Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2233/09.5TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: A prestação de actividade profissional remunerada a outrem no desempenho das funções de coordenar e dar apoio a uma equipa de vendedores, apesar de desacompanhada de outros indícios é bastante para afirmar a existência de uma relação de trabalho na medida em que, para coordenar uma equipa de trabalho, é indispensável estar inserido numa estrutura de poder, numa cadeia hierárquica, receber e transmitir orientações, em suma, implica subordinação jurídica.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A intentou contra B, Lda, (…), a presente acção declarativa com processo comum peticionando a condenação da ré no pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho (€8.845,00), designadamente diferenças remuneratórias de Abril a Novembro de 2007 (940,00 - 550,00) x 8 - €3.120,00; diferenças remuneratórias de Dezembro de 2007 a Abril de 2008 (940,00 - 650,00) x 5 (€1.450,00); fracção proporcional de Subsídio de Férias de 01.10.2006 a 31.01.2007- €250,00; Subsídio por Férias Trabalhadas e não gozadas de 01.10.2006 a 31.01.2007- €250,00; fracção proporcional de Subsídio de Natal de 1.10.2006 a 31.01.2007- €250,00; subsídio de férias de 1.02.2007 a 30.04.2008 - sobre €940,00 -€1.175.00; subsídio por férias trabalhadas e não gozadas 01.02.2007 a 30.04.2008 - sobre €940, 00- € 1.175,00; fracção proporcional de subsídio de Natal de 1.02.2007 a 30.04.2008- €1.175,00 e indemnização referida no artigo 429.º do CT, pelos valores máximos estipulados no art. 439.º do CT (2.820,00€) e por danos extra patrimoniais, juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Fundamentou a pretensão alegando em síntese: em 21/09/2006 celebrou com a  C, Ldª um contrato designado de prestação de serviços para exercer funções de supervisor de equipa de vendedores de telemarketing, que, em 1/02/2007 transitou para a ré. Tal contrato, porém, disfarça a existência de um verdadeiro contrato de trabalho, nos termos do art. 12º do CT, dado que estava inserido na estrutura organizativa da empregadora, as actividades que desenvolvia eram realizadas sob respectiva orientação e fiscalização, nos locais da entidade patronal e com horário acordado, entre as 8,30 e as 12,30 e as 13,30 e 17,30h. Auferia um rendimento fixo e uma percentagem em função dos objectivos alcançados nas vendas. O rendimento mensal de Outubro/2006 a Janeiro/2007 foi de € 750/mês, € 940 em Fevereiro e Março de 940,00€, mas sem motivo aparente, a ré, de Abril a Novembro de 2007, alterou o seu salário para 550,00€ e de Dezembro a Abril de 2008 para 650,00€. A ré não lhe pagou as quantias peticionadas. Em 30/04/2008 deixou de haver relação contratual por iniciativa da ré. A conduta da ré abalou ainda a sua dignidade como trabalhador.
Citada a ré, teve lugar a audiência de partes, na qual não houve conciliação.
A ré apresentou contestação, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Por excepção, invocou a sua ilegitimidade.
Por impugnação, sustentou que não existia qualquer contrato de trabalho com o autor, e que foi este quem deixou de prestar actividade com a ré, por iniciativa própria uma vez que tinha uma ligação societária a uma sociedade que exercia uma actividade concorrente à sua (da ré).
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade.
Procedeu-se a julgamento após o que foi proferida a sentença de fls. 118/124, que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido
            O A. não se conformou, interpondo recurso, cujas alegações culminam nas seguintes conclusões
(…)
            Não foram apresentadas contra-alegações.
            Subidos os autos, o M.P. pronunciou-se a fls. 161 vº7162, pela conformação da sentença, que mereceu resposta do A. e recorrente.

            Como mostram as conclusões antecedentes, o objecto do recurso consiste na reapreciação da qualificação jurídica da relação que vigorou entre as partes.

Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte matéria de facto
1. O autor celebrou com a sociedade C, Ldª. o escrito de fls. 8 dos autos, designado de “contrato de prestação de serviços” cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente:
i. «O segundo outorgante compromete-se a exercer as funções de supervisor de equipe de vendedores de telemarketing …»(cl. 1.ª);
ii. «O exercício dos serviços ora contratados inicia-se a 01/10/2006 e decorrerá nas instalações sitas na (…)… »(cl. 2.ª);
iii. «…O 2.º contraente prestará os serviços com subordinação e dependência hierárquica …»(cl. 3.ª);
iv. «… O 1.º contraente pagará, mensalmente, a quantia de 750,00€ (…) a título de comissões sobre vendas, mensalmente (…) 3% sobre o valor das vendas» (cl. 4.ª);
2. Exerceu as funções de supervisor de equipa de vendedores de telemarketing de 1/10/2006 a 31/01/2007;
3. Auferia 750,00€;
4. A partir de 1 de Fevereiro de 2007 o autor passou a coordenar e dar apoio a uma equipa de vendedores de telemarketing para a ré;
5. Um dos elementos dessa equipa, desenvolvia a sua actividade entre as 8.30 e as 17/18 horas, com intervalo para almoço;
6. O autor emitia as facturas dos serviços por si prestados;
7. Auferindo uma percentagem em função de objectivos alcançados nas vendas;
8. Que a ré liquidava;
9. De Fevereiro a Março de 2007 a ré liquidou ao autor a quantia mensal de 940,00€;
10. De Abril a Novembro de 2007 a ré liquidou ao autor a quantia mensal de 550,00€;
11. De Dezembro de 2007 a 30 de Abril de 2008 a ré liquidou ao autor a quantia mensal de 650,00€;
12. Em 30/04/2008 o autor deixou de desempenhar as funções referidas (em 30.04.2008)[1];
13. A ré nunca pagou ao autor subsídios de férias e subsídios de Natal.
            Apreciação
A Srª Juíza, depois de traçar as pontos essenciais definidores do contrato de trabalho, por contraposição ao contrato de prestação de serviços, tendo em conta que o elemento típico distintivo é fundamentalmente a subordinação jurídica do trabalhador, necessariamente existente no contrato de trabalho (por contraposição à autonomia existente no contrato de prestação de serviços) cujos pressupostos são captados em regra através de indícios globalmente considerados, procedendo à apreciação global dos indícios concretamente apurados nos autos e tendo em atenção a repartição do ónus da prova, concluiu que o A. não logrou provar que estivesse juridicamente subordinado à R. e por isso julgou improcedente a acção.
O recorrente pretende pôr em causa a apreciação efectuada na sentença.
Vejamos se lhe assiste razão
Importa não esquecer, como bem refere a Srª Juíza, que cabe ao A. o ónus de prova dos factos que permitam a qualificação do contrato como laboral, já que se trata de factos constitutivos dos direitos que invoca e pretende ver reconhecidos (art. 342º nº 1 do CC).
            Sendo indiscutivelmente o traço distintivo essencial do contrato de trabalho a forma juridicamente subordinada como o trabalho é prestado, o que mais não é do que o reverso da medalha dos poderes de autoridade que cabem ao empregador[2], importa lembrar que, muitas vezes, esse poder não se manifesta de uma forma evidente, existindo sobretudo em potência. Daí que raramente se consiga na prática proceder à qualificação de uma relação como de trabalho subordinado através do método subsuntivo, havendo, pois, que recorrer ao método tipológico ou indiciário que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico do contrato de trabalho.
              Nas palavras de Monteiro Fernandes «No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrem»[3]
              A qualificação de um contrato como de trabalho (heterodeterminado) dependerá, pois, da referenciação, na relação concreta, de um conjunto de indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o outro contraente, sendo certo que “cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”[4]
No caso, ao contrário do que faz o recorrente nas suas alegações, não podemos socorrer-nos dos elementos de facto resultantes do contrato escrito estabelecido entre o A. e a C, Ldª, para determinar qual a responsabilidade contratual da ora R. e recorrida para com o A. e recorrente, porquanto este não logrou provar que tivesse transitado da empresa C para a R. e recorrida nos termos acordados com aquela, desconhecendo-se de todo qual a relação que existiu entre a R. e a referida C. Não obstante do referido contrato transparecerem alguns dados que podem configurar indícios de subordinação jurídica (dado que, de acordo com ali consignado, o A. se comprometeu “a desenvolver funções de Supervisor de equipa de Vendedores de Telemarketing”, comprometendo-se nomeadamente “a dar formação, coordenar e dar apoio à equipa de Vendedores de Telemarketing” nas instalações da  (…) - que é justamente a sede da ora recorrida - , a prestar os serviços “com subordinação e dependência hierárquica, cabendo-lhe a preparação, organização e planificação dos serviços” mediante o pagamento de uma quantia fixa mensal de € 750 €, contra o apresentação de factura, acrescida de 3% sobre o valor das vendas da equipa, sempre que as vendas da equipa atingissem  a quantidade mensal de 2500 litros) nada nos permite concluir que o ali acordado se manteve na relação estabelecida entre o A. e recorrente e a R. a partir de 1/2/2007. Sabemos apenas que a partir de 1/2/2007 o A. e recorrente passou a coordenar e dar apoio a uma equipa de vendedores de telemarketing da R.. Há, sem dúvida, alguma afinidade de funções, mas isso, por si só, é insuficiente para permitir afirmar que tivesse havido transmissão de empresa ou de estabelecimento ou de parte de empresa ou de estabelecimento da E... para a R., de forma a que a posição do empregador naquele contrato se tivesse transmitido para a R.. E tampouco consta que o A. e a R. tivessem acordado entre si nos termos constantes daquele contrato.
Todavia, na R. o A. também desempenhava funções de coordenação de uma equipa, o que implica necessariamente integração numa estrutura organizativa da empresa, constituindo um fortíssimo indício de subordinação jurídica. Mas temos de reconhecer que é, de facto, o único indício de laboralidade que o A. conseguiu provar, já que não está sequer assente que o local da prestação fosse determinado pela R., que os instrumentos de trabalho fossem da R., que o A. tivesse um horário determinado pela R. (sabendo-se apenas que um dos elementos da equipa cumpria um horário), a retribuição não era fixa, mas constituída por uma percentagem em função dos objectivos alcançados nas vendas.
Não obstante a escassez de indícios de subordinação jurídica[5] afigura-se-nos que aquele que resultou provado é de tal modo relevante que basta para que se reconheça que a forma como o A. prestava a sua actividade em benefício da R. não era autodeterminada, mas sim heterodeterminada, pois para coordenar uma equipa de trabalho é indispensável estar inserido numa estrutura de poder, numa cadeia hierárquica,  receber e transmitir instruções e  orientações, em suma, implica subordinação jurídica.
Pelo exposto não acompanhamos o entendimento de Exª Srª Juíza quanto à qualificação do contrato existente entre o A. e a R., no período de 1/2/2007 a 30/4/2008.
Com efeito, embora não resulte provado que o A. tivesse sido despedido pela R. está assente que deixou de trabalhar nessa data.
Em face da qualificação do contrato, e tendo a R. pago ao A. em Fevereiro e Março de 2007 a retribuição mensal € 940, não podia licitamente diminuir-lhe a retribuição, atenta a garantia consignada no art. 122º al. d) do CT de 2003, pelo que deve ser condenada a pagar-lhe as diferenças devidas, assim como retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, nos termos peticionados, quais sejam:
De Abril a Novembro de 2007:  940-550=390x8= 3.120
De Dezembro de 2007 a Abril de 2008: 940-650=290xs5= 1.450
Subsídio de Natal de 2007 e 2008: 940:12x15= 1.175
Férias trabalhadas e não gozadas (1/2/2007 a 30/4/2008) 940:12x15= 1.175
Subsídio de férias do ano do início e do ano de cessação – 1.175
O que tudo perfaz € 8095, a que acrescem juros de mora à taxa supletiva legal contar da citação até integral pagamento.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença no sentido de condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 8.095, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal contar da citação até integral pagamento.
Custas, nas duas instâncias, por ambas as partes, na proporção do 2/5 pelo A. e 3/5 pela R.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011.

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Embora conste da sentença, elimina-se a expressão entre parêntesis, por manifestamente constituir lapso de escrita.
[2] Traduzidos na formulação sintética “sob a autoridade, direcção e fiscalização…”, que abrange uma multiplicidade de poderes, de que são exemplo o poder determinativo da função, o poder disciplinar, o poder regulamentar.
[3] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 133.
[4] Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 134.
[5] A inexistência de outros indícios, como por exemplo de retribuição em função do tempo, de pagamento de férias, subsídios de férias de Natal,  de um regime fiscal e de segurança social de trabalhador por conta de outrem, pode não traduzir  senão uma situação incumprimento de obrigações legais, sabendo-se como frequentemente as empresas procuram evitar ou camuflar as relações de trabalho.
Decisão Texto Integral: