Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
867/2007-2
Relator: ISABEL CANADAS
Descritores: ADOPÇÃO PLENA
CONTESTAÇÃO
CONSENTIMENTO PARA ADOPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – O processo tutelar cível de adopção não comporta a prática de acto processual reconduzível a uma contestação, pelo que a falta de oposição não determina como tal. a produção de efeitos.
II – Os requisitos gerais da adopção contemplados na lei pressupõem um juízo de oportunidade e têm por subjacente que o vínculo da adopção proporcione à criança privada de uma família o meio adequado à realização do seu interesse superior – direito fundamental de encontrar uma solução familiar alternativa que promova as necessidades do seu desenvolvimento integral, equilibrado e harmonioso.
III – Neste âmbito a problemática da dispensa do consentimento enquanto requisito especial só se coloca quando não tenha ocorrido prévia confiança judicial ou aplicação de medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.
(G.A.)
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
1. R e mulher N vieram requerer a adopção plena da menor C, nascida a 17 de Fevereiro de 2005, na freguesia de e registada como filha de A e de H, pretendendo, ainda, a modificação do nome próprio da menor.
Alegaram para tanto, em resumo, que:
- À menor foi aplicada a medida de promoção e protecção de confiança a casal seleccionado para adopção, nos termos do artº. 35º, nº 1, al. g) da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, por sentença de 21 de Outubro de 2005, proferida no Processo de Promoção e Protecção nº do Tribunal Judicial da Comarca , tendo sido confiada aos requerentes;
- A menor encontra-se a viver com os requerentes desde 16.11.2005, sendo pelos mesmos tratada como sua própria filha e provendo estes a todas as necessidades de alimentação, higiene e saúde da menor, rodeando-a de todos os cuidados e dispensando-lhe amor, carinho e atenção;
- A menor adaptou-se muito bem aos requerentes e à família destes, já os reconhecendo como pais;
-  Os requerentes dispõem de todas as condições materiais e morais para adoptar a menor, havendo reais vantagens para esta com a adopção.
A instruir a petição foi junto o inquérito a que alude o artº. 1973º, nº 2, do Cód. Civil.

2. Procedeu-se à audição dos adoptantes (cfr. fls. 67-68), tendo sido considerada «desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas», «face ao relatório apresentado».

3. Notificados os progenitores da menor «para se pronunciarem, nos termos do nº 2 do artº. 171º da OTM, sobre a existência dos pressupostos que dispensam a necessidade do seu consentimento para adopção», nada vieram os mesmos dizer.
                                                                                                                                                        
4. O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser decretada a adopção plena da menor pelos requerentes, com a peticionada modificação do nome próprio da adoptanda.

5. Finalmente, foi  proferida sentença a decretar a adopção plena da menor pelos requerentes e a determinar a modificação do seu nome próprio.
                                  
6. Inconformada com tal decisão final, a mãe da menor, H interpôs o presente recurso de apelação da sentença, tendo formulado, a rematar a alegação, as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. Nem como procedente se poderá atender a adopção nos autos, uma vez que nem cabalmente se encontra fundamentada.
2ª. A recorrente dentro das suas possibilidades, sempre tudo fez para que a menor voltasse a viver no seio familiar.
3ª. Na verdade a mãe da menor e o pai amam-na muito.
4ª. As condições materiais e efectivas dos recorrentes têm vindo a melhorar progressivamente.
5ª. A mãe da menor, ora apelante, é doméstica.
6ª. O pai da menor trabalhador Municipal.
7ª. A apelante não contestou a acção por não se ter apercebido que o Dr. M, seu primeiro patrono se tinha reformado.
8ª. A recorrente sofre continuamente com a falta da menor C.
9ª. A sentença recorrida viola o artigo 1982 do C.C..
Conclui pela procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da decisão recorrida.

7. Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e rematando a sua contra-alegação com as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. O vínculo da adopção só se pode ou deve estabelecer quando se entenda que é o meio mais propício ao normal e são desenvolvimento do menor, pois é ao seu superior interesse em crescer no seio de uma família devidamente estruturada e harmoniosa que se deve atender e não, como erradamente é vulgo fazer, entender a adopção como um remédio para as famílias que não conseguem ter filhos.
2ª. Como dispõe o artigo 1981º, nº 1, alínea c) do Código Civil, nos casos de adopção em que tenha havido previamente processo de confiança judicial, não é necessário o consentimento dos pais para adopção, pelo que é um requisito que está devidamente preenchido, pois a menor foi confiada judicialmente aos adoptantes.
3ª. Deste modo não se mostra violado o artigo 1982º do Código Civil e de resto nem qualquer outro.

                                  

8. Os requerentes/recorridos apresentaram igualmente contra-alegações, nas quais, em síntese, sustentam:

1ª. O presente recurso é destituído de fundamento.

2ª. Não são apresentados verdadeiros argumentos para que a adopção da menor C pelos recorridos não devesse ter sido decretada.

3ª. Os motivos invocados pela recorrente não correspondem à verdade, contradizem as suas próprias atitudes e são irrelevantes.
4ª. A recorrente conformou-se com a sentença proferida no processo de promoção e protecção, que aplicou à menor a medida de promoção e protecção de confiança ao casal constituído pelos recorridos com vista a futura adopção, implicando igualmente a inibição do poder paternal dos pais, não recorrendo da mesma, pelo que transitou em julgado.

5ª. A recorrente abandonou a menor num anexo de uma casa em ruínas, em zona rural e descampada, logo no próprio dia do seu nascimento, abandonando-a à sua sorte e pondo-a em perigo de vida.

6ª. A menor permaneceu numa instituição de acolhimento, durante os primeiros nove meses de vida, sem que alguma vez os pais ou a família destes tivessem estabelecido qualquer contacto com ela ou com a própria instituição, desinteressando-se do seu destino.

7ª. Os pais da C vivem numa casa com más condições de habitabilidade.

8ª. Os pais da menor, apesar de terem dificuldades financeiras e de organização da vida familiar e doméstica, não aceitam a ajuda que lhes foi oferecida pela família da recorrente.

9ª. Os restantes dois filhos dos pais da menor revelam insucesso escolar e um deles nem comparece nas consultas médicas de que necessita para tratamento de problemas de fala.

10ª. - O estado civil dos pais da C é irrelevante para o presente processo.

11ª. Os pais da menor foram notificados para se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos da dispensa do seu consentimento para a adopção e nada disseram.

12ª. Tal notificação nem deveria ter ocorrido, pois no presente processo não há lugar a averiguação dado que a dispensa do consentimento dos pais resulta directamente da lei, por já ter havido aplicação de medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada com vista a futura adopção.

13ª. O processo de adopção não comporta contestação.

14ª. O art. 1982.º do CC não tem aplicação no presente processo.

15ª. Com as provas existentes nos autos, do abandono e colocação em perigo da menor pela recorrente, do desinteresse pela menor e seu destino revelado pelos pais e suas famílias após a institucionalização da mesma e da falta de condições materiais, de higiene, conforto e organização na casa e na vida familiar dos pais nunca se poderia colocar a hipótese de a menor voltar para casa destes.

16ª. Os recorridos foram seleccionados pela entidade competente como sendo um casal com o perfil adequado para adoptar a menor.

17ª. Estão preenchidos todos os requisitos para que a presente adopção seja decretada, disso existindo prova nos presentes autos e nos autos de promoção e protecção aos mesmos apensos.

18ª. Tais provas, nunca foram, nem são no presente recurso, colocadas em causa pela recorrente.

19ª. A adopção da menor C pelos recorridos é a solução que melhor salvaguarda os seus superiores interesses.

20ª. A adopção traz reais e evidentes vantagens para a menor e funda-se em motivos legítimos.

21ª. Já se estabeleceu uma verdadeira relação semelhante à que deve existir entre pais e filhos entre a C e os recorridos.

22ª. O vínculo semelhante ao da filiação já existe de facto entre a menor e os recorridos, mais não fazendo a decisão que decretou a adopção do que conferir-lhe valor jurídico.

23ª. A menor nunca esteve à guarda e cuidados da mãe, pois esta abandonou-a mal ela nasceu.

24ª. A C vê e trata os recorridos como pais.

25ª. A menor nunca conheceu outros pais para além dos recorridos, nunca tendo conhecido os progenitores.

26ª. Ainda que tal adopção não tivesse sido decretada, mesmo assim a menor continuaria sujeita à medida de promoção e protecção de confiança ao casal constituído pelos recorridos com vista a futura adopção, aplicada no processo respectivo que se encontra apenso aos presentes autos, e que implicou igualmente a inibição do poder paternal dos pais da menor.

27ª. Não decretar a adopção da C pelos recorridos seria profundamente nefasto para os superiores interesses da menor.

28ª. O processo de adopção não padece de qualquer nulidade.

29ª. A sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.

30ª. O recurso deve ser liminarmente decidido por ser manifestamente infundado, e, em qualquer caso, devendo sempre improceder.

9. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.     
 

II.  Delimitação do objecto do recurso

Conforme deflui do disposto nos artºs. 684º, nº 3, e 690º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artº. 660º ex vi do artº. 713º, nº 2, do citado diploma legal.

Dentro dos preditos parâmetros, da leitura (e interpretação no contexto da respectiva alegação recursória) das conclusões recursórias formuladas pela recorrente respigam-se como questões solvendas as seguintes, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas:

- da pretensa violação do contraditório (no âmbito do incidente de dispensa do consentimento);
- do pretenso erro formal da sentença (falta de fundamentação);
- da verificação dos requisitos para o decretamento da adopção: pretextada violação do disposto no artº. 1982º do Cód. Civil e pretextadas reais vantagens da menor no não decretamento da adopção (face às actuais condições dos pais biológicos).


III. Fundamentação
1. Dos factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª instância

1.1. No dia 17 de Fevereiro de 2005, na freguesia de , nasceu C;

1.2. Encontra-se registada como filha de H, solteira e com 35 anos de idade e de A, divorciado e com 59 anos de idade;

1.3. No momento do parto da C, H encontrava-se sozinha na sua casa, sita ;

1.4. Após o parto, a progenitora da C levou-a para o anexo de uma casa em ruínas, sita na Estrada Regional n.º 1, em zona rural e descampada;

1.5. Este anexo funciona como instalação sanitária, tem uma área de cerca de 1 m2 e dista cerca de 10 minutos a pé da habitação dos pais da C;

1.6. Aí chegada, H deixou a recém-nascida deitada sobre o tampo da sanita, dentro de um saco de plástico e embrulhada em roupa;

1.7. Após, regressou a casa, onde se arrependeu e receou a morte da recém ­nascida, mas não voltou atrás;

1.8. Cerca das 17:30 horas, a C foi encontrada por seu pai, o qual chamou a polícia, que se deslocou ao local e levou a menor para o Centro de Saúde de ;

1.9. A desconhecia, naquele momento, a proveniência da criança;

1.10. Até ao nascimento da C, A desconhecia que a companheira estava grávida;

1.11. Naquela ocasião e nos momentos que se seguiram, H negou aos presentes ser a mãe da criança;

1.12. A C permaneceu internada no Centro de Saúde desde o dia 17 ao dia 19 de Fevereiro de 2005;

1.13. Por decisão judicial proferida em 18 de Fevereiro de 2005, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º o Tribunal Judicial de , a C foi confiada, provisoriamente e pelo período de três meses, à guarda e cuidados da Irmandade ;

1.14. A C permaneceu desde 20 de Fevereiro de 2005 naquela instituição, tendo-se o seu desenvolvimento mantido nos padrões normais para uma criança da sua idade;

1.15. Aos três meses de idade, a C demonstrava ser uma bebé muito calma, dormia bem e, em estado de vigília, prestava atenção ao meio que a rodeava, sorrindo quando falavam com ela;

1.16. Aos quatro meses de idade, a C já demonstrava conhecer bem as pessoas com quem convivia diariamente, já brincando com as mãos e balbuciava alguns sons, denotando progressos de crescimento e desenvolvimento adequados à idade;

1.17. Presentemente, a menor mantém o mesmo desenvolvimento evolutivo, gozando de boa saúde e está a frequentar a creche desde Setembro de 2005;

1.18. Durante todo o período da institucionalização, nem os progenitores, nem a família alargada estabeleceram contactos directos com a menor, nem nunca contactaram a instituição;

1.19. Os pais da C vivem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dez anos;

1.20. No agregado vivem, ainda, os menores P, de 14 anos de idade e o A, de 10 anos de idade;

1.21. O A é filho de H e de A;

1.22. O P é fruto de um relacionamento amoroso anterior de H;

1.23. O P frequentou, no ano lectivo 2004/2005, o 5.º ano de escolaridade na Escola Básica Integrada e Secundária de , sendo o seu comportamento minimamente satisfatório;

1.24. O A frequentou, no ano lectivo 2004/2005, o 1.º ano do ensino básico na Escola Básica Integrada e Secundária de  e revelou ter bom relacionamento com colegas e adultos;

1.25. Os pais da C residem com o P e o A numa habitação de tipo rural, sita , composta por dois quartos de cama, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho;

1.26. A habitação encontra-se em estado de degradação, desorganizada, com falta de higiene e más condições de habitabilidade;

1.27. Não tem água canalizada;

1.28. O menor P dorme num quarto que faz a ligação entre a cozinha e o quarto do casal, estando aí colocada uma arca frigorífica;

1.29. O menor A dorme no quarto dos pais;

1.30. O compartimento que serve de sala de estar ostenta roupa amontoada por todo o espaço;

1.31. Na data em que a equipa de acção social visitou o agregado para elaboração do relatório social, encontrou na casa um caixote de madeira que lhe foi dito destinar-se, de futuro, a servir de berço para a C;

1.32. O pai da C trabalha para a Câmara Municipal de V, no Cemitério, auferindo cerca de €  400,00 por mês;

1.33. A mãe da C é doméstica;

1.34. Este agregado recebe € 50,00 por mês de prestação familiar relativa aos dois menores a seu cargo;

1.35. A mãe da C apresenta um atraso psíquico ligeiro a moderado (oligofrenia);

1.36. O casal não aceita a ajuda da família da H na organização doméstica e no cuidado dos filhos, tendo cortado relações com as irmãs R e N a partir do momento em que lhes ofereceram ajuda;

1.37. O casal não mantém relações com a família paterna da menor;

1.38. O pai pretende que a menor seja entregue à família nuclear e opõe-se a que a menor seja adoptada;

1.39. O pai tem uma relação de afecto, em igualdade de circunstâncias, com o A e o P;

1.40. Os menores não aparentam sofrer de má nutrição;

1.41. H tem três irmãs a residir em ;

1.42. E tem 29 anos de idade e é doméstica;

1.43. Vive em união de facto com C, há cerca de 2 anos, de quem tem um filho com 15 meses de idade;

1.44. No agregado vivem dois outros filhos de E, com 5 e 10 anos de idade, respectivamente, fruto de um relacionamento anterior;

1.45. Vivem numa moradia própria nas M, com três quartos, uma sala, uma cozinha, uma casa de banho e uma garagem;

1.46. O rendimento mensal do seu agregado é de € 670,75, tendo como despesas cerca de € 144,00 por mês;

1.47 E não deseja assumir o cuidado da sobrinha C, por considerar não ter condições para tal;

1.48. N tem 24 anos de idade;

1.49. Actualmente vive em casa da mãe, com a irmã M;

1.50. N não pretende assumir por si o cuidado da C, embora esteja disponível para ajudar a irmã R nesse cuidado;

1.51. M tem 26 anos de idade, é solteira e vive com a mãe e a irmã N;

1.52. Residem numa moradia própria com três quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho;

1.53. M tem o 12.º ano de escolaridade e é funcionária da T, onde aufere cerca de € 610,00 mensais.

1.54. Demonstra vontade de cuidar da C, apesar de temer pressões futuras por parte da irmã H e do companheiro desta;

1.55. Mostra disponibilidade para assumir a menor a seu cuidado, para evitar que a mesma cresça numa instituição de acolhimento;

1.56. A avó materna da C ficou viúva quando era mãe de sete filhas menores;

1.57. Por causa das dificuldades económicas por que passavam, a mãe da C e as irmãs S, E e M foram institucionalizadas no Lar ;

1.58. M é tia paterna em 1.º grau da C;

1.59. É casada e reside na , com o marido e um filho de 20 anos de idade, estudante;

1.60. Não pretende assumir o cuidado da C, por ser uma pessoa pobre e doente, e o marido e o filho não aceitarem essa situação;

1.61. Em 28 de Fevereiro de 2005, foi emitido pela Equipa de Adopção de Angra do Heroísmo um Certificado de Selecção de Candidato a Adoptante ao casal adoptante;

1.62. No dia 15 de Abril de 2005, em reunião da Equipa de Adopção de Angra do Heroísmo, foi deliberado por unanimidade que esse casal detém o perfil adequado para poder vir a adoptar a C;

1.63. R e N casaram um com o outro em 1989;

1.64. Nunca tendo tido filhos por problemas de infertilidade da requerente;

1.65. R nasceu em 24 de Setembro de 1966 e é mecânico de automóveis desde 1999, tendo anteriormente sido abastecedor e jardineiro;

1.66. N nasceu em 20 de Dezembro de 1967 e exerce as funções de engomadora numa lavandaria há 20 anos;

1.67. Vivem na freguesia de S, numa vivenda própria, com boas condições de habitabilidade, composta por dois quartos, uma sala, uma casa de banho, uma cozinha e uma garagem;

1.68. A casa tem amplo espaço exterior, com pátio e jardim;

1.69. Têm acesso a transportes públicos e têm meio de transporte próprio;

1.70. O seu rendimento mensal é de cerca de € 1500,00, tendo cerca de € 300,00 de despesas mensais fixas;

1.71. Gozam de boa saúde física e psíquica;

1.72. Mantêm uma boa relação conjugal e com os restantes elementos da família alargada;

1.73. A sua postura é a de que a agressão é um método educacional inadequado;

1.74. Entendem dar prioridade ao diálogo e ao estabelecimento claro dos limites do comportamento de uma criança;

1.75. Consideram que as regras educativas devem ser acordadas entre o casal e que um não deve desautorizar o outro na frente da criança e privilegiam a educação baseada no afecto;

1.76. Na localidade onde residem existem equipamentos educativos e associações desportivas e recreativas;

1.77. Por decisão judicial proferida em 21 de Outubro de 2005, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º o Tribunal Judicial de V, a C foi confiada, aos adoptantes, nos termos do art. 35.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro- confiança com vista a futura adopção;

1.78. A C encontra-se a viver com os candidatos à adopção desde 16 de Novembro de 2005;

1.79. A menor tem um quarto especialmente preparado para si, dispondo de tudo o que uma criança da sua idade necessita, designadamente em termos de roupas, brinquedos, mobiliário e artigos de higiene e para a sua alimentação;

1.80. A C foi logo aceite pela família dos requerentes como filha destes;

1.81. N gozou a licença de adopção, de forma a atender ás necessidades da menor;

1.82. A C evidencia reconhecer a candidata e prefere o seu colo;

1.83. Mostra-se bem cuidada, sendo assistida em consultas de saúde materno-infantil, encontrando-se os seus percentis de desenvolvimento dentro da normalidade;

1.84. R colabora na prestação de cuidados da C, designadamente dando-lhe banho e alimentação;

1.85. A C mostra-se uma criança sociável, alegre e activa, muito atenta aos estímulos e respondendo a estes de forma adequada,

1.86. Os adoptantes tiveram apoio de uma vizinha e de uma cunhada no cuidado diário da criança, durante o tempo laboral;

1.87. Actualmente, a C frequenta a creche de S. L, apresentando-se sempre limpa e bem cuidada.

2. Da pretensa violação do contraditório (no âmbito do incidente de dispensa do consentimento)

Em sede de conclusões recursórias, sustenta a apelante que «não contestou a acção por não se ter apercebido que o Dr. M, seu primeiro patrono se tinha reformado».

Desde logo, cumpre sublinhar que, no âmbito da respectiva tramitação, o processo tutelar cível de adopção não comporta a prática de acto processual de parte reconduzível a uma contestação, pelo que, neste estrito contexto, nenhuma consequência adviria de uma tal alegação recursória.

Todavia, afigura-se-nos que a questão deve ser colocada no âmbito da situação desencadeada pela indevidamente ordenada notificação dos pais biológicos da menor «para se pronunciarem, nos termos do nº 2 do artº. 171º da OTM, sobre a existência dos pressupostos que dispensam a necessidade do seu consentimento para adopção», neste contexto se passando a analisar.

Efectivamente, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º do Tribunal Judicial de V apensado a estes autos de adopção foi nomeado patrono da ora apelante o Sr. Dr.  (cfr. fls. 293 e 329 daqueles autos).

Em sede recursória, não concretiza a apelante quando é que «se apercebeu que o Dr., seu primeiro patrono, se tinha reformado» .

Ora, a apelante e o pai da menor foram notificados «para se pronunciarem, nos termos do nº 2 do artº. 171º OTM, sobre a existência dos pressupostos que dispensam a necessidade do seu consentimento para adopção», por carta registada com A/R (cfr. fls. 55 e 56), mostrando-se o respectivo A/R assinado pela apelante em 7.08.2006 (cfr. fls. 88 e 89).

Todavia, só após prolação da sentença de decretamento da adopção, mediante fax de 24.8.2006 (cfr. fls. 84) – não obstante o requerimento se mostrar datado de 9 de Agosto de 2006 -, veio a progenitora da menor «solicitar que lhe fosse atribuído novo patrono», por ter sido informado pelo próprio Dr.  que «estava reformado, recusando-se a defendê-la», tendo sobre tal requerimento recaído o despacho de fls. 86, na sequência do qual, foi nomeado patrono à apelante o Sr. Dr.  (cfr. fls. 91 e 92), nomeação que, de resto, só ocorreu dado estar em curso o prazo de interposição de recurso.

Nomeado novo patrono à apelante, foi o mesmo notificada da sentença que já havia sido proferida e antes mesmo daquela comunicação feita ao tribunal por parte da apelante.

Assim, apesar de, pelo menos em 9 de Agosto de 2006, ter a apelante tido conhecimento da situação que ora invoca, não agiu com a diligência que se lhe impunha, deixando decorrer o prazo de  cerca de 15 dias até ao envio do fax.

Como assim, não pode a apelante pretender extrair quaisquer efeitos processuais da relatada situação em que, à sua falta de diligência, nenhuma violação de norma prescritiva ou proibitiva do correspondente acto processual corresponde por banda do tribunal.

Ademais, pelas razões infra abordadas (sob os pontos 4.1. e 4.2.), sempre estaria arredada qualquer inobservância de contraditório, dado a situação em causa nestes autos de adopção não comportar o incidente de dispensa de consentimento.

Improcedem , assim, os argumentos aduzidos na 7ª conclusão recursória.

3. Do pretenso erro formal da sentença (error in procedendo): nulidade da al. b)  do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil.

3. 1. Sumária indagação do quadro normativo
A violação das normas processuais que disciplinam a elaboração da sentença (em geral: artºs. 138º, 139º, nº 1, 143º, nº 1, 157º, 158º e 159º do Cód. Proc. Civil; em particular, artºs. 659º a 661º do Cód. Proc. Civil), enquanto acto processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas (da sentença) previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil.
No caso vertente, convoca a apelante, ainda que por forma vaga e conclusiva, a nulidade típica da sentença prevista na al. b) do citado do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil (falta de fundamentação).
O artº. 158º do Cód. Proc. Civil, concretizando a directriz constitucional constante do artº. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o dever de fundamentação.
       Por regra, na fundamentação da sentença, o juiz deve:

- discriminar os factos que considera provados, conforme exigem os nºs. 2 e 3 do artº. 659º do Cód. Proc. Civil;
- e proceder ao seu enquadramento jurídico, indicando, interpretando e aplicando as disposições legais pertinentes (cfr. nº 2 do artº. 659º do Cód. Proc. Civil).
Tal fundamentação é, aliás, uma exigência de racionalidade postulada pela sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos tribunais à Constituição e à lei, garantia essencial de um Estado de Direito democrático.
Ora, o artº. 668º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil sanciona com a nulidade da sentença as hipóteses de violação grave do dever de fundamentação.
Ou seja:
- a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou é, de todo, inintelegível o quadro factual em que era suposto assentar;
- a falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.
Na impressiva síntese de ALBERTO DOS REIS, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, p. 140).
3.2. O caso concreto
Depois desta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto:
Padece a sentença sob recurso do vício formal de falta de fundamentação para os efeitos da nulidade cominada na al. b) do nº 1 do artº. 668º do Cód. Proc. Civil? Ou, na expressão da apelante, a sentença sob recurso não se mostra «cabalmente fundamentada»?
Conforme supra referido, só a falta absoluta ou a total ininteligibilidade do quadro factual e/ou do enquadramento jurídico (violação grave do dever de fundamentação) conduz à invocada nulidade da sentença.
Ora, da simples análise da sentença sob recurso resulta à saciedade não se verificar tal hipótese no caso sub judice.
Assim, na sentença ora sob recurso, em sede de fundamentação:
- na exposição das razões de facto, procedeu-se à enunciação, de forma discriminada, da factualidade provada, motivando-se, ainda, aquela decisão da matéria de facto: cfr. fls. 74 a 80;
- no subsequente enquadramento jurídico dessa factualidade assente, foi feita a análise dos requisitos necessários para o decretamento da adopção, ajuizando-se, de seguida, da adequação dos segmentos fácticos provados para o respectivo preenchimento. Neste conspecto, indicaram-se as razões pelas quais se considerava que a adopção trazia reais vantagens para a menor C; da análise das condições económicas dos requerentes concluiu-se «darem plena satisfação às necessidades básicas» da menor; ponderaram-se os motivos que levaram os requerentes a pretender que seja decretada a adopção; considerou-se a possibilidade, razoável, de entre os requerentes e a adoptanda se estabelecer um vínculo semelhante ao da filiação, mais se considerando que esse vínculo já existe neste momento; por último, foram referidos os requisitos respeitantes à idade dos requerentes, à confiança com vista a futura adopção no âmbito de um processo de promoção e protecção e ao facto de os requerentes se encontrarem entre os candidatos seleccionados para adopção, bem como se considerou ser, no caso presente, dispensável o consentimento dos progenitores da menor (cfr. fls. 80-82).
Tem-se, assim, por não verificada a pretextada (1ª conclusão recursória) falta de fundamentação.

4. Do decretamento da adopção

4.1. Enquadramento normativo preliminar
De harmonia com a noção legal ínsita no artº. 1986º do Cód. Civil, a adopção plena constitui o acto jurídico através do qual se estabelece uma relação legal de filiação entre o(s) adoptante(s), de um lado, e o adoptado, de outro, independente dos laços de sangue, e que, à luz do preâmbulo do DL nº 120/98, de 8.5, se centra na promoção e protecção do interesse da criança desprovida de meio familiar normal, visando proporcionar a sua integração numa família substitutiva, geradora de laços afectivos em tudo semelhantes aos que resultam da filiação biológica, sendo certo que, com a Lei nº 31/2203, de 22.8, se registaram alterações significativas nalguns aspectos do regime jurídico do instituto, mas sempre com vista a assegurar a efectiva concretização do interesse superior da criança carecida de protecção, proporcionando-lhe, em tempo útil, um meio familiar alternativo à família natural.
Conforme se sublinha na respectiva Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 57/IX (pub. in DR, 2ª Série - A, nº 88, de 26-4-03, p. 3618 e segs), «a adopção é uma alternativa à filiação natural, cujos efeitos se aproximam tanto quanto possível dos desta.
Destina-se a encontrar uma família e, nomeadamente, uns pais, para as crianças que não tiveram a sorte de nascer dotadas de uma família natural, onde se pudessem desenvolver harmoniosamente ou que a vieram a perder.

(...) É claro que a adopção moderna também satisfaz interesses de pessoas que na maior parte das situações não têm filhos naturais e tem também efeitos patrimoniais.
Mas protege primordialmente os interesses da criança ( nº 1 do art. 1974 do C.C.), e os efeitos pessoais são os dominantes, já que constitui uma relação de família. ... Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidade que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.
Esta concepção da adopção corresponde aquela que está plasmada em importantes instrumentos jurídicos internacionais, com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças.
Trata-se, por outro lado, de uma intervenção que se reclama urgente, porquanto a personalidade da criança se constrói nos primeiros tempos de vida, revelando-se imprescindível para que a criança seja feliz e saudável para quem exerce as funções parentais e lhe preste os adequados cuidados e afecto.
E se, atento o primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos, não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção. »
Neste contexto, o interesse superior do adoptando define-se através de uma avaliação da situação em concreto, sob uma perspectiva global e sistémica, de natureza interdisciplinar e interinstitucional e encontra-se intimamente  ligado à satisfação da necessidade de crescimento harmonioso da criança, em ambiente familiar e num clima de amor, aceitação e bem-estar. Por outro lado, é igualmente um interesse decorrente da salvaguarda da continuidade das ligações afectivas estáveis do menor, operada em tempo útil, de harmonia com o sentido do tempo próprio da criança.
Quanto aos requisitos gerais da adopção, resulta da enunciação (cumulativa) do artº. 1974º do Cód. Civil serem os seguintes:
- apresentar reais vantagens (de carácter económico ou de outra natureza) para o adoptando;
- fundar-se em motivos legítimos ou justas razões;

- não envolver sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante;

- ser razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação;

- estar o adoptando ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar do estabelecimento de laços afectivos e da conveniência da constituição do vínculo, período que não deverá exceder seis meses, após o estabelecimento da confiança judicial ou administrativa (cfr. artº. 9º, nº 1, do DL nº 185/93, de 22.5 e Lei nº 31/2003, de 22.8).

Acresce que a verificação de tais requisitos gerais terá de ser enquadrada pela ideia força de que «a adopção visa realizar o superior interesse da criança», como expressamente se consigna no aludido nº 1 do artº. 1974º.

Por outro lado, tais requisitos prendem-se com um juízo de oportunidade, exigindo-se, em primeira linha, que a adopção apresente reais vantagens para o adoptando e que ela represente o meio adequado à realização do seu interesse superior.

Pretende-se, em suma, que, através do vínculo da adopção, a criança privada de uma família que lhe proporcione um ambiente onde possa crescer de forma equilibrada e harmoniosa possa encontrar uma solução familiar alternativa adequada às suas necessidades de desenvolvimento integral, como, de resto, é seu direito fundamental (cfr. artº. 69º da Constituição da República Portuguesa).

Relativamente aos requisitos especiais dos candidatos a adoptantes (tratando-se de adopção plural), resulta do artº. 1979º do mesmo diploma que:

- os adoptantes terão de estar casados (ou viver em união de facto) há mais de quatro anos e não estar separados judicialmente de pessoas e bens ou de facto;

- os adoptantes deverão ter mais de vinte e cinco anos à data da instauração da acção;

- a idade máxima para se poder adoptar é de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, sendo que a partir dos 50 anos a diferença de idades entre o adoptante e o adoptando não poderá ser superior a 50 anos.

Por sua vez, quanto aos requisitos especiais dos adoptandos, resulta do artº. 1980º do Cód. Civil que:

- só podem ser adoptados os filhos menores dos cônjuges, os que tenham sido administrativa ou judicialmente confiados ao adoptante e , ainda os que, na sequência de medida de promoção e protecção tenham sido confiados a pessoa seleccionada para a adopção;

- o menor deverá ter menos de 15 anos à data do requerimento inicial de adopção.

Por último, no que respeita ao requisito especial do consentimento:

No artº. 1981º do Cód. Civil indicam-se as situações em que o consentimento para a adopção deve ser dado ou dispensado, prevendo-se no artº. 1982º a forma e o tempo do consentimento.

Assim, conforme dispõe o artº. 1981º, nº 1, al. c), do Cód. Civil, para a adopção é necessário o consentimento dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de protecção de confiança com vista a futura adopção.

O tribunal pode, porém, dispensar esse consentimento nas hipóteses previstas no nº 3 do mesmo artº. 1981º do Cód. Civil.

A averiguação dos pressupostos de tal dispensa do consentimento constitui um incidente tramitado no próprio processo de adopção, no qual, além do mais, deve ser observado o contraditório relativamente às pessoas cujo consentimento pode ser dispensado (cfr. artº. 171º da OTM).

Ou seja: a problemática da dispensa do consentimento só se coloca quando não tenha havido prévia confiança judicial ou aplicação de medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, uma vez que, decretada uma destas, deixa de ser exigido o consentimento (cfr. artº. 1981º, nºs 1, al. c), e 2, do Cód. Civil).

4.2. Da pretensa violação do disposto no artº. 1982º do Cód. Civil.

Desde já se adianta , não assistir qualquer razão à apelante neste particular.

Efectivamente, no caso presente:

- Por decisão judicial proferida em 21 de Outubro de 2005, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º do Tribunal Judicial de V, a C foi confiada, aos adoptantes, nos termos do art. 35.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro- confiança com vista a futura adopção (1.77.);

- A C encontra-se a viver com os candidatos à adopção desde 16 de Novembro de 2005 (1.78.).

Assim, tendo havido prévia aplicação de medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, não é exigido o consentimento no caso sub judicio, pelo que, necessariamente não há violação da norma respeitante à forma, momento e lugar da prestação do mesmo.

Improcede, em consequência, a 9ª conclusão recursória.

4.3. Das reais vantagens para a adoptanda (em face das actuais condições dos progenitores)
Por último, suscita a recorrente a questão do erro de julgamento com vista à revogação da decisão recorrida, sustentando, para tanto, em súmula, que, perante a melhoria progressiva das condições materiais e afectivas da família biológica, o seu empenho para que a menor voltasse a viver no seio familiar e o amor que os progenitores nutrem pela menor, realiza o superior interesse da menor a não adopção.

Decidida - por decisão judicial proferida em 21 de Outubro de 2005, e já transitada em julgado, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º do Tribunal Judicial de V - a adoptabilidade da menor C, apenas há que verificar se estão preenchidos os requisitos legais imperativos da adopção e, designadamente, se à luz do superior interesse da criança, a questionada adopção trará reais vantagens para a menor, tendo presente o primado da família biológica e algum reequilíbrio da mesma família, designadamente, a nível afectivo e material.

Desde já, no tocante àquele 1º pressuposto, e conforme consta da sentença recorrida, mostram-se preenchidos tais requisitos legais imperativos, porquanto:

- os adoptantes, casados entre si desde 14.2.1989, tinham mais de 35 e menos de 65 anos quando a menor C, nascida a 17.2.2005,  passou a viver com eles em 16.11.2005 ;
            - a menor C foi confiada aos requerentes por decisão judicial proferida em 21 de Outubro de 2005, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º  do Tribunal Judicial de V;
            - no caso sub judice, não é necessário o consentimento dos pais biológicos da menor, visto ter havido aplicação da medida de confiança a casal seleccionado para adopção.
       Verifica-se, ainda, que os adoptantes nunca tiveram filhos por problemas de infertilidade da requerente, e resulta da análise da relação afectiva estabelecida no decurso do período de pré-adopção, que a menor se encontra bem integrada e inserida na família dos requerentes, o que demonstra o afecto e amor destes pela criança, tendo tal relação de afecto estabelecida com o casal promovido um desenvolvimento psico-afectivo harmonioso da menor, sendo inquestionável que se encontra estabelecido um forte vínculo afectivo.
Resta, assim, averiguar se a adopção sub judice trará, ou não, reais vantagens (de carácter económico ou de outra natureza) para a menor C, no pretendido cotejo com as eventuais vantagens advenientes da não adopção.
Da simples análise de todos os elementos de facto constantes dos autos, resulta, desde logo, clara e inequívoca a necessidade que houve de retirar a menor do seio da família constituída pelos seus progenitores.
Repristinando o quadro factual pertinente, temos que:

- Após o parto, a progenitora da C levou-a para o anexo de uma casa em ruínas, sita na Estrada Regional n.º 1, em zona rural e descampada (1.4.);

- Este anexo funciona como instalação sanitária, tem uma área de cerca de 1 m2 e dista cerca de 10 minutos a pé da habitação dos pais da C (1.5.);

- Aí chegada, H deixou a recém-nascida deitada sobre o tampo da sanita, dentro de um saco de plástico e embrulhada em roupa (1.6.);

- Após, regressou a casa, onde se arrependeu e receou a morte da recém ­nascida, mas não voltou atrás (1.7.);

- Cerca das 17:30 horas, a C foi encontrada por seu pai, o qual chamou a polícia, que se deslocou ao local e levou a menor para o Centro de Saúde de  (1.8.);

- Naquela ocasião e nos momentos que se seguiram, H negou aos presentes ser a mãe da criança (1.11.);

- A C permaneceu internada no Centro de Saúde desde o dia 17 ao dia 19 de Fevereiro de 2005 (1.12.);

- Por decisão judicial proferida em 18 de Fevereiro de 2005, nos autos de Processo de Promoção e Protecção n.º do Tribunal Judicial de V, a C foi confiada, provisoriamente e pelo período de três meses, à guarda e cuidados da Irmandade (1.13.);

- Durante todo o período da institucionalização, nem os progenitores, nem a família alargada estabeleceram contactos directos com a menor, nem nunca contactaram a instituição (1.18.).

No que concerne às condições materiais de vida da apelante e do respectivo agregado familiar, dos factos dados como provados resulta que os progenitores da menor residem em habitação que se encontra degradada, desorganizada, com falta de higiene e más condições de habitabilidade, inclusive dormindo um dos filhos da apelante, de dez anos de idade, no quarto dos pais; por outro lado, os filhos que com a apelante continuam a residir têm fraco desenvolvimento educacional (cfr. cfr. pontos 1.23, 1.24,1.25 a 1.31 dos factos dados como provados).

Por sua vez, os requerentes não só podem proporcionar à menor uma melhor situação habitacional, como igualmente lhe podem proporcionar um outro desenvolvimento pelos meios que estão ao seu alcance (cfr. pontos 1.67 a 1.70 e 1.76 dos factos provados), têm oferecido à menor um ambiente familiar, cuidando dela como se fosse filha biológica, o que vem optimizando o harmonioso desenvolvimento da menor, de tal forma que presentemente a menor, que se apresenta sempre limpa e bem cuidada, se encontra com os seus percentis de desenvolvimento dentro da normalidade e se mostra uma criança sociável, alegre e activa, muito atenta aos estímulos e respondendo a estes de forma adequada (cfr. pontos 1.83 a 1.87 dos factos provados).

Assim, do simples confronto entre tais realidades (de um lado, fracas condições de habitabilidade e de higiene; do outro, boas condições de habitabilidade e de higiene e asseio), temos que concluir que a menor, sob o ponto de vista de conforto, higiene, saúde, alimentação e educação só tem a lucrar com a adopção, tanto mais que tais benefícios lhe são proporcionados através de uma família., o que os pais biológicos não lhe proporcionaram , nem se vislumbra que o possam fazer.

Prosseguindo em tal cotejo, temos ainda:

- de um lado, quem abandonou a menor no momento do nascimento (o caso da apelante) e durante os longos meses de institucionalização da menor e a entrega da menor aos requerentes, jamais procurou a menor ou procurou saber como se encontrava (os progenitores), apesar de afirmarem que pretendiam que a menor lhes fosse entregue;

- do outro lado, quem protegeu a menor, quem procurou dar-lhe carinho e amor e diligenciou por lhe proporcionar um lar, no qual a menor se desenvolvesse harmoniosamente (os requerentes).

            Em conclusão: mostram-se verificados todos os requisitos legais para que o vínculo da adopção plena possa ser decretada, por ser do superior interesse da criança, uma vez que a  adopção traz reais vantagens para a menor C (sendo certo que os pais biológicos da menor não estavam em condições, nem se encontram em condições, de criar devidamente a menor, o que, ao invés, pode acontecer através da presente adopção), se funda em motivos legítimos e entre os adoptantes e a adoptanda já se estabeleceu um vínculo semelhante ao da filiação (confirmado ao longo deste cerca de ano e meio), pelo que a decisão sob recurso não é passível de qualquer censura, improcedendo as conclusões recursórias 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 8ª.

IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível da Relação de Lisboa em, julgando improcedente a apelação, confirmar integralmente, em consequência, a sentença recorrida.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Junho de 2007

(Processado e integralmente revisto pela relatora, que assina e rubrica as demais folhas)

(Isabel Canadas)

(Sousa Pinto)

(Maria da Graça Mira)