Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1154/07.0POLSB.L1-9
Relator: CARLOS BENIDO
Descritores: LOCALIZAÇÃO CELULAR
FACTURAÇÃO DETALHADA
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA PERICIAL
ALEGAÇÕES ORAIS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº A testemunha não pode pronunciar-se sobre o juízo técnico/científico constante das perícias, mas nada impede que se refira ao teor dos exames periciais constante dos autos;
IIº O art.340, do C.P.P., não tem por finalidade permitir aos sujeitos processuais produzir novas provas, não arroladas no momento oportuno, mas permitir ao tribunal, quando emerge da discussão da causa a existência de provas não arroladas na acusação/pronúncia ou na contestação, mas relevantes para a decisão a tomar, que determine oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, a produção de tais provas, que agora se revelam pertinentes;
IIIº O juízo de necessidade ou desnecessidade de diligências de prova não vinculada é tributário da livre apreciação crítica dos julgadores, na própria vivência e imediação do julgamento;
IVº Comunicando o tribunal ao arguido, após a produção da prova e as alegações orais, alterações não substanciais dos factos e da qualificação jurídica, em cumprimento do art.358, nºs1 e 3, CPP, não tendo sido produzida qualquer outra prova após aquela comunicação, não há lugar a novas alegações orais.
Vº Embora tenha sido ordenado pelo Mmo. JIC o acesso à facturação detalhada e localização celular, não existindo despacho do juiz a ordenar a junção aos autos do material colhido, a ponderar se esse material tem todo ele ou só parte relevância, ordenando a junção do material com interesse e a destruição do restante, aquela prova é nula;
VIº A realização de perícias, não precedidas de despacho do Ministério Público a ordená-las e sem notificação ao arguido para nelas participar, não determina a nulidade dessa prova, constituindo mera irregularidade;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

No processo comum, com intervenção do Tribunal do Júri, nº 1154/07.0POLSB, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido A... pronunciado pela prática de:
- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j), ambos do C. Penal;
- Um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artº 272, nº 1, al. b), do C. Penal;
- Um crime de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 212º e 213º, do C. Penal;
- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23/02 alterada pela Lei nº 17/2009, de 6/05, por referência aos arts. 2º, nº 1, al. a) e 3º, nº 2, al. h) do mesmo diploma.
- O assistente/demandante B... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado A... pedindo a sua condenação em € 513,00 a título de danos morais (direito dos herdeiros da vítima a serem compensados no caso desta morte e a titulo de danos morais sofridos ainda em vida pela vítima); € 10.260,00 a título do dano (direito dos herdeiros a serem indemnizados pelo direito à vida); € 10.250,00 a título dos danos morais (qualidade de herdeiro e pelos danos morais por si sofridos) e € 1.250,00 a título de danos patrimoniais (explosão no veículo Mercedes que ficou destruído na explosão), devendo todas estas quantias serem acrescidas dos respectivos juros legais desde a notificação e até efectivo e integral pagamento.
- As assistentes/demandantes C..., D... e E... deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado A... pedindo a sua condenação em € 75.000,00 (dano vida) e nunca menos de € 41.040,00; a pagar a título de danos morais à mulher de F..., C..., o valor de € 40.500.00 e nunca menos de € 20.520,00; a pagar a título de dano moral da sua filha, D..., o valor de € 20.600,00 e nunca menos de € 10.260,00; a pagar a título de dano moral à sua filha mais velha, E..., o valor de € 20.600,00 e nunca menos de € 10.260,00; a pagar a título de dano moral próprio de F... o valor € 6.500,00; a pagar a título de dano patrimonial o valor do veículo automóvel Mercedes Benz, modelo C250 de matrícula 00-00-RM, o valor de € 5.000,00, que ficou destruído; a título de dano patrimonial futuro o arguido deve ser condenado, tendo em conta que F... à data do falecimento tinha 67 anos e gozava de plena forma física e saúde, e que segundo o Instituto Nacional de Estatística a esperança de vida se coloca nos 78 anos, no valor de € 60.500.00, que corresponde a € 5.500,00 ano calculados para a sua esperança de vida estatística e a pagar, ainda, a título de despesas de funeral de F... o valor de € 3.500,00, devendo todas as quantias serem acrescidas dos juros legais, desde a data de notificação e até efectivo e integral pagamento.
- Realizado o julgamento, foi decidido:
1. Condenar o arguido A..., pela prática de:
a) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. h) e j), ambos do C. Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;
b) Um crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artº 272º, nº 1, al. b), do C. Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
c) Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
d) Um crime de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 212º e 213º, nº 1, al. a) por referência ao artº 202º, al. a), do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
2. Em cúmulo jurídico, englobando as penas parcelares antes referidas, foi o arguido condenado na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.
3. Na parcial procedência dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes/demandantes B..., C..., D... e E... condenar o arguido/demandado A... a pagar aos mesmos as seguintes quantias:
a) A título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, o montante de € 10.000,00 (dez mil Euros) devida a este título, e por conseguinte aos demandantes em conjunto (enquanto herdeiros do falecido F...);
b) Pela perda do direito à vida de F... o montante de € 40.000,00 (quarenta mil Euros) e por conseguinte devida a este título aos demandantes em conjunto (enquanto herdeiros do falecido F...);
c) Por danos morais relativos à demandante C..., na qualidade de cônjuge do falecido, o montante de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos Euros);
d) Por danos morais no que concerne aos descendentes do falecido, B..., D... e E..., o montante de € 10.000,00 (dez mil Euros) para cada um;
e) Quantias estas acrescidas dos juros legais vencidos, desde a data do presente acórdão e até integral pagamento;
f) Por danos patrimoniais e em conjunto aos demandantes a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros) e o valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos Euros), na totalidade € 8.500,00 (oito mil e quinhentos Euros), quantia esta acrescida dos juros legais vencidos, desde a data da notificação para o demandado contestar, e vincendos até integral pagamento.
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, que conclui da seguinte forma:

……

Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público batendo-se pela confirmação do acórdão recorrido e pela agravação da pena única em mais um ano.

Responderam as assistentes C..., D... e E..., concluindo:
…..

Anteriormente haviam sido interpostos vários recursos intercalares pelo arguido, os quais foram mandados subir diferidamente, com o recurso da decisão que ponha termo à causa e nos próprios autos.
No cumprimento do disposto no nº 5, do artº 412º, do CPP, o arguido especificou que mantém interesse no recurso relativo à valoração de parte do depoimento da testemunha inspector G…, recurso relativo ao indeferimento da inquirição de várias testemunhas ouvidas no âmbito do processo nº .../05.PFLRS, do Ministério Público de Loures e recurso relativo à nulidade por não ter sido concedida a palavra à defesa para alegações orais.



Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Factos provados:
DA PARTE CRIME E CÍVEL
1. Em Setembro de 2002 foi constituída, na Conservatória de Registo Comercial de Ponta Delgada, a sociedade “H... Lda.”, tendo como sócios-gerentes, o arguido A... e F... e com o objecto social de exploração lucrativa do estabelecimento de diversão nocturna de nome “Show I...”, sito no ... n.º 4, ... - Ponta Delgada, imóvel esse propriedade de F....
2. No entanto, iniciou-se um conflito grave entre ambos os sócios que veio a originar permanentes desconfianças e profundas divergências no plano societário.
3. Assim, de molde a proceder à dissolução da sociedade, ao despejo do arguido A... do imóvel onde se encontrava instalado o “Show I...” e a obter uma indemnização pelos elevados prejuízos sofridos, a qual inclui entre outros a ausência de pagamento de rendas de 3.000 Euros por mês, e que por si só orçam logo o montante de 198.000,00 Euros, o F... instaurou diversas acções judiciais, nomeadamente:
Providência Cautelar nº .../03.0TBPDL
O ofendido F... interpôs o presente procedimento cautelar em 17/09/2003 com vista à suspensão de cargo de gerente do arguido A... da sociedade H… LDA. O ofendido invocou gestão danosa por parte do arguido, nomeadamente a utilização de 15.000,00€ da sociedade para aquisição de uma viatura para uso pessoal. Esta acção veio a ser julgada improcedente (cfr. fls. 4538 a 4552).
Acção Ordinária nº …../04.2TBPDL
Em 19/11/2004 o ofendido F... interpôs esta acção ordinária com vista à cessação do arrendamento do estabelecimento de diversão nocturna SHOW I... sito na ... nº4 em Ponta Delgada com vista ao respectivo despejo. Esta acção veio a ser arquivada por falta de impulso processual (cfr. fls. 4522 a 4524).
Inquérito Judicial à Sociedade nº …/04.4TBPDL
O Ofendido F... interpôs em 11/03/2004 um inquérito judicial à sociedade H... LDA., requerendo uma inspecção à respectiva contabilidade e gestão.
Esta acção veio a ser arquivada por falta de impulso processual (cfr. fls. 4520 a 4524).
Acção de Processo Ordinário nº …/04.0TBPDL
O Ofendido F... interpôs em 11/06/2004 uma acção declarativa de condenação. Esta acção foi julgada procedente, excluindo o arguido A... de sócio da sociedade H... LDA., tendo ficado provado, entre outros, os seguintes factos:
“… O réu preencheu, assinou e entregou o cheque nº 93…, da conta bancária da sociedade nº 24…., do Banco …, no montante de € 15.000,00, a J…, tendo este procedido ao respectivo desconto junto aos balcões daquele banco.
Tal cheque foi entregue pelo réu como forma de pagamento de um veículo ligeiro automóvel, Mercedes, que ao referido J… havia comprado para seu uso pessoal.
Com o levantamento dos referidos € 15.000,00, a conta da sociedade ficou com saldo disponível negativo, em 08-08-2003, de € 4.097,96.
Em 16-12-2003, o réu voltou a preencher, assinar e entregar a terceiros outro cheque da sociedade, com o nº 93…, daquela conta bancária, o qual viria a ser devolvido á sociedade por falta das assinaturas conjuntas de ambos os sócios gerentes.
O autor intentou queixa-crime contra o réu, no passado dia 06-11-2003, inquérito pendente nos Serviços do Ministério Público deste Tribunal Judicial, por alegado cometimento por aquele dos crimes de abuso de confiança, falsificação de documento e burla.
…No passado dia 09 de Janeiro de 2006, foram levadas a cabo buscas e detenções pela Policia Judiciaria e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no Estabelecimento "Show I...", propriedade da Sociedade "H..., Lda.", de que o autor e réu são sócios gerentes, no âmbito de uma operação denominada "Yanquee".
No âmbito dessa diligência, foram detidas várias cidadãs estrangeiras ilegais que se encontravam a trabalhar no referido estabelecimento.
A tudo isto é alheio o autor, que só tomou conhecimento de tal facto através da comunicação social.
O réu faz todas as movimentações bancárias referentes ao estabelecimento "Show I..." através de uma conta bancária em que ele é único titular, sedeada no … sob o nº 24…, bem como de um cartão visa com o nº 47…, não prestando contas ao autor, bem como uma outra conta no Banco ….
…O cheque supra referido de 15.000 € foi emitido pelo réu sem a autorização e a assinatura conjunta do autor.
Do mesmo modo procedeu o réu, relativamente ao cheque que preencheu datado de 16.12.2003.
Em 04-08-2003, o réu utilizou a conta bancária pessoal do autor, a do cartão de crédito deste com o n.º 46…, da Caixa ….
E deu instruções a terceiros para que estes, sobre tal cartão e conta sacassem os montantes de 550,36 e 550,36 €.
O que o réu fez para pagamento de serviços prestados a sociedade por aqueles terceiros, pagamento este que ascendeu, após cobrança de comissões de serviços e taxas ao montante global de 1.194,27 €.
Para tanto, o réu falsificou a assinatura do autor naquela ordem de pagamento, apondo em tal ordem, junto a assinatura falsificada, o carimbo em usa na sociedade.
Em 03 de Janeiro de 2003, o réu preencheu e assinou um cheque da sociedade, apenas com a sua assinatura, no montante de 11.000,00 €, quantia esta que levantou da conta bancária da sociedade.
Em 21/04/2003, o réu retirou da caixa do estabelecimento comercial "Show I...", pertencente a sociedade, o montante de 2.500,00 €.
Em 03/07/2003, o réu efectuou um outro levantamento ao balcão, na Agencia do Banco …, e da conta bancária da sociedade, de 5.000,00 €.
O réu contratou uma menor para trabalhar no estabelecimento comercial da sociedade.
Várias das trabalhadoras estrangeiras contratadas pelo réu não eram portadoras dos respectivos vistos de trabalho, o que deu azo ao levantamento de diversos processos de contra-ordenação e expulsão da Região, levado a efeito pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
O autor convocou uma assembleia-geral para o dia 23/02/2004, com vista a prestação de contas por parte do réu e a deliberação sobre destituição do réu da gerência da sociedade, por violação grave da lei e dos estatutos, a qual se não viria a realizar por, entretanto, autor e réu se terem travado de razões, sendo que, a partir dessa altura, nunca mais o autor foi aos escritórios da empresa e nunca mais o réu lhe apresentou contas. …”
4. Esta sentença não transitou tendo a instância ficado interrompida por falta de impulso processual (cfr. fls. 4525 a 4537).
5. Na sequência da propositura de tais acções, o já referido conflito societário agudizou-se profundamente entre o arguido A... e F... provocando um sentimento de animosidade entre ambos.
6. Assim, em 23 de Fevereiro de 2004, no estabelecimento “Show I...”, no decurso da assembleia-geral de sócios da firma “H… Lda.”, o arguido A... tentou agredir fisicamente o ofendido F..., só não o tendo conseguido porque o advogado do próprio arguido o impediu, sendo que na altura A..., dirigindo-se ao ofendido disse-lhe para se “pôr a pau com a vida”.
7. Em Março de 2004, o ofendido F... dirigiu-se pessoalmente a Ponta Delgada, com vista à resolução do conflito entre ambos.
8. Quando a vitima F... regressou para Lisboa era visível no seu corpo escoriações e hematomas tendo informado os seus familiares que foi agredido nos Açores pelo ora arguido A….
9. No âmbito do Processo n.º .../05.0PFLRS, o ofendido identificou o arguido A... como sendo o autor da tentativa de homicídio de que foi vitima, ocorrida no dia 27 de Junho de 2005, na Rua …, com a utilização de arma de fogo e disparo de três tiros que o atingiram na região torácica, abdominal e na perna esquerda.
10. Igualmente, referiu ter ouvido o arguido proferir as seguintes expressões: “Acabaram-se os problemas, vais morrer hoje mesmo aqui! Acabou!”.
11. Este processo veio a ser arquivado com fundamento de que o ora arguido encontrava-se no Funchal perto da hora dos factos (cfr. processo apensado aos autos principais conforme ordenado por despacho proferido em sede de audiência de julgamento).
12. Em 6 de Agosto de 2006, o ofendido F... enviou aos Açores, J..., M... e L..., seus funcionários, mandatados para tentarem resolverem as questões da sociedade “H... Lda.”, o que não conseguiram face à intervenção do ora arguido.
13. O ofendido F... confidenciou por diversas vezes a familiares, funcionários e amigos que existiam problemas profissionais e pessoais graves com o arguido A... e que não vislumbrava maneira de os resolver, tendo-lhes igualmente referido ter reconhecido o arguido A... como sendo o autor da tentativa de homicídio de que foi vítima.
14. O ofendido F... era uma pessoa educada e cordata, mantinha as melhores relações pessoais com a sua família, funcionários e amigos sendo os únicos e graves problemas que lhe eram conhecidos e dos quais o ofendido se queixava, os resultantes da gestão da sociedade que mantinha com o arguido A....
15. Assim e na sequência do já referido grave e aberto conflito societário e pessoal entre o arguido A... e o ofendido F..., agudizado nos últimos meses pelo facto de F... exigir o pagamento das rendas e manter o propósito de dissolver a sociedade e cobrar ao arguido as quantias em divida, o arguido A... formulou o propósito de matar F....
16. O arguido está habilitado com 1080 horas de formação em electrónica e soldadura, possuindo um Certificado de Habilitações emitido pelo centro de formação norte-americano, Sheridan Vocational - Technical Center, sito na 5400 Sheridan street, Hollywood, Florida 33021, relativo a "electronics technolgy" em 30 de Junho de 1995, salientando-se as acções de formação sobre "D.C. CIRCUITS, A.C. CIRCUITS, ELECTRONIC DEVICES, BASIC SOLDERING, SOLDERING REWORK”.
17. Em data não apurada mas anterior a 04 de Setembro de 2007, o arguido A... adquiriu os cartões SIM 96…, 96… e 96…, e o equipamento de telecomunicações móvel da marca Motorola, modelo C 350 e IMEI 35…. (doravante telemóvel 1).
18. Entre 31 de Agosto de 2007 e 04 de Setembro de 2007, o arguido A... deslocou-se a Lisboa.
19. Em data indeterminada, mas seguramente no Verão de 2007, na rua …, N... vendeu o equipamento de telecomunicações móveis da marca MOTOROLA, modelo C118 e IMEI 35… (doravante telemóvel 2), desacompanhado de carregador, a um indivíduo de sexo masculino.
20. A 04 de Setembro de 2007, o arguido A... regressa aos Açores, sendo certo que no dia 5.09.2007 estava na posse do referido telemóvel com o IMEI 35… – telemóvel 2.
21. Entre os dias 05 de Setembro de 2007 e 29 de Outubro de 2007, o arguido A..., na sua residência (sita na rua …), realizou diversas experiências e testes para comprovar o funcionamento do sistema remoto de detonação e confirmar se a corrente eléctrica passaria efectivamente até ao detonador eléctrico de molde a permitir a deflagração da carga explosiva - cfr. fls. 632 a 634, 665, e 2202.
22. O arguido, ou terceiro a seu mando, construiu a parte electrónica do engenho explosivo, tendo para tal utilizado o telemóvel 2, com o IMEI 35…, no qual inseriu alternadamente os três cartões SIM 96…, 96… e 96.., o íman de uma coluna de som, o conjunto de fios eléctricos multifilares de cobre estanhado, o rolo de fita isoladora de cor preta, a pilha Duracell Plus de 9v, o detonador de iniciação eléctrica e o sistema eléctrico constituído por um relé e um transístor, já anteriormente adquiridos.
23. Deste modo, o arguido A..., ou terceiro a seu mando, colocou um dos três cartões SIM 96…, 96… e 96… no interior do telemóvel 2, (peças fundamentais para receber a chamada que permitiria a deflagração remota do engenho) e em seguida retirou o sistema de vibração do telemóvel 2 e nesse local soldou dois fios eléctricos multifilares de cobre estanhado que ligou a um circuito, que já havia sido ou foi nessa data construído e composto por um relé, um transístor, e uma pilha Duracell Plus de 9v, por sua vez ligado ao detonador eléctrico – cfr. Exame Pericial de fls. 2050.
24. Experiências que consistiram, entre outras, na realização de chamadas telefónicas efectuadas a partir do telemóvel 1 (IMEI 35…) para o telemóvel 2 (IMEI 35…), e vice-versa, nos quais eram colocados alternadamente os cartões SIM 96…, 96… e 96… - cfr. listagens de fls. 632 a 634, 665, e 2202.
25. Com efeito, o cartão SIM 96.. funcionou em 25/08/2007 e 26/08/2007 em Lisboa (baixa de Lisboa) e posteriormente de 05/09/2007 a 29/10/2007 na cidade de PONTA DELGADA.
26. Este cartão também esteve associado ao IMEI 35… (cfr. fls.441) no mesmo local e período temporal.
27. Os cartões SIM 96… e 96.. só funcionaram em PONTA DELGADA no período de 05/09/2007 a 29/10/2007 (cfr. fls. 443, 448, 632, 633, 634, 663 e 665).
28. Sendo certo que os cartões SIM 96…, 96… e 96… quando funcionaram no período compreendido entre 05/09/2007 e 29/10/2007 em PONTA DELGADA, funcionaram exclusivamente em chamadas entre eles, na sequência das experiências feitas pelo arguido.
29. Os três cartões SIM quando funcionaram em Ponta Delgada, operaram exclusivamente nas antenas/BTS de PONTA DELGADA ESTE 1, PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e ....
30. Em data que não foi possível determinar, mas seguramente posterior a 29 de Outubro de 2007 e anterior a 01 de Dezembro do mesmo ano, o arguido A... ou um terceiro especialmente contratado por este, construiu totalmente o engenho explosivo, através da montagem da carga altamente explosiva constituída por nitroglicol (EGDN), trinitrotolueno (TNT) e hexogénio (RDX), da colocação de um íman de uma coluna de som, envolvendo tudo com fita isoladora.
31. O ofendido F... estacionou o veículo no recinto que circunda o “O...”, fotografado a fls. 36, 37 e 38.
32. Então, um terceiro não identificado especialmente contratado por A..., ligou o engenho explosivo e colocou-o através da fixação por íman exactamente por baixo do lugar do condutor da viatura e, de seguida, afastou-se uns metros, aguardando à distância pelo momento oportuno para proceder ao seu accionamento remoto.
33. Na primeira hora daquela madrugada da explosão, o cartão utilizado pelo Arguido com o nº 91… efectuou três chamadas entre as 00.06.00 e 00.40.13, activando células de localização celular de ....
34. Por volta das 05h 20m, do dia 2 de Dezembro de 2007, um terceiro especialmente para tal contratado pelo arguido, verificou que o ofendido F... saiu do estabelecimento “O...” acompanhado por P... e Q..., entrando os três na viatura automóvel de marca Mercedes Benz, modelo C250 e matrícula …, posicionando-se F... no lugar do condutor, no lugar ao lado do condutor, P... e atrás do lugar ao lado do condutor, Q....
35. O ofendido F... colocou a viatura automóvel em funcionamento, iniciando a sua marcha.
36. De imediato, o arguido A... ou um terceiro especialmente para tal contratado por este, efectuou uma chamada telefónica a partir de telefone não identificado, para o telemóvel 2 com o IMEI 35…, (nesta altura já parte integrante do engenho explosivo), e que teria inserido um cartão SIM cujo nº não é identificável.
37. O telemóvel 2 com o IMEI 35…, colocado no engenho, ao receber a chamada de telefone não identificado e por estar configurado para o modo de silêncio, activou o sistema de vibração que, por ter sido retirado e substituído por fios eléctricos com ligação a outro circuito, activou o relé, através do transístor e da pilha Duracell Plus de 9v, permitindo a passagem de corrente para o detonador eléctrico que dessa forma detonou e provocou a detonação da carga explosiva principal constituída por nitroglicol (EGDN), trinitrotolueno (TNT) e hexogénio (RDX) – cfr. Exame Pericial de fls. 2011 a 2053, cujo teor aqui se dá por reproduzido e Representação Gráfica dos factos de fls. 1996.
38. Da referida explosão resultaram para o ofendido F... lesões traumáticas nos membros inferiores, descritas no relatório de autópsia, constantes de fls. 787 a 799:
39. Ao nível do hábito externo:
• Projecção de múltiplos corpos estranhos nos tecidos moles das regiões popliteias, terço inferior das coxas e terço superior das pernas.
• Membros inferiores queimados, com agrafes e pequenos fragmentos de peças metálicas.
• Esfacelo do membro inferior direito, interessando o terço inferior da coxa, a região popliteia e o terço superior da perna, nas faces posterior e interna, com exposição dos tecidos moles subjacentes, lacerados, dos ossos e vasos.
• Múltiplas escoriações na coxa direita, ao longo dos dois terços superiores das faces superior e interna, a mais pequena situada no terço superior da face interna, com 0,5 cm de diâmetro médio e a maior no terço médio da face interna com 5 cm de diâmetro médio, distribuídas numa área com eixo maior vertical com 21,5 cm e 13 cm de largura máxima, havendo no seu seio três feridas contusas, obliquas para baixo e para a esquerda, com comprimentos variando entre 0,4 cm e 2,8 cm.
• Esfacelo do membro inferior esquerdo, interessando as faces laterais e posteriores da metade inferior da coxa, região popliteia e joelho e dois terços superiores da perna esquerda, interessando todas as faces, com exposição dos tecidos moles, lacerados, ossos e vasos. Na face posterior e externa com os bordos da pele queimados.
• Duas feridas contusas na coxa esquerda, no terço superior da face posterior, situadas 5,5 cm acima do esfacelo, já descrito, ambas no mesmo plano horizontal e distando entre si 3 cm, ambas com um eixo maior horizontal, com 2 cm de comprimento, cada uma com múltiplas escoriações perifocais.
• Ferida contusa na coxa esquerda, no terço inferior da face anterior, de forma estrelada, com cinco pontas, com 2,5 cm de comprimento máximo.
• Múltiplas escoriações no escroto, em maior número à esquerda, com formas irregulares, a maior situada na face anterior esquerda, com eixo maior horizontal, com 4,5 cm por 3 cm.
• Duas feridas no escroto, na face inferior, ambas horizontais, com 0,5 cm de comprimento cada uma.
40. E ao nível do hábito interno:
• Laceração dos músculos, nervos e vasos da face posterior da metade inferior da coxa, região popliteia, joelho e no terço superior de todas as faces da perna esquerda.
• Fractura da diáfise fémural esquerda a dois níveis, no terço médio e no terço inferior.
• Fractura da métafise do condilo interno do fémur esquerdo.
• Fractura da métafise proximal da tíbia esquerda.
• Fractura da diafise do perónio direito, no terço superior.
• Contusão da parede escrotal e testículos.
• Hemorragias subendocárdicas.
• Rins de choque.
41. Tais lesões que ocasionam compromissos importantes de natureza vascular e perda acentuada de sangue e foram causa directa e necessária da morte de F... por “shock” traumático.
42. Com a ocorrência da morte, a vítima sofreu inúmeros e dolorosos sofrimentos pelas lesões contra si cometidas.
43. Em consequência da explosão, o veículo automóvel de marca Mercedes Benz, modelo C250 e matrícula …, no valor de € 5.000,00 ficou destruído.
44. O engenho explosivo deflagrado tinha potência bastante para causar a morte de F..., o que o arguido bem sabia.
45. Ao actuar da forma descrita o arguido A... agiu com intenção de causar a morte ao F....
46. O arguido ou terceiro por si especialmente contratado, sabia que com a sua conduta criava um perigo para a vida e integridade física de P... e de Q..., no momento da explosão e agiu conformando-se com esse resultado.
47. O telemóvel 2 foi recuperado e identificado pela Motorolla, correspondendo-lhe o IMEI 35…, cfr. fls. 370 a 375, e 427 a 430.
48. No dia 14 de Maio de 2009, foram realizadas buscas à residência do arguido A..., onde foram encontrados e apreendidos, entre outros:
• Diversos telemóveis, examinados no Apenso 14;
• Diverso material de suporte informático;
• Um certificado internacional de vacinação em nome de A... emitido em Cali-valle-Colombia;
• Uns binóculos de visão nocturna que servem para observar alvos á distância – fls. 2693;
• Um computador portátil da marca ASUS, modelo M6B00N24M, com o número de série 43NP034445 e respectivos cabos de alimentação e um PDA/POKECT PC, da marca ASUS, modelo A600 séries com o número de série A600U 2BAP000305, examinados nos Apensos 16 e 17;
• Um envelope MILLENNIUM BCP contendo no seu interior 80 (oitenta) libras esterlinas, 1052 (mil e cinquenta e dois) USD, 420 (quatrocentos e vinte) dólares canadianos, 2000 (dois mil) pesos colombianos, 20 (vinte) rand sul africanos e 10 (dez) zece lei romenos;
• Um colete á prova de bala da marca PROTECTIVE PRODUCTS INTERNATIONAL, modelo VIPER com o número de série 43449 (Cfr. fls.2326 e 2330, e 2689);
• Uma pinça metálica com a gravação AASA e ainda “ANTI-ACID” e “ANTIMAGNETIC”;
• Um carregador da marca MOTOROLA, modelo SPN5189B, modelo esse que normalmente acompanha modelos de gama baixa, onde se inserem os modelos C118 e C350, sendo que o modelo C118 foi o iniciador do engenho explosivo. Trata-se de um carregador que normalmente não é vendido em separado. O carregador SPN5189B é uma fonte de alimentação muito adequada para alimentar circuitos electrónicos digitais por serem quase todos alimentados com 5V, sendo que da perícia resulta que o carregador foi testado num modelo C118, constatando-se que, tal como se apresentava, funcionava bem, carregando o respectivo equipamento, sendo que o mesmo apresentava só um dos fios descarnado, o que permite ligar o fio directamente à ficha do telefone sem que aconteça um curto circuito, cfr. fls. 2684 a 2688, e 2833 a 2838.
• Uma lupa preta necessária para trabalhos de precisão (Cfr. fls. 2326 e 2330, 2702);
• Um certificado de habilitações profissionais em nome de A..., emitido pelo Sheridan Vocational-Technical Center sito na 5400 Sheridan Street, Hollywood, Florida 33021, relativo a "electronics technology" em 30 de Junho de 1995, acompanhado de três folhas discriminativas das acções frequentadas e no total de 1080 horas. De salientar as acções sobre "D.C. CIRCUITS, A.C. CIRCUITS, ELECTRONIC DEVICES, BASIC SOLDERING, SOLDERING REWORK (Cfr. fls. 2454 a 2462 e 2713);
• Um aerossol de defesa pessoal da marca CSGAS5005 de 40ml (Cfr. fls. 2326) e Um aerossol da marca TW100 de 15ml (Cfr. fls. 2327), que segundo o Exame Pericial 200908219-CIE (Cfr. fls.3168) o princípio activo de ambos é 2-clorobenzalmalononitrilo (CS). Esta substância tem propriedades lacrimogéneas, cujos efeitos desaparecem alguns minutos após o termo da exposição, dependendo nomeadamente da duração da exposição, intensidade, proximidade de pulverização, arejamento do local, caracterísiticas e condições de saúde da vítima, examinados a fls. 3168 a 3180, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
49. O arguido conhecia as caracteristicas do produto contido nos aerossois bem sabendo que a sua detenção não era permitida por lei.
50. Na mesma data no estabelecimento de diversão nocturna SHOW I…, foram encontrados e apreendidos:
• Dois pedaços de fio eléctrico de cor preta;
• Uma chave de estrela com cabo amarelo, examinada a fls. 3168 a 3180, cujo teor aqui se dá reproduzido;
• Uma chave de fendas de precisão que pelas suas características é utilizada para parafusos de pequena dimensão (por exemplo desmontagem de telemóvel) e para trabalhos de precisão, examinada a fls. 3168 a 3180;
• Uma pilha de 9 volts da marca Power Plus com a validade 10/2007, sendo que a pilha utilizada no engenho explosivo e recuperada, tem a mesma voltagem que a pilha apreendida ao arguido e a sua data de validade expirou dois meses antes dos factos, mas ainda se encontrava dentro da validade quando foram efectuadas as experiências com os telemóveis na residência do arguido, examinada a fls. 3168 a 3180, cujo teor aqui se dá reproduzido;
• Um pedaço de cordão de solda de estanho, material necessário para proceder à soldadura de componentes eléctricos;
• Um canivete com uma lâmina cortante, um x-acto, dois arrancadores próprios par armadura de lampada fluorescente, examinados a fls. 3168 a 3180;
51. No escritório de contabilidade “CONT…”, foi encontrada e apreendida diversa documentação contabilística pertencente à sociedade “H... LDA”.
52. Vários dos objectos apreendidos foram ali deixados pelos indivíduos que realizaram obras no estabelecimento de diversão depois da morte do ofendido.
53. A análise do tráfego de chamadas/SMS do telemóvel n.º 91… utilizado pelo arguido A... entre as 22h04m do dia 30 de Novembro de 2007 e as 12h19m do dia 03 de Dezembro de 2007, revelou que não foram recebidas quaisquer chamadas sendo que entre as 22h47m do dia 30-11-2007 e as 00h06m do dia 02-12-2007 só foi efectuada uma tentativa de chamada (cfr. fls. 32 e 266 do Apenso 2), situação anómala dado que da análise das listagens constantes do Apenso 2 resulta que o arguido recebia e efectuava inúmeras chamadas diariamente.
54. O arguido A... foi condenado nos Estados Unidos da América pelo crime de tráfico de estupefacientes, e expulso daquele país - cfr. fls. 1309 a 1312.
55. O arguido foi ainda condenado, em co-autoria material, pelo crime de auxílio à imigração ilegal e de lenocínio, no Processo n.º …/03.5ZRPDL.
56. O arguido tem pendente em Leiria o Processo n.º …/05.0JBLSB (PASSERELE), que se encontra na fase de julgamento, no âmbito do qual são também arguidos R..., S…, T… e U…, por associação criminosa e auxílio à imigração ilegal agravada.
57. O arguido A... actuou com motivo pelo desejo de obter elevada vantagem económica.
58. O arguido A... conhecia as características de carga explosiva constituída por Nitroglicol (EGDN), Trinitrotolueno (TNT) e Hexogénio (RDX) e sabia que a mesma poderia provocar, como provocou a explosão, bem sabendo que tal não lhe era permitido por lei.
59. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente.
60. Sabia que as suas condutas eram proibidas por Lei.
61. A vítima era considerada pessoa educada e cordata, mantinha as melhores relações pessoais com a sua família, funcionários e amigos, e em especial detinha afeição ao ofendido B..., pois era o único filho varão.
62. A sua filha D... trabalhava com o pai, F..., auxiliando dentro do possível no seu trabalho, vivendo o dia-a-dia com o mesmo.
63. Com a morte de F..., as filhas e mulher viram o seu mundo transformado de forma irreversível.
64. Perderam o Pai e o Marido, ficando privadas irremediavelmente da sua companhia.
65. As despesas de funeral relativas à vítima F... orçaram na quantia de 3.500€.
66. O arguido A... nasceu na Ilha de …, sendo oriundo de uma família descrita como tradicional e com algum prestígio social nos Açores.
67. O seu processo de desenvolvimento decorreu no meio de um agregado constituído pelos pais e três filhos, sendo A... o mais velho.
68. Quando este teria cerca de três anos de idade, emigrou para os Estados Unidos da América com a sua família de origem, tendo sido naquele país que A... viveu a infância e adolescência, integrando estruturas académicas e formativas.
69. Naquele país, o pai trabalhava como funcionário de uma empresa de recolha e incineração de lixo e a mãe era doméstica.
70. Após um período de residência em Rhode Island, a família fixou-se em Dania - Florida, nas imediações de Miami, local onde os seus progenitores e irmãos ainda residem.
71. O processo de desenvolvimento do arguido de A... terá decorrido num contexto familiar descrito como coeso, existindo preocupação por parte das figuras parentais com o seu acompanhamento.
72. Desde cedo o arguido ter-se-á habituado às regras e limites impostos pelos pais, que cumpria maioritariamente, mantendo os pais um papel presente e activo no seu processo de desenvolvimento.
73. Em termos escolares, o arguido A... completou o ensino secundário sem reprovações e frequentou, em contexto do ensino secundário, uma especialização no ramo da informática e electrónica. Ainda estudante, iniciou actividade laboral em regime de tempo parcial como ajudante de copa e mais tarde em áreas diversas como sejam supermercados, bares, restaurantes e agência imobiliária.
74. Como hobby, o arguido A... dedicar-se-ia a prática de boxe o qual manteve até cerca dos vinte anos de idade.
75. Em termos sociais, o seu processo de desenvolvimento decorreu num ambiente descrito como de acesso fácil a bens e serviços lúdicos.
76. Terá sido no contexto de heterogeneidade de culturas, de valores e de proliferação de estabelecimentos nocturnos de lazer, que a motivação do arguido para criar espaço congénere se desenvolveu, vindo mais tarde a criá-lo em Ponta Delgada.
77. Enquanto residiu em Miami, o arguido A... foi condenado a 3 anos de prisão efectiva por tráfico de estupefacientes.
78. A pena de prisão sofrida nos EUA terá sido um momento de penosidade para o arguido, valorizando-o igualmente como factor de forte impacto junto da sua família de origem.
79. Após o cumprimento da referida condenação, o arguido foi repatriado para Portugal, vivendo em Lisboa durante o ano de 2001, vindo nessa fase a estabelecer relacionamento conjugal com a então namorada, de origem checa e cujo conhecimento se desenvolveu em contexto de estabelecimentos de diversão nocturna.
80. Após estabelecer relacionamento comercial com o então sócio F..., vítima no presente processo, A... migrou em 2002 para os Açores onde veio a instalar o primeiro estabelecimento de "striptease", actividade face à qual terá sentido inicialmente grande reactividade comunitária e desacordo por parte da família, embora respeitando a sua decisão.
81. Os pais já se deslocaram aos Açores e ao Continente desde que o filho foi repatriado, contactando-o com frequência.
82. À data da instauração do presente processo, o arguido A... encontrava-se a residir nos Açores, dedicando-se a gestão do estabelecimento nocturno de "striptease", do qual era sócio.
83. Em termos familiares, o seu núcleo manteve-se a residir em Miami, estabelecendo o arguido contactos regulares com estes, bem como com a tia residente na ilha, a prima e um padrinho em Lisboa.
84. O arguido já foi julgado e condenado no tribunal de Ponta Delgada, procº. .../03.1PBPDL por crimes de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 ano de prisão suspensa por um ano, por sentença de 8.04.2005, pena essa que veio a ser declarada extinta por despacho de 2.02.2008.
85. O arguido já foi julgado e condenado no tribunal de Ponta Delgada, procº. .../03.5ZRPDL por um crime de auxílio à imigração ilegal, na pena de 8 meses de prisão substituída por 240 dias de multa à taxa diária de 10€.

2. Factos não provados:
Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
• Que o inicio de um conflito grave entre ambos os sócios do “SHOW I...” que veio a originar permanentes desconfianças e profundas divergências no plano societário, deveu-se ao desrespeito por parte do arguido A... pelas regras acordadas naquilo que à gestão da sociedade “H... Lda.” dizia respeito, nomeadamente pela ausência do pagamento dos montantes acordados a favor do ofendido F....
• Na sequência da propositura das acções cíveis, interpostas por F... contra o arguido A..., levou a que da parte do arguido A..., fossem praticados actos de violência contra F... e seus funcionários, com o propósito de intimidar e a coagir o ofendido a desistir das acções.
• Quando em Março de 2004, o ofendido F... se dirigiu pessoalmente a Ponta Delgada, com vista à resolução do conflito entre ambos, A... agrediu-o a soco no interior do estabelecimento “Show I...”.
• Nessa altura, o arguido dirigindo-se ao ofendido, proferiu as seguintes expressões: “Filho da puta, nunca mais cá entras. Tenho dois gajos americanos no Continente e vais passar grandes desgostos”.
• Que, quando em 6 de Agosto de 2006, o ofendido F... enviou aos Açores, J..., M... e L..., seus funcionários, mandatados para tentarem resolverem as questões da sociedade “H... Lda.”, os mesmos foram recebidos no estabelecimento “Show I...”, de forma agressiva pelo arguido A..., que lhes dirigiu diversas ameaças e injúrias afirmando que “o velho se é homem que venha cá…” e “o velho não leva daqui nada, e que se for necessário metia explosivos no SHOW I... e rebentava com aquilo”.
• Que na concretização do propósito de matar o ofendido, o arguido A... recorreu a indivíduos seus conhecidos, nomeadamente pessoas que trabalham ou trabalharam com explosivos e a todo o tipo de fontes de informação (Internet e bibliografia especializada) para adquirir uma carga explosiva que lhe permitisse construir um engenho explosivo de fabrico simples.
• Que o arguido prevaleceu-se do facto de estar habilitado em formação de electrónica e soldadura para construir cirurgicamente o engenho explosivo que veio a deflagrar na viatura da vítima e lhe provocou a morte.
• Em data não apurada mas anterior a 04 de Setembro de 2007, o arguido A... procedeu à aquisição do material necessário para a construção e experimentação do referido engenho explosivo, nomeadamente, ferramentas especiais e próprias para o efeito (pinça metálica anti-acid e anti-magnetic, uma lupa e uma chave de fendas de precisão), de um íman de uma coluna de som, de um conjunto de fios eléctricos multifilares de cobre estanhado, de um rolo de fita isoladora de cor preta, de uma pilha Duracell Plus de 9v, de um detonador de iniciação eléctrica, de um sistema eléctrico constituído por um relé e um transístor e de uma carga altamente explosiva constituída por nitroglicol (EGDN), trinitrotolueno (TNT) e hexogénio (RDX).
• Que esse material foi armazenado pelo arguido A... em local desconhecido.
• Que quando o arguido se deslocou a Lisboa entre 31 de Agosto de 2007 e 04 de Setembro de 2007, teve em vista adquirir mais material para construir o referido engenho explosivo e para proceder ao reconhecimento dos locais habitualmente frequentados pelo ofendido F..., observando as suas movimentações diárias, tendo para tal efectuado diversas vigilâncias estáticas e móveis ao ofendido e à sua residência sita em ....
• Que o arguido A... ligou o engenho explosivo e colocou-o através da fixação por íman exactamente por baixo do lugar do condutor da viatura e, de seguida, afastou-se uns metros, aguardando à distância pelo momento oportuno para proceder ao seu accionamento remoto.
• Que entre 31 de Agosto de 2007 e 04 de Setembro de 2007 o arguido adquiriu a N..., na Rua …, o equipamento de telecomunicações móveis da marca MOTOROLA, modelo C118 e IMEI 35… (doravante telemóvel 2).
• Que a 04 de Setembro de 2007, o arguido A... regressa aos Açores, na posse do referido telemóvel com o IMEI 35… – telemóvel 2.
• Que foi na residência do arguido (sita na rua …), que o mesmo construiu a parte electrónica do engenho explosivo utilizando para o efeito os materiais que havia comprado.
• Na sequência das experiências efectuadas pelo arguido para testar a eficiência do engenho, nomeadamente o funcionamento do dispositivo de deflagração, o arguido A..., ou um terceiro especialmente contratado por este, com o propósito de matar o ofendido F..., deslocou-se para Lisboa.
• Que foi em Lisboa que o arguido A... ou um terceiro especialmente contratado por este construiu totalmente o engenho explosivo.
• Assim, no seguimento do plano previamente estabelecido pelo arguido A..., entre as 17h30 do dia 1 de Dezembro de 2007 e as 05h15 do dia 2 de Dezembro de 2007, A... ou um terceiro especialmente para tal contratado por este, após ter localizado o ofendido F... que se fazia transportar na viatura automóvel de marca Mercedes Benz, modelo C250 e matrícula …, seguiu-o até ao estabelecimento “O...”, sito na Avenida Cidade …, explorado pelo F....
• Que foi o arguido A... que ligou o engenho explosivo e colocou-o através da fixação por íman exactamente por baixo do lugar do condutor da viatura.
• Que o arguido A... ou um terceiro especialmente para tal contratado por este, efectuou uma chamada telefónica a partir do telemóvel 1 com o IMEI 35…, que tinha inserido um dos cartões SIM 96…, 96… e 96… (não tendo sido possível identificar em concreto qual), para o telemóvel 2 com o IMEI 35…, (nesta altura já parte integrante do engenho explosivo), e que teria inserido um desses três cartões.
• Que o telemóvel 2 com o IMEI 35…, colocado no engenho, recebeu a chamada do telemóvel 1.
• Que ao actuar conforme o descrito nos anteriores dois parágrafos, o arguido A... agiu por si ou por intermédio de outrem.
• Que a pinça metálica apreendida nos autos com a gravação AASA e ainda “ANTI-ACID” e “ANTIMAGNETIC” é própria para efectuar trabalhos que requerem precisão e cujas características são fundamentais para se proceder a soldaduras de componentes em placas electrónicas, não danificando os respectivos circuitos eléctricos;
• Que o MOTOROLA C350 que foi o iniciador do engenho explosivo.
• Que os dois pedaços de fio eléctrico de cor preta apreendidos nos autos eram tudo idênticos aos fios recuperados nos autos, na sequência da explosão e que foram utilizados na construção do engenho explosivo.
• Que o pedaço de cordão de solda de estanho sendo material necessário para proceder à soldadura de componentes eléctricos, também o terá sido para os fios eléctricos do telemóvel iniciador, montado no engenho explosivo.
• Que o arguido A... além de conhecer as características de carga explosiva constituída por Nitroglicol (EGDN), Trinitrotolueno (TNT) e Hexogénio (RDX) também os detinha.

MATÉRIA NÃO RELEVANTE OU CONCLUSIVA
• O arguido comprou uma passagem aérea em nome de V..., sua companheira sendo que a mesma saiu de Praga a 03.11.2007, esteve em Lisboa e partiu para Ponta Delgada, onde permaneceu até ao dia 12 de Dezembro de 2007- cfr. fls. 81 a 88 do Apenso 16 -, sendo que durante a estadia da referida V..., a mesma utilizou o telemóvel do arguido bem como os seus cartões de crédito, competindo-lhe ainda tratar de quaisquer assuntos relacionados com a sociedade “Show I...”.
• No dia 28 de Novembro o arguido efectuou um levantamento de 400,00€ da conta de titular no banco …, aliás na sequência de vários levantamentos em numerário que tinha feito anteriormente e que somavam a quantia total de 46.00,00€, levantamentos efectuados entre o mês de Maio e Novembro desse ano.
• Entre as 13h 01m do dia 1 de Dezembro de 2007 e as 12h 27m do dia 3 de Dezembro de 2007, o arguido não efectuou qualquer movimento com o seu cartão de débito associado á conta supra referida.
• O arguido A... já faltou a audiências de julgamento, conforme decorre das intercepções telefónicas transcritas e desloca-se frequentemente ao estrangeiro, onde mantêm contactos com indivíduos aí residentes.
• Que o arguido formulou com grande antecedência o propósito de matar e planear, e escolheu o meio e o modo como iria concretizar o seu desígnio criminoso, denotando assim a persistência na intenção de matar, sendo que a utilização de uma substância explosiva revela uma personalidade violenta, fria e calculista, denotando ausência de responsabilização e total desprezo pela vida humana.

DA CONTESTAÇÃO
• Não é verdade que o arguido devesse ao F… dinheiro de rendas do estabelecimento que explorava.
• O arguido pouco interesse tinha nesse estabelecimento porquanto projectava abrir um outro.
• O arguido sempre procurou resolver amigavelmente os diferendos que mantinha com o ofendido.
• Os objectos que lhe foram apreendidos no decorrer das buscas efectuadas na sua residência e no local do seu trabalho no eram iguais a qualquer um dos elementos apreendidos no explosivo ou no telemóvel que accionou.
• Designadamente, a solda apreendida, em forma de fio, não era igual encontrada no engenho que provocou a explosão.
DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
• Que a vítima empenhou-se de forma sempre esmerada e com dedicação na educação e crescimento do lesado B..., tendo-o acompanhado sempre em todos os momentos da sua vida e era por ambos nutrida enorme afeição e carinho.
• Era B... quem acompanhava a vítima nos negócios e em todos os seus momentos de decisão profissional tendo nos últimos anos da sua vida reforçado e alicerçado esta união parental.
• Era a vítima o seu único e confidente amigo, era com quem podia contar para o que quer que fosse e em qualquer circunstância da sua vida, pois sempre que alguma tristeza ou alegria tivesse que partilhar era com aquele que o fazia.
• Acresce que, era com a colaboração que prestava à vítima que o B... sobrevivia, na medida em que trabalhava ao seu lado e era com quem contava para poder prover às suas despesas e sobrevivência.
• Com a perda do pai, o ora B... viu a sua vida totalmente transformada, pela perda irreparável da companhia deste seu ente querido, perdendo igualmente a qualidade de vida que aquele lhe proporcionava.
• A vítima F... era um verdadeiro trabalhador, tendo construído a sua vida após o regresso abrupto e sem qualquer bem, causado pela independência angolana, procurando através do seu trabalho proporcionar o conforto económico à sua família.
• A vítima acompanhou sempre a vida de suas filhas e mulher providenciando uma boa educação às filhas e um razoável conforto à sua esposa e filhas, naquilo que necessitavam.
• Que a vitima era o verdadeiro pilar da sua família nuclear, mãe e filhas tinham com ela uma relação de confidência e amizade e até de ajuda financeira, que nem uma relação extra conjugal da vitima e na qual resultou outro filho, fez ruir a confiança e amizade.
• Sendo com o Pai e Marido que mãe e filhas partilhavam os momentos de alegria, vitória, tristeza.
• A violência da sua morte provocou na mulher e filhas uma angústia, ansiedade, medo e desconfiança que jamais acabará, e que pela sua gravidade modificaram o comportamento desta família (filhas e mulher).
• Vivem o dia-a-dia doloroso e penoso, que se irá manter por se tratar de uma figura tão relevante na vida das filhas e mulher.

3. Em sede de fundamentação da decisão de facto consta do acórdão o seguinte:
«Nos termos do disposto no artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do artº 127º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas” .
Assim, quanto aos factos provados da acusação, a decisão teve por base:
As declarações da Assistente C..., na qualidade de esposa da vítima, que esclareceu que a vítima, na data dos factos, saiu de casa para trabalhar e não voltou. Esclarece que a vítima havia feito uma sociedade em 2003 com o arguido, denominada H..., Lda..
Passados 4 meses, desde o início dessa sociedade, a vítima teve conhecimento de algumas irregularidades.
Tem conhecimento da emissão de um cheque com falsificação da assinatura da vítima.
Existiam menores e ilegais a trabalhar no “Show I...”, em Ponta Delgada.
Esclarece que não sabe como o seu marido e o arguido se conheceram, sendo certo que a vítima já tinha conhecimento dos antecedentes criminais do arguido.
Sabe que o arguido não prestava contas da sociedade à vítima.
Em determinada altura a vítima deslocou-se a Ponta Delgada e veio a ser agredido pelo arguido.
Tem conhecimento de várias acções interpostas pela vítima contra o arguido.
A vítima já anteriormente a estes factos havia sido vítima de uma tentativa de homicídio e que o mesmo a tinha informado que o autor dos disparos tinha sido o arguido, e que este terá dito que dali não passava.
Mais informa que não lhe subtraíram qualquer objecto de valor.
As declarações da Assistente E..., na qualidade de filha da vítima:
À matéria dos autos respondeu que foi informada pelo seu ex-marido … da morte de seu pai.
A vítima havia-a informado que tinha constituído uma sociedade com o arguido relativamente a um estabelecimento nocturno que se situava em Ponta Delgada.
Em 2004 a vítima deslocou-se aos Açores para falar com o arguido.
Posteriormente já no Continente viu a vítima com sinais evidentes de agressões físicas. A vítima disse-lhe que tinha sido agredida pelo arguido.
Em 27.06.2005 a vítima foi alvo de uma tentativa de homicídio. Na altura recorda-se de ter ouvido pelo menos dois tiros. Dirigiu-se à janela da sua casa e ouviu o pai a gritar. Dirigiu-se ao local e constatou que o mesmo não tinha nada na mão. A arma de fogo estaria no interior da mala que o mesmo transportava. Sabe que o seu pai tirou a arma da mala e disparou um tiro para o ar. Nessa altura, o seu pai disse-lhe que o autor dos disparos tinha sido o ora arguido.
Tem conhecimento dos processos que a vítima tinha instaurado contra o ora arguido.
As declarações da Assistente D..., na qualidade de filha:
À matéria dos autos respondeu que a vítima tinha conflitos com o ora arguido.
Tinham constituído uma sociedade nos Açores.
Existiam vários processos instaurados pela vítima contra o ora arguido.
Em 2005 o seu pai foi alvo de uma tentativa de homicídio.
O mesmo havia-lhe dito que o autor foi o ora arguido.
Disse-lhe que foram duas pessoas, tendo uma ficado no interior de uma viatura e o arguido saiu e disparou contra si.
Esclarece que as funções de cabeça-de-casal pertencem à sua mãe.
As declarações do Assistente B..., na qualidade de filho da vítima:
À matéria dos autos respondeu que o ora arguido era o único inimigo de seu pai.
Esclarece que a vítima já outrora tinha sido alvo de agressões do ora arguido.
Trabalhou com o seu pai cerca de 6 anos no estabelecimento nocturno “O...” e no C.... Trabalhou no “O...” entre 1988/1999 até 2001 e posteriormente de 2003 até 2006.
O seu pai foi agredido nos Açores tendo constatado que a vítima estava com lesões e contou-lhe que foi o arguido que o agrediu.
A vítima contava-lhe tudo o que se passava.
Nunca presenciou quaisquer factos relacionados com agressões à vítima.
Relativamente à tentativa de homicídio sabe que a vítima estava no Hospital em 27.06.2005.
No dia 20 foi visitá-lo e a vítima disse-lhe que o autor dos disparos foi o ora arguido.
Posteriormente a vítima disse-lhe ainda que o ora arguido estava acompanhado por um primo.
No depoimento de T1..., Inspector da PJ, que esclareceu ter integrado uma das várias equipas da PJ que acorreram ao local do homicídio, com indícios de ter sido provocado por uma explosão.
Fez uma inspecção ao local e fez um exame sumário ao cadáver. Este tinha graves lesões nos membros inferiores e constatou que a sua morte tinha ocorrido há pouco tempo.
Verificou existir uma “cratera” no interior do carro, na zona da explosão. No banco de trás existia uma mala. Suspeitou-se na altura que a mesma pudesse ter um novo engenho explosivo.
O carro ficou desgovernado antes de parar por completo.
Viu um imã que presume tenha sido retirado de alguma coluna de som.
No depoimento da testemunha P…, funcionária do bar “O...” que referiu que acompanhava a vitima no interior da viatura Mercedes Benz, porquanto nesse dia não tinha levado a sua viatura.
Ouviu uma explosão no interior da viatura.
Esclarece que conheceu a vítima no C... e começou a trabalhar como empregada de mesa no “O...”.
Não sabe se tinha inimigos.
Soube que há algum tempo a vítima tinha sido alvo de uma tentativa de homicídio.
Entrava ao serviço às 22:00 horas e saía às 4:00 horas, e em regra saíam todos juntos.
Também ajudava a fazer a “caixa”, porque não existia ninguém contratado para esse efeito.
A vítima pedia sempre para saírem todos juntos porque tinha receio de ser assaltado.
O dia dos factos foi normal, igual ao de tantos outros.
A vítima estacionava a viatura mesmo em frente ao estabelecimento “O...”.
Momentos antes da explosão iam a conversar sobre o caminho que iam seguir quando subitamente ouviu a explosão. Estava ao lado da vítima e não sofreu qualquer ferimento.
Ficou surda no momento, e durou algumas horas. Chamou a ambulância.
A vítima tinha a zona das pernas a arder e um colega foi buscar um extintor.
A vítima costumava dar boleia a uma rapariga do bar.
A vítima era uma pessoa de hábitos.
Era do seu conhecimento que a vítima trazia uma arma na mala com medo de ser assaltado.
A vítima estacionava a viatura sempre no mesmo lugar.
O local do estacionamento tinha bastante visibilidade.
O porteiro estava sempre no início das escadas de acesso ao estabelecimento, mas não tinha visibilidade para o exterior.
O porteiro era empregado do estabelecimento há pouco tempo.
Foi um indivíduo de nome Al.., agente de stripers, que deu a indicação à vítima para contratar a depoente.
Nunca viu o arguido.
A vítima chegou a comentar que tinha problemas com o sócio dos Açores.
Começou a trabalhar para a vítima em Setembro de 2007.
No depoimento da testemunha N... que esclareceu que vendeu o telemóvel que serviu para accionar o engenho explosivo, Motorola C118, por 20€.
Tinha comprado o telemóvel e usou-o durante cerca de 3 meses.
O seu negócio é vender óculos.
Quando comprou o telemóvel desbloquearam-no no Martim Moniz, em Lisboa.
Quando vendeu o telemóvel recorda-se que era Verão, em Junho/Julho.
Vendeu o telemóvel porque estava a precisar de dinheiro.
Tirou o cartão SIM e vendeu o telemóvel.
Recorda-se que lhe exibiram um telemóvel em fotografia igual ao que tinha vendido.
Juntou a documentação comprovativa da aquisição do telemóvel.
Foi-lhe exibido a imagem do telemóvel de fls. 370 e confirmou ser igual ao que tinha.
No depoimento de T2..., na qualidade de genro da vítima.
À matéria dos autos respondeu ter sido contabilista da vítima.
Colaborava com a vítima no controle de caixa do estabelecimento dos Açores.
Recebia faxes das facturas e extractos.
Tudo isso deixou de ser enviado.
Recorda-se que a situação foi-se degradando e não foi imediata.
Por força desses problemas deslocou-se com a vítima a Ponta Delgada ao estabelecimento nocturno.
Quando chegaram o arguido estava muito exaltado dizendo que as “coisas não era como queriam”. Entraram dentro do estabelecimento mas foi-lhes vedada a entrada no escritório onde estava a documentação.
Decidiram sair para evitar qualquer confronto.
O depoente regressou ao Continente e a vítima ainda ficou em Ponta Delgada porque iria haver uma assembleia.
Antes da constituição da sociedade com o arguido, a vítima tinha um comportamento calmo e sereno.
Depois andava muito nervoso devido aos diversos problemas da sociedade.
Andava chateado e desgastado.
Começaram a ser instaurados vários processos contra o ora arguido.
Em 2005 a vitima também foi alvo de uma tentativa de homicídio.
A vítima referiu-lhe que teve a ver com a situação da sociedade com o arguido.
Nesta altura já existiam processos pendentes e um deles tinha a ver com a falta de pagamento de renda do estabelecimento à vítima.
A contabilidade do “SHOW I...” era feita por um contabilista nos Açores de nome Mi....
Nunca soube da existência de qualquer problema com o Mi….
No depoimento da testemunha T3....
À matéria dos autos respondeu que conhece o arguido duma realização de um evento desportivo em Ponta Delgada.
O depoente era frequentador do ginásio e do “SHOW I...”.
Surgiu uma relação de amizade com o ora arguido.
O arguido disse-lhe que o “SHOW I...” era de uma sociedade, em que tinha como sócio um indivíduo do Continente.
O arguido dizia-lhe que queria comprar a outra parte, mas que a vítima não lhe queria dar o valor justo.
Recorda-se que os conflitos começaram a surgir aqui.
O arguido começou a ter dificuldades económicas, e começou a fazer tudo sozinho.
Prescindiu da segurança e empregados.
Tinha planos para abrir um restaurante, mas só não abriram por questões financeiras.
Certo dia estava à porta do “SHOW I...” e apareceram 3 indivíduos, 2 de raça negra e 1 de raça branca. Tinham armas e queriam assumir a gestão do “SHOW I...” à força.
A polícia foi chamada ao local.
Posteriormente só tomou conhecimento destes factos quando ouviu na comunicação social que um sócio da vítima, a residir nos Açores, estaria envolvido no homicídio.
No depoimento da testemunha T4....
À matéria dos autos referiu que conhecia a vítima há cerca de 8 anos.
Tinha uma relação comercial com a vítima.
Era frequentador de “O...”.
A vítima desabafava com o depoente, e do que mais se queixava era da falta de acordo com o sócio dos Açores, ora arguido.
Tinha várias acções pendentes em Tribunal.
A vítima já anteriormente tinha sido baleada mas tinha dúvidas quanto ao autor dos disparos.
Também existiam problemas com os vendedores dos filmes para o C....
A vítima emprestou-lhe dinheiro (10.000,00€) mas depois pagou-lhe na totalidade.
Esclarece que a vítima tinha problemas por causa dos empréstimos.
No depoimento da testemunha T5....
À matéria dos autos respondeu ser economista e nessa qualidade fez uma avaliação do estabelecimento nocturno nos Açores. A avaliação foi-lhe solicitada por um Sr. Advogado de nome Ri...
Teve reuniões com a vítima e com o ora arguido.
Chegou a vir ao Continente.
Teve uma reunião com a vítima no C... e no “O...”.
A avaliação do estabelecimento “SHOW I...” foi positiva.
A vítima não estava disponível para dispensar o terreno.
Os valores da venda das quotas eram díspares.
O “SHOW I...” subiu em 2001/2002.
Acompanhou a evolução do estabelecimento.
O movimento era excelente no início da sua actividade.
Posteriormente, começaram a surgir problemas económicos.
O arguido passou a servir à mesa e a controlar as entradas e saídas.
Fazia quase tudo.
Em 2009 abriu um estabelecimento nocturno em plena Ponta Delgada.
O arguido queria ver-se livre dos problemas da sociedade com a vítima.
Todos pensavam que o “SHOW I...” era do arguido. A vítima nunca “deu a cara” pelo estabelecimento.
Fez diligências no sentido da disponibilidade para um ou outro fazer uma cedência de quotas entre si, mas a vitima nunca queria abrir mão do terreno.
A vítima desvalorizava a quota do arguido, o que no seu entender não era justo.
O “SHOW I...” foi encerrado no 1º trimestre do ano de 2009, ou seja antes da detenção do arguido.
No depoimento da testemunha M…, segurança.
À matéria dos autos respondeu que juntamente com o J... e outro indivíduo deslocaram-se aos Açores-Ponta Delgada. Foram ter com o arguido mas foram interceptados à porta do estabelecimento.
Levavam uma procuração que dava poderes ao J... para gerir o estabelecimento.
O J... ajudava a vítima no estabelecimento “O...”.
No depoimento da testemunha G..., Inspector da P.J.
À matéria dos autos respondeu fez a investigação deste homicídio.
O “modus operandi” está mais de acordo com a actuação de elementos ligados aos Países do Leste Europeu.
No local verificou a existência de diversas partes espalhadas de um telemóvel.
Foi recuperada uma pilha de 9 volts, plástico, partes de imã e uma bobine.
A vítima era uma pessoa com rotinas.
O local do estacionamento facilitava a colocação do explosivo.
A pessoa dificilmente seria detectável.
Só pessoas com conhecimentos eléctricos e telefónicos poderiam conceber uma bomba deste tipo.
É necessário ter conhecimento de soldadura pormenorizado.
O telemóvel e restantes peças foram recolhidos no local.
Encontraram, ainda, parte dum cartão SIM.
Veio-se a verificar que o telemóvel era um MOTOROLA C118.
Engenheiros da MOTOROLA forneceram um telemóvel idêntico ao que estava acoplado à bomba.
Cada telemóvel tem um IMEI.
O Mercedes Benz ficou, no lado do condutor, com uma cratera de cerca de 45cm.
Na posse do IMEI do telemóvel solicitaram às Operadoras que indicassem os nºs que funcionaram com aquele aparelho.
O aparelho pertencia a um OPTIMUS ROOM e era vendido num pack.
Veio a ser desbloqueado.
Depois de identificado chegaram à pessoa que estava registada.
Era um vendedor ambulante de etnia cigana.
Com base na informação solicitada às operadoras a TMN veio informar que o telemóvel teve 3 números a funcionar em Ponta Delgada.
Existem registos dos dias, horas e minutos em que funcionaram. Desses 3 nºs só 2 funcionaram em Ponta Delgada. Só funcionaram em duas antenas (BTS).
Esclarece que o arguido esteve no Continente de 31.08 a 4.09.2007 e em 5.09.2007 foram activados dois nºs, em Ponta Delgada e ....
Tal foi verificado pelas antenas BTS que têm um espaço de abrangência.
Esclarece que um simples toque no telemóvel não deixa registo e portanto não é facturado.
O arguido accionou a antena BTS (Ponta Delgada Este 1) que dista 430 metros da sua residência.
No ... a BTS tem 3 vectores e foi activado vector que corresponde à residência do arguido.
Refere que o arguido é uma pessoa perigosa que só faz negócios e comunica com pessoas da noite, como o Tri… e o Vi….
Interveio na busca à residência do arguido e foram apreendidos 2 sprays, uma carregador Motorola cortado na ponta, e onde se via um fio descarnado e outro cortado, diversos cartões SIM, telemóveis, pinça metálica, colete antibala, computador, óculos de visão nocturna, certificado de habilitações profissional, solda e pedaços de fio preto, arrancador, chave de fendas de precisão e lupa.
O carregador Motorola cortado servia para carregar o telemóvel Motorola C118 que esteve acoplado à bomba.
A pinça é de especialista.
A pinça e a lupa são fundamentais para a construção do circuito explosivo.
O arguido tem formação específica em corrente alternada e circuitos electrónicos.
No estabelecimento “SHOW I...” foi apreendido uma pilha de 9 volts, com validade até Outubro de 2007, um cordão de solda com os mesmos componentes que foram utilizados para fazer os trabalhos no telemóvel que fazia parte do engenho explosivo, fios pretos e chave de precisão para parafusos muito pequenos.
Esclarece que a vítima já tinha sido assaltada uma vez quando saia do bar “O...”.
A vítima costumava emprestar dinheiro.
O arguido na altura dos factos não se encontrava em Lisboa.
Nunca tiveram informação de que o arguido teria tido contactos com outras pessoas localizadas em Lisboa, na altura dos factos.
Mais refere que do túnel que dá cesso ao interior do bar não existe visibilidade para o exterior.
No depoimento da testemunha T6....
À matéria dos autos respondeu conhecer a vítima e ser frequentador do bar “O...”.
Foi a Ponta Delgada (com mais dois indivíduos) falar com o arguido.
Verificou que o caso já se encontrava em Tribunal.
Não existiu qualquer acto de violência.
Ficou em Ponta Delgada durante um mês.
Quando regressaram receberam 1.000€, mais as despesas.
No depoimento da testemunha T7....
À matéria dos autos respondeu que esteve preso com o arguido na PJ.
É vizinho da vítima.
Na altura dos factos relativos à tentativa de homicídio do F… a sua sogra comentou que viu 2/3 negros a dispararem sobre a vítima.
No depoimento da testemunha T8....
À matéria dos autos respondeu ter representado o arguido numa providência cautelar.
Em 2004 existiu uma assembleia-geral, sendo que não viu quaisquer agressões do arguido.
O arguido chegou a pedir à vítima para chegarem a um entendimento, mas o F... foi-se embora.
Nunca existiu qualquer tentativa de agressão por parte do arguido.
Pretendia-se a suspensão da gerência do arguido, mas tal providência não foi procedente.
No depoimento de T9....
À matéria dos autos respondeu ser funcionário do Banco…..
A sociedade H... era cliente do Banco ….
A sociedade tinha uma conta colectiva, eram sempre precisas duas assinaturas.
Os cheques eram emitidos só pelo arguido e posteriormente eram enviados por fax e a vítima autorizava.
Houve um incidente com um cheque de 15.000,00€. O … deu o consentimento, mas depois negou-se e posteriormente voltou a dar.
No depoimento da testemunha T10....
À matéria dos autos referiu ser um ex-empregado do arguido, para o qual trabalhou 7 anos.
Saiu em Abril de 2009, altura em que o estabelecimento encerrou.
O estabelecimento tinha três pisos e muitas luzes.
Tinham sempre um electricista de prevenção.
Numas obras realizadas foram deixados no chão muitos fios e interruptores espalhados.
Em inícios de 2009 pensaram em abrir uma actividade similar no centro da cidade porque naquele local já não rentável.
Exibiu um detector de metais que era uma segurança para o estabelecimento.
É carregado com uma pilha de 9 volts similar à encontrada no local da explosão.
Foi confrontado com uma foto do aparelho ao que o mesmo respondeu ser o mesmo, até porque foi ele que tirou a foto.
Refere que essa pilha é normalmente trocada de mês e meio a mês e meio.
No depoimento da testemunha T11....
À matéria dos autos respondeu que fez a decoração de interiores do estabelecimento “SHOW I...” em 2001. Esta remodelação foi realizada de acordo com os dois sócios.
Fez ainda uma segunda remodelação do estabelecimento antes do arguido ser detido.
No depoimento da testemunha T12....
À matéria dos autos esclareceu que trabalhou para o arguido como electricista. Trabalhava em circuitos eléctricos e electrónicos.
Trabalhou inclusive numa remodelação feita em 2008 ao “SHOW I...”.
Utilizou cablagem, solda e jacks.
Utilizou solda igual à apreendida.
O “SHOW I...” tinha um grande sistema de câmaras de vigilância.
Existem objectos apreendidos que podem ser seus porque costuma deixar muita ferramenta para trás.
O último serviço que fez no estabelecimento foi em 2008.
No depoimento da testemunha T13....
À matéria dos autos referiu que a pinça apreendida nos autos é sua.
Emprestou-a ao arguido juntamente com uma pedra de toque. São utensílios usados em ourivesaria.
O arguido foi à Holanda comprar ouro e o mesmo disse-lhe que foi roubado.
No depoimento de T14..., Eng.º. da Motorola Portugal.
À matéria dos autos referiu o telemóvel Motorola C118 foi lançado no mercado em 2006.
O carregador apreendido serve para carregar o Motorola. Foi feita a experiência em plena audiência tendo-se comprovado que efectivamente o carregador Motorola apreendido carrega o Motorola C118.
Este carregador é do telemóvel apreendido ao arguido, denominado Motorola V3.
No depoimento da testemunha T15..., do LPC da PJ.
À matéria dos autos esclarece que recolheu fios pretos no escritório do “SHOW I...”.
Elaborou o relatório de fls. 3169.
Não existia mais fios eléctricos para além dos recolhidos e apreendidos.
Eram fios de estanho no seu interior e não de cobre.
O arguido esteve presente.
Nas declarações do arguido A....
À matéria dos autos respondeu que conheceu a vítima em Lisboa no ano 2001, no bar “O...”.
Tinha interesse em comprar o bar e fez uma proposta à vítima para pagar em prestações.
Sabia que o bar “O...” facturava bem.
Nos Açores não existia casas de striptease.
Informou a vítima desse facto e este disse-lhe que se arranjasse um espaço poderia ser seu sócio no negócio.
Chegou aos Açores e fez pesquisas sobre espaços que pudesse interessar a instalação de um estabelecimento nocturno.
Teve vários espaços em vista.
Encontrou um restaurante “Rem…” que estava encerrado e hipotecado ao Banco ….
A vítima também foi a Ponta Delgada ver o espaço.
Chegaram à conclusão que o melhor investimento era a compra do espaço, sendo certo que o investimento era da vítima.
Depois de adquirido o espaço a vítima participou com 67/68.000,00€ e o arguido com 118.000,00€.
A renda do espaço era paga pelo arguido A....
Durante as obras o … terá ido umas duas vezes ao espaço.
As formalidades inerentes à abertura do espaço eram da responsabilidade do arguido.
Em 2.12.2002 fez a inauguração e esteve presente o ….
Trouxe a máquina administrativa e bailarinas.
Também arranjou empregados.
O espaço começou logo a facturar muito bem.
Foi o primeiro estabelecimento deste ramo a abrir nos Açores.
Em 2003/2004 a situação inverteu-se.
Fizeram uma divisão de lucros, e o … deu-lhe autorização para tirar dinheiro da sociedade para comprar uma viatura sendo que posteriormente o arguido teria de repor esse montante.
Utilizou também um cheque de 15.000,00€ que serviu para a compra da viatura.
O Banco … avisou-os várias vezes para porem as assinaturas nos cheques.
O .. contratou um contabilista para o estabelecimento de nome Mira….
Este Mira… disse-lhe em determinada altura que o … estava chateado com ele.
Tentou falar com o … mas não conseguiu.
Veio a Lisboa, ao C..., para falar com o …, mas este disse-lhe que o assunto estava com os advogados e que o arguido teria de falar com eles.
Ficou aborrecido, falou com o Mira… e este disse-lhe para não se chatear e regressou a Ponta Delgada.
Apesar disto o … e o arguido falaram sempre normalmente.
O arguido mandava todos os dias para o …, via fax, os movimentos de caixa do estabelecimento nocturno.
A partir de determinada altura pôs tudo no contabilista que era o braço direito do ….
O Mira… veio a desleixar-se com o serviço e começou a também ter problemas com o ….
O arguido tentou arranjar um contabilista de nome Cí… e dispensou o Mira….
O processo que o .. lhe instaurou por força da viatura de adquiriu veio a ser julgado improcedente, ainda o Mira… era contabilista.
Durante a pendência deste processo existiu propostas de aquisição de quotas da sociedade de parte a parte.
O … queria vender a quota dele mas com valor superior à quota do arguido, mas o arguido exigia que fosse igual.
Como já estava a perder dinheiro encerrou o estabelecimento em Março de 2009.
Em finais de 2008 fez obras no “SHOW I...”. Era um espaço com 3 pisos, sendo que as obras incidiram no piso 2 e 3.
Também fez alterações eléctricas.
Fez um empréstimo de cerca de 60/70 mil Euros.
Chegou a ter conhecimento que estava a ser implicado no processo em que o … foi alvo de uma tentativa de homicídio por terceiras pessoas.
Nunca falou com a vítima sobre esse assunto.
Em certa altura combinou encontrar-se no “Show I...” mas o … não apareceu.
Já durante o funcionamento do estabelecimento é que apareceu o … acompanhado de um genro, tendo o arguido dito que a altura não era apropriada. Não se deslocaram para o escritório. Ficaram chateados e foram-se embora.
Viveu nos Estados Unidos cerca de 20 anos.
Confirma que tirou os cursos atestados pelos diplomas juntos aos autos, bem como outros.
Confirma que o carregador MOTOROLA apreendido nos autos pertencia a um MOTOROLA V3, mas não cortou os fios nem descarnou um deles.
Foi confrontado com a foto do carregador Motorola (fls. 2332) mas não reconhece que seja o seu. Porque se fosse seu como carregava o Motorola V3, que na altura da apreensão ainda tinha bateria.
Posteriormente à sua detenção pediu à sua namorada V... que tirasse fotografias de todos os fios cortados que se encontrassem na sua residência.
E foram vários, sendo certo que não foi ele que os cortou.
Diz que só podiam ter sido cortados durante a realização das buscas.
Reafirma que o carregador do MOTOROLA V3 estava completo e utilizou-o sempre até 2009.
Não existia outro carregador para o Motorola V3.
No depoimento da testemunha T16..., inspector da PJ.
À matéria dos autos respondeu que não cortou os fios relativos aos objectos cujas fotos o arguido juntou em sede de julgamento.
Nunca os viu antes nem sequer tal como se apresentam, cortados.
Tirou as fotografias aos objectos apreendidos na altura da busca à residência do arguido.
Tirou inclusive as fotografias relativas ao carregador MOTOROLA que se encontrava com os fios cortados, de fls. 2332, no chão da cozinha da residência do arguido.
O arguido esteve sempre presente durante a realização da busca.
No depoimento da testemunha T17..., perito informático da PJ.
À matéria dos autos referiu que neste processo só interveio no apoio à área informática: computadores e dispositivos de memória.
No depoimento da testemunha T18....
Teve uma relação íntima com o arguido.
Refere que se encontrava na companhia do arguido quando este veio a ser detido no âmbito destes autos.
Quando chegou a casa do arguido este encontrava-se na cozinha, e ela foi para a sala.
Esclarece que tinha um carregador igual ao do arguido porque também tinha um MOTOROLA V3. Nunca o arguido lhe pediu o carregador nem ela lhe carregou o Motorola V3.
Recorda-se que o arguido carregava o telemóvel V3 em dias alternados.
O arguido ainda fez muitas chamadas com o Motorola V3 em 2008 e 2009.
No depoimento da testemunha V....
À matéria dos autos refere que viveu uma relação amorosa com o arguido, tendo vivido maritalmente desde 2001.
O arguido utilizava telemóveis da Motorola, Nokia e Prada.
Em 2006 ofereceu ao arguido o Motorola V3 que vinha com carregador.
O arguido usava mais o Motorola V3 e Prada.
Sempre carregou o telemóvel V3 com o respectivo carregador.
Chegou a conhecer o B….
Soube que o B… faleceu em 2007.
Continuou a viver com o arguido.
O arguido continuou a utilizar o Motorola V3 e respectivo carregador.
No Natal de 2008 ainda utilizava o carregador e o telemóvel.
Quando o arguido veio a ser detido já não se encontrava em Portugal.
Regressou em Outubro de 2009.
O arguido pediu-lhe que tirasse as fotos dos objectos com fios cortados, cujas fotos se encontram junto aos autos.
Tirou as fotografias com a máquina fotográfica do T10....
O T10… também tirou fotografias.
Foi a uma loja revelar as fotos.
Refere que também trabalhou para a vítima, no bar “O...” em 2000.
Também trabalhou no bar nocturno “Pa..”.
No depoimento de T19..., Inspector da PJ.
Confrontado com as fotos juntas pelo arguido a fls. 4710 e segs. disse nunca ter visto tais objectos com os fios cortados.
Não o fez nem viu ninguém a fazê-lo.
Não interveio na apreensão dos objectos constantes de fls. 2331.
No novo depoimento de G..., Inspector da PJ.
À matéria dos autos respondeu que não cortou os fios relativos aos objectos cujas fotos o arguido juntou em sede de julgamento.
Nunca os viu antes nem sequer tal como se apresentam, cortados.
Quando foram apreendidos ao arguido os objectos que se encontravam na gaveta, por baixo do fogão da cozinha estava ao lado a tomar notas relativas aos mesmos.
Esclarece que o arguido esteve sempre presente.
No depoimento da testemunha T15…, do Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária.
À matéria dos autos respondeu que esteve presente na busca à residência do arguido desde o seu início, e este esteve na cozinha durante o decurso da mesma.
Foi apreendido material que pudesse contribuir para comparar com elementos recolhidos aquando da explosão.
A apreensão dos telemóveis não era da sua área.
O carregador foi retirado da gaveta que se encontrava debaixo do fogão da cozinha e imediatamente fotografado.
Não cortaram nenhuns fios.
No depoimento da testemunha T20..., Inspector da PJ.
À matéria dos autos referiu ter-se integrado na equipa que fez a busca à residência do arguido.
O arguido esteve sempre presente, no decurso da mesma, na cozinha.
Foi quem tirou o carregador que se encontrava debaixo da gaveta do fogão da cozinha e colocou-o de imediato no chão para ser fotografado.
O carregador encontrava-se com os fios cortados, estando um deles descarnado.
Não cortaram nenhuns fios que se encontrassem nos objectos da residência para realizarem quaisquer exames comparativos, porquanto esses exames são feitos no laboratório e não no local buscado.
No depoimento da testemunha T21..., Inspector da PJ.
À matéria dos autos respondeu ter intervido na equipa que fez as buscas à residência do arguido.
Foi-lhes comunicado que durante a apreensão deveriam dar preferência a aparelhos de comunicação, em especial da marca Motorola.
Viu o carregador Motorola no chão da cozinha que se encontrava com os fios cortados.
Não cortaram nenhuns fios de nenhum objecto da residência do arguido.
Não se recorda de ter visto nenhum dos objectos fotografados com os fios cortados.
O tribunal formou ainda a sua convicção na reportagem fotográfica de fls. 24 a 50, 61 a 76, 106 a 115, 421 a 425, 829 a 834, 1039 a 1040 e 1049, 1291 a 1293 (A vitima havia saído do estabelecimento de diversão nocturna “O...”, cerca das 5:25 do dia 2.12.2007 e entrou na sua viatura MERCEDES, colocou-o em marcha a fim de regressar a casa e segundos depois deu-se uma explosão no seu interior), 2330, 2384 e 2439 a 2432, e 2833 a 2838; fls. 419 auto de visionamento da cassete, do qual foram retirados 20 fotogramas; Documentos de fls. 250 (Informação sobre reservas e voos do arguido no último semestre de 2007: PDL-LIS 27.05.2007 LIS-PDL 5.06.2007, PDL-LIS 30.6.2007 LIS-PDL 5.07.2007, PDL-LIS 31.08.2007 LIS-PDL 4.09.2007, PDL-LIS 6.10.2007 LIS-PDL 12.10.2007. Entre 19.11 e 10.12.2007 não existem registos de voos ou viagens na TAP e SATA.); fls. 370 (Contacto com a Motorola. Fabricado na China. Pedido de ligação eventual do nº 2672833521A - que estava por cima do código de barras do que restou do telemóvel - com o IMEI associado. Cartão SIM cortado num dos cantos e raspado atrás para não ser detectado. Embora seja referido o nº 2672833521A como serial number na informação policial, o mesmo não tem estas características já que está por cima do código de barras. Este nº apenas veio permitir encontrar o serial number); documentos de fls. 427 (Informação da MOTOROLA PORTUGAL - identificaram o IMEI: MOTOROLA C118, IMEI 35…, nº do modelo SE8082AB1K4. Trata-se de um OPTIMUS HOME), fls. 434 (Pedido de informação à TMN para saber os cartões que operaram no telemóvel: Indicou 5 nºs: 96…, activado em 22.10.2007, 96…, activado em 22.10.2007, 96…, activado em 5.09.2007, 96…, activado em 22.10.2007 e 96…, activado em 11.05.2007), fls. 441 a 447 (Informação relativa à activação dos cartões que operaram no MOTORLO C118 fornecida pela TMN). O nº de telemóvel 96… associado ao IMEI 35… (equipamento da explosão) esteve também associado ao IMEI 35.. e 35…; fls. 644 a 645 (Informação prestada pela OPTIMUS. O telemóvel de marca MOTOROLA, Modelo 118, IMEI 35…, foi inicialmente adquirido por N.... Assinatura OPTIMUS HOME à qual foi atribuído um nº provisório 20…. O nº final 212434722 esteve activo entre 13.10.2007 e 12.02.2007. Posteriormente, durante 5 dias, entre o dia 30.04.2007 e 4.05.2007 funcionou com um nº 93…, e activo desde 30.09.2005); 665 (triangulação entre as chamadas feitas e recebidas, e SMS); Assim o nº 96… foi activado em 25.08.2007 no IMEI 35… e manteve-se associado até 26.08.2007. Depois passou a estar associado ao IMEI35…, a partir de 5.09.2007 até 22.10.2007 – ver fls. 632 e 441. Neste período o nº em causa já se encontra em funcionamento em Ponta Delgada. Só em 22.10.2007 é que o 96… aparece pela 1ª vez associado ao IMEI 35… (engenho explosivo) – cfr. novamente fls. 632 e 441. Fls. 669, 671, 672 e 675 (Motorola informa que o equipamento foi vendido à “Vodafone Omnitel”. Nokia informa que o equipamento foi vendido em Marrocos), 997, 1172 a 1173, 1309 a 1313, 1586, 1871, 1932 a1934 e 1947 (indica a localização fotográfica das antenas BTS) e 2107 a 2177 (informações relativas a lista de passageiros) e 2278 a 2286 (autos de inquirição de testemunha F... e relatório de dano corporal no NUIPC .../05.0PFLRS - Tentativa de homicídio - , 2341 (Autorização de leitura dos telemóveis dada pelo arguido); relatos de diligência externa de fls. 144 a 146, 1029 a 1038, 1041 a 1048, 1050 a 1051, 1165 a 1166, 1530 a 1540, 1542 a 1545, 1592, 1595 a 1598, 1601 a 1604, 1631 a 1634, 1639 a 1641, 1646 a 1648, 1924 a 1936 e 2191 a 2192, 2287 a 2290, 2292 a 2294, 2345 a 2347, 2377 a 2378, 2429, e 2443 a 2444; apreensões de fls. 77 a 79, 2326 a 2329, 2373 a 2374, 2381, 2437 a 2438 e 2382; fls. 4517 e 4518 (foto do detector de metais utilizado no estabelecimento nocturno “Show I...” e junto aos autos pelo arguido), reconhecimento (fotográfico e pessoal) de fls. 1170 e fls. 2827 a 2829 que por terem sido feitos com dúvidas não relevaram para o facto fortemente indiciário constante da acusação de ter sido o arguido a adquirir o telemóvel ao N...; Listagens de dados de tráfego de fls. 631 a 640 (Elementos juntos pela TMN: O nº 96… iniciou o funcionamento a partir do dia 5.09.2007 até 22.10.2007, em Ponta Delgada, Açores. Os nºs 96… e 96… iniciam o funcionamento em 5.09.2007 e 22.10.2007, terminam respectivamente em 22.10.2007 e 29.10.2007, em Ponta Delgada - Açores. Estes 3 números continuam sempre associados ao IMEI 35… que corresponde ao MOTORLOA recuperado na explosão. Assim tal equipamento esteve a funcionar nos Açores entre 5.09.2007 e 29.10.2007; Diversas cópias de acções cíveis e documentação de fls. 2 a 36 do Apenso 13, certidões constantes do Apenso 15 e certidões juntas em sede de audiência de discussão e julgamento de fls. de fls. 4303, 4415 a 4420, 4517 e 4518, 4520 e 4521, 4522 a 4524, 4525 a 4537, 4538 a 4552, e processo apenso .../05.0PFLRS; sessões telefónicas transcritas de fls. 2 a 74 do Apenso 4; listagens de dados de tráfego de fls. 2 a 293 do Apenso 2; fichas biográficas da P.J. de fls. 1061 e 1065; Apensos nºs 1 a 19; C.R.C. do arguido, constante de fls. 3243 a 3245; Exames de fls. 395 a 411 (exames periciais aos telemóveis), 1919 a 1923 e 2194 a 2202 (Representação gráfica da abrangência e localização das antenas com a designação PONTA DELGADA ESTE 1, PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e ... 2 antes de 2008, a localização da residência do arguido e a distância entre as antenas e essa residência), 1985 a 1981 (viagem à Alemanha para tentar recuperar informação no cartão SIM que estava no Motorola que esteve ligado à explosão mas que face ao estado de desintegração tal diligência resultou infrutífera) e 2273 a 2274 (auto de exame e avaliação do Mercedes Benz sendo-lhe atribuído o valor comercial de 5.000,00€), 3478 (factura da agência funerárias relativa aos encargos do funeral da vitima F...), 2689, 2693, 2702, 2725, 2729, 2813, 2816, 2821 e 2962 e perícias de fls. 618 a 624, 787 a 799, 1451 a 1494, 1995 a 1996, e 2011 a 2053, 2684 a 2688, 2713, 2719 (apenso 14), 2833 a 2838, 2957, e 3162 a 3180.
O tribunal não deu relevância às fotos juntas pelo arguido a fls. 4710 a 4713 e que revelam uma série de objectos da residência do arguido, cujos fios eléctricos se mostram cortados, e para, entende o tribunal, assim levantar dúvidas sobre se o carregador do Motorola V3 que tinha os fios cortados, estando um deles descarnado, já estava nesse estado na altura da busca, argumentação que o arguido sustentou em sede de audiência.
E o tribunal não deu credibilidade à junção dessas fotos, porquanto só agora, nesta altura as mesmas foram juntas. Porque não na altura da instrução?
Por outro lado, por força dos depoimentos das testemunhas T21..., Inspector da PJ, T20..., Inspector da PJ, T15…, do Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária, G..., Inspector da PJ e T19..., Inspector da PJ, que contrariam a tese do arguido e cujos depoimentos demonstraram-se descritivos, coerentes entre si e credíveis - sendo os mesmos confrontados com o teor documental respeitante às apreensões e às fotos -, sem qualquer vacilação, e que mereceram mais crédito do que, neste ponto, as declarações do arguido, naturalmente negatórias e defensivas, as quais, se compreende, pretendiam ser descomprometedoras da sua responsabilidade criminal.
Quanto aos antecedentes criminais o tribunal formou a sua convicção no CRC juntos aos autos.
O tribunal formou a sua convicção no que se refere às condições pessoais, sociais e profissionais do arguido no relatório social junto aos autos.
Tais foram os meios de prova que serviram para fundamentar a convicção do tribunal, assumido como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação crítica das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum (sobre este tema, consultem-se os Acs. do STJ de 7/7/1993, CJ STJ t3, pp. 196; de 29/6/1995, CJ STJ t2, pp. 256; de 9/11/1995, CJ STJ t3, pp. 238; de 29/6/1995, CJ STJ, t2, pp. 254, e de 9/1/1997, CJ STJ t1, pp. 178).
Tudo isto, tendo em conta as máximas indiciárias (tanto as de conteúdo de conteúdo determinístico-natural como as de conteúdo estatístico), fez relevar, repita-se, o tipo de testemunhos alvitrados que juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões alvitradas, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança (sobre este conteúdos, vd. Karl Larenz, "Metodologia da Ciência do Direito", FCG, 2a edição, 367 e ss.; e Lebre de Freitas, "Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais -À Luz do Código Revisto", 1996, 160/161) que se impõe, que suplantam a presunção de inocência dos arguidos, deram ao tribunal, na sua compreensão global, a verdade material dos factos dados como comprovados em julgamento.
Quanto aos factos não provados nenhuma prova foi feita sobre os mesmos sendo certo que ao tribunal não se descortinou a possibilidade de realizar diligências suplementares para esse efeito.
Os presentes autos têm a particularidade de ter apreciado a matéria de facto na vertente de prova indirecta sobre os mesmos, já que não existe qualquer prova directa que nos indique tout court que foi o arguido que colocou a bomba na viatura da vítima e o fez explodir, sendo certo que só o poderia ter feito por intermédio de terceiro a seu mando, ou para o efeito contratado.
Com efeito, para além da prova directa do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto.
Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), “as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo.
Como decidiu o STJ, no Acórdão de 12-9-2007, disponível in www.dgsi.pt:
“I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).
III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.”.
Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – artºs. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (Maia Gonçalves, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).
A prova pode ser directa ou indirecta/indiciária (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II vol., p. 99 ss). Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A prova indirecta (ou indiciária) não é um “minus” relativamente à prova directa. Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho. No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, para que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova.
De acordo com o Prof. Germano Marques da Silva (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111) “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Também o Tribunal Constitucional (Ac. nº 464/97/T, D.R., II Série, nº 9/98 de 12.1), chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e estribando-se nos ensinamentos dos Prof. Castanheira Neves e Figueiredo Dias, refere que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso «está apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça”.
Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.
Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) “só os princípios da oralidade e imediação… permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”.
No que concerne aos autos em apreço diremos:
a) O engenho explosivo foi deflagrado por telemóvel à distância (fls. 348, 350, exame pericial fls. 2050 e 2052;
b) O circuito não é de grande complexidade (fls. 2050);
c) O explosivo utilizado é composto de nitroglicol, trinitrotolueno e hexogénio (fls. 2051);
d) Recuperado telemóvel MOTOROLA C118 IMEI 35223401419992 (fls. 370 a 375, 427 a 430 e 2052);
e) Este telemóvel forneceu a energia para accionar o detonador e por sua vez o explosivo /fls. 1489);
f) O equipamento esteve associado aos seguintes cartões SIM (fls. 434, 633 e 665):
96…
g) O nº 96.. funcionou em 25.08.2007 e 26.08.2007 em Lisboa (baixa de Lisboa) e posteriormente de 5.09.2007 a 29.10.2007 em S. Miguel (fls. 632,633, 634 e 665);
h) Este nº 96.. também esteve associado ao IMEI 35… no mesmo local e período temporal (fls. 441);
i) Os nºs. 96… e 96… só funcionaram na Ilha de S. Miguel no período de 5.09.2007 a 29.10.2007 (fls. 443, 448, 632, 633, 634, 663 e 665);
j) O nºs. 96…, 96… e 96… quando funcionaram de 5.09.2007 a 29.10.2007 em Ponta Delgada funcionaram exclusivamente entre eles (fls. 632, 633 e 634);
k) O equipamento da marca MOTOROLA, modelo C118 e IMEI 35… foi adquirido em Lisboa, mais concretamente na baixa de Lisboa em finais de Agosto de 2007/ inícios de Setembro de 2007 (cfr. fls.1167);
l) O anterior proprietário do equipamento marca MOTOROLA, modelo C118, foi identificado e referiu tê-lo vendido na baixa de Lisboa a um indivíduo de sexo masculino;
m) O proprietário não teve qualquer dúvida em indicar o telemóvel da marca MOTOROLA, modelo C118, como sendo o telemóvel que era seu e que vendeu na baixa de Lisboa, separado do respectivo carregador;
n) Foi apreendido na residência do arguido A... o carregador Motorola que carregava a bateria do telemóvel V3, também apreendido, com os fios cortados, estando apenas um deles descarnado e que servia para carregar o Motorola C118.
o) O arguido A… encontrava-se nesse período (31 de Agosto de 2007 a 04 de Setembro de 2007) em Lisboa, sendo que, o seu telemóvel funcionou mesmo na baixa de Lisboa no dia 03 de Setembro de 2007 (cfr. fls.250 e 2149) e (cfr. fls.17 do Apenso 2);
p) O arguido A... quando viaja para Lisboa frequenta com assiduidade a baixa de Lisboa, alias facto constatado no âmbito de acções de vigilância (cfr. fls.1045 a 1048 e 1530 a 1535);
q) O cartão SIM 96… funcionou de igual forma na baixa de Lisboa, depois de ser vendido pela Empresa MO… (cfr. fls. 441 e 677);
r) O cartão SIM 96… foi vendido pela Empresa LE… em avulso pelo que a mesma não possui qualquer registo da venda (cfr. fls.441, 654, 657, 658);
s) O cartão SIM 96… foi vendido pela Empresa FER… a qual não possui qualquer registo da sua venda (cfr. fls.441, 666, 667 e 698);
t) Os cartões SIM referidos são cartões pré-pagos, os quais nunca foram recarregados (cfr. fls.715);
u) Entre 05/09/2007 a 29/10/2007 os três cartões 96 …, 96… e 96… e os IMEI 35… e IMEI 35… funcionaram em Ponta Delgada e comunicaram exclusivamente entre si durante esse período (cfr. fls.632, 633 e 634);
v) O arguido A... regressou a Ponta Delgada no dia 04/09/2009 (cfr. fls.250 e 2109) e (cfr. fls.233 e 234 do Apenso 2);
w) Os três cartões SIM quando funcionaram em Ponta Delgada, operaram exclusivamente nas antenas/BTS de PONTA DELGADA ESTE 1, PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e ... 2 (cfr. fls.632 a 634 e 665).
x) O arguido A... reside em Ponta Delgada a cerca de 430m de distância (direcção norte) das antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e a cerca de 510m de distância (direcção oeste) da antena ... 2 (cfr. 1922, 1923, 1934, 1947, 2196 e 2202).
y) As antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ES E DCS 1 têm o respectivo vector de abrangência direccionado para norte, ou seja na direcção da residência do A... e a antena ... 2 tem o vector de abrangência direccionado para oeste, ou seja de igual forma na direcção da residência do A... (cfr. fls.1922, 1923, 2196 e 2202).
z) As antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ESTE DCS 1 têm uma abrangência até 1,5km, sendo que a área até l km de distância e direcção é coberta exclusivamente pelas referidas antenas (cfr. fls. 1944, 1947 e 2202);
u) A antena ... 2, como está situada fora de uma localidade tem uma abrangência que pode ir até aos 6km, sendo que a área até 3km de distância e direcção pode ser coberta pela referida antena (cfr. fls. 1944, 1947 e 2232);
aa) Atendendo a direcção do vector das referidas antenas, a sua abrangência, localização e distância da residência do arguido A..., existe um elevadíssimo grau de probabilidade de que as chamadas/SMS que activaram as antenas referidas, tenham sido efectuadas a partir da residência do arguido A... em Ponta Delgada (cfr. flz.2202);
bb) Através do tráfego de chamadas/SMS (efectuadas e recebidas), por parte do telemóvel/cartão SIM utilizado data dos factos pelo arguido A..., verifica-se que no período de cerca de três a quatro horas (que coincide com o período das chamadas/SMS efectuados pelo três cartões no dia 05 de Setembro de 2007 a 29 de Outubro de 2007) não existe qualquer comunicação, presumindo-se atendendo ao habitual elevado número de comunicações que esse mesmo telemóvel estivesse intencionalmente desligado (cfr. fls.18, 26, 106 e 255 do Apenso 2). Existindo contudo uma excepção, já que no dia 29 de Outubro de 2007 o telemóvel do arguido A... efectua uma chamada às 05:16:37 e encontra-se na célula PONTA DELGADA (antena da Vodafone que corresponde à antena PONTA DELGADA ESTE 1 da TMN - cfr. fls.255 do Apenso 2), verificando-se no entanto e às 05:27:13 do mesmo dia o cartão SIM 96... recebe u SMS e encontra-se também na célula PONTA DELGADA ESTE 1 células essas que, recorde-se correspondem à residência arguido A... em Ponta Delgada (cfr. fls.634);
cc) O arguido A... tinha um grande conflito pessoal e profissional com a vitima F..., sendo demonstrativo desse facto os inúmeros processos que a vitima instaurou contra o ora arguido, independentemente do resultado a que chegaram.
São essencialmente estes factos que, apreciados no seu conjunto, indicam-nos o arguido como o responsável pelos crimes que lhe estão imputados, além da apreensão dos aerossóis na busca à sua residência».
* * *

4. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, como vem sendo reafirmado, constante e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores [cfr., por todos, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª ed., Editorial Verbo, pág. 335; e Ac. do STJ de 24-03-99, in CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247], sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Uma vez que foram interpostos recursos em momento anterior à decisão final, cuja apreciação, em função do regime de subida atribuído, foi deferida para apreciação conjunta com os que viessem a ser interpostos da decisão que pôs termo à causa, haverá que por eles começar, quer por uma razão de ordem, quer ainda para prevenir a hipótese da eventual solução que lhes possa ser conferida prejudicar a apreciação dos demais.

4.1. Recurso relativo à valoração de parte do depoimento da testemunha inspector G....
No decurso da sessão de julgamento realizada no dia 18-10-2010 (acta de fls. 4402 a 4408), durante a inquirição da testemunha G..., inspector da Polícia Judiciária, o arguido formulou o seguinte (transcrito) requerimento:
«Ao longo do depoimento da testemunha, esta tem esclarecido com pormenor, questões técnicas relativas à explosão que ocorreu no veículo pertença do ofendido. Designadamente como o explosivo foi construído, qual o tipo de material e mesmo as circunstâncias em que terá ocorrido a explosão.
O seu depoimento virou-se agora para esclarecimentos relativos ao funcionamento das antenas BTS, designadamente ao seu funcionamento técnico.
A Lei a nosso ver, nos termos conjugados nos art.ºs 128° n.° 1 e 151° e seguintes, apenas permitem à testemunha pronunciar-se sobre factos de que tenha conhecimento directo.
A testemunha sendo inspector da Polícia Judiciária, não foi arrolada como perito, desconhecemos até se tem capacidades técnicas para se pronunciar sobre estas questões, sendo certo que a nosso ver a lei o impede de prestar esclarecimentos sobre estas matérias.
Aliás, foram realizadas várias peritagens e inquiridos peritos exactamente sobre os pontos que a testemunha agora está a esclarecer. O Ministério Público prescindiu do depoimento desses peritos, não podendo agora a testemunha ora inquirida ser instada sobre esses factos.
Nestes termos se requere ao Tribunal que não valore o depoimento nesta parte e que a testemunha seja informada que não poderá pronunciar-se sobre factos e sobre os quais foram feitas várias peritagens».
Sobre este requerimento incidiu o seguinte (transcrito) despacho:
«Face ao que a testemunha respondeu a instâncias do Senhor Procurador, facilmente se constata que não há qualquer violação do art.° 128° n.° 1 do C. P. Penal. Ademais sempre se diga que no início do seu depoimento já o depoente havia referido que dirigiu a investigação nos presentes autos e dirigir significa que comandou as operações e recolhendo toda a informação apontava nova estratégia de investigação, inclusive com recolha de prova pericial. De referir também que a testemunha possui conhecimentos técnico-científicos sobre a matéria em discussão.
Por outro lado, os arts. 151° e seguintes estabelecem o regime da prova pericial e em nenhuma norma se verifica qualquer impossibilidade de uma testemunha se pronunciar sobre questões relativas a perícias, sempre sob a vigilância do Tribunal, já que em questões duvidosas ou menos esclarecidas deve-se fundamentar nos respectivos relatórios periciais e seus subscritores.
Pelo exposto, não se vislumbra qualquer violação das normas invocadas, razão pela qual se indefere o requerido.».
Vejamos:
Como é sabido, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, artº 151º, do CPP. Assim, perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos [Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., pág. 177].
A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível pela autoridade judiciária, quer em sede de inquérito – para v.g. acusar ou não –, quer em sede de instrução – v.g. para pronunciar ou não – quer em sede de julgamento – v.g. para condenar ou absolver.
O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o artº 163º, do CPP consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, artº 127º, do CPP: o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
Como decorre do requerimento formulado pelo arguido e da sua motivação de recurso, o depoimento da testemunha G...versou também sobre o conteúdo dos relatórios periciais.
Ora, nada na lei impede (artº 151º e segs. do CPP) que a testemunha, durante o seu depoimento, se refira ao teor dos exames periciais constantes dos autos. O que a testemunha não pode é pronunciar-se sobre o juízo técnico/científico constante das perícias.
Assim, não tendo a testemunha G... sido questionada sobre o juízo técnico/científico constante das perícias, o recurso tem que improceder, como improcede.

4.2. Recurso relativo ao indeferimento da inquirição de várias testemunhas ouvidas no âmbito do processo nº .../05.PFLRS, do Ministério Público de Loures.
No decurso do julgamento o arguido formulou o seguinte (transcrito) requerimento:
«A..., arguido nestes autos, tendo tido conhecimento da chegada aos autos, a título devolutivo, do processo .../05.0PFLRS, que correu termos no Ministério Público do Tribunal de Loures, vem expor e requerer a V.Exa o seguinte:
1. Apesar do conteúdo da documentação desse processo ser clara quanto às conclusões a que o M°P° chegou, a verdade é que importa legitimar processualmente a prova aí coligida no sentido de poder vir a ser valorado de acordo com as regras processuais neste processo.
2. Assim, a fim de se demonstrar o que o arguido alega no ponto 2 da sua contestação e ainda contraditar os factos imputados no ponto 7 da pronuncia bem como contraditar as afirmações do ofendido F... na parte em que terá dito a várias testemunhas que viu o arguido a efectuar os disparos contra si e que o ouviu a proferir várias expressões se requer a inquirição das seguintes testemunhas:
a) Inspector da Policia Judiciaria …;
b) Inspector da Policia Judiciaria …;
c) Agente da PSP … nº 73….
3. Estas testemunhas revelam conhecimento dos factos, sendo que as duas primeiras participaram em várias diligências de investigação naqueles autos.
Estes esclarecimentos são relevantes para o esclarecimento da verdade material nos presentes autos e por isso se requer a sua inquirição nos termos do artigo 340°, nº 1 do CPP».
Sobre este requerimento incidiu o seguinte (transcrito) despacho:
«Uma vez que os intervenientes processuais não se pronunciaram no prazo de cinco dias quanto ao requerimento de fls. 4231, o Tribunal entendeu que o processo .../05.OPFLRS, já havia sido ordenada junção aos autos, tal como veio a acontecer, e para esclarecimento das questões que se suscitaram no decurso das sessões da audiência de discussão e julgamento. O aludido processo tem os respectivos autos de prova e tem o respectivo despacho de arquivamento com os respectivos fundamentos que levaram a tal.
Para o que importa ao Tribunal decidir sobre as questões que ali se suscitam e que se suscitaram na presente audiência de discussão e julgamento, é suficiente a análise do processo que já se encontra junto aos autos.
Entendemos pois que o requerido a fls. 4234 e 4235 é irrelevante nos temos do disposto no art.° 340°, n.º 4, alínea a) do C. P. Penal.
Ademais sempre se diga que o invocado no ponto 2 do aludido requerimento está perfeitamente salvaguardado com a análise do respectivo processo .../05.0PFLRS.
Face ao exposto, indefere-se o requerido».
Vejamos:
O meio de prova que o recorrente entende que devia ter sido produzido – audição das testemunhas Inspector da Policia Judiciaria .., Inspector da Policia Judiciaria … e Agente da PSP … - não constava do rol da acusação ou do rol apresentado pelo recorrente.
A produção de tal meio de prova foi requerida pelo ora recorrente, no decurso da audiência de discussão e julgamento, invocando para o efeito o disposto no artº 340º, do CPP.
Postula o referido artº 340º, no seu nº 1: «O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e á boa discussão da causa».
O arguido, em 20 dias a contar da notificação do despacho que designa dia para a audiência, apresenta, querendo, a contestação, acompanhada do rol de testemunhas (artº 315º, nº 1, do CPP), sendo que pode alterar ou adicionar o rol de testemunhas, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência (artº 316º, nº 1, do CPP).
O artº 340º não tem por finalidade permitir aos sujeitos processuais produzir novas provas, não arroladas no momento oportuno ou para suprir a inconcludência daquelas.
Tal dispositivo visa antes permitir ao tribunal, quando emerge da discussão da causa (e por isso não pôde resultar logo da acusação/pronúncia ou da contestação) a existência de provas não arroladas na acusação/pronúncia ou da contestação mas relevantes para a decisão a tomar, que determine oficiosamente ou a requerimento dos sujeitos processuais, a produção de tais provas que não puderam ser requeridas no momento oportuno mas agora se revelam pertinentes e adequadas para contribuir, de forma relevante, para o criterioso esclarecimento do caso ou do “recorte de vida” submetido à sua apreciação.
Aliás, como resulta do nº 4 do artº 340º do CPP, “Os requerimentos de prova devem ainda ser indeferidos se for notório que: a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; b) O meio de prova é inadequado …”.
Por outro lado, como decidiu o Ac. do STJ de 26.11.1998, processo 504/98, citado por Maia Gonçalves no seu Código de Processo Penal Anotado, 13ª ed., em anotação ao artº 340º “o juízo de necessidade ou desnecessidade de diligências de prova não vinculada é tributário da livre apreciação crítica dos julgadores, na própria vivência e imediação do julgamento”.
De onde resulta que a procedência do recurso pressupõe a demonstração de que tal juízo é infundado. Pelo que se impõe que o recorrente demonstre a falta de fundamento desse juízo de oportunidade e necessidade formulado pelo tribunal quando indeferiu o requerimento de produção de novas provas.
Ora no caso em apreço, o recorrente, resume a sua pretensão, nas conclusões 3 a 5, nos seguintes termos: «Acontece que o recorrente para além de pretender contraditar o facto vertido no ponto 7 da pronúncia pretendia ainda demonstrar o por si alegado do ponto 2 da contestação. Ora, o pretendido pelo recorrente só é processualmente alcançável por via da inquirição das aludidas testemunhas, na medida em que os depoimentos por elas prestadas – bem como o vertido no relatório final –, não é susceptível de ser valorado. Acresce ainda que só com esses depoimentos se esclareceria devidamente a prova constante nos documentos existentes naqueles autos».
E o tribunal, pelas razões que a decisão enuncia entendeu ser suficiente a análise do processo que já se encontra junto aos autos, sendo irrelevante o requerido pelo arguido.
Assim, concluindo, assentando a decisão recorrida num juízo sobre a desnecessidade e falta de oportunidade que as alegações de recurso não infirmam, sendo pelo contrário corroborados pelos elementos do processo atendíveis, o recurso interlocutório tem que improceder, como improcede.

4.3. Recurso relativo à nulidade por não ter sido concedida a palavra à defesa para alegações orais.
No decurso da sessão de julgamento realizada no dia 10-03-2011 (acta de fls. 4965 a 4968), após a leitura do acórdão, o arguido formulou o seguinte (transcrito) requerimento:
“Por uma questão de princípio, o arguido não pode deixar de suscitar a seguinte questão:
O Tribunal na última sessão proferiu um despacho onde procedeu a uma alteração não substancial dos factos.
O arguido veio defender-se suscitando várias questões, relevando para o efeito a não apresentação de qualquer prova.
Entende porém a defesa que o Tribunal, face ao aditamento e reformulação dos factos, devia ter concedido a palavra à defesa, aliás diga-se também à acusação e aos assistentes, no sentido de alegar oralmente sobre o que se lhes oferecesse dizer relativamente a esse aditamento e reformulação de factos.
Em nosso entendimento é o que decorre do disposto conjugado dos arts. 358° e 360° do C. P. Penal.
Entendemos assim que, ao não ter sido concedida a palavra à defesa, todos os actos posteriores são nulos, onde se insere o presente Acórdão”.
Sobre este requerimento incidiu o seguinte (transcrito) despacho:
“O Tribunal na anterior sessão procedeu a algumas alterações não substanciais de factos e comunicou-as ao arguido, nos termos do disposto nos arts. 358°, nº 1 e 358° nºs 1 e 3, ambos do C. P. Penal.
Ao arguido foi-lhe concedido prazo para defesa e o mesmo veio ao abrigo desse mesmo número suscitar várias questões através de dois requerimentos apresentados ao processo, requerimentos esses que foram objecto de apreciação, e também por despacho do colectivo, julgadas improcedentes as questões ali suscitadas.
Efectivamente decorre da leitura dos arts. 358° e 360° que havendo produção de prova deve-se dar a palavra aos intervenientes processuais para produzirem as respectivas alegações orais.
O que não é o caso, uma vez que não foi produzida qualquer prova. É o que preceitua o artº 360°, nº 1 e nº 4 do C. P. Penal.
Nestes termos e por inexistência de fundamento legal, julga-se improcedente a questão suscitada, não sem antes o Tribunal ter recebido com alguma surpresa o requerimento antecedente já que o Ilustre mandatário esperou que se procedesse à leitura do acórdão que compõe 72 páginas, para vir suscitar tal questão e, em termos abstractos se existisse fundamento para tal entendimento, obrigar o Tribunal a proceder a nova leitura do Acórdão.
O arguido só não é condenado na respectiva taxa relativamente ao incidente, porque a Lei não lhe permite a sua aplicação.
Notifique”.
Com interesse para apreciação da questão, decorre dos autos que:
Produzidas as alegações orais nas sessões de julgamento realizadas nos dias 17-01-2011 e 25-01-2011 (actas de fls. 4879 a 4881 e 4895 a 4897), o tribunal, na sessão realizada em 24-02-2011 (acta de fls. 4919 a 4922), comunicou ao arguido alterações não substanciais dos factos constantes do despacho de pronúncia e uma alteração da qualificação jurídica do crime de dano qualificado imputado ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 358º, nºs 1 e 3, do CPP.
Não tendo o arguido prescindido de prazo para a defesa, foi designado o dia 10-03-2011 para a continuação da audiência.
O arguido, por requerimento de fls. 4956 a 4960, pronunciou-se sobre a referida alteração dos factos, não tendo arrolado qualquer tipo de prova.
Por decisão prolatada em 9-03-2011, o tribunal julgou improcedentes todas as questões suscitadas pelo arguido (cfr. Fls. 4961 a 4964).
Em 10-03-2011, e após notificação ao arguido da decisão antes referida, o tribunal proferiu o acórdão constante dos autos (cfr. Acta de fls. 4965 a 4968).
A questão colocada no recurso é a de saber se o tribunal deveria ter dado ou não a palavra à defesa para esta alegar oralmente sobre as referidas alterações.
A comunicação ao arguido das alterações não substanciais dos factos constantes do despacho de pronúncia e da alteração da qualificação jurídica do crime de dano qualificado imputado ao arguido teve lugar após a produção da prova e quando já haviam sido produzidas as alegações orais previstas no artº 360º, do CPP.
Sustenta o arguido que «a razão de ser das alegações orais prende-se, além do mais, com a possibilidade de a acusação e a defesa esgrimirem argumentos sobre se a prova produzida suporta os factos imputados ao arguido. Ora, o tribunal não deu a possibilidade de a defesa se pronunciar sobre se a prova produzida – ainda que antes da alteração dos factos – era susceptível de provar os factos aditados.
Acresce ainda que a defesa também tinha de se pronunciar sobre se os factos alterados - caso partisse do principio pela sua prova - eram susceptíveis de enquadrar os elementos do tipo de cada um dos crimes pelos quais o recorrente vinha pronunciado.
Com efeito, bem poderia acontecer que não tendo sido “produzida prova”, no sentido que o douto despacho lhe deu, ainda assim, o recorrente tinha de se pronunciar sobre se os mesmos tinham relevância para efeitos do enquadramento jurídico dos factos».
Carece de razão o recorrente.
No caso em apreço, a comunicação ao arguido das alterações não substanciais dos factos e da qualificação jurídica, no estrito cumprimento do disposto no artº 358º, nºs 1 e 3, do CPP, teve lugar após a produção da prova e quando já haviam sido produzidas as alegações orais.
O tribunal recorrido garantiu na integra o princípio da defesa quando, na estrita observância do regime contido no referido normativo, comunicou ao arguido a alteração introduzida ao nível dos factos e da qualificação jurídica relativamente aos que já constavam da pronúncia e lhe consentiu o prazo solicitado para defesa.
Decorre das disposições conjugadas dos arts. 358º, nº 1 e 360º, nº 1, do CPP que havendo produção de prova deve ser dada a palavra ao MºPº, aos advogados do assistente e das partes civis e ao defensor, para alegações orais.
Ora, não tendo sido produzida qualquer prova, bem andou o tribunal ao não conceder de novo a palavra para alegações orais.
Por todo o exposto, o despacho recorrido não fez interpretação incorrecta dos arts. 358º e 360º, do CPP, nem vemos que o mesmo tenha de algum modo atentado contra o direito de defesa consagrado no artº 32º da Constituição da República Portuguesa, razão por que não descortinamos a inconstitucionalidade dirigida àquelas normas (arts. 358º e 360º) pelo recorrente, na dimensão interpretativa referida na motivação e conclusões do recurso.
Nos termos expostos, deve improceder o recurso.

5. Foi interposto recurso da decisão final pelo arguido A..., cujas conclusões já acima se referiram.
E de acordo com as conclusões as questões a decidir são as seguintes:
Da nulidade da facturação detalhada e localização celular;
Da nulidade dos exames periciais;
Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;
Da nulidade do acórdão por falta do exame crítico das provas;
Da impugnação da decisão de facto;
Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
Da medida da pena.

Vejamos, então, cada uma das questões elencadas pelo recorrente:

5.1. Da nulidade da facturação detalhada e localização celular.
O arguido arguiu a fls. 4846/4850 a nulidade da facturação detalhada e localização celular aos postos telefónicos com os nºs 96..., 96..., 96... e aos IMEI 35... e 35..., argumentando que inexiste despacho do juiz a ordenar a junção do material colhido aos autos, inexiste despacho do juiz a ponderar se o material solicitado tem todo ele ou só parte relevância a fim de ordenar a junção aos autos dos elementos com interesse para a prova e inexiste despacho do juiz a ordenar a destruição do material que não é necessário para a prova.
Responderam o Ministério Público (fls. 4880) e as assistentes (fls. 4886 a 4889) pugnando pela improcedência da invocada nulidade.
Tal questão foi relegada para “o momento da elaboração do acórdão” (fls. 4881).
Sobre a invocada nulidade o tribunal recorrido decidiu nos seguintes (transcritos) termos:
«Quanto à primeira questão, já o JICL se tinha pronunciado na decisão instrutória em termos que, quanto a nós, não nos merece qualquer reparo.
Tal despacho tem o seguinte teor:
“Quanto à nulidade da junção aos autos das listas de chamadas efectuadas e recebidas bem como dos registos fornecidos e juntos aos autos a fls. 631, cumpre dizer que, como resulta dos autos, as informações solicitadas foram enviadas directamente ao Tribunal, dirigidas à Sr.ª Juiz titular dos autos, em cumprimento do ordenado no despacho de fls. 477, tendo o mesmo dado azo à expedição do ofício com o nº 13258, ao qual a TMN respondeu, ficando tais elementos juntos aos autos, atestando que o cartão 96..., entre o dia 05-09-2007 e 22-10-2007 fez activar as células da IMN de ... 2 e Ponta Delgada Este, tendo antes de tais datas operado na zona de Lisboa.
Parece a defesa pretender afirmar que esta informação, depois de junta aos autos, teria que ser validada nos termos do artigo 188º, nº 4 do Código de Processo Penal.
Em nosso entender assim não é. Na altura, como agora, estatuía o artigo 189º, nº 2, do Código de Processo Penal que a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto aos crimes previstos no nº 1, do artigo 187º e, em relação às pessoas referidas no nº 4 do mesmo artigo.
Ora, da leitura da presente disposição resulta que a obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversas e comunicações está sujeita às regras de autorização por magistrado judicial, catálogo de crimes e catálogo de alvos, todas do regime das escutas telefónicas.
A junção das informações, agora colocada em causa, observou expressamente tais requisitos: respeita a crime previsto no artigo 187º , nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, o cartão terá sido utilizado no IMEI do aparelho utilizado como arma do crime (o que permite o enquadramento do seu utilizador na qualidade de suspeito) e foi autorizado o fornecimento de tal informação, por magistrado judicial.
Não foi, efectivamente, dado cumprimento ao disposto no artigo 188º, nº 4 do Código de Processo Penal, quanto a tal junção, mas não se vê sequer como poderia ser dado cumprimento a tal disposição, quanto às informações obtidas ao abrigo do disposto no artigo 189º, nº 2, do Código de Processo Penal e caso assim fosse sempre ficaria por descortinar qual a utilidade de tal comando normativo. Com efeito, o artigo 188º, nº 4, destina-se a permitir um controle jurisdicional actualizado, em momento muito próximo da produção do meio de prova (que não poderá exceder o prazo de 15 dias, para o Ministério Público, acrescido de dois dias, para o Magistrado Judicial, desde a produção das comunicações), ora tal requisito e actualidade seria manifestamente despropositado quando as informações colhidas respeitam a vários meses de antecedência e são inaptas a prestar informação sobre o conteúdo das comunicações, não podendo pois, sequer, serem enquadradas em nenhuma das situações previstas no nº 6 do artigo 188º do Código de Processo Penal.
È certo que as mesmas podem transportar informação criminal relevante, pois de outro modo não estaria prevista a sua obtenção. Contudo, apesar de atinente a bens pessoais, como a privacidade, pela própria natureza da informação veiculada não tem esta a mesma tutela que a informação referente ao conteúdo das intercepções e comunicações telefónicas e deste modo as informações colhidas ao abrigo do disposto no artigo 189º, nº 2 do Código de Processo Penal estão apenas sujeita ao triplo requisito do catálogo de crimes, catálogo de alvos e autorização judicial.
Em face do exposto, é manifestamente improcedente a nulidade invocada e como tal indefiro-a. “.
Acrescentaremos o seguinte, que vai na linha deste entendimento.
O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação. (art. 262.º, n.º 1do C.P.P.).
A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal (art. 263.º, n.º 1 do C.P.P.).
Pese embora seja esta a regra quanto à realização de actos no inquérito, o art. 268.º do C.P.P. enumera vários actos que, durante o inquérito, competem exclusivamente ao juiz de instrução, e o art. 269.º, n.º 1, do mesmo Código, enumera as diligências que, embora realizadas pelo Ministério Público ou por órgãos de polícia criminal por sua delegação, terão que ser ordenados ou autorizados pelo juiz de instrução.
Nos termos deste art. 269.º, n.º 1, al. e), durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a «intercepção gravação ou registo de conversações ou comunicações, nos termos dos artigos 187.º e 189.º».
O art. 187.º do C.P.P. estabelece as condições de admissibilidade da intercepção e da gravação de conversações ou comunicações telefónicas e o art. 189.º, do mesmo Código, prevê a extensão do regime a comunicações efectuadas por meio técnico diferente do telefone.
Resulta destes preceitos que é competência do JIC não só a obtenção de elementos de conteúdo das conversações ou comunicações, mas também a obtenção de dados de tráfego, por esta se traduzir numa ingerência nas telecomunicações abrangida por uma garantia de inviolabilidade e sigilo com consagração constitucional.
Como tal, só de acordo com o regime decorrente dos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal, podem ser obtidos os dados de tráfego.
Ora, é pacifico que o processo penal é direito constitucional aplicado. Assim, na interpretação do disposto no art. 269.º, n.º 1, al. e) do Cód. de Proc. Penal não podemos deixar de atender à parte dos "direitos, liberdades e garantias" consagrados na Constituição da República Portuguesa.
A Constituição da República Portuguesa depois de proclamar, no seu art. 1º, a dignidade da pessoa humana como valor no qual se funda a República Portuguesa, declara no seu art. 26.º, n.º 1, como expressão directa da dignidade da pessoa humana que «A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.».
Em anotação a este preceito constitucional os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira salientam que o direito à reserva da vida privada se analisa principalmente em dois direitos menores: "(a) o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem"- cfr. Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição, pág. 181.
A interferência no direito à reserva da intimidade da vida privada pode resultar de uma violação de domicílio ou do segredo da correspondência ou das comunicações.
Porquanto a garantia de inviolabilidade da correspondência ou de outras comunicações proporciona a garantia de que a vida privada se pode exprimir através destes meios de comunicação, o n.º 1 do art. 34.º, da C.R.P. estabelece que "o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis".
No âmbito desta protecção da intimidade da vida privada o n.º 4 do art. 34.º declara que "é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.".
O sigilo das telecomunicações é, assim, tendencialmente absoluto, só cedendo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, isto é, como meio de aquisição da prova.
A garantia da reserva da vida privada resulta, igualmente, da proibição de utilização de provas obtidas com violação do segredo da vida privada.
Para o processo penal a C.R.P. prevê no seu art. 32.º, n.º 8 , que «são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.».
O art. 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal considera, por sua vez, que «ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.».
Num parêntesis diremos que o art. 17.º , n.º 2 da Lei n.º 91/97 , de 1 de Agosto, que instituiu a Lei de Base das Telecomunicações, e reconhecia a inviolabilidade dos meios de comunicação privada e o sigilo das telecomunicações, já foi revogado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro.
Com o progresso tecnológico a inviolabilidade dos meios de comunicação privada e o sigilo das telecomunicações cada vez mais se relaciona com o tratamento de dados ou elementos envolvidos pelo lado dos utilizadores, nas suas relações com os prestadores de serviços de telecomunicações.
Assim, o art. 4.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/58, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas, estabelece que "as empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações electrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.".
A Procuradoria-geral da República, no seu parecer n.º 16/94 (cfr. Pareceres, Vol. VI , pág. 546) , citando Yves Poullet e Francoise Warrante, distingue fundamentalmente três espécies ou tipologias de dados ou elementos: "os dados relativos à conexão de rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data, hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo).".
Os "dados de tráfego" são definidos no art. 2º al. d) da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, como "quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas ou para efeitos da facturação da mesma", enunciando o n.º 2 do art. 6.º, desta Lei alguns dos elementos que integram aquele conceito.
Enquanto os dados de base, de ligação à rede, são elementos prévios e instrumentais de qualquer comunicação, que estão sujeitos ao sigilo se o utilizador tiver requerido um regime de confidencialidade ao serviço de telecomunicações, os dados de tráfego são já elementos inerentes à própria comunicação, permitindo em tempo real ou a posteriori identificar os utilizadores, o relacionamento directo entre uns e outros através da rede, a localização, a frequência, a data, a hora e a duração.
Os utilizadores são não só os assinantes que estabeleceram um contrato com os serviços de telecomunicações, como terceiros que estabeleceram ligação electrónica com o número dos assinantes.
A Procuradoria-geral da República, no seu parecer n.º 21/2000 (D.R., II Série, de 28 de Agosto), na conclusão 2ª, decidiu que na fase de inquérito os elementos de informação, "... quando atinentes a dados de tráfego ou a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução (artigos 187.º, 189.º e 296.º, alínea e) do Código de Processo Penal.".
Os Profs Gomes Canotilho e Vital Moreira defendem, também, que a garantia do sigilo das comunicações abrange não apenas o conteúdo das comunicações, mas o próprio "tráfego" como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização). Aqui as restrições estão autorizadas apenas em processo criminal (n.º 4), e estão igualmente sob reserva de lei (art. 18.º- 2 e 3), só podendo ser decididas por um juiz. - cfr. Constituição da República Portuguesa anotada, 1993, pág. 212.
Sendo a intervenção do juiz de instrução, no inquérito, direccionada para a defesa dos direitos fundamentais do cidadão, e estando em causa a reserva da vida privada dos utilizadores de telecomunicações através do pedido de informações e facturação detalhada inerentes à própria comunicação, em vista do interesse na realização da justiça, entendemos que para efeitos do disposto no art. 269.º n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal a competência do juiz de instrução é extensiva à requisição ou autorização de obtenção daqueles dados ou elementos, mas tão-somente isso.
Depois de ser autorizada pelo JIC a obtenção desses dados a remessa aos autos não tem de ser controlada pelo JIC, ao contrário do que o Ilustre Mandatário do arguido pretende fazer valer.
Não existe, pois, qualquer falta de controlo por parte do JIC, com respectiva violação dos direitos do arguido, porquanto essa apreciação foi feita no momento da autorização.
Improcedendo a argumentação, nesta parte, pelo Ilustre Mandatário do arguido, indefere-se a invocada nulidade».
Como decorre do despacho exarado a fls. 477/478 e rectificado a fls. 558 e vº, a Mma. Juiz do Tribunal de Instrução Criminal ordenou o acesso à facturação detalhada e localização celular entre as 00H00 do dia 01 de Maio de 2007 e as 24H00 do dia 03 de Janeiro de 2008, aos cartões de telemóveis com os nºs 96..., 96..., 96....
Contrariamente ao referido pelo recorrente não foi solicitada tal informação com referência aos IMEI 35... e 35..., como decorre do aludido despacho e com referência à promoção de fls. 472 a 474.
Os referidos elementos foram fornecidos como consta de fls. 631 e segs.
Compulsados os autos constata-se, tal como refere o recorrente, que inexiste despacho do juiz a ordenar a junção do material colhido aos autos, a ponderar se o material solicitado tem todo ele ou só parte relevância a fim de ordenar a junção aos autos dos elementos com interesse para a prova e a ordenar a destruição do material que não é necessário para a prova.
Vejamos:
No entender do tribunal recorrido “sendo a intervenção do juiz de instrução, no inquérito, direccionada para a defesa dos direitos fundamentais do cidadão, e estando em causa a reserva da vida privada dos utilizadores de telecomunicações através do pedido de informações e facturação detalhada inerentes à própria comunicação, em vista do interesse na realização da justiça, entendemos que para efeitos do disposto no art. 269.º n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal a competência do juiz de instrução é extensiva à requisição ou autorização de obtenção daqueles dados ou elementos, mas tão-somente isso.
Depois de ser autorizada pelo JIC a obtenção desses dados a remessa aos autos não tem de ser controlada pelo JIC, ao contrário do que o Ilustre Mandatário do arguido pretende fazer valer.
Não existe, pois, qualquer falta de controlo por parte do JIC, com respectiva violação dos direitos do arguido, porquanto essa apreciação foi feita no momento da autorização”.
Este entendimento é inaceitável.
«A confidencialidade dos dados atinentes à comunicação integra o núcleo essencial do sigilo ou da inviolabilidade das telecomunicações. (...) a inviolabilidade das telecomunicações compreende tanto o conteúdo como as circunstâncias da comunicação – os dados de tráfego – particularmente o se, o quando, com que duração e frequência e com que destinatários uma pessoa estabeleceu ou tentou estabelecer ligação. Na definição da lei – artº 2º, al. c), da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Cibercrime) “a origem da comunicação, o destino, o trajecto, a hora, o tamanho, a duração ou o tipo de serviço subjacente”. Isto a igual título e com o mesmo estatuto jurídico que a confidencialidade do conteúdo. Gozando, por vias disso, da mesma tutela constitucional, penal e processual penal que é dispensada à inviolabilidade do conteúdo da comunicação» (Prof. Costa Andrade, in pág. 16 do parecer junto aos autos a fls. 5151/5180).
Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Vol. I, 4ª ed., pág. 544, sublinham que «a garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo (...) mas o “tráfego” como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização)».
Ainda segundo o Prof. Costa Andrade, parecer citado, pág. 20, «a recolha, selecção e aproveitamento probatório dos dados de tráfego e de localização deve respeitar o travejamento essencial do programa de protecção ínsito nos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal. Tanto no que respeita aos pressupostos materiais (catálogo de crimes, catálogo de pessoas-alvo, subsidiariedade) e formais como procedimentais.
Entre os últimos sobressai a reserva de juiz, traduzida na presença contínua do juiz a intervir e decidir nas vicissitudes mais marcantes da trajectória dos dados no processo penal. E, particularmente, em momentos como a recolha dos dados, da verificação da sua legalidade e pertinência ao processo com vista à decisão sobre a junção ao processo. Ou, inversamente, para decretar a sua exclusão e destruição, se forem “manifestamente estranhos ao processo”».
Nesta linha, referem os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, “Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas”, Coimbra Editora, 2009, pág. 507:
«3. O n.° 2 deste artigo aplica-se a todas as fases do processo, podendo o juiz:
- autorizar a obtenção e junção de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações;
- apenas quanto a crimes de catálogo;
- quanto às pessoas referidas no n.° 4 do art. 187.°
As demais formalidades do regime das escutas, designadamente, quanto aos prazos da diligência ou o destino a dar aos registos obtidos serão aplicadas, por igualdade de razão, a este n° 2.
Sujeitas às limitações impostas por este dispositivo legal estão a localização celular, a chamada «facturação detalhada» (registo da realização das conversações) e os dados de tráfego das comunicações electrónicas (registo da realização de comunicações)».
No mesmo sentido se posiciona Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 2ª ed., pág. 528: «A Lei nº 48/2007 submete a obtenção dos dados de localização celular ou de registo da realização de conversações ou comunicações às regras de catálogo de crimes e de catálogo de alvos do reguime das escutas telefónicas, além da regra da autorização judicial. As demais regras deste regime, como por exemplo as atinentes ao destino dos registos obtidos, são aplicáveis por analogia».
Como refere o Prof. Costa Andrade, parecer citado, págs. 22 e 23, «por um lado, resulta patente que o artigo 189º é, em toda a linha – tanto no nº 1 como no nº 2 – uma norma de “extensão”. Isto em conformidade com a própria rubrica do preceito, a sinalizar que com ele o legislador teve um desígnio meridiano: aplicar (com as necessárias adaptações) a disciplina dos artigos 187° e 188° à recolha e tratamento processual de dados de tráfego e de localização. Uma extensão que terá de abranger, para além da inicial autorização de recolha dos dados, o controlo nas fases seguintes. Para assegurar, nomeadamente, o escrutínio da relevância e da pertinência dos dados para o processo, determinando a exclusão e a destruição daqueles que venham a mostrar-se “manifestamente estranhos ao processo”. E, sobretudo, daqueles dados que, por sobre serem estranhos ao processo, configurem uma injustificada e intolerável compressão da liberdade, da privacidade e da autodeterminação informacional de pessoas cujos dados foram indevidamente apanhados na rede.
Por outro lado, se dúvidas pudessem subsistir, elas dissipar-se-iam à vista do teor unívoco e cortante do n° 2 do artigo 189°. Que faz depender a junção dos dados aos autos de pertinente decisão jurisdicional. Uma exigência que ao ser violada - como o foi ostensivamente no caso vertente - leva directa e necessariamente à proibição de valoração prescrita no artigo 190° do Código de Processo Penal.
Não deixa, na verdade, de ser hermeneuticamente decisiva a circunstância de um ordenamento jurídico-processual, tão lacunoso e fragmentário na disciplina desta matéria como é o nosso, tenha tido o cuidado de regular expressamente este preciso ponto. E de o ter feito de forma tão unívoca: decretando, à margem de toda a dúvida, que a junção dos dados ao processo só pode ser obra de um juiz».
Em síntese conclusiva, dir-se-á:
Por despacho exarado a fls. 477/478, e rectificado a fls. 558 e vº, a Mma. Juiz do Tribunal de Instrução Criminal ordenou o acesso à facturação detalhada e localização celular entre as 00H00 do dia 01 de Maio de 2007 e as 24H00 do dia 03 de Janeiro de 2008, aos cartões de telemóveis com os nºs 96..., 96... e 96...;
Os referidos elementos foram fornecidos como consta de fls. 631 e segs;
Para além do despacho inicial antes referido, a Mma. Juiz de Instrução não exerceu qualquer dos actos de acompanhamento e escrutínio previstos nos nºs 4 e segs. do artº 188º, do CPP, a saber: não decidiu da junção aos autos dos referidos elementos; não sindicou a sua relevância para o processo, com vista, nomeadamente, à exclusão e destruição dos “dados manifestamente estranhos ao processo” (artº 188º, nº 6, do CPP);
Assim, atento o disposto nos arts. 32º, nº 8, da CRP, 188º, 189º, nº 2 e 190º, estes do CPP, os dados de tráfego e de localização são prova nula.
Tendo os dados de tráfego e de localização que constituem prova nula, contribuído para a formação da convicção do tribunal recorrido, relativamente aos crimes pelos quais foi o recorrente condenado, a procedência de tal nulidade determina a invalidade dos actos subsequentes (artº 122º, nº 1, do CPP).
Desta forma, sendo inválida a sentença recorrida, deve o tribunal produzir nova sentença, agora sem considerar a prova considerada nula por proibida.

5.2. Da nulidade dos exames periciais.
O arguido arguiu a fls. 4842/4845 a nulidade insanável da perícia realizada à pinça (fls. 2713), ao certificado (fls. 2713) e carregador do telemóvel Motorola (fls. 2684 a 2688), o exame comparativo ao material apreendido nos destroços e o apreendido nas buscas efectuadas na residência e estabelecimento comercial do arguido (fls. 2011 a 2053 e 3162 a 3180), porquanto inexiste despacho do MºPº e o arguido não foi notificado para nelas participar e colocar as questões que entendesse convenientes.
Responderam o Ministério Público (fls. 4880) e as assistentes (fls. 4882 a 4885) pugnando pela improcedência da invocada nulidade.
Tal questão foi relegada para “o momento da elaboração do acórdão” (fls. 4881).
Sobre a invocada nulidade o tribunal recorrido decidiu nos seguintes (transcritos) termos:
«Quanto à segunda questão, da invalidade das perícias, por violação do disposto no art. 154º, do C. Processo Penal [por não terem sido legitimamente ordenadas, por não terem sido designados os peritos, por não ter sido feita a indicação sumária do respectivo objecto e por não ter sido notificada a data da sua realização].
Vejamos:
Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não do respectivo agente e a determinação da pena ou da medida de segurança a aplicar (cfr. art. 124º, nº 1, do C. Processo Penal).
Dispõe o art. 125º, dos C. Processo Penal que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei. Assim, se são proibidas – nulas – as provas obtidas mediante métodos proibidos de prova (art. 126º, do mesmo código – são, por outro lado, admissíveis todos os meios de prova que não sejam interditos por lei.
A prova pericial é um dos meios de prova previstos no nosso C. P. Penal, onde se encontra regulada, em termos gerais, nos artºs. 151º a 163º.
A perícia é a actividade de avaliação dos factos relevantes realizada por quem possui especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, pág. 197).
Por isso, dispõe o art. 151º do C. Processo Penal que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
A perícia, que pode ser ordenada, oficiosamente ou a requerimento, pressupõe a existência de um despacho prévio da autoridade judiciária competente que a determine (art. 154º, nº 1, do C. Processo Penal).
Assim, na fase do inquérito, compete ao Ministério Público ordenar a perícia, salvo no caso previsto no nº 2 do art. 154º, em que a competência é deferida ao juiz de instrução.
Por sua vez, o despacho que ordena a perícia deve mencionar o nome dos peritos, a indicação sumária do objecto da perícia e ainda, se possível, a indicação da data e local da sua realização (art. 154º, nº 1, do C. Processo Penal).
Este despacho é, em regra, notificado ao Ministério Público - quando não seja o seu autor - e aos demais intervenientes processuais, com a antecedência mínima de três dias sobre a data indicada para a realização da perícia (nº 3, do mesmo artigo). Só assim não será em duas situações: quando a perícia tenha lugar no decurso do inquérito e a autoridade judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o seu conhecimento ou o conhecimento dos seus resultados por parte do arguido, do assistente ou das partes civis, poderia prejudicar as finalidades do inquérito e; quando exista urgência ou perigo da demora (nº 4, do mesmo artigo).
Ordenada a perícia, aos intervenientes processuais assiste o direito de nomearem um consultor técnico que, além de poder assistir à sua realização, se ainda for possível, pode propor a realização de determinadas diligências e formular observações e objecções (art. 155º, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal). Porém, a designação do consultor e o desempenho das suas funções não podem atrasar a realização da perícia (nº 4 do mesmo artigo).
No que respeita às perícias realizada à pinça (fls. 2713), ao certificado (fls. 2713), e carregador do telemóvel Motorola (fls. 2684 a 2688), o exame comparativo ao material apreendido nos destroços e o apreendido nas buscas efectuadas à residência do Arguido e o estabelecimento comercial (fls. 3162 a 3180) diz o Ilustre Mandatário do arguido que as mesmas não foram ordenadas pela autoridade judiciária competente mas antes, pela PJ.
Sabemos já que a regra é a perícia ser ordenada pela autoridade judiciária competente (art. 154º, nº 1, do C. Processo Penal).
No que respeita ao Ministério Público, a lei permite-lhe delegar nos OPC o encargo de procederem à realização de quaisquer diligências e investigações no âmbito do inquérito, com excepção, além do mais, de ordenar a efectivação de perícia, nos termos do artigo 154.º (art. 270º, nºs 1 e 2, b), do C. Processo Penal).
No entanto, esta excepção comporta, por sua vez, uma excepção.
Assim, dispõe o nº 3, do art. 270º, do C. Processo Penal: “O Ministério Público pode, porém, delegar em autoridades de polícia criminal a faculdade de ordenar a efectivação da perícia relativamente a determinados tipos de crime, em caso se urgência ou perigo na demora, nomeadamente quando a perícia deva ser realizada conjuntamente com o exame de vestígios. Exceptuam-se a perícia que envolva a realização de autópsia médico-legal, bem como a prestação de esclarecimentos complementares e a realização de nova perícia nos termos do art. 158.º”.
Assim, de acordo com o regime geral previsto no C. Processo Penal, a delegação genérica de competências do Ministério Público nos OPC relativamente às diligências do inquérito não inclui a determinação da realização de perícias. Mas pode o Ministério Público delegar esta específica competência relativamente a determinados tipos de crime, em caso de urgência ou de perigo na demora. E o próprio código enuncia uma situação em que entende verificarem-se estes requisitos que é a da perícia dever ser realizada em conjunto com o exame de vestígios.
Sucede que a Circular nº 6/2002, de 11 de Março de 2002, da Procuradoria-geral da República (in www.pgr.pt/circulares/textos/02_06.htm), ao abrigo do disposto no art. 270º, nº 4, do C. Processo Penal, delegou genericamente na PSP e na GNR a competência para a investigação e prática de actos processuais dela decorrentes, de crimes que lhe tenham sido denunciados e cuja competência não esteja reservada à PJ, e de crimes cuja investigação lhes seja atribuída pelas respectivas leis orgânicas [Ponto IV, 1].
E na mesma circular deixou-se expressamente referido que «A presente delegação abrange os actos previstos no n.º 3, do artigo 270.º do Código de Processo Penal.» [Ponto IV, 3].
Assim, por força da referida circular, impõe-se concluir que existia delegação de competências - anterior à prática dos actos - do Ministério Público na PJ para, além da realização de outras diligências do inquérito, determinar a perícia no âmbito do crime objecto dos autos pelo que, nesta parte, não se mostra violado o disposto no art. 154º, nº 1, do C. Processo Penal.
No que concerne, agora, a todas as perícias supra enunciadas, diz o arguido que inexiste em qualquer despacho a indicação dos nomes dos peritos e a indicação sumária do respectivo objecto, nem lhe foram notificados com a legal antecedência, retirando-lhe o direito de indicar consultor técnico.
Apreciemos:
O artigo 118.º do Código de Processo Penal determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
Nos demais casos, o acto ilegal é considerado uma mera irregularidade que terá que ser arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado.
É o caso quanto às questões suscitadas.
E compulsados os autos verifica-se que o arguido não veio atempadamente arguir irregularidades, ou seja, não o que fez dentro do referido prazo legal de três dias a partir do seu conhecimento.
Pelo que tal irregularidade encontra-se sanada.
Termos em que também nesta parte improcede a argumentação expendida pelo Ilustre Mandatário do arguido.
Pelo exposto, indefere-se a invocada nulidade».
Compulsados os autos constata-se, tal como refere o recorrente, que as perícias realizadas à pinça (fls. 2713), ao certificado (fls. 2713) e carregador do telemóvel Motorola (fls. 2684 a 2688), o exame comparativo ao material apreendido nos destroços e o apreendido nas buscas efectuadas na residência e estabelecimento comercial do arguido (fls. 2011 a 2053 e 3162 a 3180), não foram precedidas de despacho do Ministério Público e o arguido não foi notificado para nelas participar e colocar as questões que entendesse convenientes.
Vejamos:
O tribunal recorrido fundamenta a desnecessidade de despacho do Ministério Público a autorizar a perícia aduzindo que: «Sucede que a Circular nº 6/2002, de 11 de Março de 2002, da Procuradoria-geral da República (in www.pgr.pt/circulares/textos/02_06.htm), ao abrigo do disposto no art. 270º, nº 4, do C. Processo Penal, delegou genericamente na PSP e na GNR a competência para a investigação e prática de actos processuais dela decorrentes, de crimes que lhe tenham sido denunciados e cuja competência não esteja reservada à PJ, e de crimes cuja investigação lhes seja atribuída pelas respectivas leis orgânicas [Ponto IV, 1].
E na mesma circular deixou-se expressamente referido que «A presente delegação abrange os actos previstos no n.º 3, do artigo 270.º do Código de Processo Penal.» [Ponto IV, 3].
Assim, por força da referida circular, impõe-se concluir que existia delegação de competências - anterior à prática dos actos - do Ministério Público na PJ para, além da realização de outras diligências do inquérito, determinar a perícia no âmbito do crime objecto dos autos pelo que, nesta parte, não se mostra violado o disposto no art. 154º, nº 1, do C. Processo Penal».
A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária (artº 154º, nº 1, do CPP).
No que respeita ao Ministério Público, a lei permite-lhe delegar nos OPC o encargo de procederem à realização de quaisquer diligências e investigações no âmbito do inquérito, com excepção, além do mais, de ordenar a efectivação de perícia, nos termos do artigo 154º (artº 270º, nºs 1 e 2, b), do CPP).
Porém, esta excepção comporta, por sua vez, uma excepção. Assim, dispõe o nº 3, do artº 270º, do CPP que:
O Ministério Público pode, porém, delegar em autoridades de polícia criminal a faculdade de ordenar a efectivação da perícia relativamente a determinados tipos de crime, em caso se urgência ou perigo na demora, nomeadamente quando a perícia deva ser realizada conjuntamente com o exame de vestígios. Exceptuam-se a perícia que envolva a realização de autópsia médico-legal, bem como a prestação de esclarecimentos complementares e a realização de nova perícia nos termos do artigo 158º”.
Assim, de acordo com o regime geral previsto no Código de Processo Penal, a delegação genérica de competências do Ministério Público nos OPC relativamente às diligências do inquérito não inclui a determinação da realização de perícias. Mas pode o Ministério Público delegar esta específica competência relativamente a determinados tipos de crime, em caso de urgência ou de perigo na demora. E o próprio código enuncia uma situação em que entende verificarem-se estes requisitos que é a da perícia dever ser realizada em conjunto com o exame de vestígios.
Como bem refere o recorrente, a decisão recorrida fundamenta-se no ponto IV da Circular que apenas se aplica aos órgãos de polícia criminal que não a Polícia Judiciária, como de resto, se evidencia pela sua epigrafe: IV – DELEGAÇÃO GENÉRICA NOUTROS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL.
Todavia, dispõe a Circular nº 6/2002, da PGR, de 11-03-02, divulgada pela Directiva 1/2002, do PGR, publicada no DR, II Série, de 4-04-02, no seu ponto II – DELEGAÇÃO GENÉRICA NA POLÍCIA JUDICIÁRIA – que:
«1 – Nos termos do artigo 270º, n.º 4 do Código de Processo Penal, delego genericamente na Polícia Judiciária a competência para a investigação e para a prática dos actos processuais de inquérito derivados da mesma ou que a integrem, relativamente aos crimes previstos no artigo 4º da Lei n.º 21/2000, de 10 de Agosto, e n.º 2 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.
2 - A delegação referida no número anterior abrange os actos previstos e não excepcionados pelo n.º 3 do artigo 270º do Código Processo Penal, bem como a competência para a prática, por parte das autoridades de polícia criminal referidas no nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei º 275-A/2000, de 9 de Novembro, dos actos processuais previstos nas alíneas a), b), c) e d), do n.º 1, do artigo 11.º-A daquele diploma, na redacção resultante da Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto.
3 – A legalidade dos actos processuais referidos no número anterior, praticados a coberto de delegação genérica de competências, será apreciada pelo magistrado responsável pelo processo, na primeira intervenção que nele tenha, e, designadamente na primeira intervenção posterior à comunicação prevista n.º 2 do artigo 11.º-A do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, na redacção resultante da Lei n.º 103/2001, de 25 de Agosto».
É fora de dúvida que as perícias em causa foram realizadas a coberto desta delegação genérica de competências.
Como já referido, a perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária (artº 154º, nº 1, do CPP).
Em anotação a este preceito referem Simas Santos e Leal-Henriques, «Código de Processo Penal Anotado”, vol. I, 3ª ed., pág. 1039, que “Mesmo nos casos em que o Procurador-Geral da República delegue a investigação em outras entidades, a competência para ordenar a efectivação de perícias cabe exclusivamente à autoridade judiciária competente na respectiva fase processual».
No mesmo sentido propugnam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, ob. cit., págs. 673 e 674, quando referem a possibilidade da delegação genérica ou concreta desses actos: «A delegação para a prática desses actos pode ser genérica ou concreta, mas sem­pre sem prejuízo, como é bom de ver, de os referidos órgãos actuarem sob a directa orien­tação do MP e na sua dependência funcional (cfr. art. 263 °, n.° 2).
Aquela possibilidade, no entanto, não é absoluta, sendo certo que, para além dos actos que são da exclusiva competência do juiz de instrução, estabelecidos nos arts. 268.° e 269.° do CPP, os OPC não podem praticar os seguintes actos:
(...)
- Ordenar a efectivação de perícia, nos termos do art. 154.°;
Norma idêntica à que vigorava antes das aludidas alterações.
Também aqui, a excepção relativa à delegação do acto é uma consequência lógica do que dispõe o art. 154°, pois que, como desde logo decorre do seu n.° 1, “a perícia é orde­nada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária (...)”.
Despacho esse que, actualmente, por força do disposto no n.° 2 da mesma norma, tra­tando-se de perícia sobre as características físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, é da competência do juiz.
Ora, se a lei exige a prolação de despacho, pela autoridade judiciária competente, que determine a realização de perícia, isso só pode significar, logicamente, que não é admis­sível a possibilidade de um OPC ordenar a efectivação da perícia.
E essa inadmissibilidade é perfeitamente compreensível, tendo em consideração a especificidade da prova pericial, designadamente a ponderação da necessidade, dentro da estratégia da investigação, da realização de determinada perícia e, uma vez tomada uma deci­são no sentido dessa realização, a indicação sumária do objecto da perícia, podendo ser ela­borados quesitos aos quais os peritos deverão responder e podendo, inclusivamente, ser-lhes solicitados esclarecimentos complementares. Tudo isso, naturalmente, a exigir a interven­ção da autoridade judiciária competente».
Ainda neste sentido alinha Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 428, quando refere que «O MP não pode delegar na autoridade de polícia criminal o poder de ordenar a realização de perícias, salvo “em caso de urgência ou de perigo de demora». E a pág. 699, em anotação ao artº 270º, refere que «O nº 2 fixa a competência reservada da autoridade judiciária, que não pode ser exercida pelo OPC».
Decorre do exposto, que o poder de ordenar as perícias cabe ao Ministério Público, como flui do disposto nos arts. 154º, nº 1 e 270º, nº 2, al. b), do CPP, com excepção de, existindo urgência ou perigo de demora, nomeadamente quando a perícia deva ser realizada conjuntamente com o exame de vestígios, esses actos poderem ser levados a cabo pelo OPC (nº 3 do artº 270º).
Como já referido, as perícias realizadas à pinça (fls. 2713), ao certificado (fls. 2713) e carregador do telemóvel Motorola (fls. 2684 a 2688), o exame comparativo ao material apreendido nos destroços e o apreendido nas buscas efectuadas na residência e estabelecimento comercial do arguido (fls. 2011 a 2053 e 3162 a 3180) não foram precedidas de despacho do Ministério Público e o arguido não foi notificado para nelas participar e colocar as questões que entendesse convenientes.
A pergunta que se impõe é então, qual a consequência do não cumprimento do artº 154º, nºs 1 e 3, do CPP?
No tocante à prova - quer quanto aos meios de prova, quer quanto aos meios de obtenção de prova - estabeleceu o legislador um regime especial de proibições de prova, artº 118º, nº 3, 125º, 126º [disposições gerais, especiais] e concretamente em relação a alguns meios de prova e meios de obtenção de prova, um regime especialíssimo, v.g. prova testemunhal artº 129º depoimento indirecto, 130º vozes públicas, 187º, 188º e 189º admissibilidade e formalidades das escutas, etc.
O regime especial de proibições de prova não trata concretamente nem dá relevo às omissões em causa. Por outro lado, no capítulo da prova pericial não há qualquer disposição que atribua consequências às ditas omissões, pelo que nos resta o recurso ao regime geral das nulidades.
É sabido que a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. E nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular (artº 118º, nºs 1 e 2, do CPP).
Percorrido o apertado catálogo dos arts. 119º e 120º, do CPP, constata-se que as omissões em causa não configuram nulidade, contrariamente ao sustentado pelo recorrente. Segundo este, a ausência de despacho do Ministério Público configura a nulidade insanável prevista no artº 119º, al. b), do CPP. Carece manifestamente de razão o recorrente.
Com efeito, «a falta de promoção do processo pelo Ministério Público respeita à falta de acusação do Ministério Público em relação a crimes públicos e semi-públicos e, portanto, também à dedução de acusação por crime público ou semi-público pelo assistente, acompanhada pelo MP; à falta de promoção do julgamento em processo sumário; à falta do requerimento para aplicação de pena em processo sumaríssimo e à falta da promoção da execução da pena e da medida de segurança. A ausência do Ministério Público a actos processuais relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência obrigatória. Esses actos são os seguintes: as declarações para memória futura; o debate instrutório; a audiência de julgamento, mesmo nas formas alternativas de processo e no tribunal de recurso; a audiência de realização de cúmulo jurídico das penas parcelares» (Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit. págs. 302 e 303).
Neste mesmo sentido, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., págs. 76 e 77.
Daí que a ausência de despacho do Ministério Público e a ausência da notificação do arguido prevista no artº 154º, nº 3, do CPP, é apenas irregular (artº 118º, nºs 1 e 2, do CPP). Ora qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo (artº 123º, nº 1, do CPP). Assim, no caso, pelo menos aquando da notificação da acusação o arguido teve conhecimento que as perícias foram feitas sem despacho do Ministério Público e sem para tal ter sido notificado.
Está, assim, ultrapassada e sanada essa irregularidade que, por isso, irreleva.
Por todo o exposto, improcede este segmento do recurso não se mostrando violadas quaisquer disposições legais, designadamente as invocadas pelo recorrente.

5.3. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Argumenta o recorrente que, “na sua contestação, alegou os factos constantes dos pontos 2, 6 e 7, sendo certo que o acórdão omitiu pronúncia sobre os mesmos. Estes factos assumiam grande importância para a defesa do arguido, pelo que o acórdão é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do artº 379º, nº 2, al. c), do CPP”.
Vejamos:
Produzida toda a prova em audiência de julgamento, na fase de deliberação, deve o tribunal valorar os factos descritos na acusação/pronúncia, juntamente com os que constam da contestação oferecida pelo arguido, do pedido de indemnização civil e da contestação civil e daqueles que resultaram da discussão da causa (artº 368º, nº 2, do CPP).
E por isso a sentença, na sua fundamentação fáctica, deve conter a “enumeração dos factos provados e não provados” – artº 374º, nº 2, do CPP -, os quais, em princípio, terão de compreender, a um ou outro título, todos os factos decorrentes da origem antes referida.
Esta exigência visa garantir que o tribunal contemplou todos os factos que foram submetidos à sua apreciação; como se disse no Ac. do STJ de 26-03-92, BMJ 415º-499, “a lei visa assegurar ou garantir o desempenho da exaustiva cognição, a abranger a totalidade do «thema probandum»”.
Esta garantia tem que ser articulada com o fim em vista - a decisão de uma causa -, só tendo sentido enquanto se refere a factos úteis a essa decisão, na aplicação da ideia de que compete ao tribunal proceder a uma condensação que expurgue aquilo que não interessa.
Como tem sido entendido, a descrição dos factos provados e não provados refere-se aos que são essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação (cfr. Ac. do STJ de 3-04-91, CJ, Ano XVI, Tomo II, pág. 19), e não compreende os factos que não influam no proferimento da decisão (cfr. Ac. do STJ de 28-09-94, CJ (Acs. do STJ), Ano II, Tomo III, pág. 206).
Isto é igualmente de entender quanto aos factos alegados na contestação, já que as garantias de defesa apenas obrigam a que se considere o que foi alegado utilmente na sua óptica, e não o que é matéria irrelevante e excrescente.
O arguido apresentou contestação (fls. 3780), que foi admitida (fls. 3789), na qual alegou, além do mais, que:
- No âmbito do processo .../05.0PFLRS o aí ofendido F… não falou verdade quando referiu que viu o arguido A... porquanto nessa data encontrava-se no Funchal (nº 2º);
- O arguido no dia em que faleceu o ofendido encontrava-se em Ponta Delgada (nº 6);
- Aliás, há várias semanas que se encontrava naquele local (nº 7).
Porém, o acórdão não se pronunciou sobre estes factos alegados na contestação.
Verifica-se que não consta que tais factos alegados fossem dados como provados ou não provados, sendo certo que são factos essenciais para a decisão da causa, pelas implicações que possam trazer à definição da responsabilidade do arguido e, que, por isso devem ser enumerados [cfr. Ac. do STJ de 7-10-98, CJ (Acs. do STJ), Ano VI, Tomo III, pág. 183].
Determina o artº 374º, nº 2, do CPP sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
E, segundo o artº 379º, nº 1, al. a), do CPP, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artº 374º (...)”.
A decisão recorrida está, assim, ferida de nulidade, por força do disposto no artº 379º, nº 1, al. a), do CPP.
Nos termos expostos, procede este segmento do recurso.

5.4. Da nulidade do acórdão por falta do exame crítico das provas.
Defende o recorrente, neste particular, que a decisão recorrida omite o exame crítico da prova.
Adianta que dessa omissão decorre a nulidade da decisão, por via do disposto no artº 379º, nº 1, al. a), do CPP.
Afigura-se que com razão.
Nos termos do artº 374º, nº 2, do CPP, a fundamentação da sentença «consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Esta norma não se satisfaz, no que se refere aos meios de prova em que se baseou a decisão proferida sobre matéria de facto, com a sua enumeração. Exige-se o seu exame crítico, com indicação dos motivos pelos quais foram valorados no sentido em que o foram, ou seja, as razões que estão na base da convicção formada, de modo a permitir avaliar se o processo de formação dessa convicção obedeceu às regras da lógica e da experiência e está de acordo com os conhecimentos científicos.
Já no âmbito da versão do nº 2 do artº 374º, do CPP anterior à da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, onde não constava expressamente a actual exigência do «exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», Germano Marques da Silva afirmava ser unânime o entendimento da doutrina no sentido de que «esta exigência de fundamentação (...) não se satisfaz com a mera enumeração dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem sequer daqueles que serviram para fundamentar a decisão que fez vencimento» (Curso de Processo Penal, III, 1994, pág. 289).
Mais explícito, Marques Ferreira, no âmbito da mesma versão da norma, escreveu:
«Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (...) nem os meios de prova (...), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência» (“Meios de Prova”, in Jornadas de Direito Processual Penal, 1991, págs. 229-230).
No mesmo sentido vem decidindo o Tribunal Constitucional, por exemplo, nos acórdãos nºs 172/94, DR, II série, de 19-07-1994, onde se escreveu que «a decisão sobre matéria de facto tem de estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado», e 680/98, DR, II série, de 5-03-1999, que julgou inconstitucional a norma do nº 2 do artº 374º «na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância».
Na decisão recorrida enumeram-se os factos provados e não provados e diz-se que «quanto aos factos provados da acusação, a decisão teve por base» as declarações das assistentes C..., E..., D... e do assistente B..., o depoimento das testemunhas T1..., P…, T2..., T3..., T4…, T5..., M…, G..., T6..., T7..., T8..., T9..., T10..., T11..., T12..., T13…, T14..., T15..., T16…, T17…, T18..., V..., T19..., T20..., T21... e as declarações do arguido A..., de cujos depoimentos se faz um resumo. Diz-se em seguida que «o tribunal formou ainda a sua convicção na reportagem fotográfica de fls. 24 a 50, 61 a 76, 106 a 115, 421 a 425, 829 a 834, 1039 a 1040 e 1049, 1291 a 1293 (A vitima havia saído do estabelecimento de diversão nocturna “O...”, cerca das 5:25 do dia 2.12.2007 e entrou na sua viatura MERCEDES, colocou-o em marcha a fim de regressar a casa e segundos depois deu-se uma explosão no seu interior), 2330, 2384 e 2439 a 2432, e 2833 a 2838; fls. 419 auto de visionamento da cassete, do qual foram retirados 20 fotogramas; Documentos de fls. 250 (Informação sobre reservas e voos do arguido no último semestre de 2007: PDL-LIS 27.05.2007 LIS-PDL 5.06.2007, PDL-LIS 30.6.2007 LIS-PDL 5.07.2007, PDL-LIS 31.08.2007 LIS-PDL 4.09.2007, PDL-LIS 6.10.2007 LIS-PDL 12.10.2007. Entre 19.11 e 10.12.2007 não existem registos de voos ou viagens na TAP e SATA.); fls. 370 (Contacto com a Motorola. Fabricado na China. Pedido de ligação eventual do nº 2672833521A - que estava por cima do código de barras do que restou do telemóvel - com o IMEI associado. Cartão SIM cortado num dos cantos e raspado atrás para não ser detectado. Embora seja referido o nº 2672833521A como serial number na informação policial, o mesmo não tem estas características já que está por cima do código de barras. Este nº apenas veio permitir encontrar o serial number); documentos de fls. 427 (Informação da MOTOROLA PORTUGAL - identificaram o IMEI: MOTOROLA C118, IMEI 35223401419920, nº do modelo SE8082AB1K4. Trata-se de um OPTIMUS HOME), fls. 434 (Pedido de informação à TMN para saber os cartões que operaram no telemóvel: Indicou 5 nºs: 96..., activado em 22.10.2007, 96..., activado em 22.10.2007, 96..., activado em 5.09.2007, 96..., activado em 22.10.2007 e 96..., activado em 11.05.2007), fls. 441 a 447 (Informação relativa à activação dos cartões que operaram no MOTORLO C118 fornecida pela TMN). O nº de telemóvel 96... associado ao IMEI 352234014199920 (equipamento da explosão) esteve também associado ao IMEI 352875009305565 e 35621800311358; fls. 644 a 645 (Informação prestada pela OPTIMUS. O telemóvel de marca MOTOROLA, Modelo 118, IMEI 352234014199920, foi inicialmente adquirido por N.... Assinatura OPTIMUS HOME à qual foi atribuído um nº provisório 202009878. O nº final 212434722 esteve activo entre 13.10.2007 e 12.02.2007. Posteriormente, durante 5 dias, entre o dia 30.04.2007 e 4.05.2007 funcionou com um nº 93..., e activo desde 30.09.2005); 665 (triangulação entre as chamadas feitas e recebidas, e SMS); Assim o nº 96... foi activado em 25.08.2007 no IMEI 356218003113584 e manteve-se associado até 26.08.2007. Depois passou a estar associado ao IMEI352875009305565, a partir de 5.09.2007 até 22.10.2007 – ver fls. 632 e 441. Neste período o nº em causa já se encontra em funcionamento em Ponta Delgada. Só em 22.10.2007 é que o 96... aparece pela 1ª vez associado ao IMEI 352234014199920 (engenho explosivo) – cfr. novamente fls. 632 e 441. Fls. 669, 671, 672 e 675 (Motorola informa que o equipamento foi vendido à “Vodafone Omnitel”. Nokia informa que o equipamento foi vendido em Marrocos), 997, 1172 a 1173, 1309 a 1313, 1586, 1871, 1932 a1934 e 1947 (indica a localização fotográfica das antenas BTS) e 2107 a 2177 (informações relativas a lista de passageiros) e 2278 a 2286 (autos de inquirição de testemunha F... e relatório de dano corporal no NUIPC .../05.0PFLRS - Tentativa de homicídio -, 2341 (Autorização de leitura dos telemóveis dada pelo arguido); relatos de diligência externa de fls. 144 a 146, 1029 a 1038, 1041 a 1048, 1050 a 1051, 1165 a 1166, 1530 a 1540, 1542 a 1545, 1592, 1595 a 1598, 1601 a 1604, 1631 a 1634, 1639 a 1641, 1646 a 1648, 1924 a 1936 e 2191 a 2192, 2287 a 2290, 2292 a 2294, 2345 a 2347, 2377 a 2378, 2429, e 2443 a 2444; apreensões de fls. 77 a 79, 2326 a 2329, 2373 a 2374, 2381, 2437 a 2438 e 2382; fls. 4517 e 4518 (foto do detector de metais utilizado no estabelecimento nocturno “Show I...” e junto aos autos pelo arguido), reconhecimento (fotográfico e pessoal) de fls. 1170 e fls. 2827 a 2829 que por terem sido feitos com dúvidas não relevaram para o facto fortemente indiciário constante da acusação de ter sido o arguido a adquirir o telemóvel ao N...; Listagens de dados de tráfego de fls. 631 a 640 (Elementos juntos pela TMN: O nº 96... iniciou o funcionamento a partir do dia 5.09.2007 até 22.10.2007, em Ponta Delgada, Açores. Os nºs 96... e 96... iniciam o funcionamento em 5.09.2007 e 22.10.2007, terminam respectivamente em 22.10.2007 e 29.10.2007, em Ponta Delgada - Açores. Estes 3 números continuam sempre associados ao IMEI 3522234014199920 que corresponde ao MOTORLOA recuperado na explosão. Assim tal equipamento esteve a funcionar nos Açores entre 5.09.2007 e 29.10.2007; Diversas cópias de acções cíveis e documentação de fls. 2 a 36 do Apenso 13, certidões constantes do Apenso 15 e certidões juntas em sede de audiência de discussão e julgamento de fls. de fls. 4303, 4415 a 4420, 4517 e 4518, 4520 e 4521, 4522 a 4524, 4525 a 4537, 4538 a 4552, e processo apenso .../05.0PFLRS; sessões telefónicas transcritas de fls. 2 a 74 do Apenso 4; listagens de dados de tráfego de fls. 2 a 293 do Apenso 2; fichas biográficas da P.J. de fls. 1061 e 1065; Apensos nºs 1 a 19; C.R.C. do arguido, constante de fls. 3243 a 3245; Exames de fls. 395 a 411 (exames periciais aos telemóveis), 1919 a 1923 e 2194 a 2202 (Representação gráfica da abrangência e localização das antenas com a designação PONTA DELGADA ESTE 1, PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e ... 2 antes de 2008, a localização da residência do arguido e a distância entre as antenas e essa residência), 1985 a 1981 (viagem à Alemanha para tentar recuperar informação no cartão SIM que estava no Motorola que esteve ligado à explosão mas que face ao estado de desintegração tal diligência resultou infrutífera) e 2273 a 2274 (auto de exame e avaliação do Mercedes Benz sendo-lhe atribuído o valor comercial de 5.000,00€), 3478 (factura da agência funerárias relativa aos encargos do funeral da vitima F...), 2689, 2693, 2702, 2725, 2729, 2813, 2816, 2821 e 2962 e perícias de fls. 618 a 624, 787 a 799, 1451 a 1494, 1995 a 1996, e 2011 a 2053, 2684 a 2688, 2713, 2719 (apenso 14), 2833 a 2838, 2957, e 3162 a 3180».
E mais à frente refere-se que «no que concerne aos autos em apreço diremos:
a) O engenho explosivo foi deflagrado por telemóvel à distância (fls. 348, 350, exame pericial fls. 2050 e 2052;
b) O circuito não é de grande complexidade (fls. 2050);
c) O explosivo utilizado é composto de nitroglicol, trinitrotolueno e hexogénio (fls. 2051);
d) Recuperado telemóvel MOTOROLA C118 IMEI 35223401419992 (fls. 370 a 375, 427 a 430 e 2052);
e) Este telemóvel forneceu a energia para accionar o detonador e por sua vez o explosivo /fls. 1489);
f) O equipamento esteve associado aos seguintes cartões SIM (fls. 434, 633 e 665):
96…
g) O nº 96.. funcionou em 25.08.2007 e 26.08.2007 em Lisboa (baixa de Lisboa) e posteriormente de 5.09.2007 a 29.10.2007 em S. Miguel (fls. 632,633, 634 e 665);
h) Este nº 96… também esteve associado ao IMEI 35… no mesmo local e período temporal (fls. 441);
i) Os nºs. 96… e 96… só funcionaram na Ilha de S. Miguel no período de 5.09.2007 a 29.10.2007 (fls. 443, 448, 632, 633, 634, 663 e 665);
j) O nºs. 96…, 96… e 96… quando funcionaram de 5.09.2007 a 29.10.2007 em Ponta Delgada funcionaram exclusivamente entre eles (fls. 632, 633 e 634);
k) O equipamento da marca MOTOROLA, modelo C118 e IMEI 35… foi adquirido em Lisboa, mais concretamente na baixa de Lisboa em finais de Agosto de 2007/ inícios de Setembro de 2007 (cfr. fls.1167);
l) O anterior proprietário do equipamento marca MOTOROLA, modelo C118, foi identificado e referiu tê-lo vendido na baixa de Lisboa a um indivíduo de sexo masculino;
m) O proprietário não teve qualquer dúvida em indicar o telemóvel da marca MOTOROLA, modelo C118, como sendo o telemóvel que era seu e que vendeu na baixa de Lisboa, separado do respectivo carregador;
n) Foi apreendido na residência do arguido A... o carregador Motorola que carregava a bateria do telemóvel V3, também apreendido, com os fios cortados, estando apenas um deles descarnado e que servia para carregar o Motorola C118.
o) O arguido A… encontrava-se nesse período (31 de Agosto de 2007 a 04 de Setembro de 2007) em Lisboa, sendo que, o seu telemóvel funcionou mesmo na baixa de Lisboa no dia 03 de Setembro de 2007 (cfr. fls.250 e 2149) e (cfr. fls.17 do Apenso 2);
p) O arguido A... quando viaja para Lisboa frequenta com assiduidade a baixa de Lisboa, alias facto constatado no âmbito de acções de vigilância (cfr. fls.1045 a 1048 e 1530 a 1535);
q) O cartão SIM 96... funcionou de igual forma na baixa de Lisboa, depois de ser vendido pela Empresa MO… (cfr. fls. 441 e 677);
r) O cartão SIM 96… foi vendido pela Empresa LE… em avulso pelo que a mesma não possui qualquer registo da venda (cfr. fls.441, 654, 657, 658);
s) O cartão SIM 96… foi vendido pela Empresa FER… a qual não possui qualquer registo da sua venda (cfr. fls.441, 666, 667 e 698);
t) Os cartões SIM referidos são cartões pré-pagos, os quais nunca foram recarregados (cfr. fls.715);
u) Entre 05/09/2007 a 29/10/2007 os três cartões 96…, 96… e 96… e os IMEI 35… e IMEI 35… funcionaram em Ponta Delgada e comunicaram exclusivamente entre si durante esse período (cfr. fls.632, 633 e 634);
v) O arguido A... regressou a Ponta Delgada no dia 04/09/2009 (cfr. fls.250 e 2109) e (cfr. fls.233 e 234 do Apenso 2);
w) Os três cartões SIM quando funcionaram em Ponta Delgada, operaram exclusivamente nas antenas/BTS de PONTA DELGADA ESTE 1, PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e ... 2 (cfr. fls.632 a 634 e 665).
x) O arguido A... reside em Ponta Delgada a cerca de 430m de distância (direcção norte) das antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ESTE DCS 1 e a cerca de 510m de distância (direcção oeste) da antena ... 2 (cfr. 1922, 1923, 1934, 1947, 2196 e 2202).
y) As antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ES E DCS 1 têm o respectivo vector de abrangência direccionado para norte, ou seja na direcção da residência do A... e a antena ... 2 tem o vector de abrangência direccionado para oeste, ou seja de igual forma na direcção da residência do A... (cfr. fls.1922, 1923, 2196 e 2202).
z) As antenas PONTA DELGADA ESTE 1 e PONTA DELGADA ESTE DCS 1 têm uma abrangência até 1,5km, sendo que a área até l km de distância e direcção é coberta exclusivamente pelas referidas antenas (cfr. fls. 1944, 1947 e 2202);
u) A antena ... 2, como está situada fora de uma localidade tem uma abrangência que pode ir até aos 6km, sendo que a área até 3km de distância e direcção pode ser coberta pela referida antena (cfr. fls. 1944, 1947 e 2232);
aa) Atendendo a direcção do vector das referidas antenas, a sua abrangência, localização e distância da residência do arguido A..., existe um elevadíssimo grau de probabilidade de que as chamadas/SMS que activaram as antenas referidas, tenham sido efectuadas a partir da residência do arguido A... em Ponta Delgada (cfr. flz.2202);
bb) Através do tráfego de chamadas/SMS (efectuadas e recebidas), por parte do telemóvel/cartão SIM utilizado data dos factos pelo arguido A..., verifica-se que no período de cerca de três a quatro horas (que coincide com o período das chamadas/SMS efectuados pelo três cartões no dia 05 de Setembro de 2007 a 29 de Outubro de 2007) não existe qualquer comunicação, presumindo-se atendendo ao habitual elevado número de comunicações que esse mesmo telemóvel estivesse intencionalmente desligado (cfr. fls.18, 26, 106 e 255 do Apenso 2). Existindo contudo uma excepção, já que no dia 29 de Outubro de 2007 o telemóvel do arguido A... efectua uma chamada às 05:16:37 e encontra-se na célula PONTA DELGADA (antena da Vodafone que corresponde à antena PONTA DELGADA ESTE 1 da TMN - cfr. fls.255 do Apenso 2), verificando-se no entanto e às 05:27:13 do mesmo dia o cartão SIM 96… recebe u SMS e encontra-se também na célula PONTA DELGADA ESTE 1 células essas que, recorde-se correspondem à residência arguido A... em Ponta Delgada (cfr. fls.634);
cc) O arguido A... tinha um grande conflito pessoal e profissional com a vitima F…, sendo demonstrativo desse facto os inúmeros processos que a vitima instaurou contra o ora arguido, independentemente do resultado a que chegaram».
E o acórdão recorrido remata este segmento da decisão referindo que «São essencialmente estes factos que, apreciados no seu conjunto, indicam-nos o arguido como o responsável pelos crimes que lhe estão imputados, além da apreensão dos aerossóis na busca à sua residência».
E fica-se por aí. Não se faz o mínimo esforço de explicitação das razões pelas quais se decidiu como decidiu. Enumeram-se os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas não se faz o menor relacionamento entre os factos dados como provados (só esses estão em discussão) e os meios de prova descritos, individualmente ou por grupos, de modo a perceber-se, pelo menos, quais as provas em que se baseou a decisão de dar como provado cada um dos factos ou cada grupo de factos. Por outras palavras, devendo a fundamentação ser uma operação ao mesmo tempo material e intelectual; de descrição, por um lado, e de explicação, por outro, a decisão recorrida ficou-se pelo lado material, descritivo, de pura assentada.
E, se em alguns casos se pode adivinhar quais os meios de prova em que a decisão se baseia (e a fundamentação há-de ser esclarecedora, não podendo colocar o tribunal de recurso e os destinatários da decisão na situação de terem de adivinhar as razões pelas quais se decidiu assim), noutros nem isso.
Por exemplo, e como bem refere o recorrente, em que provas se baseou a decisão para dar como provados os factos elencados sob os nºs 17, 21, 22, 23, 24, 25, 30, 32, 34 e 36?
Conclui-se, pois, pelo incumprimento do dever de fundamentação da decisão proferida sobre matéria de facto, previsto no artº 374º, nº 2, vício que configura a nulidade a que alude o artº 379º, nº 1, al. a), implicando, nos termos do artº 122º, nºs 1 e 2, todos do CPP, a invalidade do acórdão recorrido, que deve ser repetido, com observância do estabelecido naquela primeira norma.
Esta solução e as mencionadas em 5.1., e 5.3. prejudicam a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.

III – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juizes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento aos recursos interlocutórios interpostos a fls. 4558 a 4570, 4695 a 4702 e 5061 a 5067, confirmando os despachos recorridos de fls. 4407, 4488 e 4967/4968.
- Na parcial procedência do recurso da decisão final declarar nulo o acórdão recorrido, que deve ser reformulado nos seguintes termos:
a) Não podem ser valorados, para a formação da convicção do tribunal, os dados de tráfego e de localização referidos em supra II- 5.1.;
b) A factualidade referida em supra II-5.3. deve constar da decisão de facto, conforme tenha sido apurada pelo tribunal;
c) O novo acórdão deverá cumprir o disposto no artº 374º, nº 2, do CPP, nos termos consignados em supra II-5.4..
- Para cumprimento do decidido, reabrir-se-á se necessário a audiência de julgamento.

- Sem tributação (artº 513º, nº 1, do CPP, na redacção do DL nº 34/2008, de 26/02).

Lisboa, 15 de Setembro de 2011

Relator: Carlos Benido;
Adjunto: Francisco Caramelo;