Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
759/11.0YRLSB-3
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: EXTRADIÇÃO
RECUSA
PRESCRIÇÃO
NACIONALIDADE
PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA
PROCESSO EQUITATIVO
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECUSADA A EXTRADIÇÃO
Sumário: I – De harmonia com a Convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre extradição de criminosos, de 21.9.1908 e Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América, constata-se que nenhuma das Partes Contratantes se obriga a entregar os seus próprios cidadãos (art. VIII da Convenção). Assim, se o Extraditando tiver nacionalidade portuguesa, a extradição é excluída.
II – A qualidade de nacional é apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição (cf. art. 32.º n.º 6 da Lei n.º 144/99, de 31.08).
III – A circunstância de o Extraditando não ter demonstrado que adquiriu a nacionalidade guineense e alterou os seus elementos de identificação por força do invocado direito de asilo que lhe terá sido concedido pelas autoridades da Guiné-Bissau, apenas impede que se proceda ao trato sucessivo dos registos atributivos de nacionalidade.
IV – Face aos princípios que regem as relações entre Estados soberanos e às regras próprias de aquisição e perda de nacionalidade, estando demonstrado através de documentos autênticos provindos directamente das autoridades da República da Guiné-Bissau que atestam que o ora Extraditando tinha nacionalidade guineense e os seguintes elementos de identificação: J…, filho de J… S… e de A… S…, natural de Bissau e nascido em 29.3.1943, o mesmo adquiriu a nacionalidade portuguesa.
V – Com base nesses elementos fornecidos pelo Estado soberano da República da Guiné-Bissau, o Extraditando adquiriu a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 3.º da Lei 37/81 de 3.10, tendo a aquisição da nacionalidade sido averbada no seu registo de nascimento.
VI – Também em Portugal podem ocorrer situações em que o Estado, com respeito pela lei, fornece documentos emitidos oficialmente de que constam elementos de identificação diferentes [cf. art. 22.º n.º 2, al. a) da Lei n.º 93/99 de 14.7 (medidas para protecção de testemunhas)].
VII – O respeito pela soberania da República da Guiné-Bissau não possibilita que se questionem essas informações, nem a forma como o Extraditando adquiriu a nacionalidade guineense e os novos elementos de identificação.
VIII – A aquisição e a perda da nacionalidade estão sujeitas a registo obrigatório (art. 18.º da Lei 37/81 de 3.10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006 de 17.4) e, as alterações só produzem efeitos a partir da data do registo dos actos ou factos de que dependem (art. 12.º da Lei 37/81 de 3.10).
IX – Não havendo registo da perda de nacionalidade, o Extraditando, com aqueles elementos de identificação fornecidos pela República da Guiné-Bissau é cidadão português, no pleno uso dos seus direitos e deveres de cidadania e para todos os efeitos resultantes da realidade registal, chama-se J…, é filho de J…S… e de A… S…, natural de Bissau e nasceu em 29.3.1943.
X – Nestas circunstâncias, a extradição é excluída, ex vi do art. 32.º n.º 1 al. b) da Lei n.º144/99 de 31.8.
XI – O art. V da Convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América de 21.9.1908 não foi alterado pelo Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América nem pelo Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre Extradição de 25.6.03.
XII – Por isso, nos termos do referido art. V: Nenhum acusado ou criminoso refugiado será entregue em virtude da presente Convenção, quando, segundo as leis do Estado dentro de cuja jurisdição o crime houver sido cometido, o réu estiver isento de acção criminal ou de penalidade, em consequência de ter prescrito a acção ou a pena correspondente ao facto que motivou o pedido de extradição, ou por efeito de qualquer outra causa legítima.
XIII – Este normativo impede a extradição do condenado se a pena estiver prescrita “segundo as leis do Estado dentro de cuja jurisdição o crime houver sido cometido”, in casu, os Estados Unidos da América. Porém, nada abona sobre o procedimento a adoptar se a pena estiver prescrita no Estado Requerido (Portugal).
XIV – Contudo, face às disposições da Lei n.º 144/99, constata-se que a prescrição da pena no Estado Requerido não é considerada fundamento directo de inadmissibilidade ou de recusa da cooperação (cf. art. 8.º da Lei 144/99).
XV – Por esta via, não há razão para recusar a extradição nem cabe aqui invocar o princípio da igualdade porquanto: (i) nas relações jurídicas internacionais o que releva é o acordo de vontades entre Estados Soberanos e (ii) não há discriminação proibida entre os cidadãos visados por cada um desses tratados nos termos do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa.
XVI – In casu se o Extraditando tivesse sido condenado no âmbito do ordenamento jurídico-penal português, há muito que a pena correspondente ao ilícito perpetrado estaria prescrita, quer à luz das regras estabelecidas no diploma vigente em Portugal, à data em que foi cometido o ilícito criminal – CP de 1886 (art. 125.º nº 2 §§ 6 e 7, do Código Penal de 1886 – teria ocorrido em 22.8.1990, há mais de 21 anos) –, quer à luz do regime legal actualmente em vigor, o CP de 1995 [arts. 122.º n.º 1, al. a) e 126.º nºs 2 e 3, ambos do CP vigente – a pena teria prescrito na mesma data].
XVII – À luz da Constituição da República Portuguesa (CRP) a exigência de um processo equitativo implica o termo do cumprimento da pena num prazo razoável, pois a imprescritibilidade ofende a paz jurídica inerente ao decurso do tempo e as garantias de defesa (art. 32.º nº 1 da CRP), constitucionalmente consagradas.
XVIII – No caso dos autos, mesmo recusando protecção constitucional conferida à prescrição, avulta a relevância do decurso de um grande lapso de tempo entre o facto e o cumprimento da pena [no caso o reclamado permaneceu evadido – entre 22.08.1970 e a data da sua detenção, em 26.09.2011, por força da formulação do pedido de extradição, ou seja, mais de 41 anos -, sem que o Estado requerente aparentemente o tivesse localizado e reclamado a sua entrega].
XIX – No caso dos autos, em que face à lei penal substantiva portuguesa, se dobrou o prazo máximo de prescrição das penas e em que o Extraditando vem mantendo comportamento social isento de reparos, tem de se concluir que se mostra ultrapassado o prazo razoável para o cumprimento do remanescente da pena de prisão e que, consequentemente, esse cumprimento, neste momento, ofende os princípios da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
XX – Nos termos do art. 6.º al. f) da Lei n.º 144/99 o pedido de cooperação também é recusado quando respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.
XXI – No art. 2.º do Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América, a República Portuguesa emitiu declaração de existência de impedimentos à extradição relativamente a infracções puníveis com pena de prisão de duração indeterminada.
XXII – Uma pena de prisão de 15 a 30 anos é, dogmaticamente, uma pena de prisão relativamente indeterminada, sem o carácter de indefinição - mas com uma duração máxima pré-fixada – que é compatível com a CRP e existe no ordenamento jurídico-penal português, na punição de crimes praticados por delinquentes por tendência, alcoólicos e equiparados (cf. arts. 83.º a 87.º do CP).
XXIII – Daí que a natureza relativamente indeterminada da pena aplicada não obsta à extradição.
XXIV – No caso dos autos, 49 anos após a prática do crime, 41 anos após ter interrompido o cumprimento da pena, o Extraditando tem 20 anos de integração social pacífica em Portugal e participação como voluntário em projectos de interesse social, com mulher e dois filhos portugueses com quem convive, quando tem 68 anos de idade, problemas de saúde e cerca de 40 anos sem contacto com o país que pretende a sua extradição, é perceptível que o mesmo está inteiramente integrado na sociedade e não existe qualquer necessidade de protecção de bens jurídicos que ainda justifique a sua prisão.
XXV – São razões de prevenção geral de integração que justificam a aplicação das penas e não finalidades de retribuição e expiação. Na situação dos autos, alcançada que está a paz jurídica, a necessidade de cumprimento da pena por parte do Extraditando não se justifica a não ser por critérios de mera expiação que não tem agasalho na lei substantiva penal portuguesa (cf. art. 40.º, n.º1 do CP).
XXVI – No caso dos autos, à luz da CRP e dos princípios da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, não faz sentido a extradição de um homem (com saúde debilitada, inserido socialmente em Portugal, onde se encontra a sua família, que necessita de forma premente dos seus cuidados, onde tem trabalhado e desenvolvido trabalho de voluntariado social) no Inverno da vida para, provavelmente, morrer preso (num país de que esteve ausente por 40 anos) afastado da família por causa de um crime (grave) cometido quando era um jovem de 18 anos de idade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos art.s I e II da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América de 7.5.1908 e Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América sobre Extradição de 25.6.03, com o art. 31º da Lei 144/99 de 31.8, promover o cumprimento do pedido de extradição de G…, de nacionalidade americana, solteiro, nascido a 29.3.1943, natural do Condado de …, Estados Unidos da América, filho de … e de …, actualmente residente na freguesia de …., concelho de …, para cumprimento do remanescente da pena de 15 a 30 anos de prisão em que foi condenado pelo crime de homicídio, p. e p. pelas secções 2ª: 113-1 e 2ª: 113-2, das Leis de Nova Jersey cometido em 23.11.1962 de que havia cumprido sete anos sete meses e vinte e cinco dias.

Foi proferido despacho de viabilidade ao pedido de extradição.

Emitidos mandados de detenção e condução, foi o Extraditando detido e interrogado.

Declarou que a sua identificação anterior era a referida mas que actualmente se identifica como J…, casado, pintor decorativo, nascido a 29.3.1943, natural da Guiné Bissau, portador do BI …, emitido em …, pelos Serviços de Identificação de …, residente no …, em….

A sua actual identidade foi-lhe concedida de forma legal pelas autoridades da Guiné-Bissau, ao abrigo de um direito de asilo que lhe foi concedido em 1980, tendo adquirido a nacionalidade Guineense (Guiné-Bissau) e, posteriormente, após casamento com cidadã portuguesa, a nacionalidade portuguesa.

Opôs-se à extradição e declarou não renunciar à regra da especialidade.

No prazo de defesa, o Extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, salientando:

A sua nacionalidade guineense adquirida ao abrigo do direito de asilo e posteriormente a aquisição da nacionalidade portuguesa

A sua relação estável e duradoura, desde 1978, quer na Guiné-Bissau, quer em Portugal com a sua mulher de nacionalidade portuguesa, com quem casou em 14.7.1990

Os filhos do casal, portugueses, nascidos em Portugal, o primeiro em 2.6.1986 e a segunda em 1.2.1991

A vinda definitiva para Portugal em 1993, a situação regularizada perante as diversas autoridades e a integração social no país de que se sente parte

A inexistência de garantias formais de que o Extraditando não seja julgado e condenado noutros Estados dos Estados Unidos por outros crimes

A idade do Extraditando (68 anos) e a possibilidade de ter de cumprir o remanescente da pena por mais 22 anos, 4 meses e 6 dias sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes;

A existência de fundadas razões para crer que a cooperação é solicitada com o fim de perseguir o Extraditando por causa da sua raça, convicções políticas ou ideológicas e pertença a um grupo social determinado, em concreto, por ser um dos membros do Exército de Libertação Negra que em 31 de Julho de 1972 sequestrou um avião da Delta Airlines sendo procurado por esse facto pela Interpol e tendo sido formalmente acusado por esse facto em Miami, Florida por crimes a que corresponde pena de 20 anos ou morte, e por ter ligações ao movimento dos Panteras Negras;

Os aludidos movimentos têm um carácter ideológico pretendendo defender os direitos das pessoas de raça negra contra a violência policial, sendo que várias pessoas referenciadas como pertencendo a esses movimentos foram sujeitas a actos de violência, agressão, assédio, tortura por parte das autoridades dos Estados Unidos da América;

O facto do deferimento do pedido poder implicar consequências graves para o Extraditando, tendo em atenção a sua idade, problemas de saúde (hipertensão arterial, glaucoma e dores na coluna) que exigem acompanhamento médico e toma de medicação diária, inserção familiar e social em Portugal e ausência de ligações familiares e de amizade nos Estados Unidos, à excepção da irmã de 65 anos e com graves problemas de saúde.

Sustenta, por fim que a prescrição da pena à luz da lei portuguesa deve ser impeditiva da extradição, interpretando o artigo V da Convenção de 1908 no sentido de acautelar apenas que não haverá extradição se o extraditando estiver isento de criminalidade ou de penalidade mas sem que as regras do procedimento criminal americano operem em Portugal, chamando à colação o disposto nos art.s 12º, 31º e 32º da Lei 144/99, o art. 10º da Convenção Europeia de Extradição e os art.s 5º, 6º e 22º do Código Penal.

Concomitantemente, o Extraditando requereu diligências de prova.

O Ministério Público, na vista a que alude o art. 55º nº 3 da Lei 144/99 requereu a notificação do Extraditando para juntar aos autos documentação relativa à concessão de asilo pelas autoridades da Guiné-Bissau e à atribuição de outro nome e elementos de identificação

Decorrido o prazo, sem que tais elementos fossem juntos, foi proferido despacho que considerando estar o processo habilitado com todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa indeferiu as diligências de prova requeridas face à suficiência da prova documental junta e ordenou o cumprimento do disposto no art. 56º nº 2 da Lei 144/99.

Nas suas alegações, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pugnou pela recusa obrigatória do pedido de extradição formulado, nos termos previstos no art. 6º al. a) da Lei 144/99, de 31.8, apresentando a seguinte síntese conclusiva:

1. Deverão julgar-se como improcedentes todos os argumentos invocados pelo extraditando G… no sentido de demonstrar haver adquirido a nacionalidade portuguesa, não ocorrendo, por isso, fundamento que, decorrente do princípio geral, constitucionalmente consagrado, da não extradição de cidadãos nacionais (artº 33º da Constituição da República Portuguesa), inviabilize a sua entrega ao Estado requerente.

2. Dando, assim, como assente que o extraditando detém a nacionalidade norte-americana e concedendo-se que os requisitos referentes à garantia formal do cumprimento do princípio da especialidade e à determinação do exacto quantum da pena careceriam de melhor e mais apurada concretização, tal não obstaria à satisfação do pedido de extradição, uma vez accionados os mecanismos previstos no artº 45º da Lei nº 144/99, de 31/8 e no §4 do Instrumento, e seu anexo, feito em Washington em 14 de Julho de 2005, e aprovado por Resolução da Assembleia da República nº 46/2007, publicada no DR – I – de 10 de Setembro de 2007, obtida resposta satisfatória correspondente. Porém,

3. O extraditando cometeu, há cerca de 49 anos, um ilícito criminal – homicídio consumado - pelo qual foi condenado em 15 de Fevereiro de 1963, ou seja, há mais de 48 anos, a uma pena entre 15 e 30 anos de prisão, tendo permanecido evadido mais de 41 anos, sem que o Estado requerente o tivesse localizado e reclamado a sua entrega.

4. Assim, não pode ter lugar o deferimento do pedido de extradição à luz da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América, de 07 de Maio de 1908, por a tal obstarem princípios fundamentais dos Direitos do Homem, princípios esses a que o Estado Português se encontra vinculado e decorrentes da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, designadamente os contidas no seu artº 6º, que consagra o direito a um processo equitativo e apreciado em prazo razoável, bem como princípios constitucionais insusceptíveis de postergação, designadamente os previstos nos artigos 13º, 15º 18º e 20º, nº 4 da CRP.

5. A essa luz, é de considerar como manifestamente excessivo o período no decurso do qual pende o processo-crime que originou a formulação do pedido de extradição, mormente a execução da sentença condenatória, na certeza de que a pena imposta ao extraditando se mostra, há décadas, extinta, por efeito da prescrição, de acordo com o ordenamento jurídico português.

6. Deve reconhecer-se à matéria relativa à prescrição da pena relevância determinante para o deferimento/indeferimento da pretensão de extradição, por relevar dos princípios estruturantes do ordenamento jurídico português e do da União Europeia, na qual Portugal se insere, como pilares fundamentais do regime democrático.

7. Tal constitui, aliás, fundamento impeditivo da entrega, de acordo com os princípios decorrentes do artº 10º da Convenção Europeia da Extradição, igualmente subscrita por Portugal.

8. A adopção de critérios absolutamente divergentes quanto àquela questão, conforme o país com que se contrate, para efeitos de concessão ou de denegação da cooperação, traduz uma intolerável violação daqueles princípios fundamentais – aliás de consagração constitucional – cuja observância o Estado Português deve garantir, constituindo, além do mais, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP - aplicável, como regra geral, ao extraditando, por força do artigo 15º, nº 1 da CRP, à luz do qual não será lícito ao Estado Português dispensar tratamento distinto e mais gravoso a cidadãos estrangeiros em função do seu território de origem.

9. De modo que se conclui pela existência de fundamento de recusa obrigatória do pedido de extradição formulado, nos termos previstos no artº 6º, alínea a) da Lei nº 144/99, de 31/8, o que constitui obstáculo intransponível ao deferimento da pretensão expressa pelo Estado requerente.

V. Exªs, no entanto, farão, como habitualmente, a costumada JUSTIÇA!

Nas suas alegações, em conclusão, o Extraditando também sustentou a existência de fundamentos de recusa do pedido de extradição e a inexistência de garantias formais, concluindo:

QUESTÃO PRÉVIA – A NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NÃO EXTRADIÇÃO DE CIDADÃO NACIONAL: o Extraditando é um cidadão de nacionalidade portuguesa, segundo a lei portuguesa, sendo que é em Portugal que tem a sua única residência e com o qual mantém uma vinculação mais estreita, em todos os aspectos da sua vida pessoal, familiar, profissional, social, pelo que assim deverá ser decidido em obediência ao que decorre, entre outros, do disposto nos artigos 8º, 27º, 28º da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81, de 3 de Outubro), no artigo 4º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 32º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, decisão essa que deverá determinar a recusa da extradição por parte deste Venerando Tribunal face ao que decorre do princípio da não extradição de cidadão nacional e do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e respectivos protocolos, no artigo VIII da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América de 1908, sob pena de, conforme melhor explicitado em sede de oposição para a qual se remete, assim não se decidindo se violar o que decorre do disposto nos artigos 1º, 4º, 12º, 13º nº 2, 33º da Constituição da República Portuguesa!

A INSTRUÇÃO DO PEDIDO DE COOPERAÇÃO COM VISTA À EXTRADIÇÃO E A FALTA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIAS FORMAIS: o pedido de cooperação com vista à extradição que está na origem dos presentes autos não contém os elementos a que se reporta o disposto na alínea c) do artigo 44º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, assim como não observa o disposto na alínea b) deste preceito na medida em que há conhecimento da existência de uma outra acusação formal e a qual não é referenciada sequer neste pedido de cooperação, pelo que em obediência ao princípio da regra da especialidade cuja observância não se prescindirá, deverá ser proferida decisão de recusa da extradição, por não terem sido prestadas garantias formais de que uma vez nos Estados Unidos da América o Extraditando J… não será extraditado para Estado terceiro e que não será detido para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentaram o pedido e que lhe possam ser anteriores ou contemporâneos, sendo que só tal interpretação e aplicação destes preceitos legais se mostra consentânea com aqueles que são os imperativos constitucionais constantes nos artigos 1º, 6º e 33º da Constituição da República Portuguesa!

A AUSÊNCIA DE GARANTIA DE NÃO APLICAÇÃO DE PENA DE MORTE, PENA DE PRISÃO PERPÉTUA OU PENA DE DURAÇÃO INDETERMINADA: o pedido de cooperação com vista à extradição que está na origem dos presentes autos não observa o disposto nas alíneas a), e) e f) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, assim como não respeita o que decorre da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América de 1908 e o Instrumento assinado em Washington em 14 de Julho de 2005, assim como os demais acordos e convenções ratificados por Portugal, como é o caso da Convenção Europeia de Extradição e a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, pelo que também por este motivo deverá ser recusada a cooperação e a extradição, sobretudo se efectuada a análise do caso sob judicie sob a perspectiva daqueles que são os imperativos constitucionais consagrados nos artigos 1º, 6º e 33º da Constituição da República Portuguesa;

AS GRAVES CONSEQUÊNCIAS DECORRENTES DE DECISÃO DE EXTRADITAR: um dos motivos substanciais que deverá obstar, para além do que antecede, à decisão de extraditar é o que decorre das graves consequências que desta decisão podem advir para o Extraditando em termos pessoais, em razão da sua idade, do seu estado de saúde e por outras razões de carácter pessoal, o que, no caso concreto sob judicie foi demonstrado de forma inequívoca, pelo que em obediência ao que decorre do disposto no nº 2 do artigo 18º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, impõe seja proferida decisão de não extraditar, sob pena de se violar o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como do direito à família, constitucionalmente consagrados na Constituição da República Portuguesa e os quais presidiram e constituem ratio legis deste preceito, sendo que este é aquele que tem sido o entendimento por parte da nossa jurisprudência, que sopesados os bens jurídicos e os interesses em causa, tem privilegiado, e muito bem, a dignidade da pessoa humana nas suas várias vertentes em detrimento daquelas que possam ser as finalidades das penas pretendidas com o cumprimento de um pedido de extradição;

A CONSIDERAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS: determina que se conclua que não existe correspondência atinente à possibilidade de apresentação de uma declaração de non vult, assim como determina que se conclua que a pena cujo remanescente se pretende seja cumprido com o pedido de extradição já prescreveu nos termos do disposto na aliena a) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal Português, tanto mais que as penas visam finalidades de prevenção geral e especial, pelo que se considera não ter sido observado o disposto no artigo 31º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, sendo que para além do que antecede, a extradição ainda poderá e deverá ser recusada em obediência ao que decorre do disposto nos artigos 5º e 6º do Código Penal Português, de acordo com os quais a lei portuguesa poderá ser aplicada a factos ocorridos fora do território nacional, solução essa que não deverá ser rejeitada em absoluto, em obediência ao que decorre do disposto no artigo 1º e no artigo 33º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, à cooperação da realização da Justiça Penal, por parte de uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana!

TERMOS EM QUE, POR NÃO ESTAREM VERIFICADOS OS PRESSUPOSTOS E/OU REQUISITOS DE QUE DEPENDE O CUMPRIMENTO DO PEDIDO DE COOPERAÇÃO COM VISTA À EXTRADIÇÃO, UMA VEZ MAIS SE REQUER V. EXAS. PROFIRAM DECISÃO DE RECUSA DO PEDIDO DE EXTRADIÇÃO, ASSIM SE FAZENDO A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA POR PARTE DESSE VENERANDO TRIBUNAL!


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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve conhecimento dos documentos entretanto juntos, não se tendo oposto à sua junção.

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Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Está assente a seguinte factualidade:

No âmbito de Processo nº …, do Tribunal Superior de Nova Jersey, por decisão condenatória de 15.02.1963, foi condenado pelo crime de homicídio, p. e p. pelas secções 28: 113-1 e 28: 113-2, das Leis de Nova Jersey, na pena de prisão de 15 a 30 anos, por, pelas 21h 30m do dia 23.11.1962, no Município de Wall, Nova Jersey, o Extraditando, com outros dois indivíduos, planearam e assaltaram um posto de abastecimento de gasolina E… e nessas circunstâncias de tempo e lugar, o Extraditando e um dos outros indivíduos, tinham consigo armas de fogo, à vista, tendo o Extraditando batido com a arma que detinha no funcionário do posto de abastecimento, de nome W…, enquanto que o outro individuo que o acompanhava disparou a arma de fogo sobre o mesmo W…, atingindo-o no abdómen, após o que retiraram o dinheiro do posto de gasolina e fugiram. Na noite de 25.11.1962, W… em consequência dos ferimentos provocados por disparos de armas de fogo, efectuados nas descritas circunstâncias,

Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respectivo perante a lei dos Estados Unidos, o que opera em Portugal por força do artigo V, da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América, de 07 de Maio de 1908.

O Extraditando já cumpriu 7 anos, 7 meses e 25 dias da referida pena que lhe foi aplicada.

As autoridades americanas, pretendem que o Extraditando seja extraditado para os Estados Unidos da América, para cumprimento do remanescente da pena de prisão.

Sua Excelência a Ministra da Justiça, em conformidade com o disposto nos artigos 31°,46° nº 2 e 48° nº 2 da Lei 144/99 de 31.8, e considerando verificados os requisitos previstos na Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América de 7.5.1908 e Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América sobre Extradição de 25.6.2003, por despacho datado de 21 de Julho de 2011, considerou admissível o pedido de extradição para os Estados Unidos da América, do cidadão de nacionalidade americana, G…

O Extraditando reside em Portugal, na freguesia de C…, concelho de…, identificando-se como J…, nascido a 29.03.1943, natural da Guiné, portador do B.I. …, emitido em 19.08.2004 pelos Serviços de Identificação Civil de ... de cidadão português do qual consta que é casado, natural da Guiné, nascido em 29.3.1943, filho de J…S… e de A…S….

O Extraditando nasceu em 29.3.1943 nos Estados Unidos da América, com a nacionalidade americana, identificando-se então com o nome G…, natural do condado de Halifax, Virgínia, filho de A… e de G….

Na República da Guiné-Bissau obteve a nacionalidade guineense e os seguintes elementos de identificação: J…, filho de J…Santos e de A… S…, natural de Bissau e nascido em 29.3.1943.

Com essa identificação e nacionalidade casou com M… em 14.7.1990, de nacionalidade portuguesa, em 14.7.1990, em Bissau, Guiné-Bissau.

Após o casamento, com base em documentos fornecidos pelas autoridades da República da Guiné-Bissau que atestavam a nacionalidade guineense do Extraditando e os seus elementos de identificação, foi requerida e concedida em 6.3.1991 a nacionalidade portuguesa ao Extraditando, com os elementos de identificação obtidos na República da Guiné-Bissau.

Pelo menos desde 1993 que o Extraditando reside e trabalha em Portugal, na companhia da sua mulher, sempre na mesma residência.

Da relação entre ambos nasceram em Portugal dois filhos, o primeiro nascido em 2.6.1986 e a 2ª em 1.2.1991 que vivem com o casal.

Trabalha, participa em acções de voluntariado no âmbito do programa “Servir a Cidade” e mostra-se inserido familiar e socialmente na comunidade em que reside.

Tem problemas de saúde (glaucoma, hipertensão, dislipidemia) e auxilia a sua filha que tem problemas de saúde, para os quais a estabilidade familiar é um elemento relevante de estabilização.

Não mais regressou aos Estados Unidos onde vive uma sua irmã.

Não tem antecedentes criminais registados em Portugal.

Factos não provados:

As bases da concessão ao Extraditando da nacionalidade Guineense e de novos elementos de identificação.

A aludida factualidade resulta demonstrada dos documentos juntos com o requerimento inicial e com as alegações, das declarações do Extraditando, da análise dos documentos juntos pelo Extraditando e do relatório elaborado pela DGRS.

Concretizando:

A prova dos factos 1 a 7 resulta da análise dos documentos juntos com o requerimento inicial e das declarações do Extraditando;

A prova dos factos 8 a 10 resulta da análise das declarações do Extraditando e dos documentos juntos por este;

A prova dos factos 11 a 15 resulta das declarações do Extraditando, dos documentos juntos por este e dos elementos que resultam do relatório elaborado pela DGRS (informação prévia);

Relativamente ao facto 14 ponderou-se ainda a declaração médica junta com as alegações.

A prova do facto 16 resulta do CRC junto.

Os factos não provados resultam da insuficiência de prova sobre os mesmos. Efectivamente, não foram apresentados documentos emanados das autoridades competentes da Guiné-Bissau que comprovassem essa factualidade. O livro autografado e as declarações escritas de uma antiga secretária do Dr. V… (independentemente da validade desta forma de declarações) não bastam para colmatar todas as lacunas existentes sobre a questão em apreço, até porque existe uma divergência significativa entre o momento a que a declarante se refere (1978 a 1985) e a data dos primeiros documentos do Extraditando (1990) que pode ter várias explicações mas que não importa aqui elucidar.


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As questões da necessidade de garantias, colocadas pelo Extraditando na oposição e nas alegações só se colocam se não existir fundamento para recusar a extradição.

Consequentemente, importa analisar em primeiro lugar a existência de causas de recusa da extradição.


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Verificam-se quatro causas de recusa invocadas e que, consequentemente, devem ser analisadas:

Nacionalidade

No pedido de extradição em apreço apenas está em causa o cumprimento do remanescente da pena pelo crime de homicídio e roubo cometido em 23.11.1962.

Consequentemente, não lhe é aplicável o art. 32º nº 2 al. b) da Lei 144/99, designadamente no que respeita à possibilidade de extradição de nacionais, por outros crimes eventualmente praticados pelo Extraditando que correspondam a terrorismo ou criminalidade organizada.


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Decorre directamente do art. 33º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e do art. 32º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) da Lei 144/99 que a extradição é excluída se a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo se a extradição estiver contemplada em tratado, convenção ou acordo de que Portugal seja parte.

De acordo com a Convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre extradição de criminosos, de 21.9.1908 e Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América, constata-se que nenhuma das Partes Contratantes se obriga a entregar os seus próprios cidadãos (art. VIII da Convenção).

Assim, se o Extraditando tiver nacionalidade portuguesa, a extradição é excluída.

A qualidade de nacional é apreciada no momento em que seja tomada a decisão sobre a extradição (art. 32º nº 6 da Lei 144/99). Destarte, importa saber se, neste momento, o Extraditando tem a nacionalidade portuguesa.

É certo que o Extraditando não demonstrou que adquiriu a nacionalidade guineense e alterou os seus elementos de identificação por força do invocado direito de asilo que lhe terá sido concedido pelas autoridades da Guiné-Bissau. Porém, esse facto apenas impede que se proceda ao trato sucessivo dos registos atributivos de nacionalidade.

Ainda assim, a resposta à questão sobre se a actual nacionalidade do Extraditando é a portuguesa tem de ser afirmativa, face aos princípios que regem as relações entre Estados soberanos e às regras próprias de aquisição e perda de nacionalidade.

Efectivamente, como resultou assente, a aquisição da nacionalidade portuguesa pelo Extraditando resultou da análise de documentos autênticos provindos directamente das autoridades da República da Guiné-Bissau que atestam que o ora Extraditando tinha nacionalidade guineense e os seguintes elementos de identificação: J…, filho de J… S… e de A… S…, natural de Bissau e nascido em 29.3.1943.

Embora se possa estranhar por não ser usual – como também não será comum o percurso de vida do Extraditando - também em Portugal podem ocorrer situações em que o Estado, com respeito pela lei, fornece documentos emitidos oficialmente de que constam elementos de identificação diferentes [Art. 22º nº 2 al. a) da Lei 93/99 de 14.7 (medidas para protecção de testemunhas).].

O respeito pela soberania da República da Guiné-Bissau não permite que se questionem essas informações, nem a forma como o Extraditando adquiriu a nacionalidade guineense e os novos elementos de identificação.

E, com base nesses elementos fornecidos pelo Estado soberano da República da Guiné-Bissau, o Extraditando adquiriu a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 3º da Lei 37/81 de 3.10, tendo a aquisição da nacionalidade sido averbada no seu registo de nascimento.

Por outro lado, a aquisição e a perda da nacionalidade estão sujeitas a registo obrigatório (art. 18º da Lei 37/81 de 3.10, na redacção da Lei Orgânica 2/2006 de 17.4) e, as alterações só produzem efeitos a partir da data do registo dos actos ou factos de que dependem (art. 12º da Lei 37/81 de 3.10).

Consequentemente, não havendo registo da perda de nacionalidade, o Extraditando, com aqueles elementos de identificação fornecidos pela República da Guiné-Bissau é cidadão português, no pleno uso dos seus direitos e deveres de cidadania e para todos os efeitos resultantes da realidade registal, chama-se J…, é filho de J…S… e de A… S…, natural de Bissau e nasceu em 29.3.1943.

Nestas circunstâncias, conclui-se que a extradição é excluída, por força do art. 32º nº 1 al. b) da Lei 144/99 de 31.8.

Satisfação das Exigências da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e de outros instrumentos internacionais ratificados por Portugal

Salientam Requerente e Extraditando que Portugal ratificou a Convenção Europeia de Extradição em que se faz depender a extradição do facto da pena não estar extinta por prescrição, nos termos da legislação da Parte requerente ou da Parte requerida. Também o art. III do tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o da República Federativa do Brasil, assinado a 7/5/1991, e aprovado por Resolução da Assembleia da República de 4/11/1993 (D.R. Iª Série-A de 3/2/1994) contém disposição idêntica. E esse parece ser a regra geral no tratamento da questão, de acordo com o Tratado Tipo de Extradição aprovado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/116, de 14 de Dezembro de 1990 [Aprovado tendo em consideração que a consciência de “que em vários casos os acordos de extradição bilaterais estão desactualizados e deveriam ser substituídos por disposições modernas que tenham em conta a evolução do direito penal internacional”.].

Porém, por exemplo, no Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu (Lei 65/2005 de 23.8) essa reciprocidade é limitada (art. 12º al. e))

De qualquer forma os Estados Unidos da América não ratificaram nenhuma dessas Convenções e Tratados e nas relações bilaterais não se vincula nem pode ser afectado pelo facto de Portugal ter ratificado outros Tratados e Convenções com outras cláusulas. Por outro lado, no Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 19.7.2003 não existe norma correspondente.

Ainda assim, importa salientar que o art. V da Convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América de 21.9.1908 não foi alterado pelo Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América nem pelo Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre Extradição de 25.6.03.

Por isso, nos termos do aludido art. V: Nenhum acusado ou criminoso refugiado será entregue em virtude da presente Convenção, quando, segundo as leis do Estado dentro de cuja jurisdição o crime houver sido cometido, o réu estiver isento de acção criminal ou de penalidade, em consequência de ter prescrito a acção ou a pena correspondente ao facto que motivou o pedido de extradição, ou por efeito de qualquer outra causa legítima.

Esta norma impede a extradição do condenado se a pena estiver prescrita “segundo as leis do Estado dentro de cuja jurisdição o crime houver sido cometido”, in casu, os Estados Unidos da América. Porém, nada adianta sobre o procedimento a adoptar se a pena estiver prescrita no Estado Requerido (Portugal). Contudo, analisadas as disposições da Lei 144/99, constata-se que a prescrição da pena no Estado Requerido não é considerada fundamento directo de inadmissibilidade ou de recusa da cooperação (art. 8º da Lei 144/99).

Por esta via, não há fundamento para recusar a extradição nem cabe aqui invocar o princípio da igualdade porquanto (1) nas relações jurídicas internacionais o que releva é o acordo de vontades entre Estados Soberanos e (2) não há discriminação proibida entre os cidadãos visados por cada um desses tratados nos termos do art. 13º da Constituição da República Portuguesa.


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O direito a um processo equitativo consagrado no art. 6º da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais abrange também o cumprimento de pena num prazo e em condições razoáveis [Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anot., 2005, vol.I, pg.193, refere que a expressão processo equitativo, na esteira do disposto no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da jurisprudência que o ilumina, é intencionalmente aberta.].

Ora, como salientam ambos os Alegantes, se o Extraditando tivesse sido condenado no âmbito do ordenamento jurídico-penal português, há muito que a pena correspondente ao ilícito perpetrado estaria prescrita, quer à luz das regras estabelecidas no diploma vigente em Portugal, à data em que foi cometido o ilícito criminal – Código Penal de 1886 –, quer à luz do regime legal actualmente em vigor, o Código Penal de 1995:

Nos termos do art. 125º nº 2 §§ 6 e 7, do Código Penal de 1886, a pena imposta extingue-se por prescrição, decorridos 20 anos sobre a data em que ocorreu a evasão do condenado (22 de Agosto de 1970), o que vale por dizer que o prazo prescricional da pena se completaria em 22.8.1990, há mais de 21 anos.

De acordo com o disposto no art. 122º nº 1 al. a) do Código Penal vigente o prazo prescricional da pena é de 20 anos contados desde o dia em que transitou em julgado a decisão condenatória (conforme o nº 2 do mesmo artigo), não sendo de considerar verificada qualquer causa suspensiva da prescrição (art. 125º do mesmo diploma), mas apenas a causa interruptiva a que alude a alínea a) do nº 1 do art. 126º do Código Penal – execução da pena imposta – pelo que a pena também teria prescrito na mesma data (cfr. também, os artigos 126º, nºs 2 e 3, do Código Penal).

Como salienta o Ministério Público nas suas alegações:

É, na verdade, incontornável ter decorrido um lapso de tempo manifestamente excessivo, tendo em vista a localização e recaptura do condenado, desde o momento em que teve lugar a sua evasão do estabelecimento prisional onde iniciara o cumprimento da pena de prisão imposta.

Tendo em conta a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a matéria, deve ser apreciada a razoabilidade da duração de um processo (penal), em função de uma multiplicidade de factores, entre os quais avultam a complexidade do caso, o comportamento do arguido e o das autoridades competentes [Cfr., entre muitas outras, as seguintes decisões:, Frydlender c. France, nº 30979/96, §43, CEDH 2000-V 11; Monteiro da Cruz c. Portugal, Decisão de 17-1-2006, nº 14886/03; e Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal, Acórdão de 10-6-2008, nº 33729/06, estes dois últimos disponíveis em www.gddc.pt].

A delimitação do conceito referente à razoabilidade da duração de um processo não pode ter um tratamento dogmático por não se poder reconduzir a uma noção vaga e abstracta, antes requerendo o exame da situação concreta, com ponderação das circunstâncias relevantes atendíveis na sua globalidade [Neste sentido, cfr. Joaquim Loureiro, Convenção Europeia dos Direitos do Homem: queixas contra o Estado Português, in Scientia Jurídica, nº 259/261, 1996, pag. 8. No mesmo sentido, Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, pag. 147, sublinhando que a determinação da razoabilidade do caso não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente.].

E se é certa tal insusceptibilidade de definição do conceito de prazo razoável – antes se reclamando uma apreciação casuística relativamente à violação do prazo temporalmente adequado de duração de determinado procedimento judicial ou, pelo contrário, à ocorrência de uma dilação indevida –, a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente enfatizado que é, também, certo que no processo (penal), o acusado é dispensado de uma cooperação activa para acelerar o processo – cfr. Ireneu Cabral Barreto, ob. cit em nota de rodapé nº 12, pags. 147 e 148.

Inversamente, apenas os atrasos devidos às autoridades competentes podem ser imputados aos Estados, só eles legitimando a declaração de violação do nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – doravante designada CEDH.

Conforme afirma Cristina Líbano Monteiro [In Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo III, Coimbra Editora 2001, pag. 394.], (…) não se negará que estar preso na sua pessoa cria uma situação de fragilidade tamanha, uma ânsia de retorno à condição natural de homem livre (…), pelo que (…) pôr aos ombros indigentes de quem se encontra privado do pesado dever (criminalmente acautelado) de não atentar contra esse estado parece excessivo, existindo (…) a guarda (…) precisamente para neutralizar anseios irreprimíveis de libertação.

Em suma, no caso sub judice, o tempo no decurso do qual o reclamado permaneceu evadido – entre 22 de Agosto de 1970 e a data da sua detenção, em 26 de Setembro de 2011, por força da formulação do pedido de extradição, ou seja, mais de 41 anos -, sem que o Estado requerente aparentemente o tivesse localizado e reclamado a sua entrega, há-de ter-se como manifestamente excessivo, não correspondendo à exigência de um critério de prazo razoável, o que vale por dizer ter ocorrido violação do artº 6º, nº 1 da CEDH, ademais, residindo o reclamado em Portugal há cerca de 18 anos, de forma estável e permanente, na morada constante dos autos, aqui se relacionando e convivendo com familiares e amigos, num registo de boa inserção familiar e sócio-profissional.

A exigência de prazo razoável encontra, aliás, suporte constitucional – cfr. a CRP, que no seu artº 20º, nº 4, estabelece o princípio segundo o qual Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

De modo que, nesta parte e em síntese conclusiva, existe fundamento de recusa obrigatória do pedido de extradição formulado, nos termos previstos no artº 6º, alínea a) da Lei nº 144/99, o que constitui obstáculo intransponível ao deferimento da pretensão expressa pelo Estado requerente.

À luz do ordenamento jurídico-constitucional português a exigência de um processo equitativo implica o termo do cumprimento da pena num prazo razoável, pois a imprescritibilidade ofende a paz jurídica inerente ao decurso do tempo e as garantias de defesa (art. 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa), constitucionalmente consagradas.

A este propósito diz o Tribunal Constitucional [Acórdão do Tribunal Constitucional nº 483/2002, de 20.11.2002, relatado pelo Cons. Bravo Serra, em www.tribunalconstitucional.pt, a propósito de uma situação em que se discutia o momento da consumação do crime para efeitos de prescrição do procedimento criminal.]:

Aquando da edição da Constituição de 1976, existia já, de há muitos e muitos anos, no ordenamento jurídico português, a figura da prescrição.

Este instituto, reconhecidamente, tentava, como tenta, compatibilizar aquilo que se apelida de exigências de punição «do momento» e o «tempo de perdão» que o acentuado e inexorável decorrer do tempo implica no sentir da comunidade e que tem feito com que tal instituto tenha uma natureza preponderantemente substantiva ou material, e não meramente adjectiva [assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português (As Consequências Jurídicas do Crime), 1993, 700].

Como refere o mesmo autor (citada obra, 699), "a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade" (cfr., em idêntico sentido, Gonzalo Quintero Oliveres, Curso de Derecho Penal, Barcelona, 1996, 585 e 586) - importando reconhecer que, também neste ponto, esta obteve tradução em valores e princípios constitucionais, desta forma relevantes para o enquadramento daquela limitação temporal da perseguibilidade do facto.

Ora, a adopção de um instituto de tão longa sedimentação na consciência jurídica e na consciência da própria comunidade não deixa, seguramente, de ser algo a que, objectivamente, deve ser dado acentuado relevo constitucional.

E isto tanto mais que, como assinala José de Faria e Costa, no estudo que serviu de base a uma sua intervenção na Faculdade de Direito da Universidade de Santiago de Compostela aquando da realização da Semana Xurídica en Santiago de Compostela [O direito penal e o tempo (Algumas reflexões dentro do nosso tempo e em redor da prescrição)], os normativos ligados ao instituto da prescrição contendem, "directa e invasivamente, com a esfera pessoalíssima do cidadão e, de certa maneira, por conseguinte, com alguns direitos fundamentais - pense-se, entre tantos outros, no fundamental direito à paz jurídica".

Em face de um invocado cometimento de actos delituosos, se se assistisse a um muito dilatado decorrer do tempo entre esse cometimento e a respectiva punição, certamente que a sociedade deixaria de reclamar esta última, ainda que, no «momento» da ocorrência dos factos, tivesse devidamente aquilatado da respectiva gravidade ou danosidade. À necessidade de punição reclamada aquando da ocorrência contrapor-se-ia, com o decurso de um alongado período temporal sem que ela surgisse, um sentimento de «apagamento» daquela necessidade, algo como um «perdão» decorrente da passagem do tempo.

É que, a sociedade, em nome da falada paz jurídica, que é um valor que inquestionavelmente preserva, conta com o reflexo que haverá de ter no ordenamento jurídico o apaziguamento das necessidades de punição que surgiram aquando da ocorrência da acção criminosa.

E, sendo assim, a comunidade haverá de contar com que aquele ordenamento - que durante tantos e tantos anos, deu valor ao decurso do tempo para efeitos de não poder o Estado exercer então o seu poder punitivo - não sofra tão acentuadas modificações por sorte a nele se inserirem normativos (ainda que alcançados mediante regras interpretativas) de onde resulte que o indicado poder ainda se efectivaria ou exerceria mesmo que, para o comum dos casos (nomeadamente para outras categorias de crimes de punibilidade semelhante), esse poder não pudesse já ser exercido ou, até, que, na prática, pudesse sempre exercer-se sem quaisquer limites temporais.

Não significa isto pretender-se sustentar que têm os arguidos um verdadeiro «direito subjectivo à prescrição». Significa, isso sim, fazer realçar:

que o instituto da prescrição se encontra sedimentado no ordenamento jurídico português há variadíssimas décadas, não podendo, por conseguinte, o legislador constituinte de 1976 ter sido alheio à respectiva previsão tal como, em linhas gerais, se desenhava naquele ordenamento, ou seja, não podendo o legislador do Diploma Básico ser indiferente à política criminal e à dogmática que lhe estava subjacente, no que toca à repercussão que o decurso do tempo tinha quanto à não efectivação do poder punitivo do Estado;

que existem razões, constitucionalmente fundadas, decorrentes da ideia de certeza e de paz jurídica, do estado de direito democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição serve, bem como das próprias garantias de defesa dos arguidos, que levam à consagração de um instituto como aquele;

que estes valores têm assento constitucional e reclamam, por si, que o citado instituto tenha de ser visto com um próprio valor constitucional para o comum dos ilícitos, designadamente tratando-se de crimes como aquele cujo cometimento é assacado aos ora recorrentes;

que é razoável que a sociedade, objectivamente considerada, possa entender - ao menos enquanto se mantiverem em vigor na sua essencialidade os preceitos que instituem a prescrição e rejam os respectivos prazos, modos de ocorrência e contagem - que, uma vez decorrido o tempo previsto nesses preceitos, não reclamam perseguição criminal os agentes de factos delituosos cuja prática de há muito ocorreu, o que inculca que também é razoável que aquela sociedade conte com que aquela perseguição não opere mediante normas ou processos interpretativos de onde resulte, na realidade prática, a ineficácia da actuação do instituto da prescrição.

Ora, um valor constitucional assim delineado deve, inequivocamente, ser atendido, e daí dever-se-ão retirar as necessárias consequências quanto à interpretação do conjunto normativo agora em análise.

Para concluir:

Uma tal insegurança e incerteza, repercutíveis na paz jurídica que deve ser inerente ao inflexível decurso do tempo, aliadas, assim, à objectiva diminuição de garantias de defesa dos arguidos, mostra-se incompatível com aqueles mesmos princípios constitucionalmente acolhidos.

Desta argumentação, mesmo recusando a aludida protecção constitucional conferida à prescrição [O acórdão do Tribunal Constitucional citado tem dois votos de vencido; porém, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, pg. 704 vai mais longe: “Só, por isso, (ilegítimas) necessidades «absolutas» de punição, baseadas em sentimentos de vingança e de retribuição, poderiam ser apontadas no sentido de fundar a imprescritibilidade” em quaisquer tipos de crime.], avulta a relevância do decurso de um grande lapso de tempo entre o facto e o cumprimento da pena. Por isso, mesmo que não se sustente essa tese, tendo em atenção que o conceito de processo equitativo é intencionalmente aberto (nota supra), no ordenamento jurídico português, importa conferir a devida importância ao passar do tempo e aferir casuisticamente se foram ultrapassados todos os prazos razoáveis, tendo em atenção também a postura do Extraditando perante a sociedade. No caso dos autos, em que se dobrou o prazo máximo de prescrição das penas e em que o Extraditando vem mantendo comportamento social isento de reparos, tem de se concluir que se mostra ultrapassado o prazo razoável para o cumprimento do remanescente da pena de prisão e que, consequentemente, esse cumprimento, neste momento, ofende os princípios da Convenção Europeia Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Assim, também se verifica esta causa de recusa da extradição.

Pena de prisão de duração indeterminada

Nos termos do art. 6º al. f) da Lei 144/99 o pedido de cooperação também é recusado quando respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.

Também no art. 2º do Instrumento de 14.07.2005, entre Portugal e os Estados Unidos da América, a República Portuguesa emitiu declaração de existência de impedimentos à extradição relativamente a infracções puníveis com pena de prisão de duração indeterminada.

Porém, ao contrário do que vem alegado, uma pena de prisão de 15 a 30 anos é, dogmaticamente, uma pena de prisão relativamente indeterminada, sem o carácter de indefinição [Sobre a distinção: Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pg.s 327 e 328; Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, pg. 556.] que o art. 30º nº 1 da Constituição da República Portuguesa proíbe. Efectivamente, as penas relativamente indeterminadas – mas com uma duração máxima pré-fixada – são compatíveis com a Constituição e existem no ordenamento jurídico-penal português, na punição de crimes praticados por delinquentes por tendência, alcoólicos e equiparados (art.s 83º a 87º do Código Penal).

Consequentemente, a natureza relativamente indeterminada da pena aplicada não obsta à extradição.

Consequências graves para a pessoa visada

O art. 32º nº 1 al. a) da Lei 144/99 consagra ainda, como causa facultativa de denegação da cooperação internacional as situações em que “tendo em atenção as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal”.

Sem olvidar a gravidade do crime cometido, cremos que será rara uma situação em que seja tão patente a existência desse circunstancialismo – claramente mais grave do que a situação plasmada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.1.1998, no proc. 9711078 [ Disponível em www.dgsi.pt], citada pelo Extraditando, em que o Tribunal recusou a extradição com base na “perturbação grave das suas ligações familiares”.

Quarenta e nove anos após a prática do crime, quarenta e um anos após ter interrompido o cumprimento da pena, com vinte anos de integração social pacífica em Portugal e participação como voluntário em projectos de interesse social, com mulher e dois filhos portugueses com quem convive, quando tem sessenta e oito anos de idade, problemas de saúde e cerca de quarenta anos sem contacto com o país que pretende a sua extradição, é patente que o Extraditando está plenamente integrado na sociedade e não existe qualquer necessidade de protecção de bens jurídicos que ainda justifique a sua prisão. Ora, sendo os fins da aplicação das penas no ordenamento jurídico português (art. 40º nº 1 do Código Penal) “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e alcançada que está a paz jurídica, a necessidade de cumprimento da pena por parte do Extraditando não se justifica a não ser por critérios de mera expiação. Porém, são razões de prevenção geral de integração que justificam a aplicação das penas e não finalidades de retribuição e expiação [Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, pg.s 72, 73 e 84.].

Por um lado, a necessidade da pena aparece como praticamente inexistente face à paz jurídica alcançada com a integração social do Extraditando e com o decurso do tempo. O tempo que nos sistemas de direito romano-germânico, entre os quais o português tem a relevância que resulta da prescrição dos crimes e das penas, enquanto os direitos de "common law", como o dos Estados Unidos da América ignoram a prescrição das penas [E é no quadro de um sistema jurídico de “common law” que se há-de compreender a naturalidade e razoabilidade do pedido de extradição para o Estado Requerente e não como um instrumento de perseguição do Extraditando. Sem embargo, é pela aplicação dos princípios do nosso ordenamento jurídico que se há-de aferir do deferimento ou indeferimento dessa pretensão.]. No ordenamento jurídico-penal português, a pena a que o Extraditando foi condenado não só estaria prescrita, como se viu, como integralmente perdoada por aplicação das sucessivas leis de amnistia e perdão de penas [Art. 1º do Decreto-Lei 259/74 de 15.6; art. 5º nº 1 do Decreto-Lei 758/76 de 22.10; art. 2º nº 1 al. d) da Lei 3/81 de 13.3; art. 5º nº 1 al. c) da Lei 17/82 de 2.7; art. 9º nº 1 al. b) da Lei 16/86 de 11.6; art. 14º nº 1 al. b) da Lei 23/91 de 4.7; art. 8º nº 1 al. d) da Lei 15/94 de 11.5. Tendo em atenção o tempo de pena cumprido, por aplicação dos aludidos perdões, a pena estaria integralmente perdoada em 2.7.1982.]. “O decurso do tempo tornou a execução da pena sem sentido e, por aí, o facto deixou de carecer de punição” [Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 2ª reimpressão, pg. 702.].

Por outro lado, o Extraditando, com saúde debilitada, está inserido socialmente em Portugal, onde se encontra a sua família, que necessita de forma premente dos seus cuidados, onde tem trabalhado e desenvolvido trabalho de voluntariado social, enquanto nos Estados Unidos da América de que esteve afastado por quarenta anos, tendo naturalmente perdido as suas ligações afectivas e sociais, iria cumprir o remanescente desta pena até perfazer 75 a 90 anos de idade: ou seja, com fortes probabilidades de ser extraditado no fim da vida para morrer preso e afastado da família por causa de um crime (grave) cometido quando era um jovem de 18 anos de idade.

Também por este motivo se impõe a denegação da extradição requerida.

III. DECISÃO

Por tudo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal em recusar a extradição de J… para cumprimento do remanescente da pena imposta no processo nº …, do Tribunal Superior de Nova Jersey, que por decisão condenatória de 15.2.1963, condenou o Extraditando pelo crime de homicídio, p. e p. pelas secções 28: 113-1 e 28: 113-2, das Leis de Nova Jersey, na pena de prisão de 15 a 30 anos, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.s 6º nº 1 al. a), 18º nº 2 e 32º nº 1 al. b) da Lei 144/99.

Cessa imediatamente a medida de coacção a que o Extraditando se encontra sujeito. Comunique via fax à DGRS

Sem custas.

Notifique.

Após trânsito, cumprir-se-á o art. 30º nº 1 da Lei 144/99.

Lisboa, 17.11.2011

(elaborado, revisto e rubricado pelo relator e assinado por este e pelos Ex.mos Adjuntos)

Jorge Raposo

Fernando Ventura

Margarida R. Almeida