Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1413/2005-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PUBLICIDADE PROIBIDA
DIREITO AO BOM NOME
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1. A publicidade na imprensa, contendo uma mensagem a defender o merecimento da prisão e contextualizando uma alusão explícita à prisão ou detenção de certa pessoa, ofende o bom nome e reputação dessa pessoa.
2. Tal publicidade, inexistindo sentença condenatória, transitada em julgado, viola ainda o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido.
3. Nessas condições, porque expressamente proibido, é infringido o princípio da licitude que enforma a publicidade.
4. Pela publicidade ilícita, incorre em responsabilidade civil quem a produz e a divulga.
5. Provocando tal publicidade sofrimento e abalo, há lugar à fixação de indemnização por dano de natureza não patrimonial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO

(A) instaurou, em 4 de Abril de 2002, na 6.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra FCB – Publicidade, Lda., e Diário de Notícias, S.A., que, entretanto, passou a denominar-se Global Notícias, Publicações, S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que as RR. fossem condenadas a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de € 74 819,68.
Para tanto, alegou, em síntese, que, em Março de 2002, a 2.ª R. levou a efeito uma promoção publicitária ao “Diário de Notícias”, no próprio jornal, no “24 Horas” e no “Expresso”, idealizada, concebida e crida pela 1.ª R., da qual constava a mensagem “O DN defende a liberdade de imprensa. E a prisão de quem merece”, acompanhada da imagem de um exemplar do DN, onde se lia “Quatro prisões na Moderna”, referindo-se também que fora “detido o vice-reitor(A)”; essa campanha ofendeu-o gravemente em direitos fundamentais, causando-lhe danos de natureza não patrimonial, que as RR. estão obrigadas a ressarcir.
Contestaram, separadamente, ambas as RR., no sentido da improcedência da acção.
Ao A. viria a ser concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa total da taxa de justiça e demais encargos e pagamentos de honorários ao patrono.
Depois de elaborada a base instrutória, da qual não houve qualquer reclamação, e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 11 de Junho de 2004, a sentença, que condenou as RR., solidariamente, no pagamento ao A. da quantia de € 35 000.

Não se conformando, cada uma das RR. apelou da sentença e, tendo alegado, formularam, em síntese, as seguintes conclusões:

A R. Global Notícias, Publicações, S.A.:

a) A factualidade assente na al. j) revela-se desconforme à realidade, assim como.
as respostas aos quesitos 9.º, 10.º e 11.º.
b) A resposta as quesito 8.º está também desconforme, face a toda a prova constante dos autos, e em manifesta contradição com a restante matéria de facto, dada como provada, particularmente com a resposta positiva do quesito 6.º.
c) A recorrente apenas teve conhecimento prévio e genérico da campanha em que se inseria a mensagem.
d) Desta forma, não poderá a sua actuação ser qualificada de negligente.
e) Nos termos, do disposto no n.º 2 do art.º 29.º da Lei de Imprensa, por interpretação a contrario, impunha-se a sua absolvição.
f) Ficou por demonstrar a culpa.
g) Ainda que se entenda de outro modo, a mensagem publicitária não constitui causa adequada para provocar os danos alegados pelo recorrido.
h) As referências ao seu nome revelam-se incidentais, reduzidas e diminutas, inserindo-se o anúncio numa campanha de âmbito mais alargado, consistente na reprodução de diversas primeiras páginas do Diário de Notícias.
i) A recorrente nunca teve a intenção de atingir a honra ou a consideração do recorrido.
j) A presunção de inocência resulta expressamente afastada através de sentença judicial.

A FCB – Publicidade, Lda.:

a) A presença do nome do A. foi acidental.
b)A recorrente limitou-se a produzir um acto publicitário, procurando corresponder à encomenda feita.
c) Assim que concebeu a publicidade, enviou-a à outra R., tendo perdido o domínio sobre a mesma e não sendo responsável pela sua publicação.
d) Os factos provados não autorizam o arbitramento de uma indemnização tão elevada.
e) A recorrente não é responsável por quaisquer danos que o A. possa ter sofrido.

Pretendem ambas as RR., com o provimento do respectivo recurso, a revogação da sentença recorrida, com a consequente absolvição do pedido.

Subordinadamente, o A. apelou também da sentença e, tendo vindo a alegar, extraiu, em resumo, as seguintes conclusões:

a) O montante indemnizatório é claramente diminuto face à gravidade dos danos causados.
b) A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance expressivo de forma a ressarcir o lesado de forma significativa e integral.
c) Atendendo à capacidade económica das RR. e à intensidade do mal causado, o montante indemnizatório fixado não atinge os desejados parâmetros.
d) A sentença recorrida violou o disposto nos art.º s 483.º, 484.º, 487.º, n.º 2, 496.º, n.º 3, do Código Civil, e 32.º, n.º 2, da Constituição.

Pretende, com o provimento do recurso, a fixação da indemnização em quantia não inferior a € 74 819,68.

Contra-alegaram o A e as RR., no sentido de ser negado provimento ao recurso da parte contrária.

Corridos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Nestes recursos, está em causa, para além da decisão sobre a matéria de facto, a responsabilidade civil por facto ilícito, decorrente de uma campanha publicitária na imprensa, e ainda a fixação da indemnização por dano de natureza não patrimonial.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em 2 de Março de 2002, o jornal diário Diário de Notícias, propriedade da 2.ª R., publicou, na página 11, a mensagem publicitária, constante de fls. 24, visando promover a sua comercialização.
2. Nessa mensagem está escrito: “O DN defende a liberdade de imprensa. E a prisão a quem a merece”.
3. Sob as referidas frases, surge a foto da parte superior da 1.ª página do Diário de Notícias, de 13 de Abril de 2000.
4. Na foto, lê-se o texto, distribuído a toda a largura da página, por quatro linhas: “Quatro prisões”, “na Moderna”, “A PJ deteve ontem quatro pessoas no âmbito da investigação à Universidade Moderna. Além do reitor,... (…)”, “e dos dois filhos,... e ...., foi ainda detido o vice-reitor(A). Processo terá (…)”.
5. A referida mensagem termina com o texto: “Leia o DN. A referência do país. Diário de Notícias. Um jornal ao serviço do leitor”.
6. No dia 2 de Março de 2002, o jornal “24 horas” publicou, na página 10, como consta a fls. 25, a mesma mensagem publicitária.
7. No dia 9 de Março de 2002, tal mensagem foi publicada no caderno publicitário (encarte”) do jornal Expresso.
8. No dia 10 de Março de 2002, o Diário de Notícias publicou a referida mensagem no caderno publicitário, constante de fls. 31v. e 32, que acompanhava a edição de domingo.
9. No dia 15 de Março de 2002, o Diário de Notícias publicou a mesma mensagem, na página 57, como consta a fls. 42.
10. Com a mensagem publicitária, o A. sentiu-se ofendido (resposta ao quesito 20.º).
11. E continua a sentir-se ofendido (21.º).
12. A mensagem gerou abalo ao A. (22.º).
13. E continua a gerar abalo ao A. (23.º).
14. A mensagem foi aprovada pela 2.ª R. [alínea j) dos factos assentes].
15. A mensagem publicitária foi idealizada, concebida e criada pela 1.ª R. (6.º).
16. E isso na sequência de encomenda da 2.ª R.
17. A mensagem publicitária foi produzida, agendada e comercializada pela 2.ª R. (8.º).
18. A direcção do Diário de Notícias teve conhecimento da campanha publicitária, onde se inseria a mensagem publicitária e não se opôs à sua publicação (9.º e 10.º).
19. Em 19 de Março de 2002, o director do Diário de Notícias ordenou a suspensão imediata da mensagem publicitária.
20. O anúncio inseriu-se na campanha que incluía a reprodução de primeiras páginas do Diário de Notícias, entendidas como ilustrativas do jornal enquanto referência do país.
21. O Diário de Notícias destacou-se, em 2000 e 2001, com a publicação de artigos de investigação sobre irregularidades na gestão da Universidade Moderna, ganhando, com isso, notoriedade.
22. Na 1.ª página do Diário de Notícias, de 13 de Abril de 2000, constante de fls. 66, aparecia, a toda a largura, fotografia do então reitor da Universidade.
23. Em Fevereiro de 2002, o Diário de Notícias teve a tiragem média diária de 83 259 exemplares.
24. No mesmo mês, o “24 horas” teve a tiragem média diária de 50 450 exemplares.
25. Em Março de 2002, o Expresso teve a tiragem média de 166 000 exemplares.
26. A 2.ª R. tem boa situação económica.
27. O A. é docente universitário e foi secretário-geral da Universidade e tesoureiro de Dinensino, CRL.
28. Nas datas de publicação da mensagem publicitária, o A. encontrava-se detido sob prisão preventiva, aguardando julgamento.
29. Por acórdão de 27 de Novembro de 2003, proferido na 8.ª Vara Criminal de Lisboa, o A. foi condenado, como co-autor material de um crime de administração danosa, em três anos e cinco meses e quinze dias de prisão.
2.2. Na matéria de facto descrita, suprimiram-se as expressões “gravemente” (das respostas aos quesitos 20.º e 21.º) e “profundo” (22.º e 23.º), em virtude de constituírem meros juízos de valor (art.º 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – CPC).

2.3. Delimitado o objecto dos recursos pelas respectivas conclusões, das quais emergem as questões jurídicas já salientadas, importa passar ao seu conhecimento, começando pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pela apelante Global Notícias.

Na verdade, a fls. 117, quando se efectuou a selecção da matéria de facto, nos termos do art.º 511.º do CPC, foi considerado assente, sob a al. j), o seguinte facto: “a mensagem foi aprovada pela ré DN”.
Neste âmbito, foi alegado, na petição inicial, que a “publicidade” fora “aprovada, produzida e comercializada pela primeira ré” (14.º).
Impugnando, especificadamente, essa matéria, na contestação, a apelante Global Notícias alegou que a “publicidade” fora “aprovada e agendada” por si (13.º).
Neste contexto, considerou-se como assente uma realidade diferente da alegada nos articulados, sendo certo que o conhecimento da mensagem publicitária pela referida apelante constituía matéria controvertida (cfr. artigos 15.º da petição inicial e 14.º da contestação da Global Notícias – quesitos 9.º e 11.º).
Nessa medida, não podia dar-se como assente a matéria de facto constante da alínea J), devendo ter-se por eliminada.
Sobre o despacho a considerar a matéria de facto assente não se forma caso julgado, podendo aquela ser modificada.
A especificação dos factos assentes, como sucedia antes com a especificação, quer tenha havido ou não reclamação, quer tenha havido ou não impugnação do despacho que as decida, pode ser sempre alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito da decisão final, conforme assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Maio de 1994 (BMJ, n.º 437, pág. 35).
Esta jurisprudência, revestida agora apenas do carácter uniformizador, mantém plena actualidade.

A mesma apelante impugnou, também, as respostas aos quesitos 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da base instrutória.
Tais quesitos tinham a seguinte redacção:

- 8.º: A mensagem publicitária foi produzida, agendada e comercializada pela ré DN?
- 9.º: A direcção do Diário de Notícias teve conhecimento do teor da mensagem publicitária antes da publicação da mesma?
- 10.º: E não se opôs à dita publicação?
- 11.º: A direcção do Diário de Notícias apenas em 19 de Março de 2002 tomou conhecimento da mensagem publicitária em causa?

Na verdade, quanto ao quesito 8.º, que obteve uma resposta positiva (fls. 772), há uma certa contradição com a resposta positiva dada ao quesito 6.º, que não foi impugnada, segundo a qual “a mensagem publicitária foi idealizada, concebida e criada pela ré FCB”. Efectivamente, a mensagem publicitária não foi produzida pela apelante Global Notícias, mas, como resulta da resposta ao quesito 6.º, que está em conformidade com a prova produzida nos autos, pela FCB.
É, assim, flagrante a desconformidade entre a prova produzida e a resposta dada ao quesito 8.º.
Todavia, embora se possa ter como provado que a mensagem publicitária foi agendada pela ré Global Notícias, nem mesmo assim a resposta pode ser parcialmente positiva, na medida em que tal facto resulta provado por efeito da confissão da apelante Global Notícias, nomeadamente no artigo 13.º da respectiva contestação.
Na verdade, têm-se por não escrita a resposta dada sobre facto que esteja provado plenamente, designadamente por confissão das partes (art.º 646.º, n.º 4, do CPC).
Por outro lado, a comercialização da publicidade não respeitava à mesma apelante, atendendo nomeadamente à alegação feita no artigo 14.º da petição inicial.
Nestas condições, a resposta útil ao quesito 8.º só pode ser negativa.

No tocante à resposta conjunta aos quesitos 9.º e 10.º, interessa referir que a alegação da apelante Global Notícias é impertinente.
Com efeito, levando em consideração o teor dos quesitos e a resposta restritiva dada, ficou claro não se ter provado que “a direcção do Diário de Notícias teve conhecimento do teor da mensagem publicitária antes da publicação”.
Por isso, não tendo ficado provado tal conhecimento e estando aí o cerne da respectiva da alegação da recorrente, não releva a impugnação da resposta dada aos quesitos 9.º e 10.º.

Relativamente à resposta ao quesito 11.º, que foi negativa, também não há motivo para proceder à sua alteração. Ao contrário do alegado, o depoimento das testemunhas (JS) e de (MF) não permite uma resposta positiva ao quesito. Efectivamente, enquanto a última testemunha revelou não ter qualquer conhecimento sobre o respectivo facto, tendo afirmado nada saber, a primeira admitiu que a mensagem publicitária terá sido conhecida logo depois de publicada, diferentemente do que constava no quesito. Assim, perante a prova produzida, não podia, de modo algum, obter-se a convicção acerca da realidade do respectivo facto.

2.4. Nestes termos, elimina-se da matéria de facto a que se descreveu sob o n.º 14. e altera-se a do n.º 17., que ficará assim constituída: “A mensagem publicitária foi agendada pela 2.ª R.”.

Por outro lado, por efeito do disposto no art.º 514.º, n.º 2, do CPC, impõe-se ainda dar como provado:

30. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Junho de 2004, ainda não transitado em julgado, o A. foi absolvido do crime de administração danosa.

2.5. Decidida a questão sobre a matéria de facto, que ficou definitivamente fixada nos termos acabados de referir, interessa agora entrar na apreciação da questão de direito suscitada nos dois recursos principais e ainda no subordinado.
Na sentença ora impugnada, com a imputação de um facto ilícito, cometido por negligência, condenaram-se, solidariamente, as RR. a pagar ao A. a quantia de € 35 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Dessa condenação, discordaram não só as RR., pretendendo a sua absolvição do pedido, como também o A., insistindo na indemnização de € 74 819,68.
Assim, continua a estar em causa, por um lado, a responsabilidade civil das RR., decorrente da campanha publicitária de divulgação do Diário de Notícias, levada a efeito na imprensa, em Março de 2002, por ofensa ao bom nome e reputação e à presunção da inocência do arguido, por outro, a fixação da respectiva indemnização.

Dando consagração positiva ao direito geral da personalidade, que começou a ser reconhecido pela doutrina alemã, no século XIX, a lei conferiu protecção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral das pessoas, nos termos do art.º 70.º do Código Civil.
Nessa protecção geral da personalidade insere-se, para além de outros, o direito ao bom nome.
É, nesse contexto, que se insere a responsabilidade civil por ofensa ao crédito ou bom nome, prevista no art.º 484.º do Código Civil, segundo o qual “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados”.
O direito ao bom nome e reputação, como direito da personalidade, ficou ainda mais reforçado, ao merecer consagração na Constituição, como um dos direitos fundamentais (art.º 26.º, n.º 1).
A relevância do direito ao bom nome e reputação, como direito fundamental, não retira a importância a outros direitos fundamentais, como seja o da liberdade de expressão e informação, consagrado no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição.
Na verdade, tanto o direito ao bom nome e reputação como o de liberdade de expressão e informação estão constitucionalmente reconhecidos e garantidos ao mesmo título, sem qualquer hierarquia.
Tratando-se de uma ordem constitucional “pluralista e aberta”, como lhe chama Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pág. 108), a harmonização dos valores tutelados terá de ser resolvida, caso a caso, de modo a respeitar, no máximo possível, todos os direitos em confronto, e a impedir o aniquilamento do “conteúdo essencial” de um deles, como, aliás, sugere o n.º 3 do art.º 18.º da Constituição (cfr. Figueiredo Dias, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 115.º, pág. 102).
Está, por isso, excluída uma harmonização em termos abstractos.
É dentro deste contexto, a exigir particular ponderação, que tem de ser averiguada a ofensa ao bom nome e reputação prevista no art.º 484.º do Código Civil.
Nesta disposição, como é corrente entender-se na jurisprudência, prevê-se um caso especial de facto anti-jurídico definido pelo art.º 483.º do Código, o que significa que a sua verificação está também sujeita aos requisitos gerais da responsabilidade civil por facto ilícito (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Junho de 1995 e de 14 de Maio de 2002, publicados, respectivamente, na Colectânea de Jurisprudência – STJ – Ano III, t. 2, pág. 138, e Ano X, t. 2, pág. 63).
O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como ao direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., págs. 180 e 181).
A ofensa ao bom nome e reputação tem de fazer-se mediante “a imputação de um facto, não bastando alusões vagas ou gerais” (Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 3.ª ed., pág. 374). Essa exigência, que resulta do próprio texto legal, compreende-se, dada a pretensão à objectividade emergente da afirmação e divulgação do facto ofensivo, diferentemente do que sucede com o juízo de valor ofensivo, cuja subjectividade é exteriormente reconhecível.

No caso vertente, a campanha publicitária, com vista à divulgação do Diário de Notícias, servindo-se da mensagem “O DN defende a liberdade de imprensa. E a prisão a quem a merece” e da ilustração de parte da 1.ª página do Diário de Notícias, de 13 de Abril de 2000, a qual, com grande destaque, aludia a “quatro prisões” “na Moderna”, entre as quais a do A., ao referir que “foi ainda detido o vice-reitor(A)”, é susceptível de ofender o bom nome e reputação do A.
Na verdade, o material publicitário produzido pela R. FCB e divulgado por iniciativa da outra R., no Diário de Notícias, 24 Horas e Expresso, quando menciona a detenção do A. no âmbito das “quatro prisões” no caso Moderna, contém uma alusão que afecta, claramente, a honra e a consideração social do A., ao envolvê-lo em práticas criminosas.
Não importa se a referência ao A. é meramente incidental, secundária, pouco visível ou reduzida. Esta circunstância, podendo embora relevar ao nível da culpa, não interfere na qualificação da ilicitude do acto.
Se o nome era dispensável, como se argumenta, então por que se não preferiu ignorá-lo, quando não se podia desconhecer que tal referência, pelo modo como era feita, atentaria contra o bom nome e reputação?
O “realismo” de uma certa página do jornal, que se distinguiu em notícias sobre as irregularidades na gestão da Universidade Moderna, não se pode sobrepor ao respeito pelo bom nome e reputação.
Neste caso, nem tão pouco está em causa o exercício da liberdade de imprensa, pois de publicidade se trata. Por isso, nem sequer se pode equacionar um conflito entre direitos fundamentais, nomeadamente entre o direito ao bom nome e reputação e a liberdade de imprensa.
A referida publicidade, ofendendo um direito constitucionalmente consagrado, é proibida, revestindo, por isso, um carácter ilícito (art.º 7.º, n.º 1, do Código da Publicidade).
Por outro lado, a mensagem publicitária viola, ostensivamente, o princípio da presunção da inocência do arguido, consagrado no art.º 32.º, n.º 2, da Constituição.
Com efeito, ao referir-se, também, que “DN defende” “a prisão a quem a merece”, sugere-se ao destinatário da publicidade a ideia segundo a qual a pessoa, que foi sujeita a detenção ou prisão, está a sofrer os efeitos de ter praticado uma acção criminosa, quando inexistia ainda qualquer sentença condenatória, transitada em julgado.
Dado o contexto explícito que envolve a mensagem, nomeadamente com referência à prisão ou detenção de pessoa identificada que foi ligada ao “caso Moderna”, a mesma mensagem apresenta-se individualizada e, por isso, desprovida de abstracção.
Essa mensagem, que atenta também contra a dignidade da pessoa humana, é proibida, por efeito do princípio da licitude, que regula a publicidade, como decorre do consignado nos n.º s 1 e 2, al. c), do art.º 7.º do Código da Publicidade.

Para além da ilicitude da acção, verifica-se, igualmente, que as RR. agiram com culpa.
Efectivamente, a R. FCB produziu o referido acto publicitário, sabendo que, por ter correspondido à encomenda feita, seria divulgado, nomeadamente na imprensa. Por isso, não podendo eximir-se do resultado da sua acção, existe imputação desta à R. FCB.
Por outro lado, a R. Global Notícias, ao aceitar o acto publicitário, tal como foi produzido, e ao promover a sua divulgação no seu jornal e em outros, quis o respectivo resultado. Consequentemente, podendo ter agido de outra forma, só se lhe pode atribuir a culpa pelo resultado da acção.

Ficou ainda provado, que, com a mensagem publicitária, o A. sentiu-se e continua a sentir-se ofendido, tendo gerado o seu abalo (factos n.º s 10., 11. 12. e 13.).
Deste modo, verifica-se também o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
Para além disso, a sugestão da atribuição de um facto desonroso a alguém constitui causa adequada de um dano não patrimonial.
Provavelmente, ao aduzir-se a falta do nexo de causalidade adequada, pretendeu-se sugerir que os danos alegados pelo A. tinham outra causa, designadamente as notícias publicadas no âmbito do “caso Moderna”.
Só que isso não pode relevar pela simples razão de tal facto não ter resultado provado. Pelo contrário, a prova foi no sentido de que a mensagem publicitária causou ofensa no A., como antes se aludiu.

Verificado o dano, de natureza não patrimonial, resta, então, apreciar a fixação do seu valor, que também vem impugnado, embora, como se relatou, com sentidos contrários.
O princípio da reparação do dano não patrimonial está consagrado no art.º 496.º do Código Civil.
A indemnização do dano não patrimonial corresponde a uma mera compensação pela dor sofrida. Através dessa indemnização proporciona-se ao lesado determinada quantia pecuniária, que, sendo susceptível de permitir o acesso a certos bens, de ordem material ou espiritual, com o consequente desvio da atenção do sofrimento causado, contribui, seguramente, para aliviar a dor sofrida (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação,1980, pág. 271, e Delfim M. de Lucena, Danos não Patrimoniais, 1985, pág. 17).
Em termos impressivos, refere-se no acórdão desta Relação, de 5 de Maio de 1981, que tal indemnização é uma compensação da dor sofrida e que tem, por finalidade, criar no lesado a liberdade económica de que carece para vencer o dano imaterial (B.M.J ., n.º 312, pág. 291).
De harmonia com o disposto no n.º 3 do art.º 496.º do Código Civil, o montante da referida indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias especificadas no art.º 494.º do Código Civil.
Estabelece-se, pois, nesta sede, um critério de equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente à gravidade e extensão da lesão.
A adopção de tal critério, que não é arbitrário, embora apresente natural dificuldade e melindre na sua aplicação concreta, apresenta-se como razoável, porquanto, como também realça Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se, antes, de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente” (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113.º, pág.104).

Feito o enquadramento jurídico da questão do ressarcimento do dano de natureza não patrimonial e levando agora em consideração os padrões que, em geral, são seguidos pela jurisprudência nacional, bem como todo o circunstancialismo factual revelado pelos autos, afigura-se como ajustada e equilibrada a fixação da indemnização em € 20 000.
Na verdade, considerando o grau de culpa dos responsáveis, atenuada pela suspensão da publicidade, a situação económica das partes e o dano especificamente sofrido pelo lesado, aquele valor apresenta-se bem mais equitativo do que o pretendido pelo A., manifestamente exagerado, e daquele que foi fixado na sentença recorrida, desajustado face ao contexto fornecido pelos autos, designadamente quanto à gravidade do dano.

2.6. De quanto fica exposto, e como relevante, conclui-se:
1. A publicidade na imprensa, contendo uma mensagem a defender o merecimento da prisão e contextualizando uma alusão explícita à prisão ou detenção de certa pessoa, ofende o bom nome e reputação dessa pessoa.
2. Tal publicidade, inexistindo sentença condenatória, transitada em julgado, viola ainda o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido.
3. Nessas condições, porque expressamente proibido, é infringido o princípio da licitude que enforma a publicidade.
4. Pela publicidade ilícita, incorre em responsabilidade civil quem a produz e a divulga.
5. Provocando tal publicidade sofrimento e abalo, há lugar à fixação de indemnização por dano de natureza não patrimonial.

2.7. Nestas condições, os recursos das RR. merecem obter parcial provimento, enquanto ao do A. deve ser negado qualquer provimento.

2.8. As partes, na medida em que ficaram vencidas por decaimentos, são responsáveis pelo pagamento das respectivas custas, em ambas as instâncias, de harmonia com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Todavia, ao A., beneficiando do apoio judiciário, não lhe é exigível esse pagamento.
Por sua vez, ao patrono do A., devem ser atribuídos os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder provimento parcial aos recursos das RR., alterando a sentença recorrida, no sentido da sua condenação no pagamento apenas da quantia de € 20 000.
2) Negar provimento ao recurso subordinado do A.
3) Condenar as RR. e o A. no pagamento das respectivas custas, em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário de que o A. é beneficiário.
4) Atribuir ao patrono do A. os honorários fixados na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
Lisboa, 10 de Março de 2005
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)