Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
875/10.5TTLSB.L1-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: LITISPENDÊNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Não há litispendência se numa acção o trabalhador vem formular um pedido de pagamento de créditos salariais já objecto de dedução de uma excepção de compensação numa outra acção contra si proposta pela entidade empregadora;
II - Nestes casos, deve ser suspensa a instância até decisão final desta última acção.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

A veio intentar, no 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção com processo comum, contra B, Ldª pedindo a anulação da quitação por si dada, e o pagamento de créditos laborais, a determinar em sede de incidente de liquidação, relativos do prémio de desempenho, de formação certificada e de trabalho suplementar.
A Ré contestou, invocando a excepção dilatória da litispendência.
Para tanto, alegou, tal como se refere na sentença, que corre termos no 3º Juízo, 2ª secção, do Tribunal de Trabalho de Lisboa, uma acção judicial, que deu entrada em 22 de Maio de 2009, com o nº 2051/09.0TTLSB, em que a ora Ré veio peticionar o pagamento de um montante a título de indemnização, por falta de aviso prévio na denúncia do contrato.
Sucede que, nessa acção, o ora Autor, para além de ter impugnado qualquer montante em dívida, veio também excepcionar a “compensação de créditos”, reclamando o pagamento de um prémio de desempenho, da formação certificada e do trabalho suplementar.
Ora, nos presentes autos, o Autor, para além de peticionar a anulação da quitação por si dada, vem pedir o pagamento de créditos laborais,
designadamente o pagamento do prémio de desempenho, de formação certificada e de trabalho suplementar.
Pretende-se, assim, nas duas acções o mesmo efeito jurídico, ou seja, o pagamento de créditos laborais.
Em ambas as acções existe identidade do pedido, identidade da causa de pedir e identidade de sujeitos.
O Autor respondeu a tal excepção, negando que tenha efectuado qualquer pedido na acção com o nº 2054/09.0TTLSB. Nesta acção, o Autor limitou-se a invocar factos que obstassem aos direitos invocados, ou seja, a invocar excepções.
Logo, não se verifica, desde logo, o primeiro dos pressupostos para que exista uma situação de litispendência - a existência de duas acções idênticas.
Proferido saneador - sentença, nele se julgou procedente a excepção dilatória de litispendência e se absolveu a ré da instância.
Inconformado, o Autor veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Ré apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
x
Como questão objecto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, temos:
- se estamos perante uma situação de litispendência e, em caso negativo, se deverá ser suspensa a instância na presente acção.
x
Na 1ª instância foi considerado determinante o seguinte circunstancialismo:
1- No 3º juízo, 2ª secção do tribunal de trabalho de Lisboa, corre termos a acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com o nº 2051/09.0TTLSB, em que é autora B, Lda e réu A;
2- Nesta acção, a autora alega que entre as partes existia um contrato de trabalho que cessou por denúncia do contrato trabalho, com efeitos a 10 de Março de 2009, data a partir da qual o trabalhador não mais compareceu ao serviço;
3- Peticiona a condenação do réu no pagamento à autora da quantia de € 25.861,88, acrescida de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, desde a citação até integral pagamento, sendo a quantia peticionada relativa ao incumprimento parcial (59 dias) do aviso prévio;
4- Nessa acção, o réu veio contestar alegando que o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou não através de denúncia, mas por
resolução com justa causa, não sendo por isso devido qualquer aviso prévio;
5- Igualmente excepciona a compensação, alegando que o recibo de quitação que assinou padece de invalidade, porquanto foi fruto de uma declaração negocial viciada por manifesto erro, pelo que, se mostram em dívida a título de créditos laborais um prémio de desempenho, a formação certificada que não lhe foi assegurada e o trabalho suplementar que prestou. Deduz ainda pedido reconvencional no sentido de ser declarada anulada a declaração de quitação e pede a condenação no pagamento ao autor da quantia de € 78.300,00, a título de indemnização fundamentada na resolução pelo trabalhador com justa causa
6- Nos presentes autos, o autor peticiona a anulação da declaração de quitação e a condenação da ré no pagamento do prémio de desempenho, formação certificada não proporcionada e horas de trabalho suplementar efectuadas.
x
O direito:
Trata-se de saber se existe uma situação de litispendência, a existência de duas acções idênticas - a presente e a nº2051/09.0TTLSB.
De acordo com o artº 497º do CPC, as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado (nº 1).
Quer a litispendência quer o caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (nº 2).
O artº 498º do mesmo Código fornece-nos os elementos necessários para a definição da “repetição da causa”. Tal sucede quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº 1), havendo:
1 – identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2);
2 – identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3);
3 – identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, sendo que nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real e nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (nº 4).
Como já se adiantou, e isto é fundamental para o caso sub judice, quer a excepção da litispendência quer a do caso julgado têm como critério orientador o desiderato expresso no nº 2 do artº 497º do CPC, ou seja, “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”. A identidade de elementos que o artº 498º elenca surge como uma concretização legal destinada a obter aquele desiderato, tendo essa tripla identidade de ser conexionada com a regra basilar expressa no citado nº 2 do art. 497º
Ou seja, a excepção de litispendência e a excepção de caso julgado garantem não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica.
São preocupações de natureza pública, de evitar o acto inútil e precaver a possibilidade de um órgão de soberania se contradizer sobre a mesma questão, com o evidente desprestígio do órgão e da função que constitucionalmente lhe está atribuída.
Ora, no presente processo, o aqui Autor veio formular o seguinte pedido:
a) Deve ser anulada a quitação dada pelo A. com fundamento em erro na declaração; ou em alternativa,
b) Deve ser anulada a quitação dada pelo A. com fundamento em erro sobra a base do negócio relativamente à quitação dada pelo R.; e, em qualquer um dos casos;
b) Deve ser condenada ao pagamento de uma quantia, a título de créditos laborais, ainda a determinar em sede de incidente de liquidação”.
Esses créditos laborais são os relativos ao prémio de desempenho, de formação certificada e ao trabalho suplementar.
Por sua vez, na acção nº nº2051/09.0TTLSB, com as mesmas partes, mas que o aqui Autor é aí réu, este termina a sua contestação com o seguinte:
a) Deve ser julgada totalmente improcedente a presente acção, absolvendo a R. do pedido; caso assim não se entenda,
b) Deve ser julgada procedente a excepção do erro na declaração relativamente à quitação dada pelo R.; ou, em alternativa,
b) Deve ser julgada procedente a excepção do erro sobre a base do negócio relativamente à quitação dada pelo R.; e, em qualquer um dos casos;
c) Deve ser anulada a declaração de quitação dada pelo R.; e, em consequência;
d) Deve ser julgada procedente a excepção da compensação de créditos, absolvendo-se o R. do pedido; ou ainda, caso assim não se entenda;
e) Deve ser julgada procedente a excepção do abuso do direito, absolvendo a R. do pedido;
f) Deve ainda ser julgado totalmente procedente o pedido reconvencional formulado, condenando a A. ao pagamento da quantia de € 78.300,00 (setenta e oito mil e trezentos euros), acrescidos de juros de mora vincendos desde a data de citação até efectivo e integral pagamento
Os créditos com os quais o trabalhador pretende operar a compensação são os referidos supra: prémio de desempenho, de formação certificada e de trabalho suplementar.
Face aos termos destas suas pretensões temos que:
- existe identidade de sujeitos- as partes são exactamente as mesmas, embora em posições processuais opostas;
- existe identidade de causa de pedir- os factos de onde o aqui apelante faz depender os invocados créditos relativos ao prémio de desempenho, de formação certificada e ao trabalho suplementar são os mesmos e têm que ver com a execução do contrato de trabalho e respectivas obrigações pecuniárias dele resultantes para a entidade empregadora;
- e existirá identidade de pedidos? Parece que sim, dado que quer numa acção quer noutra, o trabalhador pretende fazer valer o mesmo efeito jurídico – o pagamento dos referidos créditos, embora naquela outra acção, apenas apenas no montante suficiente para compensar o contracrédito que seja reconhecido, a título de capital e juros de mora, à aqui Ré.
Seria, pois e numa análise meramente superficial, de considerar verificada a litispendência, tal como se concluiu na sentença.
Todavia, não é assim:
É que, como se disse, há que conexionar essa tripla identidade de com a regra basilar expressa no citado nº 2 do artº 497º do CPC, por forma a garantir que o tribunal não seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
O aqui Autor /trabalhador, naquela outra acção em que é demandado como réu, pretende fazer valer esses seus créditos em sede de compensação.
Segundo o estatuído no artº 847º do Código Civil, são requisitos da compensação:
- A existência de dois créditos recíprocos;
- Que ambos os créditos sejam judicialmente exigíveis e não proceda contra eles excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
- Que os dois créditos tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade,
A compensação pressupõe, em primeiro lugar, a reciprocidade de créditos, não tendo esta reciprocidade nada que ver com a existência de sinalagma entre as duas prestações, já que nada obsta a que o crédito invocado para efeitos de compensação tenha a sua fonte ou origem numa relação jurídica totalmente distinta e autónoma daquela que fundamentava o pedido do autor.
Essa reciprocidade de créditos significa apenas que a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, ou seja, é necessário que o devedor de determinada obrigação seja, por força da mesma ou de diversa relação jurídica, credor do seu credor. É assim que, por força do disposto no artº 851º do CC, a compensação apenas pode abranger a dívida do declarante (e não a de terceiro) e apenas pode operar mediante a utilização de créditos que sejam do próprio declarante (e não créditos alheios).
Ora, sendo assim, é evidente que, perante os factos alegados pelas partes em ambas as acções, existirá reciprocidade de créditos.
Contudo, há um factor determinante que não pode ser esquecido: naquela outra acção, e uma vez que aí o aqui Autor/apelante recorreu à figura da compensação, os descritos créditos só serão objecto de apreciação judicial na mesma acção se e na medida em que seja reconhecido o crédito aí invocado pela aqui Ré/entidade empregadora.
Se, por hipótese, essa acção vier a ser julgada improcedente e o réu (aqui Autor) vier a ser absolvido do pedido, nem sequer será conhecida a matéria relativa à compensação, pelo que terá todo o sentido, sob pena de, assim não se procedendo, se estar a coarctar ao trabalhador o direito ao acesso aos tribunais, o seguimento da presente acção.
Se, na hipótese inversa, o pedido da entidade empregadora for, naquela outra acção, julgado procedente e apreciada a matéria da compensação, então nesse caso já não se poderá falar de litispendência mas sim de caso julgado.
E se não se pode falar de listispendência, mas tão só, e na segunda hipótese indicada, de caso julgado, para isso terá de transitar em julgado a decisão que vier a ser proferida naquela outra acção, nº 2051/09.0TTLSB.
O que implica que, até decisão final daquela, tenha de ser suspensa a instância na presente acção, atenta a clara prejudicialidade, nos termos do artº 279º, nº 1, do CPC.
Termos em procedem, na estrita medida do exposto, as conclusões do recurso.
x
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em conceder provimento à apelação, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que declare, para os efeitos descritos, a suspensão da instância.
Custas pela apelada.

Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas
Decisão Texto Integral: