Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
65/11.0JAFUN-A.L1-5
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
SUSPEITO
INDÍCIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº O legislador português inscreveu o regime de escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre, por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo e por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal;
IIº Tratando-se de uma diligência de investigação que restringe direitos fundamentais com tutela constitucional, há que respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, referidos no nº2, do art.18, da Constituição da República Portuguesa;
IIIº Não constando dos autos mais que uma denúncia anónima contra determinada pessoa, o facto desta ter antecedentes criminais da mesma natureza do ilícito denunciado, não é suficiente para a mesma ser considerada suspeita por novo crime, razão por que não ocorrem os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada uma escuta telefónica;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I.
1- No âmbito do processo acima referenciado, foi proferido em 07/03/2011 despacho judicial que indeferiu o pedido formulado pelo Ministério Público para autorização de determinada intercepção telefónica, com fundamento na falta de elementos que permitissem concluir que o suspeito nos presentes autos se dedicava à actividade de tráfico de estupefacientes e que o telemóvel indicado estivesse a ser utilizado pelo mesmo. 

2- O Ministério Público veio recorrer deste despacho apresentando as seguintes conclusões à sua motivação de recurso que se transcrevem:

(…)
1) A Exma. Juiz de instrução, na sua decisão, pôs em causa, implicitamente, a falta de indícios da actividade de tráfico e indeferiu as escutas com base na falta de elementos que permitissem concluir que o suspeito A…  se dedicava à actividade de tráfico e que o telemóvel indicado estivesse a ser usado pelo mesmo.
2) Salvo entendimento diverso, dos elementos recolhidos pela Polícia Judiciária resultam indícios de que o suspeito A… se dedica à actividade de tráfico de estupefacientes em colaboração com outros indivíduos, ora transportando droga de B… para o C… a fim de a mesma ser aqui comercializada, ora utilizando outras pessoas para esse efeito.
3) Nada impede que o processo criminal em que se autoriza o recurso às escutas tenha por base denúncias anónimas, desde que elas contenham factos determinados que conduzam à formação da convicção judicativa exigida pelo art. 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Maio de 2001, disponível em www.dgsi.pt; e André Lamas Leite, in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004).
4) Uma vez que o fundamento do indeferimento foi o da incerteza de que aquele número de telefone estivesse a ser usado pelo suspeito, urge perguntar qual a necessidade no presente caso de efectuar outras diligências, cujo resultados seriam certamente infrutíferos já que é sabido que raramente os traficantes fornecem a sua identificação aquando da aquisição de um número de telemóvel, quando é o próprio suspeito a fornecer à TAP/Ground Force um contacto telefónico pessoal para o caso de o necessitarem contactar.
5) O pedido de intercepção e gravação das conversas telefónicas do suspeito cumpre os requisitos materiais e processuais exigíveis, sendo, deste modo, inteiramente válidas e eficazes como diligência de investigação e meio de prova, devendo ser ordenada a intercepção do telemóvel do suspeito.
6) A referida intercepção revela-se de indispensável realização para que se prossiga com as investigações, estando esgotadas as diligências possíveis “no terreno”.
7) É inequívoco que a presente investigação não dispõe de outros meios que lhe permitam alcançar a verdade material e investigar os factos denunciados que não através das escutas aos números de telefone utilizado pelo suspeito, tanto mais que este reside em B….
8) Como é sabido, a investigação deste tipo de ilícito criminal revela-se de alguma complexidade, sendo certo que os agentes operam, normalmente, como parece ser o caso, de forma altamente organizada, com recurso a diversos meios materiais e humanos, por vezes com recurso a métodos sofisticados ou difíceis de descortinar através das meras vigilâncias externas, dificultando assim a investigação criminal e a obtenção de elementos probatórios que permitam descobrir a verdade material dos factos.
9) Estão reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada a escuta telefónica solicitada, pois estamos perante a denúncia de um crime de tráfico de estupefacientes, que requer cuidados especiais sob pena de se perturbar a investigação.
10) A douta decisão recorrida violou os artigos 187º a 190º, do Código de Processo Penal.
 
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o presente recurso procedente e proferindo-se douto acórdão que revogue a douta decisão sindicada, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene à operadora a intercepção requerida (…).
3- O recurso foi devidamente admitido e fixado o efeito legal.

4- Subiram os autos a este Tribunal onde no Parecer a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal (CPP), o Exmo. Procurador - Geral Adjunto entendeu que o recurso merece provimento.

5- Efectuado exame preliminar foram os autos remetidos para conferência.
                                                      
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.

1- O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
(…)
Requereu o MP fosse determinada a intercepção das conversações realizadas através do telemóvel que indica e que seja solicitada informação relativa a facturação detalhada e localização de tal telefone.
Compulsados os autos verifica-se que a investigação se iniciou com base na denúncia anónima efectuada por um indivíduo que dava conta que A…, um indivíduo com idade compreendida entre 40/45 anos, natural da D… mas radicado em Portugal e com residência na zona da E… se dedica ao tráfico de estupefacientes e que este, no final do mês de Fevereiro se deslocou à F… "com o intuito de aqui fazer chegar quantidade significativa de produto estupefaciente (cocaína/heroína), transportando ele próprio e/ou acompanhando controlando "correios" de droga. O denunciante informou ainda que o dito indivíduo "tem contactos privilegiados com outros que são da sua confiança, providenciado para que o produto estupefaciente que faz chegar a esta F… lhes seja entregue, a fim destes procederem ao seu escoamento (...) e é o denunciado que toma a iniciativa de contactar com as pessoas de confiança que se encontram nesta F... para desenvolver a sua actividade ilícita."
Nessa sequência foi verificado que dia 28.02.2011, pelas 21h30, no voo … (….. viajou para a F… um passageiro com o nome A…, tendo utilizado o Bilhete com o nº …. sendo que o seu regresso a B… estava agendado para o dia 15.03.2011 pelas13H20,voo …, com o Bilhete ….
Apurou-se também que o referido indivíduo efectuou a reserva de tal viagem através de uma agência de viagens com sede nas G…, fornecendo um número de telefone inexistente.
Tal indivíduo foi localizado no Hotel …, no C…, onde permaneceu, regressando a B… no dia 3 de Março de 2011, tendo indicado, aquando da aquisição desta viagem, o número de telefone cuja intercepção se pretende.
Tais elementos não são aptos a justificar a intercepção de conversações requerida.
Com efeito, não obstante o indivíduo em causa ter permanecido na F…  após a sua identificação, durante dois dias, não há qualquer informação sobre locais que terá frequentado ou pessoas que tenha contactado.
Não obstante constar da denúncia anónima que tal indivíduo já se teria deslocado à F… anteriormente, nada foi averiguado.
Em suma, para além da convicção policial, os elementos probatórios que podem ser atendidos dão conta que um indivíduo natural da D…e com antecedentes pela prática de crime de tráfico se deslocou à F… entre os dias 28 de Fevereiro e 3 de Março, permaneceu numa unidade hoteleira no C.l e antecipou o seu regresso a B….
Ora, as intercepções telefónicas têm carácter excepcional e colidem gravemente com direitos fundamentais, apenas se justificando quando existam já indícios da prática de um dos crimes a que se refere o art.187.° do Código de Processo Penal e quando se conclua que a diligência é indispensável para o apuramento da verdade e a obtenção da prova.
Assim, sem que previamente se confirmem os demais elementos, designadamente os relativos a viagens anteriores, períodos de estadia, eventual ausência de ligação do suspeito à F… e ate a titularidade pelo mesmo telefone identificado, não é possível afirmar que estão preenchidos os requisitos legais para o deferimento do requerido.
Deste modo, e por ora, não autorizo a intercepção de comunicações requerida.
(…)

2- É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

O objecto do presente recurso cinge-se à apreciação do despacho judicial que indeferiu, por falta de requisitos legais, o pedido formulado pelo Ministério Público em que solicitava autorização judicial para que fosse efectuada determinada intercepção das conversações realizadas através do telemóvel que indicou e que fosse solicitada informação relativa a facturação detalhada e localização de tal telefone utilizado por um indivíduo em relação ao qual existem suspeitas de que se dedica ao crime de tráfico de estupefacientes.

3- Apreciemos.

3.1- O MP promoveu em 4/03/2011 (fls. 26 e 27), que ao abrigo do disposto nos arts.187º e 189º do CPP (serão deste Diploma todas as disposições legais sem menção de origem), fosse ordenada a intercepção e gravação das conversas realizadas através do número …. da operadora TMN, a intercepção do último IMEI utilizado, mantendo a intercepção ao cartão nele utilizado, acesso à facturação detalhada, registos de Trace Back, localização celular e intercepção de faxes e e-mails por um período não inferior a 30 dias. Fundamenta o MP a sua pretensão no facto de as diligências de investigação até então levadas a cabo nos autos se indiciar que o suspeito A… se encontrava a desenvolver actividades de tráfico de estupefacientes na F…, e que face ao modus operandi utilizado pelo mesmo na actividade desenvolvida que dificultava o recurso a outros meios menos gravosos, era imprescindível recorrer aos registos de comunicações e intercepção e gravação das comunicações telefónicas levadas a cabo entre os mesmos.

Tal promoção foi indeferida pelo despacho recorrido que atrás se transcreveu.
Vejamos.

3.2- O art. 187º consagra a admissibilidade da intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, como meio de prova, desde que ordenadas ou autorizadas por despacho judicial, relativamente aos crimes enumerados nas als. a) a e), do nº1, daquele preceito legal se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Por seu turno, o art. 188º determina as formalidades a que estão sujeitas as intercepções e gravações como meio de recolha de prova. Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judicial, e sistema de catálogo, em que a escuta telefónica é utilizada exclusiva e relativamente a ilícitos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo (expressa numa moldura penal abstracta qualificada), podem justificar a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de danosidade social [1] [2].
Tais normas reflectem os princípios ínsitos na Lei Fundamental que no seu art. 34º, nº 1, estabelece que: O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, bem como no seu nº 4, no qual se consagra que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação social, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo penal.
 
Deste normativo resulta que apenas em matéria de processo penal é admissível a limitação do direito fundamental do sigilo da correspondência e nas telecomunicações pelas autoridades públicas, corporizando os arts.187º a 190º tal excepção indicada no segmento final do comando constitucional atrás citado.

Como sublinha Costa Andrade, in ob. cit., pág. 286-287: O teor particularmente drástico da ameaça representada pela escuta telefónica explica que a lei tenha procurado rodear a sua utilização das maiores cautelas. Daí que a sua admissibilidade esteja dependente do conjunto de exigentes pressupostos materiais e formais previstos nos arts. 187º e segs. da lei processual portuguesa (….).
O legislador português procurou, assim, inscrever o regime de escutas telefónicas sobre a exigente ponderação de bens entre, por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo e por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal. Trata-se, como diz Knauth de uma ponderação vinculada, de que o intérprete e aplicador do direito não estão legitimados a desviar-se.
Ainda a este propósito, decidiu o Tribunal Constitucional, no Ac. nº 407/97, de 21/05/1997, in BMJ 467-199, (citado pelo recorrente MP), que: …a existir ingerência nas telecomunicações, no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada como uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º, nº 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente. Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas no texto constitucional. E mais adiante diz-se: …a intervenção do juiz é vista como uma garantia que assegure a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica, assegurando que tal compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção, para que de uma intervenção substancial se trate (e não de mero tabelionato), pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os, e assim, transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos -que sabemos serem consideráveis -de uso desviado

Ora, a luta contra a criminalidade passa inúmeras vezes pela limitação de direitos fundamentais. Aliás, a protecção dos direitos e garantias só é crível e exequível à custa da sua própria e inevitável limitação e restrição.
A busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico, mas o Estado, como titular do ius puniendi, está interessado em que apenas os culpados de actos criminosos sejam punidos (satius esse nocetem absolvi innocentem damnari); no entanto, há limites decorrentes do respeito pela integridade moral e física das pessoas; há limites impostos pela inviolabilidade da vida privada, do domicílio, da correspondência e das telecomunicações, que só nas condições previstas na lei podem ser transpostos.
Mas, por outro lado, exige-se a manutenção de uma administração de justiça capaz de funcionar, devendo reconhecer-se as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal eficaz e acentuar-se o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal, sendo o esclarecimento dos crimes graves tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo aludido princípio.
Em suma: como dizia o Professor Castanheira Neves a existência de uma tensão incontornável entre os dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o princípio da reafirmação, defesa e reintegração da comunidade ético-jurídica – i. é, do sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra a sua tutela normativa no direito material criminal –, e o princípio do respeito e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis da pessoa humana” (“Sumários de Processo Criminal”, 1967-1968).

Pelo que no imperativo da fidelidade estrita do paradigma da ponderação legalmente codificada, residirá uma razão decisiva e abono da exigência de uma interpretação restritiva das normas atinentes às escutas telefónicas:
concretamente, tratando-se de uma diligência de investigação que restrinja direitos fundamentais com tutela constitucional, há que respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art.18ºda CRP, ou seja dizer-se que o primado da esfera íntima, face às necessidades da justiça penal na procura da verdade, tem de recuar quando, à luz do princípio de proporcionalidade, a ponderação com o significado do direito fundamental de respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade faz emergir prevalecentes necessidades da justiça criminal, que exigem a admissibilidade de produção e valoração do meio de prova.

Acresce ainda que a própria lei ordinária estabelece requisitos formais e substantivos, (que no caso em apreço se põem em causa no despacho recorrido) e que têm a ver com a existência de fortes indícios ou, pelo menos, de indícios suficientes da prática de um crime do catálogo, e se a intercepção telefónica requerida está submetida a uma cláusula de imprescindibilidade ou indispensabilidade (como defende o recorrente MP).
Ora, como decorre dos arts.262º, n.º 1 e 1º da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal), na nossa lei processual penal, o inquérito abrange as diligências destinadas a investigar a existência de um crime, com vista a determinar o seu agente ou agentes e a respectiva responsabilidade, descobrindo e recolhendo as provas que permitam decidir sobre a acusação.
Sempre que haja notícia de um crime (seja dizer-se factos susceptíveis de constituir crime), inicia-se um inquérito que se destina à descoberta, recolha e, sempre que tal for possível, à verificação e comprovação dos factos que condicionam a aplicação posterior do direito, verificação que, para efeitos de prosseguimento do processo criminal, há-de consistir na sua demonstração feita por meio de provas. A procura e recolha das provas e, essencialmente, a conservação de todos os elementos probatórios que forem apurados constitui a finalidade precípua do inquérito, com vista à dedução da acusação e posteriormente à prova directa, em julgamento, dos factos que integram essa acusação, de forma a obter-se uma decisão condenatória.

Esclareça-se ainda que nesta fase de investigação do processo comum, a aquisição da prova incumbe ao Ministério Público, que o dirige, embora a realização de determinadas diligências probatórias são realizadas pelo juiz de instrução, ou são, previamente, ordenadas ou autorizadas por este.
É o que acontece no caso presente. É necessária a prévia autorização do juiz, a qual no caso foi negada.

3.3- Vejamos o caso em concreto:

A investigação a que se reportam os autos iniciou-se com base na denúncia anónima efectuada por um indivíduo que dava conta que A…, um indivíduo com idade compreendida entre 40/45 anos, natural da D… mas radicado em Portugal e com residência na zona da … se dedica ao tráfico de estupefacientes e que este, no final do mês de Fevereiro se deslocou à F… com o intuito de aqui fazer chegar quantidade significativa de produto estupefaciente (cocaína/heroína), transportando ele próprio e/ou acompanhando controlando "correios" de droga. O denunciante informou ainda que o dito indivíduo "tem contactos privilegiados com outros que são da sua confiança, providenciado para que o produto estupefaciente que faz chegar a esta F… lhes seja entregue, a fim destes procederem ao seu escoamento e é o suspeito que toma a iniciativa de contactar com as pessoas de confiança que se encontram nesta F… para desenvolver a sua actividade ilícita”.
Na sequência desta denúncia verificou-se que no dia 28/02/2011, pelas 21h30, no voo … (… - B…/C….) viajou para a F… um passageiro com o nome A…, tendo utilizado o Bilhete com o nº …, sendo que o seu regresso a B… estava agendado para o dia 15/03/2011 pelas13H20,voo …, com o Bilhete …….
A reserva desta viagem foi feita através de uma agência de viagens com sede nas Canárias, tendo então sido fornecido um número de telefone inexistente.
Este indivíduo foi localizado no Hotel …, no C…, onde permaneceu, tendo antecipado o seu regresso para B… para o dia 3 de Março de 2011, tendo indicado, aquando da aquisição desta viagem, o número de telefone cuja intercepção agora se pretende.
Mais resulta de fls. 10 que o suspeito possui antecedentes relacionados com o tráfico de estupefacientes, tendo inclusive cumprido pena de prisão pela prática de esse ilícito no âmbito do processo nº…… da …ª secção, da …ª Vara Criminal de Lisboa.
Perante o que ficou relatado (que é o que consta dos autos), entende o recorrente MP existirem indícios suficientes de que a conduta de A… é suspeita e que o mesmo se dedica à actividade de tráfico de estupefacientes em colaboração com outros indivíduos, umas vezes transportando droga de B… para o C… a fim de a mesma ser aqui comercializada, outras vezes utilizando outras pessoas para esse efeito, tendo ainda o mesmo agido de forma a poder “despistar” as autoridades policiais, nomeadamente, através da antecipação do seu regresso a B….
Desta forma, afirma o MP que o pedido de intercepção e gravação das conversas telefónicas do suspeito deve ser deferido, uma vez que se verificam os requisitos materiais e processuais exigíveis, sendo, deste modo, inteiramente válidas e eficazes como diligência de investigação e meio de prova, devendo ser ordenada a intercepção do telemóvel do suspeito.
Por outro lado, acrescenta que a referida intercepção se revela de indispensável realização para que prossigam as investigações, estando esgotadas as diligências possíveis “no terreno”, rebatendo assim a ideia de que deveriam ser primeiro realizadas outras diligências referidas no despacho recorrido (designadamente elementos relativos a viagens anteriores, períodos de estadia, eventual ausência de ligação do suspeito à F… e a titularidade do telefone identificado).
Por último, acrescenta o recorrente que é inequívoco que a presente investigação não dispõe, para já, de outros meios que lhe permitam alcançar a verdade material e investigar os factos denunciados a não ser através das escutas ao número de telefone utilizado pelo suspeito, tanto mais que este reside em B…. Mais alude à complexidade da investigação deste tipo de ilícito criminal, uma vez que os seus agentes operam, normalmente, de forma altamente organizada, com recurso a diversos meios materiais e humanos, por vezes com recurso a métodos sofisticados ou difíceis de descortinar através das meras vigilâncias externas, dificultando assim a investigação criminal e a obtenção de elementos probatórios que permitam descobrir a verdade material dos factos.

Se, por um lado, o recorrente tem razão, pois são conhecidas as cautelas usadas pelos traficantes de estupefacientes, as estratégias e os meios que utilizam para se furtarem ao controlo policial, a rapidez e a dissimulação na concretização dos actos de tráfico e a circunstância de, não raro, conhecerem os agentes policiais e as viaturas que utilizam, as escutas telefónicas são, neste tipo de criminalidade, um instrumento de investigação particularmente adequado e eficaz, embora, se diga, desde já que por si só não são suficientes para a condenação de um indivíduo, sendo necessário que as mesmas sejam acompanhadas por outros meios de prova a recolher durante a investigação.
Por outro lado, é um meio de recolha de prova particularmente idóneo, pois está sujeito a controlo judicial e é o juiz de instrução que procede à avaliação dos elementos recolhidos e decide se são relevantes para a prova.
No entanto, o despacho recorrido entendeu, e bem a nosso ver que não existem indícios suficientes da actividade de tráfico de estupefacientes por parte do suspeito pelo que indeferiu as escutas com base na falta de elementos que permitissem concluir que aquele se dedicasse àquela actividade de tráfico e que o telemóvel indicado estivesse a ser usado pelo mesmo.

Dito isto, questionamos, no entanto, se in casu, as suspeitas são patentes, como refere o recorrente e se o despacho recorrido (que entende que não existirem) ao indeferir a requerida intercepção telefónica apenas se limitou a respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art.18º,da CRP. E é este o cerne da questão.

Para resolver a questão recordemos o nosso Acórdão de 11/01/2011, proferido no p.nº 97/10.5PJAMD-A.L1-5, in www.dgsi.pt:

(…) Assente que o crime em investigação, o de tráfico de estupefacientes, é um dos chamados de “catálogo”, (al. b) do nº 1 do art. 187º) convirá recordar que de acordo com o “corpo” desta disposição legal, a operação de intercepção e gravação de comunicações telefónicas só pode ser autorizada durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.
Mais útil do que esgrimir argumentos decalcados melhor é dar a palavra a quem reflectiu sobre a questão, de forma equilibrada, há que salientá-lo.
Carlos Adérito Teixeira in “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas” (Revista do CEJ, Número 9, pags 244-245 referiu exemplarmente o seguinte (…):
«Leio a actual formulação do n.° 1 do art. 187 do CPP como representando:
i) uma mais exigente ponderação, no plano concreto, sobre a necessidade, a pro­porcionalidade, a adequação ou a idoneidade do meio (escuta);
ii) ii) a exigência de uma suspeita fundada — não uma mera suspeita — da prá­tica de certo crime do catálogo; julgo que fundada suspeita pressupõe que já haja um certo nível de indícios; logo, não basta a mera ‘notícia do crime’ e muito menos a denúncia anónima, mesmo que muito verosímeis e suficientemente concretizadas;
iii) uma utilização prática subsidiária da intercepção telefónica, o que vale por dizer que só se mostra admissível o recurso a este meio intrusivo se não for possível alcançar "a mesma eficácia probatória à custa de meios menos gravosos".
Claro que se tornará difícil ao magistrado do Ministério Público demonstrar e ao juiz de instrução fundamentar, em concreto, a impossibilidade de obtenção, por outra forma, de um certo resultado probatório; ainda assim, o legislador temperou o requisito com a ideia de "grande dificuldade" de tal obtenção. De todo o modo, torna-se imperioso que a necessidade da escuta esteja muito bem caracterizada e também concretizada no plano indiciário.
E se é verdade que a norma não alude, expressamente, à existência de indícios, a definição de suspeita, de suspeito e de fundada suspeita, associada às razões para crer sobre a indispensabilidade da prova, não deixará dúvidas sobre a sua pertinên­cia para a decisão de autorização.
Não se trata, porém, de ser o último meio a lançar-se mão, num sentido cro­nológico, mas sim o "último" no plano lógico ou lógico-funcional. De outro modo, se o critério fosse cronológico, só no fim do inquérito é que haveria lugar a escutas; nessa altura, já não se justificaria porque a prova estaria coligida ou já não se poderia obter porque a oportunidade efectiva ter-se-ia gorado.
Uma vez reunidos indícios seguros sobre a realização de certo crime e da neces­sidade de certa intercepção telefónica, tendo em vista obter com sucesso informação "privilegiada" sobre a respectiva verificação ou sobre o momento e lugar da sua efec­tivação, passada ou futura, não parece admissível que a escuta seja recusada pelo juiz de instrução com o argumento de que ainda é possível realizar a inquirição de mais uma testemunha.
Naturalmente, a escuta será o último meio a usar no quadro de um juízo a estabelecer entre as vias disponíveis ou na escala de possibilidades dos meios de prova, tendo em vista um certo resultado que se não alcança por essas outras vias.»
Claro que a lei não impõe a quantificação dos «indícios seguros» mas necessário se torna que eles tenham suficiente consistência e que também esteja evidenciada a necessidade de usar meios de obtenção de prova mais invasivos porque as dificuldades de prosseguir a investigação são cada vez maiores. É da circunstância de estarem realmente indiciadas – não supostas – a sofisticação dos procedimentos, a reserva dos contactos ou, porventura, a dispersão dos suspeitos – para falar dos aspectos mais comuns – que há-de advir a conclusão de que a tarefa de investigar está «essencialmente dificultada» (Prof Costa Andrade, “Sobre as Proibições …”, pag. 288) e que, por isso, há grande utilidade ou interesse na utilização deste meio de recolha de prova na consagração das ideias incontornáveis de necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.
E o que também não impõe, seguramente, é que essa avaliação sobre a maior ou menor dificuldade da tarefa seja feita depois de muitas tentativas infrutíferas de obtenção de resultados e de muito investimento de meios, quando o efeito útil da intercepção se tiver esgotado.
Naturalmente que a presteza da intervenção é um dado essencial a ponderar se se quiser dar algum sentido a expressões como “descoberta da verdade” e “utilidade para a prova”. Afinal, a eficácia da investigação é determinante para a descoberta da verdade – evidentemente que não a todo o custo mas também não bloqueada pela sobreposição do formalismo – e, por essa via, na linha do que já supra se referiu, também determinante para a supremacia do Estado de Direito que se não realiza apenas com a tutela dos interesses pessoais a cujo respeito há embora que reconhecer limites inultrapassáveis. Como ensinam os Mestres joga-se também, neste domínio, a protecção das instituições e a viabilização de uma administração eficaz da justiça fundamentais para o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo crime e para a reafirmação da validade das normas jurídicas que permitem a vida em sociedade protegendo outrossim a liberdade individual.
Se há, como se reconhece, uma tensão entre interesses diversos mas em derradeira análise não opostos, o que deve prevalecer é, crê-se, uma interpretação da lei – à qual corresponderá uma prática processual – que acautele a efectiva violação dos direitos fundamentais das pessoas e não uma ideia ambígua da defesa desses direitos.
Aqui chegados há um dado particularmente importante que é preciso chamar à colação porque parece frequentemente esquecido, como no caso presente.
O Ministério Público está obrigado pela lei a pautar as suas intervenções processuais por critérios de estrita objectividade (art. 53º, nº 1, parte final, CPP; cfr ainda art, 2º, nº 2 do seu Estatuto) e sendo competência do órgão de policia criminal coadjuvar o Ministério Público enquanto autoridade judiciária titular do inquérito (art. 55º, nº 1 CPP) afigura-se que lhe é também conatural, ainda que se possa admitir que não de forma tão vincada, compreensivelmente, esse dever de objectividade que há-de suportar a apreciação da fidedignidade do conjunto das informações bem como a fundamentação das suas propostas. Porque a objectividade há-de ser “lida” na investigação criminal como a intervenção nesse âmbito «de acordo com o padrão e os critérios usados pela comunidade na valoração do facto» (cfr CPP Anotado, de Simas Santos e Leal-Henriques, 3ª ed, 368) e não segundo uma perspectiva meramente policial que pode ser até entendível.
(…)
Não há, portanto, qualquer evidência por um lado sobre a existência de uma suspeita fundada pois em nome do dever de estrita objectividade que o magistrado recorrente está obrigado a respeitar não é possível nem razoável afirmar que a circunstância de alguém ter antecedentes criminais por certo crime, apenas e só, o torna suspeito de estar a cometer de novo o mesmo ilícito; e, por outro, sobre a verificação de uma situação em que a investigação esteja “essencialmente dificultada”.
Fez bem, por isso, o Sr. juiz de instrução em indeferir nas concretas circunstâncias de tempo e de oportunidade que lhe foram colocadas o pedido de intercepção formulado”…

Descrevemos no início deste ponto as diligências efectuadas pelo OPC e que levou o magistrado recorrente a entender que existem indícios suficientes ou patentes suspeitas de que o indivíduo em causa se dedica ao tráfico de estupefacientes, pelo que justifica a autorização de uma intercepção telefónica.
Ora, o que existe nos autos é que o órgão de polícia criminal adquiriu a notícia da actividade criminosa através de informações transmitidas por um indivíduo que quis manter-se anónimo, subscrevendo o auto de notícia e afirmando que as informações transmitidas tinham fundamento. Só que aquilo que se diz ser a actividade do suspeito é objecto de exposição e síntese pelo órgão de polícia criminal no que se designa como “auto de notícia” elaborado, como se diz de acordo com o art. 243º. O nº 1 desse artigo determina que sempre que uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória levantam ou mandam levantar auto de notícia. Na realidade, porém, o órgão de polícia criminal não presenciou qualquer crime. Apenas supõe que haja crime.

Não existe, deste modo, qualquer evidência por um lado sobre a existência de uma suspeita fundada ou patente ou mesmo indícios suficientes, pois em nome do dever de estrita objectividade a que o magistrado recorrente está obrigado, não é possível, nem razoável afirmar que pelo facto (como se diz no recurso) de alguém ter antecedentes criminais por determinado crime, o torna suspeito de estar de novo a cometer o mesmo ilícito. E, por outro lado, quando alega que verificando-se uma situação em que se torne indispensável a realização da intercepção, estando esgotadas as diligências “possíveis” no terreno, não dispondo a investigação de outros meios que lhe permitam alcançar a verdade material, resulta da leitura dos autos que não se verifica ter sido feita qualquer diligência ou que dê corpo à suspeita do cometimento de qualquer crime e que levasse à autorização judicial solicitada. Com efeito, fica-se com sérias dúvidas sobre qual o fundamento que permite concluir que as informações transmitidas foram confirmadas.

Por último, quanto ao fundamento referido no despacho recorrido que do apurado não resulta que o telefone indicado seja usado pelo suspeito A…, não sendo possível concluir que o mesmo, cuja intercepção se requereu, esteja a ser utilizado na actividade de tráfico em investigação, diz o recorrente que no presente caso estão em causa factos relacionados com a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cuja investigação se iniciou a partir de uma denúncia anónima. Como acabámos de concluir não existem indícios suficientes ou patentes suspeitas de que o indivíduo em causa se dedica ao tráfico de estupefacientes.
No entanto, queremos ainda esclarecer que nada impede que o processo criminal em que se autoriza o recurso às escutas tenha por base denúncias anónimas – que, como denúncia anónima, não está sujeita a formalidades especiais, conforme dispõe o art. 246º, n.º 1 –, desde que, como é óbvio, elas contenham factos determinados que conduzam à formação da convicção judicativa exigida pelo art. 187º, n.º 1[3].
Refira-se ainda que tratando-se as intercepções telefónicas um regime de obtenção de prova, não são exigidos indícios fortes nem tal poderia ser legalmente exigido, sob pena de contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal; mas, para que se defira a realização de escutas telefónicas, basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes, o que não acontece no caso sub judicio [4].
 
Assim tem razão o JIC quando diz no seu despacho …Em suma, para além da convicção policial, os elementos probatórios que podem ser atendidos dão conta que um indivíduo natural da G… e com antecedentes pela prática de crime de tráfico se deslocou à F… entre os dias 28 de Fevereiro e 3 de Março, permaneceu numa unidade hoteleira no C… e antecipou o seu regresso a B… (….) Assim, sem que previamente se confirmem os demais elementos, designadamente os relativos a viagens anteriores, períodos de estadia, eventual ausência de ligação do suspeito à F… e ate a titularidade pelo mesmo telefone identificado, não é possível afirmar que estão preenchidos os requisitos legais para o deferimento do requerido, (…) pelo que bem andou ao indeferir nas concretas circunstâncias de tempo e de oportunidade que lhe foram colocadas o pedido de intercepção telefónica, respeitando, desta forma, os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art.18º,da CRP. 

4- Conclusão.

Ora, face aos elementos de que se dispõe, entendemos pelas mesmas razões expendidas no despacho recorrido, não se mostrarem reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para ser autorizada a escuta telefónica solicitada, apesar de estarmos perante a denúncia de um crime de tráfico de estupefacientes, que requer cuidados especiais sob pena de se perturbar a investigação.

Pelo que se conclui que razão tem, pois, o JIC em indeferir nas concretas circunstâncias de tempo e de oportunidade que lhe foram colocadas o pedido de intercepção telefónica, respeitando, desta forma, os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade referidos no nº 2 do art.18º,da CRP. 

Razão pela qual se mantém o despacho recorrido, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
 
III.

Por tudo o exposto, acordam as Juízas deste Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, manter o despacho recorrido.

Sem custas.

  O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou.

Lisboa, 10 de Maio de 2011

Relatora: Desembargadora Margarida Blasco
Adjunta: Desembargadora Filomena Lima
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[1] Cfr. Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra, 1992, págs. 272, 275, 281, 283 e 285.
[2] Neste âmbito, sobretudo a propósito da extensão e intensidade da intromissão na esfera pessoal íntima, está, também, muito divulgada a chamada doutrina dos três níveis ou três esferas, que distingue três áreas na vida privada: “Em primeiro lugar, está a esfera da intimidade, área nuclear, inviolável e intangível da vida privada, protegida contra qualquer intromissão das autoridades ou dos particulares e, por isso, subtraída a todo o juízo de ponderação de bens ou interesses. (…) Para além deste núcleo central da intimidade, estende-se a área normal da vida privada, também ela projecção, expressão e condição do livre desenvolvimento da personalidade ética da pessoa. E, nessa medida, erigida em autónomo bem jurídico pessoal e como tal protegido tanto pela Constituição como pelo direito ordinário. Trata-se, porém (...) de um bem jurídico que não pode perspectivar-se absolutamente isolado dos compromissos e vinculações comunitárias e, nessa medida, inteiramente a coberto da colisão e ponderação dos interesses. O seu sacrifício em sede de prova estará, por isso, legitimado sempre que necessário e adequado à salvaguarda de valores ou interesses superiores, respeitadas as exigências do princípio da proporcionalidade. (...) Em terceiro e último lugar, é possível referenciar a extensa e periférica vida de relação em que, apesar de subtraída ao domínio da publicidade, sobreleva de todo o modo a funcionalidade sistémico-comunitária da própria interacção (...)” (Manuel da Costa Andrade, ob. cit, 94-96).
[3] Neste sentido, cfr. Acórdão do TRP de 9/05/2001, in www.dgsi.pt. E ainda André Lamas Leite, in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004.
[4] E obviamente que não se ignora que exista o perigo, para o qual adverte Manuel de Andrade (“Bruscamente no verão passado”, a reforma do CPP – observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, Revista de Legislação e Jurisprudência 137.º, pág. 350) de se pretextarem crimes do catálogo só para, por esse meio, poder investigar-se crimes para os quais não poderia recorrer-se às intercepções telefónicas.