Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA LICENÇA DE CONSTRUÇÃO ACTO ADMINISTRATIVO VALIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/07/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. A questão da apreciação da validade das licenças de construção e utilização emitidas por uma Câmara Municipal , no âmbito de um processo de expropriação, não pode deixar de configurar uma questão incidental no referido processo. 2. Daí que a apreciação da validade de um acto de natureza administrativa como questão incidental, conexa com o que se discute no processo cível, possa de ser conhecida pelo tribunal cível, que é materialmente competente, como decorre dos art. 134, nº 1 e 2 do CPA e 96 do CPC. ( Da responsabilidade da Relatora ) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa APELANTE: A , ACE APELADAS: 1. B instituição Financeira,SA 2. C , Ldª Na acção declarativa com processo especial de expropriação a apelante impugna o despacho de fls. 3 (deste apenso de recurso) no qual o tribunal recorrido se absteve de conhecer da questão de nulidade (ineficácia) de licenças de construção e utilização emitidas pela Câmara Municipal de C..., despacho que, parcialmente, se transcreve: "A suscitada questão de nulidade das licenças de construção e utilização emitidas pela Câmara Municipal de C... não pode ser conhecida neste processo, quer porque cai fora do seu âmbito, quer porque este Tribunal é materialmente incompetente para sobe ela proferir decisão…” São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pela Apelante. “1ª A questão relativa à nulidade das licenças de construção e utilização integra-se de pleno no âmbito deste processo (determinação da justa indemnização devida à Expropriada), pois, obviamente, a indemnização a fixar às Expropriadas depende em grande medida da consideração, ou não, das licenças em causa, das construções e equipamentos aí instalados e titulados naquelas licenças e da actividade aí desenvolvida, também ao abrigo dessas licenças (neste sentido, decisivamente, a avaliação da parcela efectuada no Acórdão Arbitral), pelo que a afirmação no Despacho recorrido de que esta questão ‘cai fora deste processo’ enferma de um manifesto erro nos pressupostos e não pode ser mantida na ordem jurídica. 2ª Na verdade, pretendendo-se neste processo fixar a justa indemnização devida pela presente expropriação, cumpre carrear para o processo todos os elementos de facto relevantes para esse efeito, realizar todas as diligências probatórias que relevem na concretização material desse direito fundamental e discutir no processo todas as questões de Direito que permitam apurar a verdade e a justa composição do litigio (art. 61º do Código das Expropriações e os arts. 264º, nº 3, 265º, nº 3, e 511º, nº 1, do CPC), constituindo a validade das referidas licenças uma das referencias a atender na classificação do solo e no cálculo indemnizatório. 3ª A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao Código das Expropriações não suscita fundadas dúvidas (art. 463º, nº 1, do CPC e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.1999, Proc. nº 98B1108, www.dgsi.pt,e de 27.05.1997, BMJ nº 467, p. 548), pelo que na situação que nos ocupa importa atender ao regime do art. 96º do CPC, onde se prescreve que o"tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa": sendo a nulidade das licenças sub judice uma questão incidental, importa aplicar o respectivo regime jurídico. 4ª. De facto, sendo o Tribunal recorrido competente para conhecer da nulidade das licenças aqui em causa (nos termos do disposto no 134º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, “O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade”, sendo que esta "nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal” – art. 134º, nº 2, do mesmo Código), o que afasta aplicação do art. 97º do CPC (pensado para as questões que não sejam da competência dos Tribunais comuns), era ao regime do art. 96º do CPC que o Tribunal a quo deveria ter recorrido para regular esta situação. Nestes termos, Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o Despacho recorrido e, qualificada a nulidade destas licenças como uma questão incidental no contencioso indemnizatório em curso no processo, ser a mesma decidida nos termos do art. 96º do CPC.” Objecto do recurso Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal. Os factos a ter em consideração para a apreciação do recurso são os seguintes: 1. No âmbito do procedimento expropriativo relativo à parcela nº 175, expropriada para a construção da A16/IC30 – Lanço de Linhó (EN9) /Alcabideche (IC15), foi proferido o Acórdão Arbitral recorrido, onde, com referência à existência das referidas licenças e consequente classificação do solo como 'apto para construção', foi fixado o valor € 541.300 a título de indemnização. 2. Tanto o Expropriante como as Expropriadas interpuseram recurso daquela Decisão Arbitral. 3. No art. 9º da sua Petição de Recurso do Acórdão Arbitral, a Expropriante defendeu que o Tribunal recorrido não poderá considerar as referidas licenças (ineficácia), construção, equipamentos e actividade para efeitos indemnizatórios. 4. Em 29.01.2010, as Expropriadas responderam a esse recurso, defendendo a validade e eficácia das referidas licenças. 5. Pelos Requerimentos de 10.02.2010 e 15.04.2010, a Apelante requereu que a questão da nulidade das licenças fosse conhecida e declarada neste processo ou, se assim não se entendesse, que essa questão fosse considerada como prejudicial, sobrestando-se a decisão a proferir sobre a justa indemnização até que o Tribunal Administrativo competente se pronunciasse sobre essa questão, na sequência da acção interposta para o efeito (cfr. esses Requerimentos de 10.02.2010 e 15.04.2010, cuja certidão vai requerida). 6. Esta pretensão da Apelante foi indeferida pelo Despacho recorrido com o fundamento de que a questão suscitada extravasa o âmbito do processo e por se ter considerado que o tribunal recorrido é materialmente incompetente para dela conhecer. APRECIANDO O RECURSO: A questão objecto do recurso é a de saber se o Tribunal recorrido tem competência para conhecer incidentalmente, no processo de expropriação, da questão da nulidade das licenças de construção e utilização emitidas pela Câmara Municipal de C.... Não oferece dúvida que a questão da apreciação da validade das licenças de construção e utilização emitidas pela Câmara Municipal de C..., no âmbito de um processo de expropriação, não pode deixar de configurar uma questão incidental no referido processo. Mas terá o tribunal cível competência para apreciar dessa validade em sede de processo de expropriação ? Em princípio como decorre do disposto no art. 96º do CPC, para as questões incidentais de natureza puramente civil o tribunal tem competência, uma vez que o tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem. Isto, sem prejuízo da limitação referida no nº2 do mesmo preceito , que limita a força das decisões sobre os incidentes ao próprio processo, excepto em circunstâncias que para o caso concreto não relevam. Porém, na situação subjudice em que o incidente se prende com a apreciação da validade de um acto praticado fora da área puramente civil, in casu, na área administrativa, terá o tribunal cível competência para a sua apreciação? O art. 96 nº1 do CPC tem de ser entendido como permitindo que o tribunal comum competente para a acção seja também competente para apreciar questões deduzidas na petição, conexas com a acção, ou deduzidas na contestação, como defesa, mesmo que essas questões quando isoladamente consideradas não fossem da sua competência mas doutro foro, por exemplo, o administrativo. Também o legislador administrativo procurou estender a competência do Tribunal comum quando o acto administrativo se apresente como questão incidental. É o que decorre do art. 134 do CPA . O nº1, do referido preceito refere que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade , e o nº2, do preceito refere que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada , também, a todo o tempo , por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. A parte final do nº2, do art. 134 do CPA confere competência a qualquer tribunal para apreciar e declarar a nulidade de acto administrativo apodado de nulo. Assim, reconhece-se que o tribunal recorrido, embora seja um tribunal com competência meramente civil tem competência para apreciar da validade das licenças em causa não obstante as mesmas provirem de um órgão administrativo. O argumento dos recorridos de que o art. 134 do CPA não pode ter o alcance de subverter o sistema da repartição de competências entre tribunais, não atribuindo competência aos tribunais comuns para, prima facie, apreciarem e decidirem da legalidade de actos de natureza administrativa e de gestão publica, só tem valência quando se pretende apenas impugnar a validade de um acto administrativo. Nessa situação (que não é a dos autos) não há dúvida de que o requerente terá de se dirigir a um tribunal administrativo. Mas numa situação como aquela que ora se discute (levantamento de uma questão incidental ( CONEXA COM O QUE SE DISCUTE NO PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO) já o Tribunal comum ( NESTE CASO O TRIBUNAL CÍVEL) tem competência para a apreciar, AINDA QUE PARA ESSAS mesmas QUESTÕES, QUANDO ISOLADAMENTE CONSIDERADAS, FOSSE COMPETENTE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem-se pronunciado maioritariamente neste sentido como se pode ver de vários arestos do STJ de que citamos por todos, os Acs. de 9.1.2003, CJ/STJ, 2003, 1º -14 e de 9.3.2004, Proc. 04ª117/ITIJ/Net, CJ/STJ,2004,1º-110. Daí que, pelos fundamentos expostos, a apelação tenha de proceder, com a consequente revogação do despacho recorrido. CONCLUSÕES 1. A questão da apreciação da validade das licenças de construção e utilização emitidas por uma Câmara Municipal , no âmbito de um processo de expropriação, não pode deixar de configurar uma questão incidental no referido processo. 2. Daí que a apreciação da validade de um acto de natureza administrativa como questão incidental, conexa com o que se discute no processo cível, possa de ser conhecida pelo tribunal cível, que é materialmente competente, como decorre dos art. 134, nº 1 e 2 do CPA e 96 do CPC. DECISÃO Pelo exposto julgam a apelação procedente e em consequência revogam a decisão recorrida . Custas pela recorrida. Lisboa, 7 de Junho de 2011 Maria do Rosário Barbosa Maria do Rosário Gonçalves Maria da Graça Araújo |