Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1389/07-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A primeira consequência prevista para a existência de coisa defeituosa é o direito por parte do comprador a pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, verificados os requisitos legais –art.º 905 do CCiv.
II- O n.º 5, do art.º 12 da Lei 24/96, por seu turno estabelece que o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado (responsabilidade essa resultante do DL n.º 383/89).
III- Estando em causa a aquisição por um consumidor final de uma viatura automóvel nova pela sua especialidade se deve aplicar a Lei 24/96 só nos socorrendo das regras especiais sobre a compra e venda que com aquela não conflituem e dos princípios gerais das obrigações subsidiariamente.
IV - Na distribuição dos ónus de prova cabe ao comprador/consumidor o ónus da alegação e da prova do defeito quer se configure o art.º 12 da lei 24/96, quer se perspective o art.º 913 do CCiv, o que resulta em paralelo com o art.º 342, n.º 1 do CCiv.
V - O consumidor tem pois um ano como termo ad quem, a partir da entrega (termo a quo) para exercitar a denúncia, sendo que a partir do conhecimento do defeito o consumidor tem de exercer a denúncia no prazo de 30 dias a contar desse conhecimento. A falta de cumprimento do ónus de denúncia tempestiva, a provar pelo vendedor réu na acção, nos termos dos art.ºs 342, n.º 2 e 343, acarreta a caducidade dos direitos de reparação ou substituição da coisa e dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato, direitos esse conferidos ao consumidor nos termos do art.º 12, n.º 1 da Lei citada, a menos que ocorra causa impeditiva da caducidade, nomeadamente o reconhecimento do direito do consumidor por parte do alienante (art.º 331, n.º 2) em termos que o torne certo.
VI - O que se extrai do art.º 12, n.º 1, da Lei n.º 24/96, numa perspectiva de adequação entre a gravidade dos vícios e a sua sanção é que haverá direito à resolução do contrato da compra e venda se nenhuma das restantes soluções for idónea a restabelecer o equilíbrio das prestações negociais. O exercício dos direitos conferidos ao comprador/consumidor no art.º 12, n.º 1, da Lei de Defesa de Consumidor deverá obedecer a uma lógica de adequação e de proporcionalidade entre a natureza/gravidade do defeito e o modo de efectivação da obrigação do vendedor –a entrega da coisa sem defeito.
(V.G.)
Decisão Texto Integral: 32




Acordam os juízes na 2.ª secção (Cível) do Tribunal da Relação de Lisboa

I- I - RELATÓRIO

AUTORES E APELANTES: P M S P S N E A M M N (representados em juízo pela ilustre advogada H M com escritório em ... conforme procuração de fls. 12)
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RÉS E APELADAS: F (representada em juízo pela ilustres advogados J H F, S B, N S S, com escritório em Lisboa conforme procuração de fls. 56); e O P (representada em juízo pelos ilustres advogados J P e M T P S M, conforme procuração de fls. 80 dos autos).
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Todos com os sinais dos autos.
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Os Autores propuseram em 06/04/04 uma acção declarativa com processo ordinário contra as Rés, acção que veio a ser distribuída na 1.ª espécie na 4.ª vara, 3.ª secção de Lisboa, onde pedem a condenação das Rés a entregar-lhes uma viatura nova ou a indemnizá-los em igual valor monetário, assim como a condenação das Rés no pagamento às autoras a título de danos morais da quantia de € 7.500 em suma alegando que celebraram um contrato de compra e venda de um veículo de marca O F, em 9/10/00 pelo valor total de PTE5.843.967,00 o equivalente a € 29.149,58, veículo que é um topo de gama mas que desde o princípio apresenta várias anomalias, tendo por inúmeras vezes tentado abordar a questão com a ré, sendo que as rés sempre consideraram as reclamações infundadas; dados os múltiplos defeitos os Autores perderam a confiança na viatura, tendo ficado apeados no meio da estrada pelo menos 5 vezes; a viatura de substituição que por vezes as Rés forneceram não substitui a viatura defeituosa, pois um O não substitui um O F. Do relatório pericial consta, alem do mais que mesmo que venham a ser reparadas todas as avarias, mínimo exigível dos Réus, é legítimo que os Autores tenha perdido a confiança na viatura sendo desejável a substituição imediata da viatura por outra igual ou congénere. Toda a situação causou transtornos vários que os Autores enumeram e que são susceptíveis pela sua gravidade de ser reparados. A Ré F veio contestar excepcionado a caducidade do direito dos Autores já que após 25/05/2001 não mais apareceram nas oficinas da Ré nem voltaram a contactá-la reclamando qualquer reparação; impugnaram os restantes factos, terminaram pedindo se julgue procedente a excepção da caducidade ou caso assim se não entenda a improcedência da acção. A Ré O P citada veio arguir a nulidade da produção antecipada de prova a qual nunca foi notificada para os efeitos do art.º 517, n.º 1 por força do n.º 2 do mesmo preceito do CPC, sendo que desconhece tal produção antecipada de prova; mais impugnou os factos articulados na p.i. assim como os factos constantes da peritagem para a hipótese de não vir a ser anulada tal prova, concluindo pela improcedência da acção e absolvição do pedido. Houve Réplica dos Autores no sentido da improcedência das excepções. Requerida a junção da produção antecipada de prova, uma vez junta, o Meritíssimo juiz decidiu tal prova é inoponível a Ré O P, despacho esse que notificado à ilustre mandatária dos Autores nada disse. Proferido o despacho saneador, condensados os factos assentes e os controvertidos na Base Instrutória, instruídos os autos com pedido de gravação de prova de audiência e pedido de comparência dos senhores peritos que elaboraram o relatório pericial, tendo sido proferido despacho a ordenar o desentranhamento do documentos que os Autores juntaram em sede instrutória como o n.º 15 de fls. 133 a 172., tendo-se procedido à audiência de discussão e de julgamento com gravação de prova e com observância do legal formalismo, fixando-se a decisão de facto de que não houve reclamação.

Inconformados com a sentença de 11/10/06 que julgou procedente a excepção de caducidade relativamente à co-ré F que, assim, foi absolvida do pedido, e julgou improcedente por não provada a acção contra a co-ré OP que, assim foi, também, absolvida do pedido contra ela formulado pelos Autores, dela (sentença) apelaram estes últimos onde concluem:
I. De acordo com a prova produzida nos autos dúvidas não podem subsistir que se discutem na presente causa defeitos de origem que nunca foram devidamente danos, mas sempre foram reclamados, tanto perante a O P como perante a F;
II. A falta adequada que permita ao veículo funcionar e circular sem apresentar problemas como se estivesse nas condições normais de aquisição de um veículo novo, em termos práticos equivale a uma falta de reparação;
III. Os Autores reclamaram os defeitos da viatura desde o início, que são precisamente os mesmos relativamente aos quais foi intentada a acção ora recorrida. Diga-se que se os Autores vieram requerer a entrega de uma viatura equivalente e não a reparação da viatura constante dos autos, tal deve-se ao facto dos defeitos desde sempre denunciados, ou seja, originais de fabrico, nunca terem sido devidamente sanados, ainda que as Rés tenha procedido à reparação da viatura por diversas vezes.
IV. Os Autores apenas subsidiariamente e perante a constatação inequívoca da inadequada reparação solicitaram a entrega de um veículo novo em substituição do adquirido.
V. Foram feitas diversas diligências infrutíferas pelos Autores junto das Rés no sentido da resolução dos problemas originais. Acresce que a reclamação que data de 29 de Abril de 2001 mais não é que um acto de desespero dos Autores no sentido de ultimar de uma vez por todas a resolução consensual do assunto, que até ao momento não tinham logrado obter, sendo esta reclamação escrita uma advertência para a via judicial, tendo as Rés procedido ainda a reparações no veículo, que se materializou numa Produção Anteciapada de Prova, a qual deu entrada no Tribunal no dia 12 de Julho de 2002.
VI. Necessário é salientar que se os Autores não intentaram antes a acção tal deveu-se ao facto de as Rés sempre terem reparado a viatura e de se terem vindo a verificar sucessivas falhas no que respeita às reparações efectuadas, ou sejam os defeitos da viatura nunca foram solucionados pelas Rés.
VII. Contrariamente ao alegados pelas Rés e que o douto Tribunal considera provado, a denúncia dos defeitos foi oportuna e tempestivamente efectuada junto das Rés em várias datas, algumas anteriores à de 29 de Abril de 2001, outras posteriores, foram feitas várias reparações da viatura a viatura voltou a evidenciar os mesmos problemas devendo ser, por isso, a excepção da caducidade deduzida considerada improcedente.
VIII. Saliente-se que o Relatório Pericial apenso aos autos não foi devidamente valorado na decisão da causa, sendo que não foi contestado por qualquer meio idóneo admissível, nomeadamente contra peritagem, Refiram-se, assim, as conclusões apresentadas de forma inequívoca no ponto 3. de onde se ressalva “….em termos gerais, os peritos podem concluir que o O.P (Objecto de Perícia) se encontra defeituosos pois apresenta deficiências intoleráveis para uma viatura deste tipo, preço e idade, adquirido directamente de um concessionário de marca, em estado novo (…) considerando todos os incómodos já causados ao comprador e a falta de confiança do proprietário do veículo em apreciação seria desejável que as R`s procedessem à substituição imediata do veículo, por outro igual ou congénere, ou que os A `s fossem adequadamente indemnizados, de algum modo pelos prejuízos inconvenientes e incómodos a que foram sujeitos pelas sucessivas avarias;
IX. Ao decidir conforme decidiu o Tribunal a quo não aplicou devidamente os preceitos legais no que se refere à venda de coisas defeituosas (art.º 913 e ss. do Código Civil)
A F em contra-alegações e em suma refere que tendo-se apurado uma carta dirigida pelos Autores-recorrentes à OP datada de 29/04/01 tendo a acção entrado em juízo em 06/04/04 não cumpriram os Autores os prazos a que se refere o art.º 916, n.º 2 do CCiv pelo que caducou a acção contra a F.

Não houve contra-alegações da O P, .

Recebido o recurso, foram os autos aos vistos, nada obstando ao conhecimento do recurso.

Questão a resolver: Saber se os Autores efectuaram a denúncia tempestiva dos defeitos da viatura automóvel e, por outro lado, se assiste aos Autores o direito à substituição do veículo que lhes foi vendido em virtude de a reparação não ter resolvido as deficiências da viatura que comprometem a segurança da mesma.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

Os autores celebraram, no dia 09.10.00, um contrato de compra e venda do veículo de marca OP, modelo F, com a matrícula QJ, no valor total de € 29.149,58;
O autor escreveu à OP uma carta, datada de 29.04.01, mencionando que tinha adquirido a dita viatura e que teve logo problemas com o computador de bordo, pois vinha avariado, o que o obrigou a três deslocações à ré “F”, para descobrirem o problema; posteriormente, o motor passou a verter óleo pela cabeça e pela junta do cárter; os faróis metiam água no interior; o vidro da porta esquerda fecha mal; o velocímetro por vezes não funciona; a pintura do capot está defeituosa; o fecho do capot abre mal; existem pontos de ferrugem por debaixo da viatura; termina exigindo um veículo novo;
A ré “O P”, por carta de 17.05.01, escreveu ao autor, informando-o de que não existe qualquer fuga de óleo pela junta da cabeça do motor, existindo uma humidade derivada da condensação do próprio óleo, sendo uma humidade viscosa;
Por fax, de 21.05.01, o autor escreveu à ré “O P”, solicitando o parecer escrito do técnico relativamente à dita ferrugem;
Por fax, de 04.04.02, o autor escreveu à ré “F” solicitando o envio, por escrito, de todas as intervenções e reparações que a dita viatura tivera;
Por fax, de 05.04.02, o autor escreveu à ré “O P” reclamando uma viatura nova, em substituição da mencionada, face aos defeitos encontrados;
Por fax, de 07.04.02, o autor escreveu à “L” informando-a de que, por duas vezes consecutivas, e após a dita viatura sair das instalações daquela, parou em plena via, uma das vezes por falta de ligação dos tubos do depósito e na outra, porque os tubos estavam ligados ao contrário;
Por fax, de 07.04.02, o autor escreveu à “L” mencionando que existe uma falha no computador do dito veículo, o desembaciador traseiro não funciona, no cinto de segurança do condutor a mola “pasmou”, os faróis de longo alcance ainda não funcionam, o motor continua a verter óleo, os vidros fecham mal, o rádio está avariado, o velocímetro está estragado;
Por carta de 20.06.02, a ré “O P” escreveu à Sr.ª Advogada do autor comunicando-lhe que este havia apresentado sucessivas reclamações, algumas das quais sem qualquer fundamento técnico, como sejam as relacionadas com a humidade nos faróis, ferrugem no ferrolho da bagageira, ferrugem nas borrachas das portas, valvolina estragada, desembaciadores de vidros ineficazes, ruídos de natureza vária, falhas na tinta do pára-choques, molas do cinto de segurança desafinadas, falta de precisão do velocímetro, altura incorrecta do travão de mão, mas que foram solucionadas, atenta uma politica comercial de satisfação do cliente - autor;
Mais informou que outras reclamações nunca corresponderam a defeitos de produto ou a avarias, mas apenas ao desgaste dos materiais, como sejam, a oxidação no charrion do veículo, o escurecimento da área da junta do motor devido à condensação do óleo, o desgaste dos discos e das pastilhas de travão;
Informou, ainda, que a única reclamação considerada com fundamento técnico teve a ver com a avaria na bóia de combustível do dito veículo, a qual determinava erros na leitura analógica do combustível, estando a situação já reposta;
Por carta, de 29.07.02, o autor respondeu à ré “O P” discordando do teor da dita carta de 20.06.02, por não corresponder à realidade dos factos;
O dito veículo é considerado de gama média-alta;
Desde a sua aquisição pelos autores, o referido veículo apresentou as anomalias no mostrador do computador de bordo onde surge um “F”, que assinala uma “falha” no sistema; o desembaciador traseiro não funciona; o motor apresentava uma mancha de óleo na zona da frente da cabeça; o pára-brisas apresenta bolhas de ar na zona da serigrafia protectora da cola vedante do vidro; as borrachas que prendem os amortecedores estavam ligeiramente estaladas na sua periferia; o ar condicionado ficou inoperacional; por baixo do dito veículo surgiram alguns pontos de ferrugem, bem como oxidação superficial do “chassis”; a consola central do veículo emana muito calor;
A anomalia no mostrador do computador de bordo, onde mostra um “F” que assinala uma “falha” no sistema é compatível com a avaria da bóia do depósito do combustível;
Durante os períodos em que a dita viatura foi sujeita a reparação, foi fornecida aos autores um veículo ligeiro de marca OP, modelo A e/ou C;
Os autores utilizavam o aludido veículo nas suas deslocações familiares e também para visitarem os pais da autora, na zona do Porto;
À data da compra da dita viatura, os autores viviam na Quinta do Conde e deslocavam-se todos os dias para Lisboa, para trabalhar;
Em certas alturas, os autores solicitaram a assistência do ACP;
Numa ocasião, a BT transportou a família dos autores para casa;
Numa altura, os autores chegaram atrasados a um almoço convívio, em Leiria, alegadamente, por tal veículo ter sofrido uma avaria não especificada;
Em Maio/01, os autores queixaram-se de que aparecia um “F” no computador de bordo quando o depósito de combustível se encontrava na reserva, por isso a ré “F” procedeu à encomenda de uma bóia de combustível, que não chegou a ser aplicada porque, apesar de avisados, os autores não mais apareceram nas oficinas daquela ré;
O diferencial foi “visto” em 07.01.04, por um técnico da O P;
O motor da dita viatura apresentou uma mancha de óleo estável que pode ter resultado de condensação;
Em Maio/01, os autores queixaram-se de que o vidro esquerdo estava a fechar mal, o que levou a que a porta fosse desguarnecida para lubrificar o elevador, por forma a eliminar o defeito, não apresentando os autores qualquer queixa posterior;
Os autores não voltaram a contactar a ré “F”, desde Maio/01;
A deficiência das borrachas dos amortecedores do vidro da bagageira não comporta qualquer risco para a utilização do dito veículo;
À ré “F” não foi apresentada reclamação relativamente ao funcionamento do ar condicionado;
A O P vistoriou o dito veículo relativamente ao ar condicionado;
Após reparação promovida pela ré “O P” do sistema de ar condicionado, em Janeiro/04, o autor comunicou que a avaria tinha sido resolvida;
Os autores reclamaram que se verificavam pontos de ferrugem em várias partes do veículo em questão, e como a garantia era da ré “O P”, esta foi contactada e disponibilizou um técnico para analisar a situação;
A ré “F” nunca foi interpelada a respeito de deficiências no isolamento da consola central;
Os técnicos da ré “O P” apreciaram a reclamação dirigida pelo autor sobre o assunto;
O autor, na sequência da instalação de um “kit” de marcha atrás, efectuada pelos funcionários da ré “F”, elogiou o seu trabalho;
O autor convidava vários funcionários da ré “F” para almoçar, o que não veio a acontecer;
Quanto ao veículo de “substituição”, o mesmo sempre foi fornecido, tratando-se de viaturas de cinco lugares e em boas condições técnicas;
A última vez que o dito veículo esteve na oficina da ré “F” foi em 25.05.01;
A partir de então, os autores passaram a visitar as oficinas “L”, com sede em Almada;
A ré “O P”, para além de fabricante de determinados modelos é a importadora exclusiva dos veículos de marca OP, para o território português;
A ré “O P” não tem vocação técnica, nem dispõe dos meios necessários, para a assistência ou reparação de veículos, não dispondo sequer de instalações oficinais;
Os veículos fabricados e importados pela ré “O P” são vendidos a uma rede oficial de distribuidores, que os revendem depois, em nome próprio, aos clientes finais;
E são mantidos e reparados por uma rede oficial de reparadores autorizados, os quais, na maioria das vezes, acumulam também a qualidade de distribuidores;
É nesta rede de distribuidores e reparadores autorizados OP que se integram, com ambas as qualidades, a ré “F” e a sociedade “L”, onde o veículo em questão foi por várias vezes assistido;
A ré “O P”, na sua organização, dispõe de um departamento técnico próprio, destinado a prestar, aos reparadores autorizados OP, formação técnica, aconselhamento e acompanhamento de algumas situações concretas que, pela sua natureza, apresentem qualquer aspecto de novidade técnica ou um grau de dificuldade que o justifiquem;
A ré “O P” dispõe também, na respectiva estrutura empresarial, de um centro de atendimento ao cliente OP, em cujas funções se compreendem o atendimento e registo de reclamações telefónicas de clientes, bem como a mediação e acompanhamento da relação entre cliente e reparador autorizado;
Das reclamações apresentadas à ré “O P” apenas uma correspondia a “defeito de produto”, neste caso, a bóia do combustível que não indicava correctamente o nível;
Sob responsabilidade da ré “O P” e no âmbito da extensão temporal da garantia, a bóia foi substituída;
Em Janeiro/04, e sob reclamação da autora, a ré “O P” procedeu à reparação do ar condicionado, do diferencial e da consola central;
Nenhuma das deficiências mencionadas - anomalias no mostrador do computador de bordo onde surge um “F”, que assinala uma “falha” no sistema; o desembaciador traseiro que não funciona; o motor que apresentava uma mancha de óleo na zona da frente da cabeça; o pára-brisas que apresenta bolhas de ar na zona da serigrafia protectora da cola vedante do vidro; as borrachas que prendem os amortecedores que estavam ligeiramente estaladas na sua periferia; o ar condicionado que ficou inoperacional; os pontos de ferrugem que surgiram por baixo do dito veículo, bem como a oxidação superficial do “chassis”; a consola central do veículo que emana muito calor - compromete a normal utilização, em segurança, do dito veículo;
A presente acção deu entrada em 06.04.04.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sobre a excepção de caducidade diz-se na sentença: “Face à factualidade apurada resulta que os autores adquiriram à ré F no dia 09/10/00 o veículo de marca OP, modelo F, com a matrícula QJ, no valor de € 29.149,58 considerado de gama média-alta. Estamos assim, face a um contrato de compra e venda – art.º 874 C.C.. Desde a sua aquisição que o referido veículo apresentou anomalias (…). É neste sentido que os autores escreveram uma carta à OP , com data de 29/04/01, denunciando tais anomalias e exigindo uma viatura nova. Posteriormente, com data de 29/04/02, o Autor voltou a reclamar, junto da “O P”, um veículo novo, em substituição do adquirido, face aos mencionados defeitos. A este respeito, preceitua o art.º 913, n.º 1 C.C. que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias com a realização daquele fim, observar-se-á o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.” Por seu turno, estatui o art.º 916 C.C., sob a epígrafe de “Denúncia do defeito”, e no qual aqui interessa, que “o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa” – n.º 1. “A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.” – n.º 2 – no que concerne a bens móveis, como é o caso. Ora, de acordo com esta norma, o prazo para ser feita a denúncia ao vendedor é de trinta dias após ser conhecido o defeito. Dos autos nada se sabe, em concreto, sobre a data em que os autores tiveram em conhecimento dos defeitos encontrados no veículo em questão. Apenas ficou provada a existência da primeira carta datada de 29.04.01 e dirigida à “OP ”. Sabemos, contudo, que a presente acção só deu entrada em 06.04.04. Ora reportados os defeitos encontrados no dito veículo a data anterior a 29.04.01, dúvidas não restam que já há muito tinham decorrido os seis meses para os autores intentarem, em tempo, a acção com vista à denúncia dos aludidos defeitos. Como a acção deu entrada depois de decorrido aquele período, temos necessariamente de concluir que assiste razão à ré “F”, ao invocar a excepção de caducidade, pois os autores não exerceram atempadamente o seu direito – neste sentido Ac RP de 14.06.04, proc. N.º 0453418, em www.dgsi.pt. Conclui-se , assim, que procede na íntegra a excepção de caducidade relativamente àquela ré, que só à mesma aproveita – art.ºs 333 e 303 ambos do C.C.”


Antes dos mais a matriz legal atenta data da compra, das reclamações e da entrada em juízo da acção.

Atenta a data do contrato estava já em vigor a Lei n.º 24/96 de 31/07 que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores (de resto na sequência de outras alterações legislativas como a dos consumidores enquanto utentes dos serviços públicos prevista na Lei n.º 23/96.

Estatui o art.º 2. n.º 1: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”

Os trabalhos preparatórios da Lei, confusos que são nada adiantam.

O conceito de consumidor acima referido aproxima-se do que é utilizado nos textos comunitários antecedentes e até posteriores.
A Directiva do Conselho 87/102/CEE relativa à Aproximação das Disposições Legais, Regulamentares e Administrativas dos Estados Membros em Matéria de Crédito ao Consumo (modificada pela Directiva do Conselho 90/88/CEE de 22/02/1999) define consumidor no seu art.º 1.º, n.º 2, alínea a) como a “pessoa física que nas operações reguladas pela presente Directiva actua com fins que podem considerar-se à margem do seu ofício ou profissão.”

Também a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993 sobre as Cláusulas Abusivas nos Contratos Celebrados com os Consumidores define consumidor no art.º 2.º, alínea b) como “toda a pessoa física, que nos contratos regulados pela presente Directiva actue com um propósito alheio à sua actividade profissional.”

Por fim a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de Junho, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação. Em especial do comércio electrónico, no mercado interno (“Directiva do comércio electrónico”) define consumidor como “qualquer pessoa singular que actue para fins alheios à sua actividade comercial, empresarial ou profissional”.

No Direito Comunitário onde aquela Lei n.º 24/96 foi “beber” consumidor é uma pessoa singular ou física que na relação jurídica em causa actua com fins alheios à sua actividade profissional.

Também no direito comparado se sufraga entendimento parecido. Em Espanha na Lei 20/1984 de 19/07 são consumidores as pessoas físicas que adquirem, utilizam ou desfrutam dos bens como destinatários finais de bens móveis ou imóveis, produtos, serviços ou actividades exceptuados, por isso os que adquiram, armazenem, utilizem bens ou serviços com o fim de os integrar no seu processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros. França não contém definição de consumidor no seu Code de Consommation aprovado pela Lei n.º 93/949 de 27 de Julho; No Reino Unido o consumidor será aquele que age para fins que estão fora do seu negócio ou actividade comercial ou industrial (Unfair Terms in Consumer Contractas Regulations 1994, SI 1994/3159).

Desconhecendo-se a actividade profissional do Autor, porque não consta do contrato, as partes não o alegaram, sendo os autores pessoas físicas, ter-se-ão de considerar consumidores em vista daquele diploma.

O art.º 3.º alínea a) atribui ao consumidor o direito à qualidade dos bens e serviços enquanto a sua alínea f) atribui ao consumidor o direito à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, colectivos ou difusos.

O art.º 4 n.º 1 desse diploma dispunha que os bens ou serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor. O n.º 2 prescrevia, por seu turno que o fornecedor de bens móveis não consumíveis está obrigado a garantir o seu bom estado, o seu bom funcionamento por período nunca inferior a um ano, sem prejuízo do estabelecimento de prazos mais favoráveis por convenção das partes ou pelos usos. (sublinhado nosso).

A Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999 relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas impõe como prazo de garantia para os bens móveis o de dois anos que deverá ser também o prazo de caducidade quando o legislador nacional o preveja.

Presume-se nessa Directiva que os bens de consumo são conformes ao contrato se: a) forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando o celebre o contrato e que o mesmo tenha aceite; forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

No tocante às garantias legais pois temos os artigos 921 e 922 do CCiv e os mencionados n.ºs 2 e 3 do art.º 4 da Lei n.º 24/96. Tem vindo a ser entendido que as normas relativas à garantia previstas na Lei n.º 24/96 funcionam como lei especial para as relações de consumo em relação às normas do CCiv; a garantia legal está apenas prevista para os bens móveis não consumíveis e bens imóveis, importando para o conceito de consumíveis a noção do art.º 208 do CCiv seguindo o qual são consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou sua alienação.

Na articulação entre a garantia legal e a garantia comercial, pois prevalece a que for mais favorável ao consumidor mas neste caso desconhece-se qual foi o prazo da garantia comercial e até o seu conteúdo. A este propósito a prova produzida é muito parca para não dizer nenhuma. O Meritíssimo juiz afirma que a vendedora do veículo foi a F que juntamente com a L também referida nos autos é distribuidora e reparadora autorizada da O P que é a importadora exclusiva e que mantém contratos de distribuição (e reparação) automóvel designadamente com a F. Também se sabe que a “O P”, no âmbito da extensão temporal (um ano, dois, mais?) de garantia substituiu a bóia do combustível, muito justamente um dos defeitos de produto reconhecidos pela 2.ª Ré.

De acordo com o art.º 913, n.º 1 do CCiv há venda de coisa defeituosa quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, remetendo a lei para o regime próprio da venda de bens onerados. Há como que uma autonomização de espécie jurídica especial em relação ao regime geral do cumprimento defeituoso, ao qual a lei apenas se refere em termos gerais no art.º 799, n.º 1 – onde o faz equivaler à falta de cumprimento para efeitos de presunção de culpa – e ao qual se faz corresponder, nos termos gerais da responsabilidade contratual a obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II. 7.ª edição, págs. 16-131). Tratando-se de um contrato de compra e venda e do seu cumprimento defeituoso, concorrendo as normas e princípios gerais e outros decorrentes de normas especiais, aplicar-se-á o regime especial no que lhe for próprio, recorrendo-nos ao regime geral fora dele.

A primeira consequência prevista para a existência de coisa defeituosa é o direito por parte do comprador a pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, verificados os requisitos legais –art.º 905 do CCiv.

O Autor pede nesta acção a condenação das RR a entregarem-lhe uma viatura nova e subsidiariamente a indemnizá-los em igual valor monetário, mais certa quantia a título de compensação por danos morais.
No caso de anulação o comprador tem ainda direito a ser indemnizado, havendo diferença de medida de indemnização consoante haja dolo ou simples erro (cfr. art.ºs 908 e 909 conjugados com o art.º 564 do CCiv); em alternativa à anulação pode haver redução do preço (cfr. art.º 911 do CCiv) e pode ainda o comprador exigir do vendedor a reparação da coisa ou sendo isso necessário e tendo ela natureza fungível a sua substituição, mas qualquer destas faculdades está excluída se o vendedor ignorava sem culpa o vício ou falta de qualidade que afectam a coisa vendida.

Diferente é o regime do art.º 12 da Lei n.º 24/96 que aqui tem plena aplicação.

Dispõe o art.º 12, n.º 1: “O consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente da culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato.”

O n.º 5 por seu turno estabelece que o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado (responsabilidade essa resultante do DL n.º 383/89).

Os direitos do consumidor acima referidos não prejudicam o direito de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos (cfr. art.º 12, n.º 4).

Já vimos que pela sua especialidade se deve aplicar a Lei 24/96 só nos socorrendo das regras especiais sobre a compra e venda que com aquela não conflitue e dos princípios gerais das obrigações subsidiariamente.

A matéria de facto não traduz nem erro na declaração por parte do Autor nem é suficiente para saber quais foram os motivos determinantes do mesmo para comprar aquela viatura automóvel.

Na distribuição dos ónus de prova cabe ao comprador/consumidor o ónus da alegação e da prova do defeito quer se configure o art.º 12 da lei 24/96, quer se perspective o art.º 913 do CCiv, o que resulta em paralelo com o art.º 342, n.º 1 do CCiv.

O Autor alegou e demonstrou defeitos. De acordo com o n.º 2 do art.º 12 da Lei 24/96, “o consumidor deve denunciar o defeito no prazo de 30 dias, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, após o seu conhecimento e dentro e dentro dos prazos de garantia previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4.º da presente Lei.”

O n.º 2 do art.º 4 da Lei 24/96 contém uma norma supletiva que estabelece um prazo de garantia “nunca inferior a um ano” em relação aos bens móveis não consumíveis, período durante o qual o fornecedor está obrigado a garantir o bom estado e o bom funcionamento do bem; o n.º 3, por seu turno, estabelece um prazo de garantia mínimo de cinco anos relativamente aos imóveis. O n.º 4 estatui por último que “o decurso do prazo de garantia suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação resultantes de defeitos originários.”

O consumidor tem pois um ano como termo ad quem, a partir da entrega (termo a quo) para exercitar a denúncia, sendo que a partir do conhecimento do defeito o consumidor tem de exercer a denúncia no prazo de 30 dias a contar desse conhecimento. A falta de cumprimento do ónus de denúncia tempestiva, a provar pelo vendedor réu na acção, nos termos dos art.ºs 342, n.º 2 e 343, acarreta a caducidade dos direitos de reparação ou substituição da coisa e dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato, direitos esse conferidos ao consumidor nos termos do art.º 12, n.º 1 da Lei citada, a menos que ocorra causa impeditiva da caducidade, nomeadamente o reconhecimento do direito do consumidor por parte do alienante (art.º 331, n.º 2) em termos que o torne certo. Igualmente a caducidade dos mesmos direitos se verificará se a acção não for intentada no prazo de seis meses sobre a denúncia tempestivamente efectivada. Seguiu-se na relação do consumo também a regra da caducidade do art.º 298, n.º 2 do CCiv a dever ser invocada judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, o vendedor (art.º 303 aplicável por força do n.º 2 do art.º 33 do CCiv. (1)

Ora, o que temos por certo é que o Autor consumidor tinha o prazo de um ano para exercer a sua denúncia contra o fornecedor/vendedor da viatura; ao vendedor incumbia o ónus de demonstrar que a denúncia dos defeitos fora feita para além dos 30 dias após o seu conhecimento por parte do consumidor/comprador. O automóvel foi comprado em 09/10/00, a denúncia foi feita em 29/04/01.

Vem provado que desde a sua aquisição que o veículo pelos Autores adquirido apresentou as seguintes anomalias: no mostrador do computador de bordo onde aparece um “F” que assinala falha de sistema, não funcionamento do desembaciador traseiro; mancha de óleo na zona da frente da cabeça do motor; bolhas de ar na zona de serigrafia protectora da cola vedante do vidro; estalamento das borrachas que prendem os amortecedores na sua periferia; ar condicionado inoperacional; pontos de ferrugem e oxidação superficial do “chassis”; emanação excessiva de calor na consola central do veículo.

Quanto à F vem provado: Em Maio de 2001 os Autores queixaram-se junto da F, suposta vendedora da viatura, da anomalia do “F” a Ré procedeu a encomenda da bóia de combustível que não chegou a ser aplicada porque os Autores apesar de avisados não mais apareceram nas oficina da Ré, nem mais a contactaram, não tendo apresentado junto desta a reclamação do ar condicionado não tendo os Autores interpelado a F a respeito da deficiência do isolamento da consola, sendo certo que a última vez que o veículo da Autora esteve na oficina da F foi em 25/05/01.

Ora, se a viatura em causa desde o momento da sua aquisição apresentou aqueles defeitos, como vem provado, é legítimo concluir que quem os notou foram seguramente os Autores que a adquiriram (art.ºs 349 e 351 do CCiv). É legítimo concluir, assim, que desde a sua aquisição que os Autores tiveram conhecimento dessas deficiências.

Ora, independentemente do ónus da prova relativo à tempestividade da denúncia, é legítimo concluir que, tendo sido apresentada à OP em 29/04/01 a reclamação dos defeitos, relativamente à F não se demonstra que tivesse ocorrido, em data anterior a essa, um reconhecimento dos direitos dos Autores em termos impeditivos dessa caducidade (facto constitutivo do direito dos Autores).

Por outro lado, ainda, não resulta provado que no ano subsequente à última vez que a viatura esteve numa oficina da F (de 25/05/2001 a 25/05/2002) tenha ocorrido qualquer reconhecimento dos direitos dos Autores por parte da F - em 04/04/02 o Autor escreveu à Ré F solicitando o envio, por escrito, de todas as intervenções e reparações que a dita viatura tivera, mas não vem provado que nesse espaço de tempo a Ré F tenha efectuado, mesmo que por intermédio de terceiros, qualquer reparação da viatura.

Ainda que se entendesse tempestiva a denúncia inicial dos defeitos junto da F, sempre seria de concluir que o direito de accionar esta Ré caducou no dia 26/11/01. A acção só deu entrada em 06/04/04 e quando entrou em vigor o DL 67/03 de 08/04 que passou para 2 meses e 2 anos, respectivamente, aqueles prazos (09/04/03), já se havia escoado o prazo de 6 meses a contar da denúncia à F para propôr a acção, pelo que não beneficiam os Autores dos novos prazos resultantes do DL 67/03.

Improcede assim, nesse ponto, o recurso, confirmando-se a caducidade da acção quanto à F, caducidade que não aproveita à 2.ª Ré O P, não obstante a solidariedade na responsabilidade do fornecedor e do produtor, que a não invocou.

No tocante à O P, 2.ª Ré, diz-se na sentença: “(…)Relativamente à Ré “O P”, resulta provado que das reclamações que lhe foram apresentadas apenas uma correspondia a “defeito de produto” e que consistia na bóia de combustível, que não indicava correctamente o nível. Sob a responsabilidade desta ré, e no âmbito da extensão temporal de garantia, tal bóia foi substituída. (…) Provado ficou também que nenhuma das anomalias mencionadas comprometia a normal utilização, em segurança, do dito veículo. Ora face a esta factualidade, e no que concerne às anomalias encontradas, temos, necessariamente, de concluir que carece de fundamento o pedido dos autores no que respeita à condenação das rés na entrega de uma viatura nova ou no pagamento do valor correspondente à mesma. Na realidade, de harmonia com o disposto no art.º 914 C.C. resulta claro que, e no que aqui interessa, que o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela. Significa isto que, o comprador, aqui autores, não têm o direito de optar livremente entre a reparação do veículo e a sua substituição. Estão, sim, obrigados a exigir, em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos e só no caso destes não serem eliminados, com a consequente verificação de incumprimento definitivo por parte do vendedor, é que podem exigir uma viatura nova. Sucede, porém que da factualidade apurada nada aponta para o incumprimento por parte das rés na eliminação dos defeitos. Antes pelo contrário, o que de provou é que a ré “O P” diligenciou pela reparação das avarias encontradas, para satisfação dos autores. Com efeito, das anomalias encontradas podemos dizer que o mostrador do computador de bordo, onde mostrava um “F” era compatível com a avaria do depósito de combustível que foi substituída. Relativamente ao motor que apresentava uma mancha de óleo estável a mesma podia resultar de condensação. O vidro da porta esquerda que estava fechar mal, fez com que a respectiva porta fosse desguarnecida para lubrificação do elevador. A deficiência das borrachas dos amortecedores do vidro e da bagageira não comportavam qualquer risco para a utilização do veículo em questão. No que respeita ao ar condicionado, após reparação efectuada pela “O P” o autor comunicou que a dita avaria tinha sido resolvida. Relativamente aos pontos de ferrugem, esta ré foi contactada e disponibilizou um técnico para análise da situação. Esta mesma ré procedeu à reparação do diferencial e da consola central. Ora, não estando provada a mora e não havendo incumprimento definitivo, tal como se viu, é obvio que os autores não podem nesta acção pedir, em primeiro lugar, a condenação das rés a entregar-lhes uma viatura nova ou a indemnizá-los em equivalente quantia monetária – neste sentido, Ac STJ de 15.03.05, proc. N.º 04B4400, em www.dgsi.p.. Temos pois por concluir que improcede, na íntegra, este pedido de condenação por falta de fundamento legal – art.ºs 798 e 808 n.º 1 “a contrario “ ambos do CC”

Não está em causa, como se disse, qualquer erro do comprador, comprometedor do sinalagama genético do contrato em termos de permitir-lhe a anulação do contrato, direito que os Autores não declararam pretender exercer, de resto. Os autores pretendem a substituição da viatura ou a indemnização e de qualquer modo a indemnização por danos morais, o que se inscreve no sinalagma funcional do contrato (art.º 914 do CCiv); o dualismo de garantia encontra a sua explicação na circunstância de os vícios da coisa serem anteriores ou concomitantes à conclusão da venda e se projectarem no futuro, no desenvolvimento da relação obrigacional. (2) Quanto ao exercício dos direitos de reparação substituição, redução do preço e resolução contratual, tal como acima se disse, ocorre uma concorrência electiva de pretensões, podendo os Autores, afastada que está a hipótese do erro, independentemente da culpa do vendedor, desde que os defeitos que lhe não sejam de facto imputáveis, optar pela redução do preço (915) com eventual indemnização (911 por força do art.º 913) ou exigir a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa (914), opção essa que não é absoluta, devendo a escolha ser conforme ao princípio da boa fé, sem cair no puro arbítrio do comprador sem olhar aos legítimos interesses do vendedor, em suma, uma opção caldeada pelos princípios de adequação e proporcionalidade como acima se disse. Neste ponto, afastamo-nos pois da sentença recorrida. (3)

O que se extrai do art.º 12, n.º 1, da Lei n.º 24/96, numa perspectiva de adequação entre a gravidade dos vícios e a sua sanção é que haverá direito à resolução do contrato da compra e venda se nenhuma das restantes soluções for idónea a restabelecer o equilíbrio das prestações negociais. O exercício dos direitos conferidos ao comprador/consumidor no art.º 12, n.º 1, da Lei de Defesa de Consumidor deverá obedecer a uma lógica de adequação e de proporcionalidade entre a natureza/gravidade do defeito e o modo de efectivação da obrigação do vendedor –a entrega da coisa sem defeito (cfr. Calvão da Silva in Compra e Venda de Coisas Defeituosas Almedina, pág. 155, no âmbito da Directiva 1999/44/Ce que viria ser acolhida pelo DL 67/2003 de 8/04 e Acórdão da Relação de Lisboa de 13/01/2005 in C.ª J.ª, Ano XXX, t. I, pág. 71).

Os direitos que resultam desse preceito não são cumulativos pelo que se o comprador/consumidor tiver exercido satisfatoriamente qualquer um desses direitos não tem direito aos outros previstos no n.º 1: Assim se o comprador/consumidor tiver exercido satisfatoriamente o direito de reparação, ou seja se o comprador/consumidor obteve do vendedor fornecedor a reparação dos defeitos da viatura que em virtude de tal reparação ficou em bom estado de funcionamento e à sua disposição, não poderá exercer qualquer um dos outros direitos.

Comecemos pelos defeitos e a responsabilidade da OP.

Interessam o n.º 5 do art.º 12 da Lei 24/96 (responsabilidade do produtor) já enunciado e o DL 383/89, de 06/11. O art.º 1 estabelece a responsabilidade do produtor, independentemente de sua culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação, responsabilidade objectiva, por isso. Produto é qualquer coisa móvel ainda que incorporada noutra coisa móvel (art.º 3.)

O art.º 2.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) estabelecem que o produtor é o fabricante do produto acabado (n.º 1), considerando-se também produtor o importador do exterior de produtos para venda, aluguer, locação financeira, ou qualquer forma de distribuição (n.º 2, alínea a))

Ora a OP acumula aquelas duas qualidades como se vê.

Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação (art.º 4.º, n.º 1). Não se considera defeituoso um produto pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado (n.º 2 do art.º 4.º).

Trata-se de uma noção diferente da que vem prevista no art.º 913 do CCiv em relação ao contrato de compra e venda e da Lei 24/96. No art.º 913 fala-se de vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades necessárias à realização daquele fim. No art.º 4, n.º 1 da Lei n.º 24/96 estatui-se que os bens ou serviços devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.

Agora é a relação dos Autores com o produtor, fornecedor dos bens que terá emitido uma garantia (cujo teor se desconhece) com um prazo mais extenso daquele que habitualmente o produtor/garante concede prazo que se desconhece).

A conformidade ou qualidade do produto, presente na tradicional garantia edilícia e responsabilidade contratual, quer na compra e venda quer na relação de consumo é mais restrita do que a segurança, sendo frequentes os casos de produtos que sendo próprios e eficazes para o fim a que se destinam causem danos ao adquirente final; por outro lado o produto pode ser impróprio (ineficaz) ou seja não conforme ao contrato e todavia não carecer de segurança, por não representar ou causar perigo para a pessoa e bens do adquirente e de terceiros. Mas um produto pode também não proporcionar um uso eficaz e seguro, com a falta de segurança a prejudicar o uso a que se destina ou a sua ineficiência a causar danos pessoais e patrimoniais evitáveis pela utilização de outro produto idóneo ou eficaz, como é o caso de um cinto de segurança, airbag e extintor de fogo que em determinado acidente ocorrido com a viatura não funcionaram.

Tanto basta para ilustrar que a falta de segurança e a falta de conformidade ou idoneidade do produto para o fim a que se destinam não se confundem sendo a products liability uma responsabilidade por falta de segurança dos produtos enquanto a clássica garantia por vícios se traduz na responsabilidade do vendedor por falta de conformidade ou qualidade das coisas, com objectivos diferentes, visando aquela proteger a vida e a integridade físico-psíquica das pessoas, a sua saúde e a segurança, esta tendo em mira o interesse da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito do contrato, pela entrega da coisa com as qualidades ou características adequadas ao fim a que se destina em conformidade com o acordado (cfr. Ac STJ 11/03/03, proc 02ª431, disponível on line no sítio www.dgsi.pt.)

O sujeito das expectativas da segurança não é já o consumidor ou lesado concreto, só sendo de ter em conta as expectativas do público a que se destina o produto; em causa as legítimas expectativas objectivas do público em geral.

É evidente que um veículo automóvel novo posto à venda goza de presunção legal de segurança, dado o controle prévio a que o mesmo é submetido antes de ser posto à venda (isto mesmo resultava do art.º 3.º, n.º 1 do DL 311/95 de 20/11e agora do art.º 4.º, n.º 2 do DL 69/05); não obstante essa presunção de conformidade, pode o produto revelar-se perigoso para a saúde e segurança das pessoas, cabendo ao lesado o ónus da prova do defeito do produto e o nexo de causalidade adequada entre o defeito e o dano; sobre o produtor recai o ónus de alegação e de prova de que o defeito provado é devido à sua conformidade com as normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas.

Postos estes considerandos vejamos o caso concreto.

Os recorrentes sustentam que a prova produzida em sede de produção antecipada de prova não foi devidamente valorada. Ora por despacho de fls. 100 o Meritíssimo juiz considerou inoponível à O P a prova produzida no apenso, tendo tal despacho transitado em julgado. É certo que nas respostas aos quesitos se levou em consideração a prova pericial produzida sobre as deficiências do quesito 2.º e os que com ele se relacionam, estando no julgamento de facto em causa a responsabilidade quer do vendedor fornecedor, que a sentença afastou e aqui se confirma, quer do produtor.

Não pode é este Tribunal na fixação das deficiências ou até mesmo na sua valoração, estando em causa a responsabilidade da OP, socorrer-se desse exame pericial, inoponível que é, conforme despacho transitado em julgado à Ré OP.

Relativamente às deficiências constantes da resposta ao quesito 2.º que são aquelas que desde a aquisição pelos Autores da viatura se manifestaram, temos que as deficiências dos amortecedores do vidro da bagageira (não se percebe bem se são os mesmos amortecedores cuja deficiência é original), não comportam qualquer risco para a utilização da viatura; a avaria do ar condicionado foi resolvida conforme reconhece o Autor em Janeiro de 2004; a bóia do combustível, que a OP Portuguesa reconheceu como defeito de produto, bóia essa que não indicava correctamente o nível, foi substituída pela OP. Esta também reparou o ar condicionado, o diferencial e a consola central em Janeiro de 2004.

Vem também provado que nenhuma daquelas mencionadas anomalias compromete a normal utilização em segurança do veículo.

Por conseguinte das anomalias ou defeitos detectados desde o início no veículo subsistirão a anomalia no computador de bordo onde aparece um “F” que assinala falha de sistema, a inoperância do desembaciador traseiro, as bolhas de ar na serigrafia protectora da cola vedante do vidro do pára-brisas, os pontos de ferrugem que surgiram por baixo do veículo e a oxidação superficial do chassis, a mancha de óleo na cabeça do motor.

Das deficiências mecânicas, a OP, aparentemente, reparou todas. No tocante à mancha de óleo na zona da frente da cabeça o que vem provado é que o veículo apresentou essa mancha “que pode ter resultado de condensação.” É, por isso, difícil enquadrar tal no conceito de produto defeituoso.

A grande dificuldade nestes autos é a que resulta da falta de junção aos autos da garantia dada pela OP e até da extensão da garantia pela mesma concedida. Tudo indica que existirá uma garantia da OP relativa à ferrugem, mas desconhece-se o seu âmbito. E o mesmo se diga em relação às outras deficiências, não mecânicas e não reparadas.

Embora não seja normal, que não é, que num veículo vendido num concessionário oficial da OP, em estado novo, apareçam, logo de início, pontos de ferrugem, não é possível concluir, em sede legal, que tal põe em causa a segurança da viatura. Por outro lado, inexplicavelmente (pois em várias peças processuais fala-se da garantia da OP e da extensão dessa garantia), não está junto aos autos o documento da garantia da OP, a fim de se poder aquilatar da responsabilidade da OP quanto a esse aspecto, já no âmbito da garantia comercial.

Resulta assente, é indubitável, que a Ré OP não reparou integralmente as anomalias mencionadas.

Não põem as anomalias não reparadas em causa a segurança da viatura, conforme o Tribunal recorrido deu como provado, desconhecendo-se o âmbito da garantia oficial da marca. Desconhecendo-se o âmbito da garantia (e sua extensão), não é possível responsabilizar a Ré O P quanto às anomalias acima descritas.

É, todavia, certo que a viatura vinha com deficiências mecânicas, que a Ré Portugal reparou reconhecendo, assim, expressamente, a sua responsabilidade quanto a elas.

O veículo adquirido pelos Autores terá tido, também, várias avarias mecânicas em circulação, em datas que não vêm comprovadas, avarias essas que todavia não vêm especificadas, assim como não vem comprovada a relação dessas avarias com as deficiências detectadas (respostas aos quesitos 19, 20 e 24). Essa ausência de conexão é referida nas respostas dadas aos quesitos em causa conforme resulta de fls. 290/291.

No que toca aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela jurídica de reparação (art.º 496 do Cciv), constavam do questionário vários factos, designadamente a matéria dos quesitos 14 a 26. Destes a matéria dos art.ºs 14, 17, 18, 21, 22, 23, 25, 26 resultaram Não Provado. Eram quesitos que tinham que ver com a perda de confiança dos Autores na viatura, a afectação consequente da vida diária dos autores, a circunstância de terem ficado apeados cinco vezes na estrada com crianças pequenas a bordo, com os sacrifícios pessoais que a aquisição da viatura representou para os Autores, com o factos de as reparação das avarias e as avarias se terem revelado stressantes para os autores, com as discussões entre os autores resultantes do nervosismo causado pelas avarias, com as náuseas, falta de apetite e perturbação do sono causadas por toda essa situação.

Nada disto ficou provado, pelo que não é possível responsabilizar a Ré OP por danos morais alegadamente resultantes da situação dos autos.

IV- DECISÃO

Tudo visto e pelas razões supramencionadas, julga-se improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Lxa. / /07
João Miguel Mourão Vaz Gomes

Jorge Manuel Leitão leal
Américo Joaquim Marcelino

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1 João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança.,Almedina, 2001, págs
2 Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, Almedina, 4.ª edição, págs.80/81
3 Pedro Romano Martinez, na tese Cumprimento defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, pág.s 440 e ss refere que no nosso sistema jurídico existe uma sequência lógica: em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato, sendo que a regra que impõe este seguimento está patente no art.º 1221, n.º 1 do Cciv em relação ao contrato de empreitada, mas, apesar de haver norma expressa neste sentido no domínio da compra e venda, ela depreende-se dos princípios gerais (art.ºs 562, 566, n.º 1, 801 n.º 2 e 808, n.º 1), além de ser defensável a aplicação analógica do n.º 1 do art.º 1222, no que refere à imposição desta sequência, às hipóteses de compra e venda; a indemnização configurando-se, em princípio, em cúmulo obrigatório com cada um dos grupos dos direitos em referência, podendo todavia, ser autonomamente exercido em alternativa, na hipótese de ter falhado a eliminação dos defeitos ou a substituição da prestação, sendo estas prestações possíveis, para se obter designadamente um bem idêntico ao preço de mercado.