Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
627/07.0TMLSB.L1-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
DIREITO DE VISITA
INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Devendo-se a determinação da cessação das visitas da mãe aos filhos, confiados a instituição para futura adopção, à influência negativa e prejudicial que a presença da família natural, sobretudo, a mãe, tem sobre os menores, mostra-se suficientemente justificada tal proibição.
II – Os pais só são dignos de exercerem os direitos de cuidarem e educarem os filhos se tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos – assegurando-lhes sustento, segurança, educação e desenvolvimento pleno e harmonioso.
III – De contrário, a sociedade e o Estado têm o dever de intervir para, em nome do supremo interesse dos menores, suprirem o défice ou a ausência completa de acção parental positiva, com prioridade sobre os direitos, os sentimentos ou as emoções dos pais.
IV – Num conflito entre os interesses ou direitos dos filhos a prosseguirem a sua vida na instituição com tranquilidade e paz de espírito, sem perturbações emocionais que afectem o seu comportamento e a sua relação com as outras pessoas, e os direitos ou interesses da mãe em os ver e estar com eles, prevalecem os interesses dos menores.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
“A” recorre da decisão do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, de 26-1-2009, que, a fls. 679-705, aplicou aos seus filhos, “B” e “C”, a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.
Para o efeito, conclui assim as suas alegações:
1. Há violação dos artigos 4.º, 35.º e 39.º da LPCJP, quando se impede as visitas da mãe aos menores, sem ter em conta o esforço feito para criar as condições exigidas para que os menores regressem ao lar;
2. Não se tomou em consideração o facto de esta ser portadora de uma deficiência psíquica que devia ter sido obrigatoriamente suprida, e discriminação da progenitora, violando claramente os artigos 13, 67, 68, 71 da CRP, impedindo a mãe por ter uma incapacidade mental de visitar os menores, facto gerador de inconstitucionalidade;
3. Interpretou erradamente os actos da mãe, não percebendo que é diferente o não saber transmitir o que sente, mas sendo certo que sente.
4. A progenitora nunca teve orientação nem acompanhamento, nem tão-pouco foi tentado o acompanhamento que o legislador prevê, facto esse gerador de ilegalidade por violação do artigo 35.º da LPCJP.
Termina afirmando que se deve dar integral ao recurso e, em consequência, ser considerado nulo o despacho que proíbe as visitas da progenitora aos menores.
Na resposta, o Ministério Público conclui que o recurso não merece provimento, não tendo sido violados quaisquer dispositivos legais, designadamente os apontados pela recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Antes de mais, importa esclarecer que, embora nas suas alegações a Recorrente comece por afirmar que o presente recurso vem interposto da «decisão de fls. , em que indeferido o pedido de visitas aos filhos “B” e “C”» e finalize, como se viu acima, com a nulidade do despacho que proibiu as visitas, a verdade é que este recurso não é de tal despacho, de fls. 657-658.
Com efeito, este último foi proferido em 19-12-2008 e dele ninguém recorreu, pelo que transitou em julgado, não podendo mais ser posto em causa e muito menos neste recurso de outra decisão.
Portanto, a apreciação que a seguir se fará incide apenas sobre o único recurso que aqui importa conhecer, o da mencionada decisão de 26-1-2009 que aplicou aos menores a medida prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 35.º da LPCJP e também determinou a cessação das visitas da família natural.
As questões a resolver são as que resultam das conclusões da Recorrente, pois são estas que circunscrevem o objecto do recurso, ou seja: 1) se foram violados as disposições dos artigos 4.º, 35.º e 39.º do LPCJP; e 2) se existe a alegada inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 13.º, 67.º, 68.º e 71.º da Constituição.

II – Fundamentação

A – Factos provados
1 – O “B” nasceu no dia ../../01 e é filho de “D” e de “A”, ambos residentes no Largo n° 00, , Lisboa.
2 - A “C” nasceu no dia ../../05 e é filha de “E” e de “A”, esta última residente no Largo n.º00 , , Lisboa.
3 - A paternidade da menor “C” veio a ser determinada em 2006, no culminar de um processo de averiguação oficiosa de paternidade que correu termos neste Tribunal.
4 - “E”, pai da menor “C”, tinha como sua residência o Largo nº01 , , Lisboa.
5 - “D” e “A” vêm vivendo juntos desde há cerca de 7 anos.
6 - Porém, ao longo deste período o seu relacionamento tem-se revelado conflituoso, tendo vindo a ser marcado por discussões várias e por agressões, verbais e físicas, as quais vinham ocorrendo mesmo na presença dos menores.
7 - Assim, em 5/9/06 a mãe dos menores, “A”, veio a apresentar queixa na PSP tendo referido que nessa mesma data “D” a agrediu com vários murros e pontapés por todo o corpo.
8 - Nessa mesma queixa “A” referiu que estas agressões por parte de “D” eram prática habitual e que já tinha mesmo sido ameaçada por ele com armas brancas.
9 - Na ocasião, “A” acrescentou que sofria também violência psicológica por parte de “D” que, por vezes, lhe dizia " sua cabra, sua cadela, eu é que mando aqui"
10 - Todavia, apesar de, neste contexto, vir mantendo a coabitação com “D”, “A” tem mantido relacionamentos amorosos com outros indivíduos, como sucedeu com “E”, pai da menor “C”, e como vem sucedendo, mais recentemente, com um outro indivíduo que apenas sabe chamar-se “F”."
11 - A “A” transmitiu em vários serviços e a várias pessoas que tem relações sexuais com o Sr. “F”, as quais terão lugar em sua casa, no quarto do filho, enquanto “D” vai ás compras.
12 - “A” também verbalizou que já pediu a uma pessoa conhecida para fazer um teste de fidelidade a “F” e que por ocasião desse teste, tal pessoa veio a manter relações sexuais com “F”, as quais ocorreram em casa de “A”e quando esta ali se encontrava.
13 - “D” vem permitindo estes relacionamentos de “A”, continuando a coabitar com esta, por recear perder a sua afectividade.
14 – Em Fevereiro do corrente ano “F” acompanhou “D” e “A”à Unidade de Saúde Dr. José Domingos Barreiro, por ocasião de uma consulta de rotina da menor “C”.
15 - Também por ocasião de uma visita domiciliária efectuada em 1/3/07, constatou-se que “F” se encontrava na habitação de “D” e “A”.
16 - Aliás, “D” e “A” também chegaram a verbalizar perante as Técnicas da DIASL-Oriental, que pretendiam que fosse definido um projecto de vida autónomo para cada um deles, apresentando “A”, como solução, a de ir viver com o referido “F” para um quarto, que arrendariam, e tendo “D” manifestado a sua disponibilidade para ficar com as crianças, com apoio psicológico e com acompanhamento da equipa.
17 - Acresce que no decurso de uma visita domiciliária, efectuada em 12/3/07, “A” foi encontrada pelas Técnicas fora de casa a falar com alguns vizinhos. Nessa ocasião referiu "sentir-se em baixo" e identificou com algumas razões para o seu estado emocional "questões amorosas complexas, fora do casal, que a deixavam ansiosa mas para as quais não tinha solução".
18 - Certo é que quer “D”, quer “A” não concretizaram estes projectos de vida autónomos, vindo a manter uma situação de coabitação.
19 - “A” desde o ano de 2005 vem sendo acompanhada em consulta externa no Hospital Júlio de Matos, pela Exma Psiquiatra, Sr.ª Dra. “G”, tendo um diagnóstico de perturbação da personalidade, que se enquadra na referência F.61-ICD 10, havendo da sua parte oscilações na adesão aos programas propostos pela equipa.
20 - “A” apresenta capacidade manipulatória e revela pouca capacidade de resistência à frustração, passando ao acto com facilidade.
21 - Por apresentar uma perturbação da personalidade, a capacidade de intervenção terapêutica é reduzida, não sendo possível prever que venham a ocorrer alterações no seu comportamento.
22 - “A” não possui capacidade para cuidar dos filhos com autonomia e responsabilidade.
23 - “D” tem também sido objecto de acompanhamento em consulta de psicologia.
24 - “D” apresenta uma grande dependência emocional relativamente a “A”, traduzida por comportamento, ora de protecção, como se de uma filha mais velha se tratasse, ora de receio de a perder afectivamente como companheira.
25 - O facto de “A”ostentar as suas relações extra-conjugais, como uma espécie de atitude provocatória, e de verbalizar a “D” que já não gosta dele, provoca nele um comportamento depressivo, a par de um discurso suicida.
26 - Após a retirada dos menores do agregado, por decisão judicial, “D” apresentou um aumento dos sinais de humor deprimido, num quadro clínico que se caracteriza pelas dificuldades de funcionamento mais autónomo, nos domínios emocional, afectivo e social, contribuindo para as dificuldades que apresenta no plano funcional.
27 – Também “D” revela pouca capacidade de elaboração que permita um acompanhamento numa psicoterapia clínica.
28 - Apesar de nada o impedir, “D” não se revela capaz de exercer uma actividade profissional encontrando-se desempregado há cerca de 8 anos.
29 - “D” tem sido sensibilizado para a sua integração no mercado de trabalho e apesar de verbalizar que está disponível e interessado não concretiza nenhuma diligência.
30 - “A” também não exerce qualquer actividade profissional, desde o nascimento do filho “B”, ou seja, desde Janeiro de 2001, por ter desde então, segundo alega, um "esgotamento nervoso".
31 - Assim, a subsistência do agregado é garantida pela prestação de RSI e pelas prestações sociais dos menores.
32 - “D” e “A” não são capazes de gerir estes apoios económicos uma vez que não os canalizam para a satisfação das necessidades básicas do agregado, antes procurando satisfazer as necessidades individuais de “A” com a aquisição de roupas, calçado, e bijutaria, entre outros.
33 - “D”, embora reconheça que estes gastos não são os adequados, não revela capacidade para impedir que “A” os efectue.
34 - Ora, “D” e “A”desde Janeiro de 2005 que vinham sendo acompanhados pela Equipa de Apoio a Famílias com Crianças e Jovens em Risco-Oriental, da SCML.
35 - A situação foi sinalizada pela assistente social do acolhimento social que identificava áreas prioritárias de intervenção:
- sensibilização e motivação dos pais para a importância da integração do menor “B” em jardim de infância;
- sensibilização para o acompanhamento médico regular de “A”, de forma a diagnosticar a sua psicopatologia e poder dar início a uma terapêutica adequada;
- trabalhar com os progenitores competências parentais, organização e gestão doméstica.
36 - Certo é que, apesar deste acompanhamento e apesar de “B” vir frequentando o jardim de infância no "…" desde o ano de 2004, em Novembro de 2005 “B” foi sinalizado para acompanhamento psicoterapêutico no GAPS, (a funcionar nas instalações do "…") por apresentar graves dificuldades de integração social, isolando-se com frequência, para além de revelar dificuldades ao nível da oralidade.
37 - Por outro lado, na sequência da queixa apresentada na PSP em Setembro de 2006, foram iniciados processos na CPCJ-Oriental, a favor dos menores, com os n° /06 e /06, respectivamente.
38 - Sucede que, no decurso do acompanhamento psicoterapêutico efectuado ao menor “B” e ao longo do acompanhamento da menor “C”, foram identificados vários factores de risco a nível de maus tratos, físicos e psicológicos a nível de negligência no trato.
39 - Com efeito, “B” apareceu, em 2 ocasiões distintas, com marcas de pressão no pescoço e na face.
40 - Numa dessas ocasiões – Março de 2006 – “B” disse que as marcas de agressão que apresentava no pescoço tinham sido provocadas pelo pai.
41 - No que se refere a maus tratos psicológicos, consubstanciam-se nas seguintes condutas:
- a progenitora falava de forma depreciativa do menor “B”, mesmo na presença dele, e não se coibia de demonstrar perante ele a sua preferência pela menor “C”;
- a progenitora criava para o menor “B” verdadeiros "ambientes de terror" dizendo que não gostava dele e que se ia embora sem o levar;
- a progenitora ignorava, a maior parte das vezes, os comportamentos de procura de proximidade do menor “B”e não brincava com “B”, nem passeava com este verbalizando que ficava muito nervosa e cansada;
- a progenitora recusava o toque do menor “B”, afastando-o abruptamente, e não participava nas actividades diárias do menor;
- no decurso da primeira consulta que “B” teve na Unidade de Saúde…, da SCML, com cerca de 3 anos de idade, os cuidados ao menor foram prestados pelo pai, alegando a mãe que tinha receio de pegar no menor e que confiava nos cuidados do pai;
- no decurso dessa consulta constatou-se que “B” era uma criança tímida e quando estimulada verbalmente nunca respondia, apenas esboçando um sorriso;
- na mesma consulta se constatou que “C” mostrava frequentemente um fácies triste e mesmo quando estimulada não sorria;
- a progenitora não consegue fazer uma leitura dos sinais de mal-estar dos menores nem responde espontaneamente ás necessidades de desenvolvimento destes.
- Com efeito, apesar de várias vezes “B” ter sido encaminhado para a terapia da fala, nunca compareceu na consulta.
- Por sua vez, no que se refere à “C” a progenitora não reconhece a creche como uma necessidade de desenvolvimento da menor;
- Acresce que a progenitora não se coíbe de utilizar a menor “C” como forma de manipulação, quer perante o companheiro, quer perante os serviços, expondo-a a riscos para conseguir o que deseja. Com efeito, no período de 22/9/06 a 6/10/06, a progenitora não permitiu que a menor “C” frequentasse a creche, apenas como forma de pressionar a directora do equipamento a fornecer-lhe a refeição do jantar para toda a família;
- os progenitores não estimulam as relações sociais dos menores com outras crianças, para além do grupo do jardim de infância;
- a progenitora, ao introduzir no seio do agregado terceiras pessoas com os quais se relaciona, de forma íntima, com a conivência do progenitor, expõe os menores a modelos familiares desadequados, com as consequências negativas que daí advêm.
- Em Junho de 2006 verificou-se, por parte de “B”, alguma regressão em aquisições e progressos já feitos, mais acentuado a nível da autonomia, socialização, auto-estima e compreensão, tendo esta fase coincidido com a presença e estadia em casa do “B” de um adulto estranho à criança e que não fazia parte do agregado familiar.
- Face à sua incapacidade para controlar o comportamento de “A”, “D” não se constitui como figura protectora dos menores, sobretudo em situações mais críticas.
41. Esta situação reflecte-se nos comportamentos dos menores que, em situações de maior tensão ou quando se sentem menos protegidas, manifestam comportamentos auto-compensatórios, a menor “C” balança-se para a frente e para trás, e deixam de reagir a estímulos exteriores — o “B” não manifesta nenhuma expressão facial e não reage ao toque e à estimulação verbal.
42 - No que se refere a negligência física constata-se que “B”e “C”apresentavam:
a)- indicadores de carências alimentares:
- aspecto físico franzino;
- apesar do jantar para todo o agregado ser disponibilizado diariamente pelo …., os progenitores não davam todos os dias a refeição do jantar aos menores, sendo as 18h 30 a hora de deitar dos menores. Aliás, a própria progenitora verbalizou que os menores não jantavam todos os dias alegando que eles adormeciam antes da hora da refeição;

- a própria Educadora constatou que “B” apresentava sinais de fome sendo certo que em visitas domiciliárias foi possível observar “B” a jantar apenas massa cozida, ou crua, ou "bolycaos", embora os progenitores tenham referido que aquela não era a última refeição do menor;
- durante alguns meses a “C” comia a sopa fornecida pela creche para o “B”, sopa esta que não era adequada ao seu estádio de desenvolvimento;
- ao nível do desenvolvimento físico a menor “C”encontrava-se no percentil 5/10, muito abaixo do esperado para a sua idade e, ao que tudo indica, o baixo percentil da menor está relacionado com a sua alimentação deficiente;
b)- ausência de higiene:
- “B” não tomava banho todos os dias. Assim, quando comparecia às consultas na Unidade de Saúde …, da SCML, apresentava-se com má higiene corporal e com roupa suja;
- em 21/11/06 “B” compareceu nessa consulta por hipotermia. À observação estava arranhado nos braços e no pescoço, tendo a progenitora referido que tinha sido ela a dar-lhe banho;
- também a menor “C” se apresentava nas consultas na Unidade de Saúde…, da SCML, com má higiene corporal e do vestuário, apresentando várias vezes picadas de insectos;
- também no jardim de infância os menores apresentavam-se pouco limpos e com mau cheiro;
- a habitação onde residiam, como foi possível constatar em visita efectuada em 5/3/07, encontrava-se muito suja, com cheiro fétido e desorganizada, existindo roupa suja espalhada pelos vários compartimentos da casa, sendo visíveis baratas, formigas, moscas e percevejos mesmo debaixo dos lençóis das camas. Quer os menores, quer “D” e “A”, dormiam todos no mesmo quarto deitados apenas em cima de colchões;
c)- ausência de supervisão, traduzida nos seguintes factos:
- da observação realizada em meio natural de vida constatou-se que a progenitora não supervisionava as deslocações de “C” no interior da casa, sendo certo que esta gatinhava livremente, estando, por isso, exposta aos chamados "perigos domésticos";
- uma técnica do NIC constatou em determinada ocasião que a menor “C” apresentava um braço com uma marca de queimadura de um ferro, sendo certo que “D” referiu que tal queimadura tinha sido causada pelo irmão.
d)- deficiente apoio na saúde:
- embora “D” viesse assegurando o acompanhamento médico regular de “B” e “C”, todavia revelava dificuldades em compreender e em seguir as prescrições do médico;
- a progenitora demitia-se da função de acompanhar os menores, preocupando-se apenas com a sua própria saúde;
- a incapacidade de gerirem os apoios económicos que auferem levava a que, por vezes, não adquirissem os medicamentos receitados para os menores, invocando, porém, que a SCML não lhes pagava os medicamentos.
43 - Em Abril de 2007, ao constatar que, apesar dos apoios disponibilizados, os progenitores não haviam cumprido o acordo que a CPCJ havia com eles celebrado em Janeiro de 2007, propôs então a CPCJ que viesse a ser aplicada aos menores a medida de acolhimento institucional, ao que “D” e “A” se opuseram.
44 - Remetido o processo a juízo, por decisão proferida em Abril foi aplicada aos menores a medida de acolhimento institucional, na sequência do que em 10/4/07 vieram a ser acolhidos na instituição “O”.
45 - Por ocasião do acolhimento, e como causa directa e necessária da descrita conduta de “D” e “A”, apurou-se:
- os menores entraram na instituição com clara falta de higiene;
- a menor “C” apresentava o rabo todo em ferida, não suportando sequer os toalhetes Dodot, tendo sido necessário recorrer a toalhetes anti-alérgicos e ao tratamento com pomadas – Canastene e B-Pantêne;
- “B” revelava medo de tomar banho e de molhar a cabeça;
- em consulta efectuada em 11/5 constatou-se que “B”apresentava parasitas a nível interno que limitam a assimilação dos alimentos pelo organismo, impedindo-o de engordar, tendo-se ainda apurado que tal quadro clínico é próprio de indivíduos que estão expostos à presença de baratas, percevejos e, de um modo geral, provém, da falta de higiene alimentar;
- “C” terá o mesmo problema detectado a seu irmão – parasitas a nível interno –, sendo uma das suas consequências possíveis o raquitismo que a menor apresenta;
- ambos os menores desconheciam alguns alimentos e rejeitavam outros, aos quais deveriam estar perfeitamente habituados, tais como o leite;
- apesar dos menores se terem apercebido que na instituição não havia falta de comida, alimentam-se de forma "sedenta";
- “B” apresentava graves limitações ao nível da capacidade de adequar o seu comportamento a uma rotina normal: se tem fome, ou sede, não sabia pedir, ficava ansiosa e atrapalhava-se, gaguejando;
- “B” revelava também que tem muito medo de errar.
46 - Em 26/4/07 “D” e “A” foram visitar os menores e, não obstante tal visita ter sido agendada apenas para os progenitores, estes foram acompanhados pelo já referido “F”, o qual, disseram, tratar-se do pai da menor “C”.
47 - No decurso desta visita “B” manteve-se tenso, recusou sentar-se, mostrou-se incapaz de responder às perguntas que lhe faziam, permaneceu toda a visita de pé guardando alguma distância dos pais, excepto quando o puxaram para tirar fotografias.
48 - No decurso dessa mesma visita a progenitora balanceava a menor “C”, apertando-a contra si, tolhendo-lhe quaisquer movimentos que esta pretendesse fazer, para, logo de seguida, parar, sentá-la no colo e dizer: "ó minha vaca, ó minha vaca, ó minha vaquinha".
49 - Decorrido cerca de 1 mês após terem sido acolhidos, constatou-se que “B” já se encontra adaptado à rotina diária, mostrando-se mais confiante consigo mesmo, já não gaguejando com os adultos quando necessita de pedir algo.
50 - “B” revela capacidade para descrever a sua rotina diária.
51 - Porém, quando se pede a “B” para descrever o seu dia a dia em casa com os pais, “B” apenas fala do período de tempo que passava na escola.
52 - Os menores não perguntam pelos pais e não falam deles.
53 - Da observação psicológica efectuada à menor “C”, após 1 mês de institucionalização, constata-se que fez uma gradual adaptação à instituição tendo já estabelecido uma relação preferencial com alguns dos técnicos que com ela estão diariamente, sendo certo que o seu desenvolvimento está de acordo com a sua faixa etária e grupo de pares.
54 - Da observação psicológica efectuada ao menor “B”, após 1 mês de institucionalização, constata-se que é uma criança muito reservada e prudente relativamente à forma como se relaciona e interage com as figuras adultas.
“B” assume uma postura reservada até perceber que tipo de interacção pode contar da parte dos adultos, como se estivesse habituado a ser repreendido de forma severa e sujeito a agressões físicas por parte das figuras parentais.
55 - Acresce que “B” relatou situações de agressão por parte de sua mãe, nomeadamente o recurso a castigos relativamente aos quais ele não percebia a relação causa-consequência.
“B” referiu que era este o tipo de conduta que esperava por parte dos adultos quando entrou na instituição, o que, certamente, explicará a sua gaguez e reserva inicial.
56 - “B” descreve a mãe como "má" não mostrando em momento algum o desejo de retorno a casa.
57 - Da observação psicológica complementar efectuada ao menor “B”, em Junho, constata-se que, não obstante as visitas dos progenitores, o menor mantém o seu desejo de não regressar a casa.
58 - Nos períodos de visita “B” mantém uma postura passiva na relação, não interagindo com os pais e não mostrando qualquer sinal de alegria quando os vê nem manifestando qualquer tristeza quando se vão embora.
59 - Em contexto de acompanhamento psicológico quando lhe é perguntado como correu a visita com os pais diz que não se lembra de ter tido qualquer visita e que não quer ver os pais, designadamente a mãe.
60 - A negação que o menor faz relativamente aos pais e às suas visitas dá a indicação de uma perturbação evidente na relação e vinculação pais-filho.
61 - Apesar de em contexto institucional “B” dar mostras que já se sente mais seguro de si e que ultrapassou a postura triste que inicialmente apresentava, todavia essa postura triste regressa por ocasião das visitas dos progenitores.
62 - Assim, as visitas, que ocorreram até finais de Junho, decorreram de forma tensa para o menor, o qual ficou de pé todo o tempo, obedecendo, relutantemente, às indicações dos pais, que lhe davam beijos e abraços aos quais o menor não correspondeu.
63 - No que se refere à menor “C” o choro e o receio inicial foram substituídos por risadas, quando os progenitores brincam com ela, sendo certo que a menor não contesta quando chega o final da visita com os progenitores, o que já não sucede se se pretender pôr fim a alguma brincadeira que ocorra entre a “C”e algum dos monitores.
64 - A visita dos progenitores que teve lugar no dia 4/7/07 foi antecedida de diversos telefonemas destes querendo falar com a Psicóloga da instituição, para lhe pedir explicações face ao relatório datado de 26/6/07, junto aos autos a fls. 148.
65 - Na data referida, na presença da menor “C” a mãe continuou a chamar-lhe "minha vaquinha", tendo acrescentado "oh minha vaquinha já estás quase a poder namorar".
66 - Quando se dirigiu ao “B”, a mãe pegou nele e colocou-o diante de si, segurando-o pelos braços, como se o fosse abanar a qualquer momento, tendo-lhe dito em simultâneo, em tom afirmativo " ...a mãe vai-te pedir para não dizeres à psicóloga que não queres ir para casa..."
67 - Em contexto de acompanhamento psicológico, em sessão efectuada no dia seguinte à visita, “B” disse que tinha medo, sobretudo da mãe.
68 - Acresce que, por vezes, por ocasião das visitas, a progenitora entregou roupa na instituição que disse destinar-se ao “B”. Todavia, constatou-se que se tratava de roupa de Inverno e, na sua maioria, se tratava de roupa própria para menina e própria para 12 anos de idade.
69 - O “B” quando chegou à instituição tinha medo de tomar banho. Levou cerca de três meses a que ele tomasse banho de uma forma normal.
70 - Após um mês de institucionalização a mãe fez uma visita aos filhos e perguntou-lhe se ele tomava banho ali e que assim lhe viam a pila. Após esta observação da mãe o “B” voltou a não querer tomar banho, tendo voltado tudo ao início.
71 - Após as visitas o “B” destabiliza totalmente.
72 - Quando são levados às visitas se o acompanhante sair da visita os menores saem também, não demonstrando interesse na visita dos pais.
73 - Há cerca dois meses a mãe referiu ao “B” que ele iria para casa rapidamente e e1e começou a fazer "xi-xi" nas calças.
74 - Quando os pais estiveram impedidos de realizar visitas aos filhos eles nunca perguntaram pelos pais.
75 – Os pais realizaram obras em casa, melhoraram-na significativamente, pintaram-na e montaram um quarto preparado para acolher os filhos.

B – Apreciação jurídica

1) Da alegada violação dos artigos 4.º, 35.º e 39.º da LPCJP
As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo visam três objectivos fundamentais, na óptica do interesse das crianças e dos jovens: 1) afastar o perigo em que se encontrem; 2) proporcionar-lhes segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; 3) assegurar a sua recuperação física e psicológica, quando forem vítimas de exploração ou de abuso - art.º 34.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1-9, com a redacção introduzida pelo art.º 3.º da Lei n.º 31/2003, de 22-8).
As medidas concretas para atingir estes fins constitucionais (art.ºs 69.º e 70.º da CRP) distinguem-se em duas modalidades: 1) as executadas no meio natural de vida, junto dos pais, de um familiar, de pessoa idónea ou em apoio para autonomia de vida (als. a) a d) do art.º 35.º da LPCJP); e 2) as que se materializam no acolhimento familiar ou institucional ou na mais radical das alterações, que é a confiança das crianças ou dos jovens a pessoa seleccionada para a adopção ou a uma instituição com vista a futura adopção (art.º 35.º da LPCJP). Nestes autos, foi aplicada esta última solução institucional, que implica a inibição dos pais do exercício do poder paternal, nos termos do art.º 1978.º-A do código civil.
Alega a Recorrente que existe violação dos artigos em epígrafe quando se impedem as visitas da mãe aos menores e que a progenitora nunca teve orientação nem acompanhamento, nem tão-pouco foi tentado o acompanhamento que o legislador prevê.
Desde logo, importa salientar que a determinação da cessação das visitas ficou a dever-se à influência negativa e prejudicial que a presença da família natural, sobretudo a mãe, tem nos menores, como resulta, nomeadamente, dos factos provados n.ºs 47, 48, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72, 73 e 74, acima descritos. Deste modo, mostra-se suficientemente justificada tal proibição, na defesa do superior interesse dos menores, que, pelas abundantes razões que emergem da matéria de facto provada, tem de sobrepor-se ao direito de os pais os visitarem e estarem com eles.
No tocante ao acompanhamento a que se refere o art.º 39.º da LPCJP, trata-se de uma medida no meio natural de vida, nomeadamente junto dos pais, para os casos em que, à partida, tal intervenção se mostra adequada e susceptível de frutificar, a ponto de tornar desnecessária a aplicação de uma medida mais profunda. Porém, manifestamente não era este um desses casos, atento o ambiente desleixado, promíscuo e até mesmo agressivo em que os menores viviam, com os progenitores. Tudo isto já se repercutia de forma negativa e muito preocupante no “B”e na “C”, como atestam a sua franzina condição física, a falta de alimentação, higiene e vigilância protectora, bem como no receio e na incapacidade de as crianças comunicarem e de interagirem com os adultos, sem esquecer a não menos lamentável ausência de afecto, tão necessário ao saudável desenvolvimento somático, emocional e psicológico das crianças, sobretudo na tenra idade destas.
A piorar ainda mais o cenário real, já de si dramático, a mãe sofre de doença do foro psiquiátrico, com acompanhamento médico desde 2005, no Hospital Júlio de Matos (factos provados n.ºs 19, 20, 21 e 22.º supra), não possuindo capacidade para cuidar dos filhos com autonomia e responsabilidade. Como se isto não bastasse, o seu companheiro, “D”, também seguido na consulta de psicologia, apresenta uma grande dependência emocional da mãe dos menores, a ora Recorrente, e revela pouca elaboração que permita um acompanhamento numa psicoterapia clínica (factos n.ºs 23 a 27, supra).
Além disso, o Sr. “D”, pai do menor “B”, está desempregado há 8 anos e, apesar de nada o impedir, não se revela capaz de exercer uma actividade profissional, sendo certo que a Recorrente também não exerce qualquer actividade profissional desde Janeiro de 2001 (factos n.ºs 28 a 30). A subsistência do agregado é garantida pela prestação do RSI (Rendimento Social de Inserção) e pelas prestações sociais dos menores (facto n.º 31), não sendo ambos os progenitores capazes de gerir estes apoios económicos (facto n.º 32).
Perante esta dura realidade, encontra-se claramente preenchido o requisito da al. d) do n.º 1 do art.º 1978.º do código civil, de que depende a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção, prevista na al. g) do art.º 35.º da LPCJP. Com efeito, os progenitores põem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento dos menores em causa. Com isto não se mostra minimamente beliscado qualquer dos princípios orientadores da intervenção, contidos no art.º 4.º da LPCJP. Acresce que, na verificação da situação que justifica a aplicação da medida em causa, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses dos menores, por força do disposto no n.º 2 do art.º 1978.º do código civil.
Portanto, ao contrário do que a Recorrente alega, não se verifica qualquer violação dos artigos da referida lei de protecção, nomeadamente os que indica: 4.º, 35.º e 39.º.

2) Da alegada inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 13.º, 67.º, 68.º e 71.º da CRP
Aponta igualmente a Recorrente a violação destes artigos da Lei Fundamental, invocando a sua própria deficiência psíquica, «que devia ter sido obrigatoriamente suprida», e a discriminação da progenitora, «impedindo a mãe por ter uma incapacidade mental de visitar os menores».
Importa, antes de mais, lembrar e realçar que a Constituição e a Lei hierarquizam o interesse das crianças e os direitos dos pais de cuidarem e de educarem os filhos, colocando aquele acima destes. Os pais só são dignos de exercerem esses direitos se para isso tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos – assegurando-lhes o sustento, a segurança, a educação e o desenvolvimento pleno e harmonioso, sob todos os pontos de vista. De contrário, a sociedade e o Estado têm o dever de intervir para, em nome do supremo interesse dos menores, suprirem o défice ou a ausência completa de acção parental positiva, com prioridade em relação aos direitos, aos sentimentos ou às emoções dos pais. Isto é, a protecção constitucional da infância prevista no art.º 69.º prevalece, e neste caso prevaleceu acertadamente, sobre a tutela da família e da paternidade estabelecida nos art.ºs 67.º e 68.º, ambos da Constituição, como resulta igualmente do disposto no citado art.º 1978.º, n.º 2, do código civil.
Com efeito, além de um interesse social e público mais imediato, em proporcionar as condições indispensáveis para criar, proteger e educar as crianças em perigo, a intervenção social e estatal visa formar jovens e adultos sãos e equilibrados, capazes de se integrarem validamente na sociedade e contribuírem para a melhoria esta. Na verdade, só agindo assim, e a tempo, o Estado consegue desempenhar eficazmente o seu papel de criar as condições necessárias à preparação de cidadãos ética, moral e civicamente conscientes e, projectando para o futuro, bons educadores dos seus próprios filhos (filho és, pai serás – diz o povo).
Por outro lado, a alegada discriminação por se impedir a mãe, portadora de incapacidade mental, de visitar os menores, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento válido. Com efeito, provou-se que a Recorrente tem beneficiado de acompanhamento médico psiquiátrico e também ficou demonstrado que as visitas dos familiares, especialmente da mãe, atormentam as crianças. Ora, num conflito entre os interesses ou direitos dos filhos em prosseguirem a sua vida na instituição com tranquilidade e paz de espírito, sem perturbações emocionais que afectem o seu comportamento e a relação com as outras pessoas, e os direitos ou interesses da mãe em os ver e estar com eles, não é difícil concluir que os interesses do “B”e da “C”se sobrepõem ao da Recorrente.
O próprio art.º 71.º da CRP ressalva da plenitude de direitos dos cidadãos com deficiência física ou mental aqueles para os quais essas pessoas se encontrem incapacitadas, como é o caso da aqui Recorrente. É que o princípio da igualdade, contido no invocado art.º 13.º da Constituição, significa que se deve tratar por igual o que é igual e de forma diferente o que realmente é diferente. Daí que o tratamento diferenciado aplicado à Recorrente em relação às visitas aos filhos e à medida de confiança que lhe foi aplicada esteja ampla e objectivamente justificado, como se referiu, à luz do próprio texto constitucional e também da lei ordinária.
Improcedem assim, todas as conclusões da Recorrente, pelo que o recurso soçobra e a douta decisão recorrida não merece censura.

III – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.
***
Lisboa, 6 de Outubro de 2009


João Aveiro Pereira

Manuel Marques

Anabela Calafate