Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
496/10.2PARGR-A.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo;
IIº O prazo começa a correr de novo com a notificação ao patrono da sua designação e não com a notificação ao requerente da concessão de apoio judiciário;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO

1.1- No âmbito do procº com o NUIPC 496/10.2PARGR-A.L1 pendentes no TJ da Ribeira Grande, A..., em representação de seu filho menor, B..., na sequência de notificação de despacho de arquivamento do inquérito pelo MºPº, requereu a sua constituição como assistente e a abertura de instrução.
Porém, o Mmº Juiz considerou que tal pedido estava fora de prazo e indeferiu-o. Alegou para o efeito que o prazo de 20 dias para requerer a constituição de assistente e a abertura da fase de instrução começara a contar da data da nomeação de patrono oficioso, ou seja, desde 6 de Maio de 2011 (fls 24) acrescida de mais três dias, tendo terminado a 30-05-2011.
Como foi apresentado só a 2 de Junho de 2011, foi-o extemporaneamente.

1.2 – Desta decisão recorreu aquela, dizendo em conclusões da motivação apresentada:
   «1. A recorrente foi notificada do   despacho de arquivamento em 24/03/2011.
2. No dia 12/4/2011, requereu a concessão de apoio judiciário, tendo o prazo para constituir-se assistente e requerer a abertura de instrução ficado suspenso.
3. No dia 6 de Maio de 2011, o Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados, procedeu à notificação do defensor da sua nomeação e enviou à recorrente a nomeação do advogado.
4.  O Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados só procede à nomeação do patrono, sendo que, cabe à Segurança Social proceder à concessão do apoio judiciário, sendo esta comunicação feita apenas para a requerente e não para o patrono nomeado. Isto é efetuado em momentos diferentes.
5. A recorrente só recebeu a missiva do Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados em 10 de Maio, ficando a aguardar o deferimento da concessão do apoio judiciário da Segurança Social.
6.O deferimento da concessão de apoio judiciário nas modalidades pretendidas pela recorrente só lhe foi enviado pela missiva da Segurança Social datada de 7/05/2011, e que só foi recebida pela recorrente no dia 13/05/2011.
7. A Mma juiz "a quo" no despacho que agora se recorre entende que o início do prazo para a constituição de assistente ocorreu no dia 6/05/2011 quando o patrono foi nomeado, fazendo assim, salvo melhor opinião uma má aplicação do Direito. Porquanto,
8. O dia 7/05/2011, data em que consta do oficio da Segurança Social a comunicar o deferimento do apoio judiciário à recorrente, foi num sábado, estando os correios encerrados, teve que ser enviado para os Correios, uma vez que ainda os funcionários da Segurança Social não entregam em mão as missivas e contando pelo menos 3 dias para o correio, o mesmo só foi recebido pela recorrente em 13/05/2011. Esta comunicação só foi efectuada à recorrente e não ao patrono. Só a partir desta data, 13/05/2011, é que o prazo de 20 dias para se constituir assistente e requerer a abertura de instrução teve o seu início, sendo que a recorrente requereu a constituição de assistente nesta data.
9. Atendendo que, as modalidades de concessão de apoio judiciário só são comunicadas aos requerentes da concessão de apoio judiciário, só a partir dessa comunicação é que estes procuram os advogados fazendo‑se acompanhar do documento da nomeação da Ordem dos Advogados e do documento da protecção jurídica enviada pela Segurança Social.
10. Os tempos de comunicação da Ordem dos Advogados e da Segurança Social não são os mesmos.
11. A Ordem dos Advogados procede à nomeação do patrono, não comunica as modalidades de concessão do apoio judiciário, é a Segurança Social que comunica o deferimento da concessão do apoio judiciário, que pode ser total e/ou parcial ou até indeferido à requerente e não ao patrono nomeado.
12. Só após a receção da missiva da Segurança Social, ou seja, só depois da comunicação da modalidade de concessão do apoio judiciário efectuado pela Segurança Social à requerente, é que esta entrega ao advogado tal documento e este procede ao procedimento processual adequado, é a partir dessa comunicação que deverá contar o prazo do procedimento.
13. Caso contrário, se fosse a contar apenas com o prazo da nomeação do patrono efectuada pela Ordem, este não poderia efectuar qualquer procedimento, dado que, não tem conhecimento do conteúdo da modalidade da concessão de apoio judiciário que irá ser ou não deferida à requerente.
14. Pode até acontecer, como nos presentes autos que o prazo da nomeação da Ordem dos Advogado distancie mais de 10 dias da comunicação da Segurança Social da concessão de apoio judiciário das suas diversas modalidades.
15. Ora, a Mma Juiz "a quo" não teve em conta a situação supra referida, porquanto, a quando da nomeação do patrono, este não tem conhecimento das modalidades da concessão do apoio judiciário, dado que, este só é transmitido à recorrente pela Segurança Social.
16. O patrono nomeado, ao ser nomeado pela Ordem dos Advogados, não sabe com essa nomeação, que tipo de concessão de apoio judiciário foi deferido à requerente.
17. Só quando foi comunicado à recorrente pela Segurança Social o deferimento do apoio judiciário, nas suas diversas modalidades, é que essa procura o advogado, com os documentos da nomeação da Ordem dos Advogados e do deferimento da concessão de apoio judiciário da Segurança Social.
18. Munida desses documentos a requerente entrega ao advogado nomeado e este procede conforme, porquanto é só nesta altura (data) que ele toma efectivo conhecimento, das modalidades da concessão do apoio judiciário, no caso concreto da isenção do pagamento das taxas devidas.
19. A constituição de assistente impõe o pagamento da taxa de justiça devida, ora questiona-se, como poderia o patrono nomeado requerer a constituição de assistente da recorrente sem saber em concreto para o que estava a ser nomeado; para fazer o quê; e sem saber as modalidades da concessão do apoio judiciário.
20. A recorrente não pode ficar prejudicada do acesso à justiça por uma falha como a dos presentes autos.
21. O acto processual de constituição de assistente exige o pagamento de taxa de justiça, que deve ser logo junto com tal requerimento, a não ser que já se encontre junto aos autos, o que não aconteceu nos presentes autos - art. 150' - A do C.P.C..
22. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirão deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogado o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a recorrente como assistente e abertura de instrução.»

1.3- Em resposta disse o MºPº, em síntese, dever ser mantido o despacho recorrido, por se verificar a entrada do requerimento da recorrente fora do prazo legal, contados 20 dias a partir da notificação ao patrono da sua nomeação como tal.
1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº aqui emitiu douto parecer também no sentido de entender não assistir razão à recorrente
1.5- Efectuado exame preliminar e obtidos vistos, os autos foram de seguida remetidos à Conferência para decisão.

II- CONHECENDO
2.1-O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP[1].
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida[2].
Assim, traçado o quadro legal temos por certo que as questões levantadas no recurso são cognoscíveis no âmbito dos poderes desta Relação.

2.2-Está em apreciação  e, em síntese, a seguinte questão:

Arquivado o processo-crime pelo MºPº, a ofendida tem o prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução e de constituição como assistente.
Tendo pedido apoio judiciário abrangendo dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação de patrono com dispensa de pagamento de compensação, aquele prazo estava esgotado decorridos 20 dias após a notificação ao patrono nomeado, efectuada a 6 de Maio (acrescidos de três dias por envio de correio)?
   Ou, ao invés, tal prazo deve contar-se apenas a partir da data da notificação (posterior) à requerente pela Segurança Social quer da nomeação quer da concessão do apoio judiciário na restante modalidade?

2.3-  A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL
         2.3.1- Como acertadamente o salientou o MºPº junto deste Tribunal, não tem razão a recorrente.

         Notificada a 24 de Março de 2011 do despacho de arquivamento pelo MºPº, requereu a 8 de Abril de 2011 (o que comprovou ter feito, com entrega de comprovativo a 12 de Abril nos serviços do MºPº) apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação de patrono com dispensa de pagamento de compensação.
Após decurso de 30 dias sempre se consideraria tacitamente deferido o pedido de proteção jurídica ex vi dos artºs 25º nºs 1 e 2 da Lei 34/2004, na redação introduzida pela Lei nº 47/2007 de 28 de Agosto.
De todo o modo, decorre, em função do conjunto de dados disponíveis nos autos que a situação deva ser analisada e decidida pela seguinte forma:
         A requerente foi notificada a 13 de Maio de 2011, por carta da SS enviada a 7 de Maio de 2011, da concessão do pedido de apoio judiciário. O patrono nomeado foi-o a 6 de Maio de 2011.
O artº 24º nº4,  da Lei n.° 34/2004, de 29.7, na redacção dada pela Lei n.° 47/2007, de 28.8, dispõe:
“ Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”
E, o n.°5 do artº citado da referida Lei 34/2004 determina a regra de contagem de prazos nos seguintes termos:
"O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.”
Ora, nos termos do artigo 24º, n.° 4, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. A requerente fê-lo a 12 de Abril de 2011.
Com a interrupção o tempo decorrido até à causa interruptiva fica inutilizado, depois começa a correr novo prazo (n.° 5, al. a), desse artigo e art. 326, n.° 1, do Código Civil).
Sendo assim, no caso dos autos, o prazo para a recorrente requerer a sua constituição de assistente e abertura da instrução iniciou-se na data em que o patrono nomeado foi notificado da sua designação, ou seja em 6.5.2011 (sexta-feira), ou a 10 de Maio (se àquele se acrescer ainda mais três dias face à notificação postal enviada pelo CDOA)
E veja-se que, mesmo no caso de deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, o prazo interrompido iniciava-se novamente, também e tão só, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação. – cfr. art.º 25.° n°s 1, 2e 3 ala) da referida lei n.°34/2004.
Tendo o patrono nomeado sido notificado da sua designação para a causa em 6.5.2011, nesta data iniciou-se a contagem do prazo de 20 dias para a recorrente requerer a constituição de assistente e abertura de instrução, pelo que, em 02.06.2011, data da apresentação do requerimento para o efeito, já havia terminado aquele prazo de 20 dias acrescido dos 3 dias úteis - cfr. artº 107.°- 5 do CPP e art.º 145.° do CPC — pelo que o requerimento da recorrente foi manifestamente intempestivo.
Por outro lado, ao contrário do por si alegado, a sua notificação pela Segurança Social do deferimento do apoio judiciário na modalidade requerida, designadamente de nomeação de patrono, não releva para o inicio da contagem do prazo referido nos art.s° 287º n.º1 e 68.°al.b) do CPP. Na verdade, é o que decorre das regras previstas nos nºs 1 e 2 do artº 24º citado, sendo certo até que apenas relevaria para, em caso de indeferimento, demarcar os prazos de pagamento de taxas devidas, ex vi do nº 3.
Veja-se, assim, o artigo 24.º citado:
 “1 — O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta,[3] com excepção do previsto nos números seguintes.
2 — Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
3 — Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.
(…)
Ora, não se verificaram no caso dos autos nenhumas excepções de entre as previstas no citado nº 2 do artº 24º.
Posto isto, contando o prazo a partir do dia 10 de Maio de 2011 (concedendo que face à nomeação de patrono dita a 6 de Maio mas que interpretamos no sentido de “enviada” a 6 de Maio, acrescidos de mais 3 dias de correio para presunção de notificação, não elidida em contrário) temos que dia 28 de Maio se concluíram os 20 dias de prazo e que, mesmo a acrescerem-lhe mais 3 dias úteis para efeitos de pagamento de multa nos termos do artº145º nº 5 do CPC, aplicável[4] por força do artº38º da Lei 34/2004 terminaria sempre inultrapassavelmente a 1 de Junho. Portanto, entrado apenas a 2 de Junho de 2011, o requerimento foi-o fora de prazo.
O facto de o patrono nomeado ter sido informado da nomeação e de a recorrente ter obrigação de lhe dar apoio e colaboração não isentava aquele de ver e consultar o processo e de verificar todas as condições formais e materiais para formulação do que houvesse que ser peticionado nos autos, face às previsões e regas legais em vigor.
Por isso, mantêm-se o despacho recorrido, o qual aplicou corretamente as normas em vigor aplicáveis, contando o prazo a partir da data da nomeação do patrono designado e não da notificação da concessão de apoio judiciário pela SS.
E, em consequência, improcede o recurso

III- DECISÃO
3.1.- Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente
3.2- Taxa de justiça, para os eventuais efeitos do artº 13 da Lei 34/2004, a cargo da recorrente, em 4 UC (cfr. Tabela III do DL 52/2011), por agora isenta face ao apoio judiciário de que beneficiou.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Relator: Agostinho Torres;
Adjunto: Luís Gominho;
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[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95
[2]  vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e  o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de  Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda  jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.
[3] Realce a negrito e itálico nosso.
[4] “Aos prazos processuais previstos na presente lei aplicam--se as disposições da lei processual civil”\