Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4021-E/1986.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CESSÃO DE CRÉDITO
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
DÍVIDA FISCAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: A cessão de créditos importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.
O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito transmite-se ao cessionário.
Nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento de dívida fiscal, a dívida paga pelo sub-rogado conserva as garantias e privilégios do crédito originário.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Nos presentes autos de reclamação de créditos, por despacho de fls. 605, foi indeferida a reclamação apresentada por M e outros, no montante de Esc. 4.101.580$00 (EUR 20.507,90), correspondente aos impostos que pagaram no âmbito de uma execução fiscal em que era executada a sociedade “J”.

2. Inconformados, os reclamantes agravam da decisão e, em conclusão, dizem:

Conforme certidão junta de fls. 517 e 538, o crédito da Fazenda Pública teve origem em impostos que recaíram sobre os prédios da Urbanização, mais concretamente, lotes 14, 15, 16, 17 e 18, no total de 4.101.580$00 (EUR 20.507,90).

Tal crédito não mereceu oposição da executada “J, S.A.”.

Para pagamento desse crédito, a Repartição de Finanças moveu processo de execução fiscal onde penhorou todas as fracções dos prédios correspondentes aos lotes 14, 15, 16, 17 e 18 da Urbanização Bairro....

Os agravantes tinham prometido comprar à “J” e esta prometido vender aos agravantes fracções dos prédios penhorados pela Repartição de Finanças.

Para evitar a venda em hasta pública das fracções que lhe foram prometidas vender, os agravantes pagaram a dívida da executada J. às Finanças – Doc.1 da reclamação.

Em virtude desse pagamento, a Repartição de Finanças subrogou os agravantes no seu crédito de EUR 20.507,90 e respectivos juros.

O crédito sub-rogado teve origem e fundamento em impostos que recaíram sobre os imóveis penhorados, conforme certidões juntas a fls. 517 a 535, logo garantido por privilégio imobiliário – art. 744 CC.

Tal crédito foi transmitido com as garantias inerentes designadamente direito a juros e privilégios imobiliário, que lhe são inerentes.

O despacho recorrido que indeferiu a reclamação violou o disposto no art. 590º do Código Civil e ao negar as garantias que estão inerentes ao crédito subrogado, violou o disposto nos artigos 593°, 582°, 733° e 744°, todos do Código Civil.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Cumpre decidir, sendo os elementos a ter em conta os constantes do relatório.

5. A única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se a cessão do crédito da Administração Fiscal aos cessionários importa a transmissão para o cessionário (os ora agravantes) das garantias e outros acessórios do direito transmitido.

Por outras palavras:

O privilégio de que goza o crédito cedido, para efeitos do que se dispõe no art. 582º, nº1, do CC, é inseparável da pessoa do cedente?

6. Vejamos, pois.

A Administração Fiscal moveu uma execução fiscal contra a sociedade “J.” por dívida de impostos (contribuição predial, sisa e selo), no total de Euros 20.507,90.

Para evitar a venda das fracções penhoradas naquele processo, as quais foram prometidas vender pela dita executada aos ora agravantes, estes decidiram pagar a quantia em dívida (Esc. 4.101.580$00/EUR 20.507,90), conforme consta da certidão junta com a reclamação de créditos apresentada (cf. fls. 250-252).

Face a este pagamento, a Fazenda Pública emitiu declaração de sub-rogação – cf. certidão de fls. 250-252.

Ora, nos termos do artigo 593° do C. Civil, os sub-rogados adquirem, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

E, nos termos do disposto no art. 582º, do CC, «a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».

É que se passa no caso que apreciamos.

O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito (cf. art. 733° C.C), transmite-se ao cessionário (neste sentido, A. Varela, e Pires de Lima, CC anotado, pag. 522), tanto mais que o crédito resultou de impostos que incidiam sobre os prédios penhorados pelas Finanças, e que agora objecto da presente execução.

Acresce que:

A própria Lei prevê a sub-rogação nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento da dívida, na pendência de execução fiscal – cf. arts. 21 e 25º, do Código de Processo das Contribuições e Impostos que entrou em vigor em 1/7/1963 (e que vigorava à data dos factos).

O Código de Processo das Contribuições e Impostos foi, entretanto, revogado pelo DL nº 154/91, de 23 de Abril que aprovou o Código de Processo Tributário.

No art. 112º, do CPT continua a prever-se expressamente que a Ora, nos termos do artigo 593° do C. Civil, os sub-rogados adquirem, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

E, nos termos do disposto no art. 582º, do CC, «a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente».

É que se passa no caso que apreciamos.

O privilégio creditório de que goza o crédito sub-rogado, porque ligado à origem e natureza do crédito (cf. art. 733° C.C), transmite-se ao cessionário (neste sentido, A. Varela, e Pires de Lima, CC anotado, pag. 522), tanto mais que o crédito resultou de impostos que incidiam sobre os prédios penhorados pelas Finanças, e que agora objecto da presente execução.

Acresce que:

A própria Lei prevê a sub-rogação nos casos em que um terceiro proceda ao pagamento da dívida, na pendência de execução fiscal – cf. arts. 21 e 25º, do Código de Processo das Contribuições e Impostos que entrou em vigor em 1/7/1963 (e que vigorava à data dos factos).

O Código de Processo das Contribuições e Impostos foi, entretanto, revogado pelo DL nº 154/91, de 23 de Abril que aprovou o Código de Processo Tributário.

Esta solução legal mantém-se no actual Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26 de Outubro), em cujo art. 92º se estabelece que «a dívida paga pelo sub-rogado conserva as garantias, privilégios e processo de cobrança e vencerá juros pela taxa fixada na lei civil, se o sub-rogado o requerer.

Procede, pois, o agravo.

7. Nestes termos, concedendo provimento ao agravo, acorda-se em revogar a decisão recorrida que será substituída por outra que admita e mande seguir a reclamação de créditos apresentada.

Sem custas.

Lisboa, 30 de Novembro de 2010

Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro