Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
694/09.1JDLSB-E.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08/31/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O prazo previsto no art.º 215.º, n.º 1, al. a) do C.P.P. refere-se ao momento em que é deduzida a acusação e não ao da notificação desta ao arguido preventivamente preso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, Processo n.º 694/09.1JDLSB, onde é arguido, e aqui recorrente, A…, processo esse à ordem do qual se encontra preventivamente preso, requereu o mesmo que fosse restituído à liberdade, por, no seu entender, haver sido excedido o prazo de duração máxima da prisão preventiva, nos termos previstos no art.º 215.º, nºs. 1, al. a) e 3, do C.P.P. – diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem -, isto é, só poderia estar preso à ordem destes autos até ao dia 13 de Maio de 2010, sendo que o despacho acusatório apenas lhe foi notificado no dia 18 do mesmo mês.
O seu requerimento, porém, veio a ser indeferido pelo Mm.º Juiz “a quo”, que proferiu o seguinte despacho:
“(…)
Fls. 4733:
O arguido A… requer que se ordene a sua imediata libertação por a sua prisão ser ilegal.
Alega que se encontra em prisão preventiva desde o dia 13 de Maio de 2009 e tendo sido declarada a especial complexidade do processo, por despacho proferido em 22 de Outubro de 2009, o prazo de seis meses foi elevado para um ano. Verifica-se, assim, que em 13 de Maio de 2010 extinguiu-se o prazo de duração máxima da prisão preventiva a que alude o art.º 215.º, n.º 3 CPP.
O MP promoveu o indeferimento do pedido.
Cumpre decidir.
Dispõe o art.º 215.º, n.º 1, a) CPP que a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação.
Compulsados os autos, verifica-se que:
-o arguido foi detido no dia 13 de Maio de 2009;
-por despacho de fls. 2701, foi declarada a excepcional complexidade do processo e ampliado para 1 ano o prazo máximo da prisão preventiva do arguido na fase de inquérito;
-no dia 12 de Maio de 2010 foi deduzida a acusação;
-no dia 13 de Maio de 2010 foi o mandatário do arguido notificado, por comunicação electrónica, da acusação.
Assim, não se verifica qualquer violação ao disposto no art.º 215.º, nºs. 1, a), 2, b) e d) e 3 CPP.
Pelo exposto, e por falta de fundamento legal, indefere-se o requerido.

Porém, com esta decisão não se conformou o arguido, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:
“(...)
a) Sempre com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a omissão descrita nesta motivação deve ser equiparadas à “ausência processual”, o que nos termos da alínea c) do art. 119.º do C. P. Penal comina em nulidade insanável.
b) Mas mesmo que se entenda, que tal vício constitui uma mera irregularidade, por força do n.º 2 do art. 118.º e art. 123.º do C. P. Penal, implica o seguinte:
- a invalidade de todos os efeitos substantivos, processuais e materiais do acto
irregular;
- a invalidade dos actos subsequentes que tenham um nexo de dependência lógica e histórica com o acto irregular;
c) Ora, é por demais evidente que a irregularidade supra referida, apresenta um nexo de dependência lógica e histórica com a falta de notificação ao arguido dentro do prazo disposto no art. 215.º, n.º 3 do C. P. Penal, isto é, como o arguido não foi notificado até ao dia 13 de Maio de 2010, a sua prisão tornou-se ilegal.
d) Como consta dos autos, o arguido foi detido em 13 de Maio de 2009, pelo que o prazo máximo de duração da prisão preventiva terminava em 13 de Novembro de 2009;
e) Assim, porque o arguido não foi notificado do despacho de acusação, nos termos do art. 114.º do C. P. Penal, até 13 de Maio de 2010, foi excedido o prazo de prisão preventiva previsto no n.º 2, alínea a) n.º 1 do art. 215.º do C. P. Penal, pelo que a sua prisão tornou-se ilegal, devendo o mesmo ser restituído à liberdade.
o) A arguição da presente irregularidade é manifestamente tempestiva.
Face ao exposto, deverá ser revogado o douto despacho datado de 19 de Maio de 2010, substituindo-se por um outro que, devido à nulidade ou, em alternativa, irregularidade supra apontada, determine que o prazo de prisão máximo de preventiva terminou em 13 de Maio de 2010 e, em consequência disso, deve ordenar-se a imediata libertação do arguido.
(…)”.
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado, e efeito não suspensivo.
*
Notificado da interposição do mesmo recurso, respondeu o Ministério Público, que extraiu, a final, as seguintes conclusões:
“(…)
- O despacho recorrido não padece de qualquer nulidade, insanável ou sanável, por tal situação não se encontrar expressamente descrita no elenco das nulidades, taxativamente enunciadas nos artºs. 119.º e 120.º do CPP.
- Das disposições constantes do art. 215.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. d) e n.º 3 do CPP resulta de forma expressa a extinção da prisão preventiva quando se verifique, em sede de inquérito, o decurso do prazo de um ano sem a dedução de acusação, não sendo efectuada qualquer menção à data da notificação daquele despacho.
- O momento relevante a que se deve atender para contagem do prazo máximo da prisão preventiva, no âmbito do inquérito, é o da data da dedução do despacho de acusação e não o do momento em que chega ao conhecimento do(s) respectivo(s) destinatário.
- Não foram violadas as normas legais invocadas pelo arguido, ora recorrente, ou outras.
Pelo exposto, reparo algum merece o douto despacho da Mm.ª Juiz de Instrução recorrido.
Pelo acima sumariamente exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido nos seus precisos termos (…)”.
*
O Mm.º Juiz “a quo” proferiu despacho de sustentação da decisão recorrida.
*
Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte “parecer”:
“(…)
I - O recurso - âmbito e objecto
O recurso (fls. 2) foi interposto da decisão judicial de 2010-05-19 (fls. 172 e 173), na sequência de requerimento do arguido (fls. 171, datado de 2010-05-13) em que solicitou a sua libertação imediata, pois que a medida imposta (prisão preventiva) extinguiu-se em 13 de Maio de 2010, pelo decurso do prazo máximo (1 ano, no caso).
Em suma, resultando das suas conclusões, alega o recorrente:
-- está preso preventivamente desde 13 de Maio de 2009;
-- foi declarada a excepcional complexidade do processo, pelo que o prazo máximo de tal medida de coacção é de 1 ano (cfr. nºs. 2 e 3 do art.º 215.º do CPP);
-- foi deduzida acusação em 12 de Maio de 2010, mas o arguido só foi notificado de tal libelo em 18 de Maio de 2010;
-- termos em que o prazo máximo da prisão preventiva extinguira-se em 13 de Maio de 2010, data em que deveria ter sido restituído à liberdade.
Em suma, pede a sua libertação imediata.
II - A decisão recorrida
A decisão ora recorrida - (a que manteve a medida de coacção), indeferindo a pretensão do arguido (libertação imediata, por considerar ultrapassado o prazo máximo) fundamentou com clareza as razões por que entendeu não assistir razão ao recorrente. Em síntese, sustentou:
- o arguido foi detido em 13 de Maio de 2009;
- tendo sido declarada a excepcional complexidade do processo, o prazo máximo da prisão preventiva ficou alargado para 1 ano;
- foi deduzida acusação em 12 de Maio de 2010;
- termos em que se indefere a pretensão do arguido, pois que a acusação foi proferida antes de decorrido o prazo referido na alínea a), do n.º 1, do art.º 215.º do CPP.
III - A nossa posição
O Magistrado do M. Público em 1.ª instância «respondeu» ao recurso do arguido (fls. 6 a 10) com objectividade, rigor técnico jurídico e observância íntegra da lei, concluindo pela sua improcedência.
Atenta a clareza e fundamentação da decisão recorrida - que se mostra legal -, e aos argumentos expendidos pelo M. Público em 1.ª instância (sua resposta) nada mais se nos oferece dizer ou acrescentar, e antes aqui louvarmo-nos nas considerações formuladas quer no despacho recorrido quer pelo Magistrado respondente.
Ainda assim, sempre se sublinhará, com indicação de alguma jurisprudência mais expressiva, que o que releva, para efeitos do cômputo do prazo legal e máximo da prisão preventiva, no caso in judice, é a data da dedução da acusação e não a data em que o arguido seja dela notificado.
-- a decisão impugnada está devidamente fundamentada, pelo que não padece de insuficiência, irregularidade ou qualquer nulidade;
-- a medida de coacção imposta ao arguido encontra-se fundamentada - não se tendo alterado os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida, e porque as medidas de coacção estão submetidas ao princípio rebus sic stantibus .
De seguida, faz-se uma indicação jurisprudencial temática e uníssona sobre a matéria, desde o ano de 2001, referindo somente do Supremo Tribunal de Justiça. Assim:
“A lei processual penal (art. 215.º, n.º 1, do CPP) reporta à acusação - e não à notificação desta - o termo final do menor dos prazos sucessivos da prisão preventiva. - Ac. STJ, de 2001-03 - 22 (Proc. n.º 1044/01 – 3.ª secção, Rel:- Carmona da Mota); idem Ac. STJ, de 2001­03-14 (Proc. n.º 969/01 – 3.a secção, Rel:- Virgilio Oliveira); Ac. STJ, de 2003-06-18 (Proc. n.º 2540/03 – 3.ª secção, Rel:- Borges de Pinho, in www.stj.pt); Ac. STJ, de 17-10-2007 (Proc. n.º 3888/07 – 3.ª Secção, Santos Cabral (relator), in www.stj.pt - sumários); Ac. STJ, de 09-01-2008 (Proc. n.º 4/08 – 3.ª Secção, Armindo Monteiro (relator), in www.stj.pt - sumários); Ac. STJ, de 13-02-2008 (Proc. n.º 522/08 - 3.a Secção, Raul Borges (relator), in www.stj.pt -sumários); Ac. STJ, de 26-08-2008 (Proc. n.º 2553/08 – 3.ª Secção, Santos Cabral (relator), in www.stj.pt - sumários); Ac. STJ, de 2009-01-22 (Proc. n.º 09P173, rel. Souto de Moura, in www.dgsi.pt); Ac. STJ, de 01-10-2009 (Proc. n.º 60/09.9JBLSB-A.S 1 - 3.a Secção, Santos Cabral (relator), in www.stj.pt - sumários); Ac. STJ, de 18-02-2010 (Proc. n.º 1546/09.OPCSNT-A.S 1 – 5.ª Secção, Rodrigues da Costa (relator), in www.stj.pt - sumários).
E o Tribunal Constitucional já decidiu pela constitucionalidade deste entendimento, alias conforme à lei, doutrinando:
Não julga inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da notificação da mesma. - Ac. T. Const. n.º 280/2008, de 2008-05-14 (Proc. n.º 295/08, in D.R. n.º 141, Série II de 2008-07-23).
Concluindo: a acusação foi deduzida antes de expirado o prazo de 1 ano da prisão preventiva, sendo que, nos termos da lei, é a data da sua prolacção que releva e não a da sua notificação ao arguido.
Termos em que, concordando com a decisão impugnada, o recurso não merecerá provimento, o que, seguramente - Conferência - será decidido, confirmando-se e mantendo-se, assim, a decisão recorrida e, consequentemente, também a medida de coacção de prisão preventiva aplicada arguido. (…)”.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
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2 – Apreciando e decidindo:

É o objecto do presente recurso, tão só, o saber-se se os prazos previstos no art.º 215.º, nºs. 1, al. a) e 3 do C.P.P. se contam a partir do momento em que é deduzida a acusação ou, apenas, a partir da efectiva notificação da mesma ao arguido, ocorra esta quando ocorrer, na pendência, obviamente, do respectivo procedimento criminal.

A questão ora suscitada pelo arguido tem vindo a merecer entendimento pacífico por toda a jurisprudência até agora publicada, como bem o demonstra o Exm.º Procurador-Geral Adjunto no seu douto “parecer”, o qual vai no sentido que também foi sufragado na decisão recorrida, e que tudo respeita, importa salientá-lo, a letra da lei.
Efectivamente, dispondo o art.º 215.º, nºs. 1, al. a) e 3 do C.P.P., na parte em que para aqui releva, que “a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tiver decorrido um ano sem que tenha sido deduzida acusação”, está este preceito a prever, inequivocamente, apenas, e tão só, que o respectivo prazo se reporta ao momento em que a acusação é deduzida e não ao momento em que esta é notificada ao arguido.
Se esta tivesse sido a intenção do legislador, tratando-se aqui, como se trata, da prisão preventiva, com os acrescidos deveres de cuidado da mesma advindos, quer com a sua fixação e manutenção, sempre que tal se justificar, quer com o respeito pelo superior direito do arguido à sua liberdade, atenta a excepcionalidade daquela, como bem resulta do art.º 28.º, n.º 2, da C.R.P., não deixaria o mesmo legislador, seguramente, de o ter deixado expresso, inequivocamente, na letra da lei.
Por outro lado, também o espírito desta impõe que se conclua que seja o momento da dedução da acusação aquele que releva para a contagem do prazo de duração máxima da prisão preventiva.
Efectivamente, ao deduzir uma acusação o Ministério Público formula um juízo de indiciação bastante da prática do crime que foi imputado ao arguido, como resulta do art.º 283.º, nºs. 1 e 2 do C.P.P., crime esse que, em sede de primeiro interrogatório judicial, havia já determinado a sua prisão preventiva.
Assim, ao reconhecer-se a força da indiciação criminosa com a dedução da acusação está-se, implicitamente, a reafirmar o interesse na manutenção de uma prisão preventiva que já havia sido decretada.
Por isso, sendo excepcional a mesma prisão preventiva, e não tendo havido, entretanto, alteração das circunstâncias que a haviam determinado, ao arguido resta, apenas, atentar no cumprimento dos prazos máximos previstos nos nºs. 2 e 3 do citado art.º 215.º, designadamente se a acusação foi deduzida no prazo de um ano após o momento da fixação daquela medida de coação.
Para o fim aqui visado, o momento da notificação da acusação ao arguido é irrelevante!
Devendo esta, é certo, ser-lhe feita pessoalmente, como se prevê no art.º 113.º, n.º 9, do C.P.P., enquanto despacho processual que directamente o visa, e com o qual, pela primeira vez, se vê confrontado, justificando-se a oportuna adopção das medidas necessárias ao exercício da sua defesa, já a mesma notificação não colhe qualquer justificação para efeitos de medida de coação, pois que esta havia já sido fixada e era do conhecimento do arguido.
Daí que a notificação feita ao seu defensor sempre houvesse de ser feita relevar, nos termos previstos no citado n.º 9, 1.ª parte.
Por outro lado, o juiz de instrução também haveria de proceder, oficiosamente, ao reexame dos respectivos pressupostos, após a prolacção do despacho acusatório, como se prevê no art.º 213.º, nºs. 1, al. b) e 2 do cit. C.P.P., decisão esta que haveria de ser, igualmente, notificada ao arguido, o que também demonstra, por ser proferida em momento posterior ao da dedução da acusação, que nunca o prazo previsto no art.º 215.º poderá compreender, necessariamente, o da notificação da mesma acusação.
Assim sendo, e com todos os fundamentos expostos, também os do Exm.º Procurador Geral Adjunto, haverá o recurso de improceder.

3 - Nestes termos, e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc.

Notifique.

Lisboa, 31 de Agosto de 2010

Almeida Cabral
Ferreira Marques