Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4815/08.3TBOER-A.L1-6
Relator: AGUIAR PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
FIANÇA
NULIDADE
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Constitui titulo executivo o contrato de abertura de crédito no qual os executados se obrigaram a amortizar integralmente as quantias disponibilizadas pelo banco exequente até à data do vencimento do contrato e não pagas, quando complementado com os elementos contidos na nota de débito emitida de acordo com as cláusulas daquele contrato e de onde resulta concretizado tal montante.
2. Não é nula a fiança constituída para garantir obrigações futuras no âmbito de um contrato automaticamente renovável, posto que seja sempre objectivamente determinável o montante da obrigação garantida, não sendo vedada ao fiador a possibilidade de se liberar da garantia nos termos da parte final do artigo 654º do Código Civil.
3. Um documento através do qual a sociedade afiançada solicitou a redução do limite de crédito não traduz a constituição de nova obrigação em substituição da antiga, mas uma simples proposta de alteração de uma das cláusulas do contrato de abertura de crédito celebrado que, no que se refere a todas as restantes cláusulas, se manteve inalterado.
4. O direito à liberação da fiança ou à prestação de caução previsto no artigo 648º do Código Civil funciona como forma de repor o equilíbrio de uma relação jurídica que se alterou em prejuízo do fiador, sendo exercido no confronto entre este e o afiançado e não no âmbito das relações do fiador com o credor perante quem ele continua a responder.
5. Daí que o fiador não possa recusar ao credor a satisfação da garantia prestada com base no agravamento dos riscos da fiança 1. A nulidade da sentença prevista no artigo 668 nº 1 alínea b) só se verifica quando esta seja omissa quanto à expressão dos fundamentos de facto e de direito da decisão ou quando estes, existindo, não permitam compreender, de forma completa e precisa, aos respectivos destinatários, as razões que subjazem ao concreto juízo decisório;
2. O artigo 2º do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Abril não exclui a possibilidade de estipulação de juros à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais em caso de mora, mesmo quando celebrados com consumidores, já que os actos de que eles emanam continuam, em princípio, a ser abrangidos pelo artigo 99º do Código Comercial.
3. Não é nula por contrária à boa fé a cláusula inserida num contrato de adesão que preveja o pagamento de juros nos termos do artigo 102º § 3 do Código Comercial destinado a ser celebrado com pessoas singulares ou colectivas, mesmo quando estes utilizem os serviços electrónicos de comunicações contratados para fins não profissionais
( Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, ACORDAM OS JUÍZES DESEMBARGADORES DA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO
a) Por apenso ao processo de execução que lhe move o Banco …., S A, com sede (…) em Lisboa, B , residente na Rua (…) em Oeiras deduziu oposição à execução mediante embargos (de executado) alegando, em síntese:
Que o exequente não dispõe de título executivo, sendo certo que o contrato de abertura de crédito por conta corrente que serve de título executivo nestes autos é um mero acordo de vontades que não contem o reconhecimento expresso de quaisquer obrigações pecuniárias vencidas ou cujo montante seja determinável nem demonstra a existência de obrigação de pagamento de quaisquer quantias.
Que ocorreu novação objectiva da dívida face à sua redução e a consequente extinção das garantias inicialmente prestadas.
Que a fiança prestada pela embargante é nula por não existir um limite temporal para a sua vigência.
Que a obrigação de pagamento de juros, e outras quantias, de natureza temporária, se encontra prescrita por terem decorrido mais de cinco anos desde a data do seu vencimento.
b) O exequente, Banco …. , S A contestou a oposição alegando, em síntese:
Que o contrato de abertura de crédito que serve de título à execução constitui título executivo bastante, que não se verificou novação da dívida, que a fiança prestada não é nula e que a obrigação não se encontra prescrita.
c) Foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição à execução e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.
d) Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso a oponente, sendo o recurso admitido como de apelação.
São do seguinte teor as conclusões das respectivas alegações:
“a) Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes do contrato junto pelo exequente como doc. 1, designadamente capital, juros e outros encargos a liquidar nos termos do mesmo (cfr. cláusula 8.a, nº 2, do contrato junto pelo exequente como doc. 1), os executados subscreveram/avalizaram uma livrança em branco, aí mencionada, pelo que sempre o exequente tinha na sua posse um título executivo para se ressarcir desse alegado incumprimento.
b) Entende assim a embargante que o contrato de abertura de crédito por conta corrente junto como doc. 1 pelo exequente consubstancia apenas um acordo de vontades, não havendo nem constituição nem reconhecimento expresso de obrigações pecuniárias vencidas ou cujo montante seja determinado ou determinável, tudo nos termos conjugados dos artigos 46º, nº 1, alínea c), 50.0 e 805.0 do CPC.
c) Pelo que não demonstra a existência da invocada obrigação de pagamento.
d) A Sentença recorrida julgou improcedente por não provada a excepção peremptória de inexequibilidade do título.
e) Todavia, a insuficiência de elementos que a Sentença recorrida observa no contrato de abertura de crédito verifica-se também, por maioria de razão, quanto ao doc. 2 anexo ao requerimento executivo, com a epígrafe "nota de débito" - o qual não permite confirmar os montantes efectivamente disponibilizados, ou a quem, ou em que data!
f) Pelo que em nada supre tal insuficiência de elementos do contrato de abertura de crédito, tendo o Banco exequente recorrida a tais documentos porque bem sabia que o prazo de prescrição de três anos a contar do vencimento da livrança, previsto no artigo 70.°, nº 1, da Lei Uniforme das Letras e Livranças, se encontrava-se excedido à data da instauração da execução.
g) Assim, a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 46.°, nº 1, alínea c), 50.0 e 805.° do CPC, ao julgar improcedente a excepção deduzida pela ora recorrente.
h) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, julgando provada a excepção de inexistência de título executivo, com os legais efeitos em termos de absolvição da embargante.
i) Por outro lado, e conforme foi dado como provado, a executada sociedade entregou ao exequente, a 24 de Agosto de 2001 um documento no qual se lê « J. (…), Sociedade Unipessoal, Ldª, vem solicitar a redução do limite aprovado para a conta corrente nº .../... de seis mil contos para cinco mil contos».
j) Está-se assim em face de uma novação objectiva da dívida titulada pelo mesmo - cfr. artigo 857º do Código Civil, a qual tem o efeito de extinguir as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mormente o aval/fiança prestados pela embargante, por força do disposto no artigo 861º, nº 1, daquele normativo.
k) Ao julgar improcedente a excepção peremptória de extinção da fiança invocada nesta sede pela embargante, ora recorrente, a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 857º e 861º, nº 1, do Código Civil.
l) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente aqueles preceitos, julgando provada a presente excepção de extinção da dívida por novação, com os legais efeitos em termos de absolvição da embargante.
m) É nula a fiança prestada, por força do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 23 de Janeiro de 2001 (e disponível em www.dgsi.pt) veio fixar jurisprudência nos seguintes termos: «É nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.»,
n) E do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Outubro de 1999 (igualmente disponível em www.dgsi.pt) segundo o qual, e a contrario, é válida a fiança de obrigações futuras resultante de uma multiplicidade de negócios jurídicos, contanto que, no respectivo contrato, se estabeleça o limite máximo do montante a garantir, bem como o prazo de validade da fiança, isto é, um limite quantitativo da responsabilidade assumida pelo fiador e um limite temporal de validade da fiança no futuro.
o) Se a fiança em causa nos presentes autos - prestada pela embargante - tem um limite quantitativo, isto é, o limite previsto na cláusula 1.a, nº 2, do contrato, a verdade é que não existe um limite temporal para a mesma.
p) A cláusula 2ª, nº 1, do contrato, refere que o mesmo tem a validade de seis meses a contar da sua assinatura, considerando-se automaticamente renovado por iguais ou diferentes períodos se não for denunciado por qualquer das partes, e sem limite temporal absoluto, ou seja não ocorrendo tal denúncia a obrigação manter-se-ia ad aeternum.
q) Ora, o mesmo não pode suceder com a fiança prestada pela embargante, pelas razões expostas.
r) Assim, a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido nos artigos 280º, nº 1, e 628º, nº 2, a contrario, do Código Civil.
s) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, absolvendo a embargante do pedido por se verificar nulidade da fiança prestada.
t) Alegou ainda a embargante que, nos termos do artigo 653.° do Código Civil, sempre se mostra desonerada da sua obrigação uma vez que, por facto negativo do credor, não pode ficar sub-rogada nos direitos que a este competem.
u) Com efeito, o decurso do tempo, a que acresce a situação de falência dos demais executados dada como provada, levam a que seja praticamente impossível à embargante exercer qualquer direito de regresso contra os demais obrigados.
v) Tal direito à liberação sempre decorreria, pela mesma razão, do disposto no artigo 648º, alínea b), do Código Civil, uma vez que os riscos da fiança se agravaram sensivelmente.
w) Por outro lado, não tendo a obrigação principal um termo (conforme exposto, era periodicamente renovável mas sem um limite temporal absoluto), sempre pode a embargante liberar-se da fiança por terem decorrido mais de cinco anos desde a data em que foi prestada, também no termos do artigo 648.°, alínea b), do Código Civil.
x) A este propósito, a embargante esclareceu que se divorciou do executado J. , único sócio e gerente da sociedade executada "J. (…), Ldª, em 2002, desconhecendo por completo todo o sucedido posteriormente quanto à relação dos mesmos com o Banco exequente, designadamente se houve incumprimento por parte destes ou em que data, e tendo inclusivamente ficado a braços com uma execução fiscal causada por aquele executado (doc. 1, que se dá aqui por reproduzido), do qual desconhece actualmente o paradeiro.
y) Em todo o caso, e a este respeito, sustenta a Sentença recorrida: «(...) não se vislumbra e não foi alegado, qual o facto negativo do exequente que levou à impossibilidade de sub-rogação por parte da oponente, improcedendo, pois, a alegada liberação da fiança constituída por impossibilidade de sub-rogação.»
z) Ora, o facto negativo alegado foi, precisamente, o decurso do tempo, a que acresce a situação de falência dos demais executados dada como provada, levam a que seja praticamente impossível à embargante exercer qualquer direito de regresso contra os demais obrigados.
aa) Pelo que a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido nos artigos 648.°, alínea b), e 653.°, do Código Civil.
bb) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, absolvendo a embargante do pedido por se verificar nulidade da fiança prestada e/ou por a embargada ser considerada liberada da mesma.
cc) Finalmente, alegou a embargante que, nos termos do disposto no artigo 310.°, alíneas d) e g), do Código Civil, que prescrevem no prazo de cinco anos os juros, bem como quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
dd) A cláusula 2ª, nº 1, do contrato, refere que o mesmo tem a validade de seis meses a contar da sua assinatura, considerando-se automaticamente renovado por iguais ou diferentes períodos se não for denunciado por qualquer das partes.
ee) O exequente considerou vencida a dívida, e justificou em 15 de Outubro de 2003 o respectivo montante de € 27.700,65, no autos de falência que correm termos no 2.° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa sob o nº 594/03.9TYLSB.
ff) Ora, mostrando-se a divida vencida nessa data, e tendo a embargante sido citada em 18 de Novembro de 2008, mostra-se prescrita em relação a ela.
gg) Não relevando, no tocante à fiadora, quaisquer causas interruptivas ou suspensivas de tal prescrição, por força do disposto no artigo 636° do Código Civil.
hh) Até porque, nos termos do disposto no artigo 91.° do CIRE, a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva, o que já sucedia no regime anterior - cfr. artigo 151.° do CPEREF.
ii) Ou seja, a obrigação principal sempre se teria vencido em data anterior a Outubro de 2003, e daí a justificação do crédito por parte do Banco exequente na totalidade.
jj) Pelo que a Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o vertido nos artigos 310.°, alíneas d) e g), e 636.°, do Código Civil, 91.° do CIRE, e 151.° do CPEREF.
kk) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, absolvendo a embargante do pedido por se verificar prescrição do crédito exequendo.”
e) Não foram apresentadas contra alegações.
f) Colhidos os vistos legais dos Exmº Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na douta decisão impugnada foram considerados os seguintes factos provados:
“1. Entre os executados e o exequente foi celebrado um contrato intitulado de abertura de crédito por conta corrente que se rege pelas seguintes cláusulas:
“(Cláusula) 1ª (Montante e forma de Utilização):
1. O Beneficiário solicitou e obteve do Banco crédito, sob a forma de abertura de crédito por conta corrente, à qual foi atribuído o nº .../17;
2. Esta conta corrente tem o limite de PTE 6.000.000$00 e destina-se a apoio de tesouraria.
3. A referida conta será movimentada por crédito e débito da conta de depósitos à ordem abaixo indicada, aberta em nome do Beneficiário, não podendo cada utilização do respectivo saldo ser de montante inferior a 10 % do limite do crédito.
4. Os avisos de crédito, notas de lançamento e extractos de conta farão prova suficiente dos montantes disponibilizados pelo Banco ao Beneficiário ao abrigo desta abertura de crédito, nos termos e para os efeitos do artigo 50° do Código de Processo Civil.
(Cláusula) 2ª (Prazo e amortização):
1. O presente contrato de abertura de crédito é contratado por seis meses a contar da data da sua assinatura, considerando-se automaticamente renovada por iguais ou diferentes períodos se não for denunciada pelo Beneficiário ou pelo Banco com pelo menos 15 dias de antecedência dos respectivos vencimentos.
2. O Beneficiário fica obrigado a amortizar integralmente o montante em dívida na data do vencimento do presente contrato se o mesmo não for renovado.
(Cláusula) 3ª (Juros):
1. Sobre o capital em dívida, a cada momento serão contados juros à taxa de Operações Totta Activas (TOTA), que sucessivamente vigorar, acrescida de 1 ponto percentual, que corresponde nesta data a 12,375%.
2. Os juros serão pagos trimestralmente e postecipadamente, por débito na conta de depósitos à ordem abaixo indicada.
3. A taxa de juro do presente contrato poderá ser alterada unilateralmente por resolução do BANCO, com efeitos a partir da contagem subsequente ao vencimento de cada uma das prestações de juros, tendo em conta a variação da taxa de referência acima indicada.
4. Às prestações devidas acrescerá o imposto de selo previsto na respectiva Tabela Geral.
Sobre o montante disponibilizado pelo Banco através do presente contrato de abertura de crédito e não utilizado efectivamente pelo Beneficiário incidirá uma comissão de imobilização de 0,125%, a qual será liquidada ao trimestre ou fracção e postecipadamente.
(Cláusula) 4ª (Comissões):
1. Por cada renovação do presente contrato de abertura de crédito o Beneficiário pagará ao Banco, na respectiva data de renovação, uma comissão de 0,125% flat, calculada sobre o limite do crédito.
(Cláusula) 5ª (Mora e incumprimento):
1. Verificando-se o incumprimento por parte do Beneficiário de qualquer das obrigações ora assumidas, bem assim como quaisquer condições previstas no art. 780º do Código Civil, pode o Banco pôr termo imediato ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo.
2. Sem prejuízo do referido no parágrafo anterior, em caso de mora por parte do Beneficiário serão devidos juros moratórias calculados à taxa convencionada acrescida da sobretaxa máxima legal, que neste momento é de 4%, sobre todo o montante em dívida.
(Cláusula) 6ª (Despesas):
As despesas resultantes da celebração e execução deste contrato são da exclusiva responsabilidade do Beneficiário.
(Cláusula) 7ª (Conta a movimentar):
1. A quantia mutuada será creditada pelo Banco na conta de depósitos à ordem n. 0.../001 da Agência (…)do Banco, da qual o Beneficiário é titular.
2. O Banco fica desde já autorizado a efectuar na referida conta todos os débitos resultantes para o Beneficiário da presente abertura de crédito, comprometendo-se este a manter a conta aprovisionada para o efeito na data dos respectivos vencimentos.
(Cláusula) 8ª (Garantia):
1. As obrigações do Beneficiário emergentes do presente contrato ficam integralmente garantias por:
- Fiança, constituída pelo(s) acima identificado{s) Garantes.
O(s) Garante(s) declara(m) ter tomado conhecimento das condições do presente empréstimo, com elas concordando, constituindo-se como fiador(es) e principal(is) pagador(es) de todas as obrigações do mesmo para o Beneficiário renunciando desde já ao beneficio de excussão prévia.
2. Para caução do integral pagamento de todas as responsabilidades emergentes da presente abertura de crédito, designadamente capital, juros e outros encargos a liquidar nos termos deste contrato, beneficiário(s) e garante(s) subscrevem/avalizam uma livrança em branco, a qual desde já autorizam o preenchimento pelo Banco pelo valor que estiver em divida e a sua imediata apresentação a pagamento, se na data do vencimento de qualquer das prestações convencionadas, as mesmas não forem integralmente pagas.
(Cláusula) 9ª (Estipulação de foro):
Para resolução dos pleitos emergentes do presente contrato é escolhido, com expressa renúncia de qualquer outro, o foro da Comarca de Lisboa.
(Cláusula) 10ª (Imposto de selo):
O imposto de selo devido pelo presente contrato de abertura de crédito será pago por meio de guia através do Banco.”
2. A executada sociedade entregou ao exequente, a 24 de Agosto de 2001 um documento no qual se lê «J. (…), Sociedade Unipessoal, Lda., vem solicitar a redução do limite aprovado para a conta corrente nº ...1175 de seis mil contos para cinco mil contos».
3. Pelo exequente foi emitida uma nota de débito relativa ao contrato n.º .../175, na qual os executados constam como devedores da quantia de 33.330,83 €, sendo 24.939,89 € de capital em dívida, 8.068,21 € de juros vencidos desde 2 de Julho de 2004 a 14 de Julho de 2008 e 322,73 € de imposto de selo, mais se referindo que a taxa de juro aplicada era de 4% acrescidos de 4% de mora.
4. Correu os seus termos no Tribunal de Comércio de Lisboa o processo de falência nº (…) em que era requerida a sociedade executada, J (…), Lda., tendo sido proferida sentença a declarar a sua falência no dia 29 de Junho de 2006.
5. Nestes autos o exequente justificou os seus créditos a 15 de Outubro de 2003.
6. Foi posteriormente proferida sentença de extinção por insuficiência da massa falida, a qual transitou em julgado a 15 de Dezembro de 2008.
7. Corre ainda termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, sob o nº (…) processo de falência em que é requerido o 2º0 executado, Joaquim (…), tendo sido declarada a sua falência por sentença transitada em julgado a 3 de Janeiro de 2006.
8. Nestes autos o exequente justificou os seus créditos a 23 de Agosto de 2004.
B) O DIREITO
Importa agora apreciar as questões a decidir tendo em conta o teor das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela apelante.
De acordo com as conclusões apresentadas as questões a decidir são as seguintes, delas havendo que conhecer na medida em que não fiquem prejudicadas pela solução dada a outras:
A questão da exequibilidade do contrato de abertura de crédito como título executivo;
A questão da nulidade da fiança prestada pela embargante por impossibilidade de determinação da garantia face à inexistência de prazo máximo;
A questão da extinção da fiança prestada pela embargante por novação objectiva da obrigação garantida;
A questão da liberação da obrigação da fiança prestada pela embargante por facto do credor de que resulta a impossibilidade de subrogação nos direitos do afiançado e também por agravamento sensível e objectivo dos riscos da fiança.
A questão da prescrição da obrigação de pagamento de juros e de prestações periódicas vencidas há mais de cinco anos, tendo em conta a data da citação para a execução.
1. O título executivo no processo de que estes embargos são apenso é constituído por um contrato de abertura de crédito celebrado entre o banco exequente, como entidade creditante da referida conta e os executados, na qualidade de beneficiário e garante, do qual consta, além do mais, que os avisos de crédito, notas de lançamento e extractos da referida conta fariam prova suficiente dos montantes disponibilizados aos beneficiários do contrato, ora executados, nos termos e para efeito do disposto no artigo 50º do Código de Processo Civil.
Tal contrato, enquanto título executivo, é complementado por uma nota de débito da qual consta o capital em dívida, os juros e o imposto de selo em dívida.
2. È sabido que toda a execução tem por base um título que lhe determina os fins e fixa os limites, podendo o título executivo ser de diversas espécies. No que ao caso interessa importa reter que o artigo 46º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil prevê que possam servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético e de acordo com as cláusulas dele constantes.
Isto é, sendo a exequibilidade do título uma característica inerente ao próprio título é forçoso que ele contenha todos os elementos que permitam definir e demonstrar com rigor os termos e o montante da obrigação exequenda.
3. No caso dos autos a obrigação pecuniária dos executados está perfeitamente definida na conjugação do contrato de abertura de crédito e seus termos, através do qual os executados se obrigaram a amortizar integralmente as quantias disponibilizadas pelo banco exequente até à data do vencimento do contrato e não pagas, com os elementos contidos na nota de débito emitida de acordo com as cláusulas do contrato de abertura de crédito celebrado entre o exequente e os executados e de onde resulta concretizado tal montante.
De tais elementos extrai-se não só a existência da obrigação que dispensa o reconhecimento da obrigação por via declarativa, mas também a concretização do seu montante, razão pela qual se conclui, contrariamente ao defendido pela embargante, que os documentos em causa consubstanciam título executivo bastante para suporte da acção executiva de que estes autos são apenso.
Ao ordenar o prosseguimento da execução com base em tal título não foram violadas as normas constantes dos artigos 46º nº 1 alínea c), 50º e 805º do Código de Processo Civil.
4. Invoca a embargante e ora apelante a nulidade da fiança que prestou por ser indeterminável o seu objecto na medida em que, apesar de a garantia ter um limite quantitativo, não tem um limite temporal.
Invoca para tanto que nos termos do contrato a que a fiança se reporta a sua validade, em princípio semestral, se renova automaticamente por períodos de seis meses se o contrato não for denunciado por qualquer das partes, sem limite temporal absoluto, o que tornaria a fiança de conteúdo indeterminável.
5. Sendo legalmente admissível a fiança de obrigações futuras (cfr artigo 654º do Código Civil), estas devem ser, sempre, determináveis no momento da celebração do contrato em função de parâmetros objectivos, sob pena de nulidade por impossibilidade de determinação do objecto do negócio (artigo 280º do Código Civil).
A simples circunstância de o contrato de abertura de crédito ser automaticamente renovável e de não haver limite de renovações não torna nula a fiança, posto que seja sempre determinável o montante em dívida e abrangido pela garantia.
Ora do clausulado do contrato de abertura de crédito e documentos anexos resultam suficientemente esclarecidos os elementos de que resulta a obrigação garantida, como a sua origem, os prazos, as taxas de juro e o limite máximo de crédito a conceder.
De resto, por aplicação do disposto no artigo 654º do Código Civil, não se verifica o risco de a fiança garantir, por período de tempo indefinido, a obrigação, o que, como se salienta na douta sentença impugnada, permite ao fiador liberar-se da obrigação.
À luz de tal preceito o fiador nunca está vinculado sem limite temporal à garantia da obrigação, dependendo apenas de vontade sua liberar-se da fiança desde que esta tenha sido prestada há mais de cinco anos.
Assim, no caso dos autos não ocorre a alegada nulidade da fiança.
6. A ora apelante invoca também ter ocorrido extinção da fiança por se ter verificado novação objectiva da obrigação garantida decorrente da alteração do seu montante máximo.
Nos termos do artigo 857º do Código Civil há novação objectiva da obrigação “quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga”.
No caso dos autos vem provado que a sociedade executada solicitou ao exequente/credor a redução do limite máximo de concessão de crédito que havia sido aprovado e acordado entre as partes de seis milhões de escudos para cinco milhões de escudos, nisso consistindo, no entender da ora apelante, a novação da dívida.
O documento através do qual a sociedade executada solicitou a redução do limite de crédito não traduz a constituição de nova obrigação em substituição da antiga, mas uma simples alteração de uma das cláusulas do contrato de abertura de crédito celebrado que, no que se refere a todas as restantes cláusulas, se manteve tal como havia sido acordado.
Bem andou, por isso, a douta sentença impugnada ao não considerar extinta a fiança por novação da obrigação objectiva da obrigação garantida.
7. A ora apelante invoca ainda a liberação da obrigação decorrente da prestação de fiança por se verificar, por facto imputável ao credor, a impossibilidade de subrogação nos direitos que a este competem (artigo 653º do Código Civil).
No caso dos autos o preceito em causa teria a seguinte aplicação prática: A fiadora ficaria desonerada da obrigação decorrente da fiança porque, devido a conduta do banco exequente, a fiadora ficou impedida de exigir dos afiançados aquilo que pagar ao banco exequente.
Invoca para tanto “o decurso do tempo, a que acresce a situação de falência” dos demais executados e que, alega, “levam a que seja praticamente impossível à embargante exercer qualquer direito de regresso contra os demais obrigados”, esclarecendo ainda que se encontra divorciada desde 2002 do executado J. , cujo paradeiro desconhece.
Salienta-se na decisão impugnada a falta de concretização dos factos imputáveis ao exequente de que derivou a impossibilidade de subrogação nos direitos do credor. E, na verdade, dos factos supra descrita e da alegação feita pela ora apelante não é possível extrair qualquer conclusão acerca da responsabilidade do exequente na situação eventualmente geradora da alegada impossibilidade de subrogação nos direitos daquele credor. Quais foram os actos e/ou omissões praticados pelo exequente que diminuíram a possibilidade de subrogação? Sabia, por exemplo, o credor que a fiadora desconhecia o paradeiro do afiançado J.G. ? E a impossibilidade de subrogação nos direitos do credor existe, de facto e em que medida? A ora apelante não articulou na sua petição factos susceptíveis de permitir a adequada resposta a tais questões.
Bem andou a douta sentença impugnada ao não considerar ocorrer a invocada liberação da obrigação do fiador.
8. A ora apelante invoca ainda ocorrer liberação da obrigação da fiança por se ter agravado sensivelmente o respectivo risco.
O direito à liberação da fiança ou à prestação de caução previsto no artigo 648º do Código Civil funciona como forma de repor o equilíbrio de uma relação jurídica que se alterou em prejuízo do fiador.
Pela sua natureza e função tal direito do fiador é exercido no confronto com o afiançado devedor e não no âmbito das suas relações com o credor perante quem continua a responder (cfr Pires de Lima e Antunes Varela no I Volume do Código Civil Anotado em anotação ao artigo 648º).
Não pode, por isso, a fiadora recusar ao credor a satisfação da garantia prestada com base no agravamento dos riscos da fiança.
9. Nos termos do artigo 310º alíneas d) e g) do Código Civil prescrevem no prazo de cinco anos os juros, legais ou convencionais, e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Partindo do carácter renovável do contrato de que deriva a obrigação afiançada pela ora apelante, pretende esta que a sua responsabilidade perante o banco exequente se encontra prescrita na medida em que decorreram mais de cinco anos desde a data em que este se apresentou em processo de falência que correu termos contra “J. (…), Sociedade Unipessoal, Ldª” a justificar créditos emergentes de tal contrato (de abertura de crédito).
Relevante para a decisão desta questão é a matéria de facto descrita supra sob os nº 4, 5 e 6, sendo que não há divergência quanto ao facto, não demonstrado neste apenso, de a ora apelante ter sido citada para os termos do processo de execução em 18 de Novembro de 2008.
10. O início do prazo de prescrição constante do artigo 310º do Código Civil coincide com a data em que a obrigação se encontra vencida e é exigível.
A ora apelante assenta a sua alegação na ideia de que a justificação dos créditos, no âmbito de um processo de insolvência ou de falência, pressupõe o vencimento da obrigação de pagamento por parte do requerido.
Não é assim.
No âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e Falência, assim como no âmbito do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa o vencimento dos créditos só opera, por força da lei, com a declaração da situação de falência ou insolvência.
A indicação no processo de insolvência ou de falência, em momento anterior, da existência de créditos, que deve conter a expressa menção da data, passada ou futura, do vencimento do crédito, destina-se apenas a permitir a avaliação da real situação da pessoa a declarar em estado de falência ou insolvência.
Daí que, não estando em causa o vencimento dos créditos operado pela declaração de falência – o que no caso dos autos se verificou em Janeiro e Junho de 2006 – o momento do vencimento dos créditos se deva aferir em função do contrato gerador da obrigação.
11. Considerou-se na douta sentença impugnada que no processo de que este é apenso está documentado que em Julho de 2004 o banco exequente enviou uma carta à sociedade “J. (…), Unipessoal, Ldª” denunciando o contrato e considerando vencida a obrigação, nos termos contratualmente acordados.
A nota de débito emitida pelo banco exequente e que complementa, como título executivo, o contrato de abertura de crédito reflecte, aliás, tal facto ao indicar a data de 2 de Julho de 2004 como a de início de contagem de juros à taxa convencionada acrescida de 4%, como previsto no contrato.
A ora apelante não questiona tal facto, resultando das suas alegações que o que tem por relevante não é tal data mas sim a data da “justificação dos créditos” nos dois processos de falência.
Pelo que já atrás ficou dito, somos a concluir que não assiste razão à ora apelante nessa questão.
E aceitando que o vencimento da obrigação de pagamento de capital ocorreu em Julho de 2004 há que concluir que na data da citação da ora apelante (18 de Novembro de 2008) para os termos da execução, não tinha ainda decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 310º do Código Civil.
Improcedem, também nesta parte as conclusões das alegações da apelante.
12. Em conclusão, o contrato de abertura de crédito ajuizado constitui título executivo bastante porque complementado, nos termos previstos no próprio contrato, com a nota de débito da qual consta o montante da obrigação em dívida; a fiança prestada pela apelante não é nula por impossibilidade de determinação do seu conteúdo, nem se extinguiu por novação objectiva da obrigação; a fiadora não pode recusar ao credor a satisfação da garantia prestada com base no agravamento dos riscos da fiança; não se encontra prescrita a obrigação cuja satisfação foi garantida pela oponente, ora apelante.
A oposição não tem fundamento e a apelação improcede, sendo de confirmar a douta sentença impugnada.

III – DECISÃO
Pelo exposto acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a douta sentença impugnada.

Custas pela apelante (artigo 446º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 5 de Maio de 2011

Manuel José Aguiar Pereira
José da Ascensão Nunes Lopes
Gilberto Martinho dos Santos Jorge