Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1175/08.6TBMTJ-A.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA IMÓVEL
TÍTULO EXECUTIVO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- À execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al.e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
2- Uma coisa é a reacção à notificação judicial avulsa e outra, a oposição à execução.
3- Uma forma de reacção àquela notificação será a dos arrendatários no prazo de três meses pôrem fim à mora, pagando as rendas, conforme o preceituado no nº3 do art. 1084º do C. Civil.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1-Relatório:

Os exequentes, “A” e “B” intentaram execução para entrega de coisa certa, contra os executados, “C” e “D”.
Para tanto, invocaram não terem os executados, na qualidade de inquilinos, procedido à entrega da fracção autónoma arrendada, apesar de notificados judicialmente da resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas.

Os executados apresentaram a presente oposição à execução, concluindo pelos pedidos de declaração de nulidade do contrato de arrendamento e de nulidade do contrato de trespasse celebrado entre as mesmas partes.

Contestaram os exequentes, concluindo pela improcedência da oposição.

Veio a ser proferido despacho, julgando manifestamente improcedente, em relação a todos os fundamentos que os executados invocaram, a oposição deduzida à execução.

Inconformados recorreram os executados, concluindo nas suas alegações:
A) A execução dos autos baseia-se em resolução contratual operada por notificação judicial avulsa efectuada nos termos do disposto no art. 9. °, n.º 7 da Lei n. ° 6/2009, de 27 de Fevereiro.
B) A decorrência de mora de 3 meses é suficiente para o direito dos Recorridos se afirmar, salvo demonstração em contrário pelos Recorrentes.
C) Os Recorrentes demonstraram terem-se oposto ao efeito cominatório da notificação judicial avulsa.
D) A oposição, reacção, deduzida pelos Recorrentes não foi dada como provada pela Douta Sentença "a quo".
E) A Douta Sentença "a quo" julgou incorrectamente os meios probatórios constantes do processo.
F) Os meios probatórios constantes do processo impõem uma decisão diversa.
G) Dos factos provados deve constar a oposição dos Recorrentes às notificações judiciais avulsas.
H) Dos factos provados deve constar a manutenção da relação locatícia.
I) Inexiste título que fundamente a execução.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos.

2- Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 685º-A, todos do CPC.

As questões a dirimir consistem em aquilatar:
- Se inexiste título que fundamente a execução.
- Se os meios probatórios constantes do processo impunham uma decisão diversa.

A matéria de facto apurada na primeira instância foi a seguinte:

- Os exequentes instauraram a presente execução para entrega de coisa certa em 2-5-2008.
- Os exequentes, na qualidade de proprietários, por acordo escrito de 16 de Junho de 2005, declararam dar de arrendamento aos executados a fracção autónoma, designada pela letra "A", destinada a comércio, correspondente ao 1º.piso, com acesso pelo nº.... da Praceta ..., do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta ..., com os nºs. ..., ... e ..., e tem os nºs ..., para a Rua de acesso às garagens, em M..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. ..., fracção A, descrita na Conservatória do Registo Predial de M... sob o n° ... (doc. fls. 28 a 40 do processo de execução, que, como os demais a citar, se dão por inteiramente reproduzidos, em relação à parte não expressamente referida a seguir).
- Desse acordo (cláusula 13ª) ficou a constar que "A aptidão do locado para o fim comercial foi atestada pela licença de utilização nº.... emitida pela Câmara Municipal do M...".
- Os exequentes requereram notificação judicial avulsa dos executados, tendo estes sido notificados, em 23-7-2007 (o executado) e 25-7-2007 (a executada), nos termos constantes dos doc. de fls. 22 e seg. da execução.
- Na mesma data de 16-6-2005, e também por acordo escrito, intitulado como "Contrato de Trespasse” os exequentes, na qualidade de donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial de café e cervejaria instalado na dita fracção, declararam vender aos executados, que declararam querer comprar, o trespasse do mesmo estabelecimento, pelo valor de 15.000,00 €, a liquidar integralmente até 16-6-2007 (doc. fls. 8 a 11 deste apenso).
- Em 13-12-2005, os exequentes declararam dar quitação aos executados do pagamento do remanescente de tal valor (doc. fls. 12 deste apenso).
- À data da celebração dos acordos atrás referidos, o estabelecimento encontrava-se aberto ao público e em funcionamento.
- Recebido o estabelecimento, os executados efectuaram obras de isolamento de som, colocação de pladour, aplicação de lâmpadas embutidas e reparação de máquinas existentes no estabelecimento, que estavam avariadas, tendo dispendido cerca de 4.500,00 €.
- Mediante carta datada de 09-10-2006, os executados comunicaram aos exequentes o projecto de trespasse do dito estabelecimento, para que estes exercessem direito de preferência, a que os exequentes responderam, mediante carta datada de 16-10-2006, em que, nomeadamente, solicitavam informações sobre as garantias que os fiadores indicados em tal projecto apresentavam (doc. fls. 13 e 14, da oposição).
- Da licença de utilização emitida, em 11-12-1990, pela Câmara Municipal do M... para a referida fracção A, consta esta como para "comércio" (doc. fls. 15 a 17 da oposição).
- Em 23-9-1991, o Governo Civil de S... emitiu alvará de licença de abertura de estabelecimento de bebidas, actividades de café-cervejaria, em relação ao r/c do prédio sito na Praceta ..., lote ..., no M..., cuja titularidade veio a ser averbada à exequente por despacho de 18-3-1993 (doc. fls. 31 a 33 deste apenso).

Vejamos:
Insurgem-se os apelantes relativamente à decisão que julgou improcedente a oposição deduzida à execução, invocando que os meios probatórios constantes do processo impunham uma decisão diversa, inexistindo título que fundamente a execução, mantendo-se a relação locatícia.
Perante o disposto no nº1 do art. 45º do CPC., toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da execução.
O título é a condição necessária e suficiente da acção executiva, já que não há execução sem título.
Dentro das espécies de títulos taxativamente previstos no nº1 do art. 46º do CPC., incluem-se os documentos a que por disposição legal, seja atribuída força executiva.
Como refere, Lebre de Freitas, in, A acção Executiva, Depois da reforma da reforma, pág. 65, «Também documentos particulares podem constituir título executivo por disposição especial de lei, nomeadamente, o contrato de arrendamento de prédio urbano, acompanhado de comprovativo da comunicação ao arrendatário, efectuada nos termos do art. 9º do NRAU, da resolução ou da denúncia do contrato pelo senhorio, nos termos do art. 1084º, nº1 do C. Civil».
Ora, a presente execução tem por finalidade a entrega de coisa certa e à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, quer a sentença condenatória proferida em acção de despejo, quer os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al.e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Nos termos constantes do nº 1 do art. 1083º do C. Civil, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
E nos termos do nº 3 do mesmo preceito, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas.
A resolução pelo senhorio nesta situação, opera, nos termos do nº1 do art. 1084º do C. Civil, por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
Nos termos da alínea e) do nº1 do art. 15º do NRAU, não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
- Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº1 do art. 1084º do C. Civil.
Este título executivo complexo é composto por dois elementos, o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação, pelo que, faltando um deles, ou ambos, não haverá título.
Assim, como alude, Maria Olinda Garcia, in, A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, a fls. 98, «Quando a lei não impõe o recurso à via judicial para fazer cessar a relação de arrendamento, caso o arrendatário não cumpra a obrigação de restituir o imóvel após a extinção dessa relação, o senhorio deverá recorrer à acção executiva para entrega de coisa certa, tendo por base algum dos títulos executivos formados nos termos deste art. 15º».
Ora, na situação vertente, os exequentes ora apelados procederam à notificação judicial avulsa dos executados, ora apelantes, nos termos do disposto no nº7 do art. 9º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), com referência ao disposto no nº 3 do art. 1083º e nº1 do art. 1084º, ambos do Código Civil, ou seja, fizeram operar a resolução do arrendamento com base no não pagamento de rendas, por período superior a três meses.
Tais notificações judiciais avulsas foram assinadas em 23-7-2007 pelo executado e em 25-7-2007 pela executada.
Porém, nos termos exarados no nº3 do art. 1084º do C. Civil, a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses.
Com efeito, na situação em apreço, nada consta nos autos sobre a feitura de qualquer pagamento de rendas.
Assim, a resolução do contrato efectuada por via da notificação judicial avulsa produziu os seus efeitos, conduzindo à extinção daquele.
Aquando da propositura da acção executiva em 2-5-2008, os exequentes encontravam-se munidos de um título executivo válido, para assim requererem a entrega do imóvel.
Deste modo, não assiste razão aos apelantes quando argumentam não existir título que fundamente a execução, decaindo tal pretensão.

Entendem ainda os apelantes, que os meios probatórios constantes do processo impunham uma decisão diversa.
Ora, a decisão recorrida indicou qual a factualidade em que sustentava a sua posição e baseou-se na documentação apresentada nos autos, a qual suportava a situação espelhada pelas partes.
Os apelantes, contudo, não indicaram qualquer omissão concreta de factualidade, nem de igual modo, especificaram aonde residia a desconformidade aludida.
Os apelantes dizem, também, que demonstraram ter-se oposto ao efeito cominatório da notificação judicial avulsa, não tendo a mesma sido dada como provada na decisão.
Com efeito, afigura-se-nos que aqui laboram os apelantes numa certa confusão, pois, uma coisa é a reacção à notificação judicial avulsa e outra, a oposição à execução.
No concernente às notificações judiciais efectuadas em 23-7-2007 e 25-7-2007, a ambos os apelantes, ali se esclarecia devidamente que se considerava resolvido o contrato de arrendamento, com base na circunstância de estarem em dívia àquela altura, sete meses de renda.
Ora, a forma de reacção seria a dos arrendatários no prazo de três meses pôrem fim à mora, pagando as rendas, conforme o preceituado no nº3 do art. 1084º do C. Civil.
Porém, nada disto foi feito, pelo que, com base em título executivo válido, em 2-5-2008 foi instaurada a execução para entrega de coisa certa.
E a oposição a que os recorrentes se reportam é a oposição à execução propriamente dita, mas aquando desta, já se tinham operado os efeitos da resolução do contrato pelos ora exequentes, ou seja, a oposição à execução já não tinha a virtualidade de impedir a eficácia executiva do título alcançado.
A demonstração em contrário a que os apelantes se reportam, não foi materializada nos autos.
Destarte, improcedem na totalidade as conclusões do recurso apresentado.


Em síntese:
- À execução para entrega de coisa imóvel arrendada, pode servir como título executivo, os documentos a que se referem os arts. 14º, nº.5 e 15º, nº1 al.e) do NRAU, ou seja, da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.
- Uma coisa é a reacção à notificação judicial avulsa e outra, a oposição à execução.
- Uma forma de reacção àquela notificação será a dos arrendatários no prazo de três meses pôrem fim à mora, pagando as rendas, conforme o preceituado no nº3 do art. 1084º do C. Civil.


3- Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão proferida.

Custas a cargo dos apelantes.

Lisboa, 16 de Novembro de 2010

Maria do Rosário Gonçalves
Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos