesse passado a ser "para cada uma, de 75% a 90% do mercado do sal”.
31. Ao contrário do que entendeu a AdC na sua decisão, e ao contrário do que entendeu a decisão ora posta em crise, o acordo em causa nos autos não teve por objecto nem como efeito "impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência" no mercado nacional do sal.
32. Ou, ainda que assim se não entenda, o que só por cautela de patrocínio se refere, sempre se deveria entender que não se provou que o acordo em causa nos autos tivesse por objecto ou como efeito "impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, a concorrência".
33. Assim, não se verificam no caso dos autos os pressupostos de que legalmente depende a aplicação do disposto no art. 4º, n.º 1, da LC, e, em consequência, a aplicação da coima prevista no art. 43º/1/a da mesma LC.
34. Sem conceder, mas para o caso de se entender – e, salvo o devido respeito, não deve entender-se – que o acordo restringiu ou falseou de algum modo a concorrência, sempre se deveria entender que o não fez "de forma sensível”, ou, adoptando a perspectiva seguida pela douta sentença recorrida (cfr. pág. 83), que o acordo sempre seria abrangido pela isenção genérica de que beneficiariam os acordos de menor importância ou cuja limitação às regras da concorrência é menos significativa.
35. Sem conceder, mas por cautela de patrocínio:
36. Ainda que se entendesse ter-se verificado o tipo de ilícito –, sempre se deveria, salvo o devido respeito e considerando todas as circunstâncias acima expostas e as demais que constam nos autos, entender que a actuação das partes estaria justificada por ter sido necessária para repelir a agressão que era actual e ilícita (porque ela própria violadora das regras da concorrência), dos interesses empresariais juridicamente protegidos das arguidas.
37. Isto é, sempre se deveria entender que as arguidas agiram em legítima defesa (cfr. artigo 32º do CP e 337º do Código Civil), e, por isso, ter-se por excluída a ilicitude da sua actuação, com as legais consequências (cfr. art. 31º do CP).
38. Sem conceder, mas por cautela de patrocínio:
39. As partes (pelo menos sempre foi esse o entendimento da SAHS), ao celebrarem o acordo — o que fizeram voluntariamente —, tinham consciência da eventual ilicitude objectiva desse mesmo acordo, mas, ao mesmo tempo, estavam também perfeitamente convencidas de que, se não celebrassem o acordo, continuariam, como até ali, a ser vítimas de abusos por parte dos grandes grupos da distribuição, abusos esses contra os quais o sistema de defesa da concorrência se mostrava totalmente inoperante.
40. Viam, pois, o acordo como uma tentativa para impedir ou limitar, no futuro, tais abusos, de modo a poderem subsistir como empresas. E apenas uma tentativa porque nada lhes garantia que, ainda que se concertassem relativamente a determinados negócios, esse negócio fosse ganho por alguma das empresas participantes do acordo (como ficou demonstrado, havia outros operadores e sempre se mantiveram no mercado preços competitivos). Acharam, pois – apesar da referida consciência da ilicitude do acordo isoladamente considerado – justificada a sua actuação por força das circunstâncias em que se encontravam.
41. A douta decisão recorrida não levou estes factos em consideração quando, salvo o devido respeito, deveria ter levado – pois que eles foram alegados e foram fornecidos aos autos elementos suficientes para os demonstrar –, pelo que aqui se invoca esse erro de julgamento para os legais efeitos.
42. No que respeita ao seu eventual relevo para efeitos de determinação da culpa, a situação descrita é também subsumível ao disposto no n.º 2 do art. 35.° do CP (estado de necessidade desculpante).
43. Os concorrentes exteriores ao "acordo" (v.g. a empresa "M", que mais directamente concorria, e concorre, com a SAHS no Norte e Centro) aproveitaram a existência do mesmo acordo, cuja existência conheciam desde o seu início, para fazer preços um pouco mais baixos, aumentando assim a sua quota de mercado.
44. Estes factos, apesar do seu relevo, não foram devidamente considerados e valorados nem pela AdC nem pelo Tribunal.
45. Ainda que se entendesse que a arguida praticou um facto ilícito e que não deveria ter-se por excluída a ilicitude desse facto – o que sem conceder e apenas por cautela de patrocínio se refere –, sempre se deveria entender que esse facto foi praticado para afastar um perigo ou ameaça actual dos seus interesses empresariais (o seu prejuízo económico injustificado causado pelas práticas abusivas da grande distribuição), não removível de outro modo e não lhe sendo exigível, considerando as circunstâncias, comportamento diferente.
46. O outro modo possível para tentar remover tal perigo ou ameaça seria, na verdade, uma denúncia às autoridades de defesa da concorrência, na esperança de que tais comportamentos abusivos cessassem.
47. Só que uma tal atitude, para além de não ter o resultado desejado garantido (face às insuficiências do sistema de defesa da concorrência), teria com toda a certeza uma consequência: a arguida não conseguiria prosseguir o seu negócio, passando de imediato a ser hostilizada pela grande distribuição.
48. Pelo exposto, sempre se deveria entender, salvo o devido respeito, que a SAHS, ao participar no acordo, agiu em estado de necessidade desculpante e, em consequência, ser dispensada de coima, ou, ainda que assim se não entendesse, ser a coima especialmente atenuada, o que para os legais efeitos se invoca.
49. Sempre sem conceder e por cautela de patrocínio:
50. Tendo a decisão da AdC sido proferida em Julho de 2006, o "último ano" a considerar deveria ser o ano de 2005, e não o de 2004, como foi considerado.
51. No caso da SAHS, este aspecto é muito relevante, pois o seu volume de negócios, como resulta dos documentos juntos aos autos, foi de € 3.017.725,85 em 2004, e apenas de € 1.813.728,01 em 2005.
52. Ainda, pois, que alguma coima fosse de aplicar à SAHS – e, salvo o devido respeito, não deverá sê-lo – sempre deveria atender-se ao ano de 2005 para determinar a moldura aplicável, com as consequências daí decorrentes, o que por cautela se requer.
53. Por outro lado, considerando que uma parte importante do volume de negócios da SAHS dizia respeito a um segmento de mercado que nunca foi considerado para efeitos do acordo, a saber o sal marinho tal qual a granel (sal em bruto, vendido como mercadoria, e não como produto), também este aspecto, salvo o devido respeito, sempre deveria ser considerado, excluindo-se do volume de negócios relevante o valor correspondente a artigos de um mercado ou segmento de mercado diferente daquele que foi abrangido do acordo, o que também por cautela se requer.
54. Deve interpretar-se restritivamente (não se trata de uma interpretação "correctiva", como se afirma na pág. 91 da douta sentença) o disposto no n.º 1 do art. 43º da LC, de modo a fazer coincidir a moldura abstracta da coima aplicável à infracção relativa ao acordo com o volume de negócios no mercado ou segmento de mercado em causa no mesmo acordo.
55. Se relativamente às demais arguidas for considerado o volume de negócios correspondente ao mercado relevante para efeitos do acordo, também relativamente à SAHS se deverá fazer o mesmo, sob pena de violação do princípio da igualdade (cfr. art. 13º da CRP).
56. Não é correcto afirmar que "Do simples facto de quatro empresas concorrentes celebrarem um acordo com o âmbito do que o que as arguidas celebraram, interferindo necessariamente na oferta e influenciando a formação de preços, e de manterem esse mesmo acordo durante sete anos" resulta "necessariamente" uma afectação do bom funcionamento mercado, e muito menos em termos de nele provocar "distorções graves".
57. Para que a referida afectação grave das condições do mercado pudesse ser considerada, ela deveria ter sido provada, e o que ficou provado foi justamente o inverso; pelo menos, não se provou tal afectação em termos de se terem provocado "distorções graves". Demonstrou-se que continuou a haver condições normais de concorrência, e nem sequer se provou que os preços tivessem subido (embora as arguidas reconheçam que subiram, mas numa progressão muito inferior à da inflação e do IPC).
58. Sempre com o maior respeito, mal andou a sentença recorrida ao considerar "muito grave" o acordo, sem fundamentar essa conclusão em factos que o pudessem demonstrar, quando, pelo contrário, o que se demonstrou foi que continuou a haver concorrência efectiva no mercado.
59. Entende a SAHS que o critério referido na douta Sentença para a quantificação dos danos é correcto e é aquele que resulta da alínea b) do art. 44º da LC, ou seja, "A quantificação destes danos requer a comparação entre o que as empresas terão usufruído no período de vigência do acordo e o que teriam obtido, durante esse mesmo período, caso o acordo não tivesse existido".
60. Todavia, a verdade é que a referida comparação, com vista a apurar aquela diferença, no caso dos autos não foi feita.
61. Para que a existência ou inexistência de benefício económico pudesse ter sido apurada com o rigor exigível a uma decisão condenatória (ainda que num processo de natureza contra-ordenacional), impunha-se que os correspondentes factos tivessem sido concretamente apurados através da realização de uma auditoria a cada uma das empresas intervenientes do acordo, ou, no mínimo, uma peritagem à escrita dessas empresas, de modo a, em concreto, determinar se do acordo resultou ou não para elas um benefício económico e, em caso afirmativo, qual o respectivo montante.
62. Não tendo acontecido, teremos de concluir que nos presentes autos não se apurou se as empresas participantes no acordo de estabelecimento de quotas relativas de mercado tiraram ou não algum benefício económico desse acordo, sendo certo que era à AdC que cabia o ónus da prova desse facto.
63. Se a aludida auditoria tivesse sido feita, a AdC e o Tribunal teriam verificado que a SAHS teve prejuízo com o acordo, tendo em consideração que perdeu quota de mercado e que as penalizações previstas no acordo nunca seriam bastantes para compensar essa perda de quota de mercado.
64. Para além de diversa a documentação existente nos autos, não foi também levado em linha de conta o que a este respeito, desde logo o sócio-gerente declarou (cfr. fls. 237 e ss).
65. A recorrente não aceita os cálculos, conclusões, presunções e extrapolações vertidas quer na decisão da AdC quer na douta decisão recorrida para tentar fundamentar que a SAHS terá obtido qualquer benefício do acordo, porque isso não é verdade!
66. Diversas linhas de raciocínio seguidas na douta decisão para fundar os alegados benefícios económicos retirados, nomeadamente pela SAHS, estão erradas e/ou não têm fundamento na realidade.
67. A douta Sentença, a propósito da resposta à (S) sobre este ponto, afirma-se na douta decisão sob recurso: "não ficou provado que o objectivo da fixação das compensações era desmotivar as empresas de exceder as suas quotas relativas, nem tão pouco que os custos fixos aumentassem".
68. Mas não demonstra a Sentença para que foram fixadas as quotas e as compensações, nem se provou outro motivo, para além do que as arguidas afirmaram.
69. Respondendo à defesa da SAHS, afirma-se na sentença que "não se pode dar credibilidade à alegação de que o acordo só lhe trouxe prejuízos. É por demais evidente e incontestável que nenhuma empresa se mantém durante sete anos num acordo se o mesmo não lhe trouxer qualquer benefício. Tal argumento é contrariado pela lógica, pelo bom senso, enfim, pelas mais elementares regras de experiência."
70. Esta conclusão parte da presunção de que a arguida se manteve no acordo porque retirava dele benefício, mas, na verdade, o benefício económico não foi provado!
71. Esquece, porém, um facto simples da vida, ele sim evidente e incontestável, suportado pela lógica, pelo bom senso e pelas elementares regras de experiência: é que a empresa podia manter-se no acordo apesar de estar em situação desfavorável, se entendesse que (como aliás a SAHS entendeu até à altura em que fez cessar o acordo, por, face aos repetidos enganos de que era objecto por parte da (A), deixar de acreditar nisso) que, se o acordo terminasse, a situação seria ainda pior!!!
72. Contrariamente ao referido na douta Sentença, não existe qualquer contradição naquilo que a SAHS alegou e que mantém:
73. - Não se visou com o acordo qualquer acréscimo de lucros para o conjunto das empresas (ou seja, global, relativo ao grupo de empresas em causa); e
74. - As compensações, que eram um mecanismo de controlo de eventuais abusos, justificavam-se pelo "acréscimo de lucros resultante do excesso nas quantidades vendidas comparativamente às quotas relativas inicialmente determinadas", limitando-se as compensações a "compensar no interior do grupo aqueles que vendiam menos do que a sua quota relativa".
75. É, pois, totalmente infundada a afirmação de que "Daqui resulta que a própria arguida admite a existência de ganhos decorrentes do acordo", quando a arguida acabara de explicar o sistema de compensações como uma compensação no interior do grupo pelo facto de uma empresa vender mais do que a sua quota relativa, relativamente à outras que venderam menos do que a sua quota relativa.
76. Naturalmente, se os resultados da empresa que vendia mais se mantinham em terreno positivo (lucro), o facto de ela vender mais do que a sua quota relativa traduzia-se num acréscimo de lucros, em prejuízo das demais empresas do acordo, que, tendo vendido menos do que as suas quotas relativas viam reduzidos os seus, em benefício daquela.
77. Assim, para o conjunto de empresas, só haveria algum benefício resultante do acordo se a quota de mercado global do conjunto das empresas tivesse aumentado, o que não se verificou.
78. Não tem sentido, pois, afirmar que o "acréscimo de lucros" deveria ser suficiente para o pagamento das "compensações" ou "indemnizações", ou que "o benefício económico decorrente do acordo equivale, no mínimo, ao montante de indemnização unitária (por ton. de sal) prevista no âmbito do acordo", como o fez a AdC na sua decisão e a douta sentença retomou ao afirmar (cfr. pág. 98) que "o benefício económico mínimo das empresas que recebem as compensações corresponderá ao montante que lhes é devido pelas compensações".
79. Aliás, essas indemnizações nem deveriam idealmente existir, se cada uma das empresas mantivesse a sua quota relativa: em tal caso, as empresas vendiam a mesma quantidade que anteriormente, sensivelmente aos mesmos preços que já praticavam, e manteriam assim o seu volume de negócios e as suas margens.
80. O que serviria para cobrir o pagamento das compensações, e as justificava, seria o acréscimo de lucros resultante do excesso verificado nas quantidades vendidas comparativamente às quantidades correspondentes à "quota relativa" inicialmente determinada, pois, nesse caso, uma das empresas estaria a beneficiar em prejuízo de outra ou de outras integrantes do acordo (que, forçosamente, venderiam menos), e não dos clientes ou dos consumidores.
81. Deste modo, todas e quaisquer compensações atribuídas no âmbito do acordo limitaram-se a compensar (ficando as compensações estabelecidas, como se disse, sempre aquém dos prejuízos efectivamente sofridos, pelo menos pela SAHS), no interior do conjunto dos participantes do acordo, aqueles que vendiam menos do que a sua quota relativa, sendo essas compensações suportadas pela participante (invariavelmente a (A)) que vendia mais do que a sua quota.
82. Quer a Decisão da AdC quer a sentença recorrida partiram do pressuposto – errado – de que o valor das compensações corresponderia a um ganho adicional, por tonelada, que eventualmente seria obtido em resultado do acordo, o que, como se disse, não é correcto.
83. Concretamente, o montante das compensações pagas à recorrente foi muito inferior aos prejuízos efectivos por si sofridos em consequência do acordo, por perda continuada da sua "quota relativa", cujos efeitos ainda continua a sofrer no presente.
84. Não é verdade que a SAHS tenha retirado qualquer benefício do acordo: quando recebia alguma compensação, isso significava apenas que tinha já perdido muito mais do que isso por ter vendido menos do que a sua "quota relativa".
85. A SAHS por diversas vezes tentou que os montantes das compensações fossem revistas, mas nunca obteve o acordo da (A), pelo que a opção seria manter-se no acordo nesses termos ou sair, e, como acima se explicou, até à altura em que fez cessar o acordo (por, face aos repetidos enganos de que era objecto por parte da (A), deixar de acreditar que a situação poderia mudar), a SAHS entendeu que, se saísse do acordo, a sua situação ficaria ainda pior!
86. Ao contrário do que se diz na decisão recorrida, não é verdade que as arguidas, designadamente a SAHS e a (S), não tenham posto fim ao acordo.
87. Ainda sem conceder e por cautela de patrocínio:
88. Atendendo aos graves prejuízos que já foram causados à imagem e credibilidade da Recorrente com a publicidade que foi dada ao caso, inclusivamente e principalmente pela AdC, a Recorrente entende, salvo o devido respeito, que, em caso de eventual aplicação de qualquer sanção, não se justifica a aplicação da sanção acessória, o que aqui invoca para os legais efeitos.
Termos em que deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:
a) Considerando que a Sentença não se pronunciou sobre matérias que se deveria ter pronunciado e não fundamentou devidamente a decisão, padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 205º/1 da CRP, e de ilegalidade por violação das disposições conjugadas dos artigos 22º e 44º da LC, artigo 41º/1 RGCO e artigos 374º/2 e 375º do CPP, sendo, por isso, nula (cfr. art. 379º/1/a CPP);
b) Ou, de todo o modo, por outra que, decidindo não se verificar, pelo menos relativamente à Recorrente SAHS, a verificação dos pressupostos de que depende a aplicação do disposto no n.º 1 do art. 4º da LC, e consequentemente da coima prevista no art. 43º/1/a da mesma LC, a absolva dos factos pelos quais foi condenada;
c) Quando ainda assim não se entenda, e para o caso de se entender que a arguida praticou alguma infracção, deverão ser levados em conta todos os factos e circunstâncias a seu favor, bem como todas as razões de direito que lhe sejam favoráveis, de modo a que o procedimento seja, quanto a si, extinto, ou, em todo o caso, lhe não seja aplicada nenhuma coima nem sanção acessória, ou ainda, para o caso de assim não se entender, seja tratada com a máxima benevolência, tudo com as demais consequências legais».

3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 3877.
4 – O Ministério Público e a “Autoridade da Concorrência” responderam às motivações apresentadas defendendo a improcedência dos recursos (fls. 3889 a 3932 e fls. 3983 a 4030, respectivamente).

5 – Neste tribunal, a sr.ª procuradora-geral-adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.

6 – Realizada a audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:
· A nulidade da sentença
· Os elementos do tipo contra-ordenacional
· A exclusão da ilicitude
· O limite máximo da moldura abstracta da coima
· A atenuação especial da coima
· Os factores relevantes para a determinação da coima
· A aplicação da sanção acessória

II – FUNDAMENTAÇÃO
Delimitação do objecto do recurso
7 – Antes de entrarmos propriamente na apreciação dos recursos interpostos pelas arguidas “(S)” e “(H)” importa deixar claro que os poderes de cognição deste tribunal se restringem à matéria de direito.
É o que resulta expressamente do n.º 1 do artigo 52º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, e do n.º 1 do artigo 75º do RGIMOS[1].
Esta limitação não impediria o tribunal da relação de determinar o reenvio do processo para novo julgamento se detectasse na sentença a existência de algum dos vícios enunciados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e se, por esse motivo, fosse impossível decidir a causa.
Não é, porém, o caso.
Nem as recorrentes invocaram qualquer um desses vícios da sentença, nem este tribunal detecta a sua existência.
Por isso, todas as considerações jurídicas que se seguirão apenas podem ter por base os factos considerados assentes pelo tribunal de 1ª instância e não quaisquer outros.

A nulidade da sentença
8 – Dito isto, apreciemos então as concretas questões suscitadas pelas recorrentes, começando pela matéria da nulidade da sentença.
Sustenta a “(S)” que a sentença é nula porque o tribunal de 1ª instância não se pronunciou (considerando-o provado ou não provado) sobre o facto por si alegado no ponto 78 da impugnação, no qual ela afirmava que a recorrente é «uma empresa conceituada como é reconhecido pela distinção que lhe foi conferida pelo poder autárquico onde se encontra sedeada».
Fundamenta esta sua pretensão nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.
Sobre esta matéria deve dizer-se, em primeiro lugar, que um concreto facto alegado por um sujeito processual não consubstancia, só por si, uma “questão” no sentido em que essa expressão é utilizada na alínea c) do invocado n.º 1 do artigo 379º[2]. Uma questão, como resulta, nomeadamente, da parte final do corpo do n.º 2 do artigo 368º, é um aspecto de um problema sobre o qual pode recair uma decisão autónoma.
Ora, mesmo na perspectiva da recorrente, o facto por ela alegado não constituía, só por si, qualquer questão. Seria apenas um dos factores relevantes para a apreciação da questão da determinação da sanção.
Porque o tribunal não deixou de se pronunciar sobre a medida da coima aplicável, afastada está a verificação da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.
E não existe também a nulidade cominada na alínea a) desse mesmo preceito porquanto, como a recorrente implicitamente reconhece[3], o tribunal de 1ª instância não omitiu nenhuma das «menções referidas no artigo 374º, n.ºs 2 e 3, alínea b)», únicas cuja omissão podia originar esse vício processual[4].
Na verdade, os factos provados e não provados a que o n.º 2 daquele artigo 374º se refere são tão só os relevantes para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 368º, ou seja, para a questão da culpabilidade, e não aqueles que apenas podem ser considerados para a determinação da sanção.
É o que resulta desde logo da comparação dos artigos 368º, n.º 2, e 369º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Só na primeira dessas disposições legais se impõe que o tribunal se pronuncie sobre «os factos alegados pela acusação e pela defesa» relevantes para a decisão da questão da culpabilidade. Outro tanto não sucede quando em causa está a determinação da sanção, de que cuida o artigo 369º.
Mas, para além disso, há que ter em conta que os requisitos da sentença não se encontram apenas enunciados no artigo 374º do Código. A esses requisitos há que acrescentar os previstos para a sentença condenatória no artigo 375º e os exigidos para a sentença absolutória no artigo 376º.
Ora, o desrespeito do artigo 375º, que é a disposição que exige que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, não consubstancia qualquer nulidade.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 379º só comina como tal o desrespeito das exigências relativas ao núcleo da sentença, que são aquelas que se contém no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º do Código.
Daí que a indicada omissão não pudesse consubstanciar nunca a nulidade da sentença.
Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que dizer que o facto em causa, que se resume à concessão pela Junta de Freguesia de uma distinção honorífica à recorrente em momento posterior ao da prática desta contra-ordenação, seria, mesmo que provado, completamente inócuo para a determinação da sanção que cabe a uma infracção das regras da concorrência.
Também por esse motivo, não existiria qualquer vício da sentença.

9 – Passemos então à análise da outra nulidade arguida por esta mesma recorrente.
Sustenta ela que embora o tribunal de 1ª instância tenha referido que «a circunstância de não ter ficado provada a violação do artigo 81º do Tratado terá de ser entendida em sentido favorável às arguidas, dado que a coima aplicada pela Autoridade tinha essa violação como pressuposto» não disse «como e em que medida tal ‘sentido favorável’, fundamentadamente, presidiu à escolha e à medida da sanção que veio a ser aplicada».
Ora, salvo o devido respeito, o dever de fundamentação consagrado constitucional e legalmente (e cujo desrespeito é gerador de nulidade da sentença) não pressupõe, nem exige qualquer quantificação do valor de um factor relevante para a determinação da sanção. Basta-se com a sua individualização e com a indicação do sentido da sua relevância em sede de culpa e/ou prevenção.
É o que basta para permitir a impugnação da decisão tomada.
Mas, a sentença recorrida, a muitos títulos notável, faz muito mais do que isso. Ao longo de 20 densas páginas (fls. 91 a 110) analisa, ponto por ponto, cada um dos factores relevantes para a determinação da coima, nomeadamente sobre a não violação do artigo 81º do Tratado, que considera ser uma factor que diminui a ilicitude da conduta e, por essa via, a gravidade da infracção.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pela “(S)”.

10 – Idênticas considerações devem ser feitas quanto à alegação da “(H)” de que a «sentença não explica, nomeadamente, em que medida as diversas circunstâncias agravantes e/ou atenuantes concorreram para a determinação da medida da coima, isto é, em que medida é que as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 44º do RLC, ou outras – dado o carácter exemplificativo da enumeração aí contida – influíram para aquela determinação». Dá como exemplo a relevância do não preenchimento do artigo 81º do Tratado e do benefício económico retirado pela recorrente.
Só quem não tiver dado atenção ao que se refere nas páginas 95 a 102 da sentença poderá, a nosso ver, sustentar que a sentença é nula por falta de consideração do benefício económico proveniente da infracção e de explicitação do critério que presidiu à sua determinação.
Porque a sentença não viola, minimamente, o dever de fundamentação imposto pela Constituição[5] e pelo Código de Processo Penal, improcede, nesta parte, o recurso interposto pela “(H)”.

Os elementos do tipo contra-ordenacional
11 – Um segundo grupo de questões colocadas pelas recorrentes tem a ver com os elementos do tipo contra-ordenacional por que foram condenadas, que se encontra descrito no artigo 4º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, e com o seu preenchimento pela comprovada conduta das arguidas.
Nos termos da indicada disposição legal «são proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional», nomeadamente os que se traduzam nos comportamentos enunciados nas diferentes alíneas desse preceito.
Significa isto, em primeiro lugar, que os elementos dos diversos tipos de ilícito contra-ordenacional se encontram descritos no corpo desse número um e não nas suas alíneas. O que nelas se contém são meros exemplos de condutas típicas.
Desde logo se constata também que nesta disposição se encontra descrita uma pluralidade de condutas típicas que diferem entre si significativamente, quer do ponto de vista objectivo, quer do subjectivo. O preenchimento de qualquer delas, independentemente da verificação dos elementos típicos das outras, constitui contra-ordenação.
Dito isto, procuremos então, pelo menos no que releva para este caso, decompor esses diferentes tipos de contra-ordenação.
Descrevem, todos eles, comportamentos que só assumem relevância se praticados por um determinado círculo de agentes, no qual se compreendem apenas as empresas[6] e as associações de empresas. Adaptando a terminologia criminal, trata-se de contra-ordenações específicas próprias.
As acções típicas podem, alternativamente, consistir:
a) na celebração de um acordo com uma outra empresa;
b) na tomada de uma decisão por parte de uma associação de empresas; ou
c) na prática concertada com outra ou outras empresas;
Tais actos só são proibidos:
a) quando o acordo ou a decisão referidas revestirem determinadas características, ou seja, quando tiverem por objecto[7] impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do território nacional; ou
b) quando o acordo, a decisão ou a prática concertada provocarem esse mesmo efeito sobre a concorrência.
Nesta disposição legal delimitam-se, portanto, tipos de mera actividade e de perigo, na modalidade de aptidão [os indicados na alínea a) que antecede] e tipos de resultado e de dano [os indicados na alínea b) do anterior parágrafo], exigindo-se quanto a estes últimos, como é óbvio, a imputação objectiva do resultado à conduta.
O primeiro dos tipos descritos nesta disposição legal exige apenas que uma empresa celebre com outra um acordo que tenha por objecto o impedimento, o falseamento ou a restrição de forma sensível da concorrência no todo ou em parte do território nacional.
Pela própria forma como o legislador descreve a conduta e pelas características do comportamento sancionado, entendemos que, apesar de a negligência ser, em geral, punível neste sector do ordenamento[8], esta contra-ordenação é necessariamente dolosa[9].
Uma outra conduta proibida consiste na celebração de um acordo entre empresas que, não tendo aquele objecto, venha, no entanto, a ter o indicado efeito sobre a concorrência.
Neste caso, em que se exige a verificação de um resultado, se bem que não material, e a sua imputação à conduta do agente, bastará, no nosso modo de ver, a existência de negligência.
Um terceiro tipo de conduta proibida assenta na prática concertada entre empresas que tenha como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.
Estes são apenas alguns dos tipos de contra-ordenação descritos na indicada disposição legal. O preenchimento de qualquer deles é, como se disse, susceptível de constituir um ilícito de mera ordenação social.
Daí que em nada afecte o preenchimento da primeira modalidade do tipo enunciada o facto de o mercado ter continuado a funcionar ou de, pretensamente, ele não ter sido afectado de forma sensível. Tudo isso são elementos estranhos ao tipo sancionador em causa.

12 – Decompostos, da forma indicada, os tipos sancionadores para este efeito relevantes, debrucemo-nos agora sobre o concreto caso dos autos.
Se analisarmos a matéria de facto provada, em especial os pontos 15 a 48, 55 a 57 e 71, verificamos que as quatro arguidas celebraram dolosamente um acordo que tinha por objecto (e tinha aptidão para) falsear e restringir de forma sensível a concorrência no que respeita à comercialização de sal para fins alimentares e industriais no mercado nacional uma vez que ele afectava o princípio da autonomia da estratégia empresarial «que pressupõe a possibilidade de os operadores económicos, que já actuam num mercado, decidir livremente a sua política empresarial, atendendo exclusivamente a elementos como a situação do mercado, a relação custo-benefício ou ao comportamento de outras empresas que operam no mesmo sector»[10].
É o que basta para se ter como preenchido um dos tipos descritos no preceito indicado e para que o comportamento seja indiciariamente[11] ilícito.
Improcedem, por isso, também nesta parte, os recursos interpostos pelas arguidas.

A exclusão da ilicitude
13 – Indiciada a ilicitude pelo preenchimento do tipo, vejamos agora se existe alguma causa de exclusão da ilicitude.
Pretenderam algumas das arguidas, até certo estado do processo, que a sua conduta não era ilícita por força do artigo 5º da Lei da Concorrência[12] e/ou por força do direito de necessidade[13] [14] (artigo 34º do Código Penal), pretensões que vieram, posteriormente, a abandonar.
Sustenta agora a “(H)” que actuou em legítima defesa. Esquece, porém, que, de entre os provados, não existe qualquer facto em que se possa suportar essa afirmação[15].
Improcede, também neste ponto, o recurso interposto por esta sociedade.

O limite máximo da moldura abstracta da coima
14 – De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 43º da Lei da Concorrência a violação do disposto não artigo 4º «constitui contra-ordenação punível com coima que não pode exceder, para cada uma das empresas partes na infracção, 10% do volume de negócios no último ano».
Sustenta a “(S)” que esse preceito deve ser interpretado restritivamente de forma a que o limite máximo da coima aplicável não seja determinado a partir do volume total de negócios da recorrente, que em 2004 foi de 45 069 497.64 €, mas a partir do volume de negócio do sal, mercadoria a que dizia respeito o acordo celebrado, volume esse que era de 5 436 188.74 €. De outra forma, em seu entender, ficaria prejudicada relativamente às restantes arguidas, com o que se infringiria o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
Por sua vez, a “(H)” sustenta que o ano a considerar deveria ter sido o de 2005 e não o de 2004 por a decisão da Autoridade da Concorrência ter sido proferida em 2006 e que o volume de negócios para o efeito relevante deveria ser constituído apenas pelos produtos objecto do acordo celebrado e não por quaisquer outros. No seu caso, do volume total de negócios deveria ter sido retirada a parte correspondente à venda de sal marinho a granel, tudo sob pena de violação do princípio da igualdade.
Abordemos, antes de mais, a questão do ano a considerar para a determinação do limite máximo da coima.
Pretende a “(H)” que esse ano seja o de 2005 (em que o seu volume de negócios se reduziu de cerca de 1/3) uma vez que, como se disse, a decisão da Autoridade da Concorrência foi proferida em 2006.
Salvo o devido respeito, entendemos que esta recorrente não tem, manifestamente, qualquer razão porquanto, se se adoptasse o critério por ela propugnado o valor máximo da coima ia variando no tempo ao sabor da evolução do mercado e da diligência da autoridade sancionadora, o que permitia a sua manipulação e era claramente violador do princípio da legalidade consagrado no artigo 2º do RGIMOS.
Por isso, o “último ano” para este efeito tem que corresponder àquele em que cessou a prática ilícita. Neste caso, é o ano de 2004.
No que respeita ao âmbito do volume de negócios a considerar há que dizer que ele só se pode reportar ao volume total de negócios da empresa porque é essa a única realidade em que pode assentar o pretendido efeito dissuasor da sanção. Dito de outro modo. A prevenção geral que o estabelecimento de um tal limite máximo da coima pretende alcançar desvanecer-se-ia por completo se se atendesse apenas a um sector da actividade da empresa.
Isto não significa, porém, que esses factores não possam e não devam mesmo ser considerados na determinação da medida da coima concreta. Mas isso nada tem a ver com a fixação do limite máximo da coima aplicável.
Resta dizer, nesta sede, que não se vê em que medida é que a consideração do volume global de negócios da empresa pode violar o princípio da igualdade uma vez que a recusa de discriminação não é arbitrária, antes se funda na satisfação de uma das finalidades da coima.
Improcedem, por isso, também nesta parte, os recursos interpostos.

A atenuação especial da coima
15 – Pretendem também as recorrentes que a moldura da coima seja especialmente atenuada por a sua actuação se ter verificado numa situação enquadrável no n.º 2 do artigo 35º do Código Penal.
Na sua opinião, o acordo por elas celebrado e executado ao longo dos anos era adequado a afastar um perigo actual (não removível de outro modo) de lesão dos seus interesses jurídicos, não sendo razoável exigir-lhes, naquelas circunstâncias, um comportamento diverso, o que justificaria a redução dos limites mínimo e máximo da coima para metade (artigo 18º, n.º 3, do RGIMOS).
Não detectamos, porém, na matéria de facto assente, que, como se disse logo no início, este tribunal tem de respeitar, a descrição de qualquer situação com essa virtualidade.
Não a integram, por certo, só por si, os factos enunciados nos n.ºs 63 e 81, tanto mais que o acordo tinha um âmbito bem mais amplo do que o comércio de sal para fins alimentares com os grandes distribuidores e as centrais de compras.
Também não se pode ignorar que a adopção generalizada de práticas “defensivas” pelas empresas concorrentes no mercado, se indiscriminadamente aceite, conduziria à eliminação do próprio sistema de livre concorrência efectiva e funcional, com os inerentes prejuízos da sua função económica e político-social[16].
Improcedem, por isso, também nesta parte, os recursos interpostos.

Os factores relevantes para a determinação da coima
16 – Considera a “(S)” que, embora não se encontre preenchida a previsão do artigo 7º da LC, «sempre deverá levar-se em linha de conta a realidade factual exposta e provada, e ipso facto considerar-se diminuída a culpa das arguidas, com o consequente impacto na sua censurabilidade e na dosimetria sancionatória em termos de circunstância atenuante».
Entende também que o valor das compensações recebidas não pode ser tido como benefício económico obtido através da infracção porquanto elas se destinaram apenas a minorar os prejuízos resultantes de uma diminuição das vendas e que o facto de ter tido a iniciativa de celebrar o acordo não pode ser considerado uma circunstância agravante porquanto não detinha qualquer posição de liderança.
Alega ainda, para defender uma redução do valor da coima, que não ficaram provados diversos factos que enuncia.
A argumentação da “(H)”, embora mais extensa, não difere substancialmente desta, razão pela qual se podem apreciar conjuntamente os dois recursos.
Vejamos então se, quanto a estes pontos, assiste razão às recorrentes.
Comecemos pelo último aspecto enunciado.
A circunstância de determinados factos não terem resultado provados impede a sua valoração, quer em sentido favorável à recorrente, quer em sentido contrário, devendo salientar-se que a não prova de um facto não equivale à prova do facto contrário.
Por outro lado, parece também evidente que a iniciativa de celebração do acordo é um facto autónomo relativamente à liderança do grupo. A circunstância de a recorrente “(S)” não ter assumido essa liderança não anula o valor que àquela iniciativa deve ser conferido, como muito bem se disse na p. 103 da sentença de 1ª instância.
No que respeita à existência e ao valor do benefício económico (se é que essa matéria não integra ainda, pelo menos em parte, a questão de facto e não está, por isso, subtraída à apreciação deste tribunal) deve dizer-se que o montante recebido pelas recorrentes a título de compensação pela perda da quota fixada no acordo (pontos 31 e 32 da matéria de facto provada), mesmo admitindo que tenha servido para minorar o esforço financeiro resultante de um acréscimo relativo do custo de produção, que também se verificaria com toda a probabilidade com o funcionamento normal do mercado, representa efectivamente um benefício (o benefício mínimo, como se diz na sentença) que elas não receberiam se não tivesse sido constituído o cartel. Daí que ele deva ser considerado como um factor da determinação da coima.
Diga-se, por fim, que não vemos na matéria de facto provada qualquer situação que se assemelhe à prevista no artigo 7º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, razão pela qual não se pode extrair da alegação feita o efeito pretendido.
Daqui não deriva que não se deva e que o tribunal de 1ª instância não tenha atendido às concretas circunstâncias de funcionamento do mercado do sal na determinação do valor da coima.
De tudo isto resulta que não vê este tribunal qualquer fundamento para alterar o valor das coimas aplicadas pelo tribunal de 1ª instância à “(S)” e à “(H)”, que bem reflectem a relevância, a natureza e o prolongamento no tempo do acto ilícito praticado pelas arguidas e as necessidades de prevenção que, em concreto, se fazem sentir.

A aplicação da sanção acessória
17 – Resta apreciar a questão da aplicação da sanção acessória, que foi suscitada pela “(H)”.
Entende ela que, tendo em consideração os «graves prejuízos que já foram causados à imagem e credibilidade da recorrente com a publicidade que foi dada ao caso, inclusivamente e principalmente pela AdC», «não se justifica a aplicação da sanção acessória».
Não é esse, porém, o critério legalmente estabelecido.
De acordo com o artigo 45º da LC a publicação da decisão depende apenas da gravidade da infracção.
Ora, tendo em conta a natureza do acordo celebrado, a relevância das empresas que o subscreveram para o mercado nacional de sal e o período de tempo durante o qual ele foi executado, entende este tribunal que se justifica perfeitamente a imposição dessa sanção acessória, nos termos em que a mesma foi aplicada pelo tribunal recorrido.
Improcede, também nesta parte, o recurso interposto pela “(H)”.

A responsabilidade pelas custas
18 – Uma vez que as arguidas “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.” e “Sociedade (H), Lda.” decaíram no recurso que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 2 e 30 UCs.
Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa, para cada uma delas, em 10 UCs.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Negar provimento aos recursos interpostos pelas arguidas “(S) – Companhia Portuguesa de Sal Higienizado, S.A.” e “Sociedade (H), Lda.”.
b) Condenar cada uma das recorrentes no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 10 (dez) UC.
²
Lisboa, 7 de Novembro de 2007
 (Carlos Rodrigues de Almeida)
 (Horácio Telo Lucas)
(Pedro Mourão)
 (João Cotrim Mendes – Presidente da secção)
___________________________________________

[1] Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/83, de 27 de Outubro, posteriormente alterado por diversos diplomas.
[2] Que é diferente do sentido dado pela doutrina italiana à expressão “questione”, que é utilizada para indicar todas as alternativas de decisão que se podem expor abstractamente quanto a um determinado ponto da sentença, antes se equiparando à noção de “punto”, que é um aspecto da decisão que pode ser considerado de modo independente, que tem aptidão para adquirir carácter irrevogável (sobre esta matéria, veja-se, por todos, NUZZO, Francesco, in «L’Appello nel Processo Penale», Giuffrè, Milano, 2006, p. 168).
[3] Até porque reconduz a questão ao n.º 1 do artigo 375º do Código de Processo Penal.
[4] Note-se que mesmo a não observância e ou a não observância integral dos restantes requisitos da sentença enunciados no artigo 374º não é geradora de nulidade. Dá apenas direito a que o interessado solicite a sua correcção da sentença, como resulta da alínea a) do artigo 380º do mesmo diploma.
[5] Note-se que, ao contrário do que a recorrente parece querer sugerir na p. 4 da sua motivação, ela não suscita qualquer inconstitucionalidade normativa que lhe franqueie as portas do recurso de constitucionalidade.
[6] No sentido definido no artigo 2º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho.
[7] O que exige, no nosso modo de ver, para além de um determinado conteúdo, a verificação da aptidão deste para gerar o efeito anti-concorrencial.
[8] Punível nos termos do n.º 6 do artigo 43º da Lei n.º 18/2006, de 11 de Junho.
[9] A ser concebível a celebração de um acordo anti-concorrencial negligente a sua punição só se justificará se ele vier a ser executado e vier a produzir esse efeito sobre a concorrência.
[10] URRIZA, Natividad Goñi, in «La Protección de los Derechos de los Consumidores en el Derecho Europeo de la Competência», in «Derecho Penal de la Empresa», Universidad Pública de Navarra, Pamplona, 2002, p. 351 e segs.
[11] Indiciariamente no sentido de que o preenchimento do tipo indicia a ilicitude, podendo esta ser excluída pela verificação de uma causa de justificação.
[12] Era, na realidade, manifesto que o acordo celebrado não preenchia os requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 5º da LC nem se encontrava a coberto de qualquer Regulamento elaborado ao abrigo do n.º 3 do artigo 81º do TCE. Veja-se sobre o tema, nomeadamente, CAMPOS, João Mota de, e CAMPOS, João Luiz Mota de, in «Manual de Direito Comunitário», 5ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 597 e segs.
[13] Veja-se o que se diz no ponto 45 da motivação da “(S)”.
[14] De todo o modo, pode ver-se o tratamento doutrinal das causas de justificação penais no direito comunitário in DANNECKER, Gerhard, in «Sanciones y Princípios de la Parte General del Derecho de la Competência en las Comunidades Europeas» in «Hacia un Derecho Penal Económico Europeo», Boletim Oficial del Estado, Madrid, 1995, p. 545 e segs., em especial p. 552 e segs.
[15] V. DANNECKER, Gerhard, ob. cit. p. 552.
[16] Sublinhando essas funções da concorrência, v. BAJO, Miguel, e BACIGALUPO, Sílvia, in «Derecho Penal Económico», Editorial Centro de Estúdios Ramón Areces, Madrid, 2001, p. 428.