Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18-B/2003-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
DEVEDOR
INCUMPRIMENTO DO PODER PATERNAL
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores supõe uma prestação de alimentos a cargo dos progenitores e não paga, voluntária ou coercivamente (art. 1.º Lei n.º 75/98) e só subsiste enquanto aquela e o seu não cumprimento subsistirem (art. 3.º, n.º 4, Lei n.º 75/98. e art.º 3.º, n.º1, Dec. Lei n.º 164/99).
II - O seu pagamento confere ao Fundo o direito de reembolso perante o obrigado a alimentos (art. 6.º, n.º 3, Lei 75/98 e art. 5.º do Dec. Lei n.º 164/99)
III - A prévia decisão judicial sobre quem é a pessoa obrigada a alimentos, e a fixação dessa prestação, é, efectivamente, condição sine qua non para que possa ser solicitado o pagamento da prestação alimentar ao FGADM.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO

S… veio solicitar fosse fixado o montante a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, a título de alimentos devidos aos menores, em substituição do pai, obrigado ao pagamento de pensão alimentícia e que não pagou.
Foi verificado o incumprimento.
Ouvido o MºPº, foi proferida decisão que considerou que o montante da prestação de alimentos fixada (€ 40), paga pelo Estado em substituição do pai do menor, se encontra manifestamente desactualizado, fixando a quantia mensal de € 100 a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em substituição do pai de E...… e até que cumpra efectivamente a sua obrigação- arts. 1º e 2º da L 75/98, de 19/11 e 3º, n.º 3 do DL 164/99, de 13.5.
Inconformado, o FGA veio recorrer da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. A decisão de fls. s., de 22/09/2009, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, condena o FGADM a prestar alimentos ao menor em causa nos autos no valor de € 100,00 mensais, em substituição do progenitor incumpridor, entendimento com o qual não pode o ora recorrente concordar.
     2. Na decisão recorrida nada consta quanto ao preenchimento do pressuposto determinado pelos arts. 1º, 1ª parte, da Lei 75/98 de 19/11 e 3º, nº 1, al. a) do DL 164/99 de 13/05, ou seja, a impossibilidade de imposição coerciva do cumprimento da obrigação de alimentos ao devedor,
     3. Motivo pelo qual o FGADM, requereu em 28/10/2009, que o tribunal se dignasse concretizar o preenchimento daquele requisito legal ou, que em alternativa, lhe fossem remetidos os documentos relevantes quanto à verificação do mesmo.
     4. Obteve por resposta o douto despacho de 04/12/2009, "Como se promove", sem qualquer documento de suporte, salvo um ofício no qual consta que a impossibilidade do cumprimento coercivo já havia sido conhecida por decisão de 30/06/2008."
     5. O FGADM apenas pode ser accionado quando preenchidos os pressupostos legais, e, bem assim, quando esgotados todos os meios legais para obtenção do cumprimento coercivo da prestação, nos termos do disposto no artigo 189.° da OTM (artigos 1.0, da Lei n.' 75/98, de 19/11 e 3.0, n.° 1, ai. a), do D.L. n.° 164/99),
     6. A lei determina a obrigação de renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à atribuição da prestação, "sem o que a mesma cessa", o que também não consta da decisão recorrida (art. 3.º, n.° 6, da Lei n.' 75/98 e 9.0, n.°s  4 e 5, do D.L. N.° 164/99).
     8. O FGADM, enquanto interveniente acidental, é chamado aos autos apenas com a notificação da decisão do tribunal, mas, quando chamado à demanda, não é apenas uma entidade pagadora de uma prestação de cariz social determinada judicialmente, mas também parte legítima no processo.
     9. A decisão recorrida não se encontra devidamente fundamentada, por falta de pronúncia quanto a um dos requisitos legais essenciais para que o FGADM assegure a prestação de alimentos ao menor.
     10. O FGADM considera que a mesma violou o disposto nos artigos 1.° e 3.º, n.° 1, da Lei n.° 75/98; arts. n.° 2, 1°, nºs 1 e 2, e 4º, nº 3, do DL n.° 164/99; e os artigos 158º e 668.º, n.° 1, al. b) do CPC.
                                                    *
Corridos os Vistos legais,
Cumpre apreciar e decidir.
As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º, 690º e 749º, todos do CPC.
A questão a resolver é, essencialmente, a de saber se pode o tribunal alterar a prestação de alimentos que o Estado paga em substituição do devedor, sendo o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores obrigado ao seu pagamento.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. O D...… nasceu a 00.00.1990 pelo que já é maior não podendo o FGADM intervir em susbtituição do pai.
2. Foi efectuado inquérito do qual resulta que o E...… vive com a mãe e 4 irmãos.
3. A mãe das crianças aufere um salário global de €420,63.
4. Recebe € 174,72 relativos a prestações familiares dos menores e € 150 de pensão de alimentos paga pelo FGADM para a menor D....
5. Têm como despesas fixas as indicadas a fls. 72 e 73 dos autos, no montante global de 135,68€.
6. O D... e o E... frequentam a Casa Pia de Lisboa.
7. A pensão de alimentos foi fixada em 40€, em 2004, sem ter sofrido qualquer alteração.
8. O pai das crianças não paga a pensão a que está obrigado.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Diz o Recorrente que a decisão que condena o FGADM a prestar alimentos ao menor no valor de € 100,00 mensais, em substituição do progenitor incumpridor, nada consta quanto ao preenchimento do pressuposto determinado pelos arts. 1º, 1ª parte, da Lei 75/98 de 19/11 e 3º, nº 1, al. a) do DL 164/99 de 13/05, ou seja, a impossibilidade de imposição coerciva do cumprimento da obrigação de alimentos ao devedor, e que o O FGADM apenas pode ser accionado quando preenchidos os pressupostos legais, e, bem assim, quando esgotados todos os meios legais para obtenção do cumprimento coercivo da prestação, nos termos do disposto no artigo 189.° da OTM (artigos 1º, da Lei n.º 75/98, de 19/11 e 3º, n.° 1, al. a), do D.L. n.° 164/99),
1. Nos termos do art. 189º da OTM, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, proceder-se-á a pagamento das prestações de alimentos vencidas e vincendas, através de desconto no vencimento, ordenado, salário do devedor, ou de rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos e comparticipações que sejam processadas com regularidade.
Mas na hipótese de os alimentos devidos ao filho menor não poderem ser cobrados nos termos previstos no art. 189º da OTM, a Lei n.º 75/98, de 19/11 e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/5 atribuem ao Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a obrigação de garantir esse pagamento, até ao efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor.
A Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, consagrou a garantia de alimentos devidos a menores.
Prescreve o seu artigo 1º o seguinte:
“Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
E o seu artigo 2º refere:
1 – As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC.
 2 – Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”
A atribuição das prestações, ao abrigo do regime instituído por estes diplomas, pressupõe, cumulativamente, para além da impossibilidade da cobrança da prestação nos termos do art. 189º da OTM, estar a pessoa obrigada judicialmente a prestar alimentos a menor que resida em Portugal e que este não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Verificados tais requisitos, deverá o aludido Fundo ser responsabilizado pelo pagamento das prestações devidas ao menor, assegurando-se dessa forma “condições de subsistência mínimas” às crianças.
2. A garantia de alimentos devidos a menores cria uma nova prestação social, de acordo com o preâmbulo do mencionado Dec-Lei nº 164/99, atribuindo-se ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não podem ser cobrados nos termos do art. 189º da OTM, o dever de garantir o pagamento até efectiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor, ficando sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou – art. 5 º do Dec-lei nº 164/99.
É certo que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor. Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.
A actualidade das prestações que satisfaz afere-se pela verificação judicial da existência cumulativa dos pressupostos e requisitos legais, legitimadores da intervenção do Fundo – arts 1º e 3º da Lei nº 75/98 e 2º e 9º do Dec-Lei nº 164/99.
O montante dos alimentos imposto ao Fundo é fixado no incidente de incumprimento e só então se torna líquido e exigível, como direito social do alimentando (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, pág. 221 e segs).
Hoje, atenta a jurisprudência uniformizada, não se discute que a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores. Isto, basicamente, porque todo o processado do incidente do incumprimento da obrigação alimentar, pelo devedor originário, decorre sem o conhecimento do Fundo e sem qualquer intervenção da sua parte.
     Em suma, a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores reveste natureza subsidiária, visto ser pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no artigo 189º OTM.
Assim, a prestação de alimentos a cargo do Fundo supõe uma prestação de alimentos a cargo dos progenitores e não paga, voluntária ou coercivamente (art.º 1.º Lei n.º 75/98) e só subsiste enquanto aquela e o seu não cumprimento subsistirem (art.º 3.º, n.º 4, Lei n.º 75/98. e art.º 3.º, n.º1, Dec. Lei n.º 164/99). O seu pagamento confere ao Fundo o direito de reembolso perante o obrigado a alimentos (art.º 6.º, n.º 3, Lei cit. e art.º 5.º do Dec. Lei n.º 164/99)
Ou seja, a prévia decisão judicial sobre quem é a pessoa obrigada a alimentos, e a fixação dessa prestação, é, efectivamente, condição sine qua non para que possa ser solicitado o pagamento da prestação alimentar ao FGADM.
Como se disse, só na hipótese de os alimentos devidos ao filho menor não poderem ser cobrados nos termos previstos no art. 189º da OTM, é que a Lei n.º 75/98, de 19/11 e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/5 atribuem ao Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a obrigação de garantir esse pagamento, até ao efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor.
3. No caso, foi proferida decisão que atesta dessa impossibilidade e que consta a fls. 57-58 dos autos. Aí se faz referência ao incumprimento da obrigação de alimentos por banda do progenitor pai e à impossibilidade de os obter do mesmo, após a realização de diligências para o efeito e que antecederam a referida decisão.
Foi, então, realizado inquérito com vista a averiguar das necessidades dos menores e assim fixar a prestação a ser paga pelo Estado. Prestação esta que é autónoma da que impende sobre o progenitor-devedor.
Verificados os requisitos e comprovada a existência da dívida do progenitor em relação ao menor, foi fixado o valor de 100€ a suportar pelo Fundo de Garantia, que, por força da sub-rogação, assume o pagamento dessa dívida ao credor (menor), substituindo-se ao devedor.
Ora, o Recorrente não discute o valor fixado, mas antes entende que, mais uma vez, teriam que ser efectuadas diligências para obter o pagamento junto do devedor.
Contudo, e como resulta dos autos a fls. 14 e segs, o tribunal efectuou diversas diligências no sentido de apurar da viabilidade de obtenção do pagamento da pensão actualizada pelo progenitor devedor, efectuando diversas diligências que, infelizmente, decorreram por mais de um ano, até que foi proferida decisão que concluiu pela impossibilidade/inviabilidade do cumprimento por parte do referido devedor.
Em suma a decisão foi proferida em cumprimento dos pressupostos e requisitos a que obedece a possibilidade de fixação de prestação de alimentos a suportar pelo Estado (FGADM).
Por outro lado, e ao contrário do que defende a Recorrente, a decisão encontra-se suficientemente fundamentada e suportada nos elementos constantes dos autos, em cumprimento, designadamente do disposto no art. 668º, nº 1 do CPCivil.
A prova está feita nos autos e se as diligências efectuadas e inquéritos realizados estão espaçados no tempo, demorando mais tempo que o desejável (que afinal só “beneficiou” o FGADM na interpretação dada pelo AUJ de 7.7.2009, pois apenas são devidos com a notificação da decisão), isso não pode permitir que haja repetição de diligências a realizar em prazos mais curtos, ficando até lá, o Fundo desonerado do pagamento do valor fixado, em detrimento do menor carenciado.
Claro que, tudo isto sem prejuízo da renovação de diligências, a efectuar oportunamente, mas que no caso, como se disse, se mostram efectuadas, a fim de averiguar da manutenção da situação de carência e da impossibilidade do progenitor devedor suportar a prestação de alimentos.
                                                    *
IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 3 de Março de 2011.

Fátima Galante
Ferreira Lopes
Aguiar Pereira