Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
463/07.3TVLSB.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: MÚTUO
PRESTAÇÃO
INTERPELAÇÃO
VENCIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O que está em causa, no caso de uma dívida fraccionada em prestações, não é se a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, mas sim, o saber se é ou não necessário a interpelação do devedor para que este benefício concedido ao credor se efective.

II. No caso de dívida fraccionada em prestações, o artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que, na falta de pagamento de uma das prestações, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

A, SA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 15.182,15 acrescida de € 1.071,32 de juros vencidos até ao presente - 25 de Janeiro de 2007 - e de € 42,85 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 15.182,15 se vencerem, à taxa anual de 27,40%, desde 26 de Janeiro de 2007 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e, ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.

Para o efeito, alegou o A. que no exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pela Ré, à aquisição de um veiculo automóvel, da marca , com a matrícula , por contrato constante de título particular datado de 27 de Abril de 2006, concedeu à mesma crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado a importância de € 9.550,00. Nos termos do contrato assim celebrado entre o A. e a Ré aquele emprestou a esta a dita importância de € 9.550,00, com juros à taxa nominal de 23,40% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, serem pagos em 60 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 280,58 cada, com vencimento, a primeira, em 10 de Junho de 2006 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela referida Ré para o seu Banco - via transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pelo ora A. Foi expressamente acordado que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais. Foi acordado entre o A. e a Ré que, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 23,40% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 27,40%. O A. é uma instituição de crédito. Das prestações acordadas a Ré não pagou a primeira e seguintes, vencida a primeira a 10 de Junho de 2006, vencendo-se então todas.

A Ré entregou ao A. o veículo referido, para que este diligenciasse proceder à respectiva venda e creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que a Ré lhe devesse. Em 23 de Outubro de 2006, a Ré, por intermédio do A., procedeu à venda do veículo automóvel acima referido pelo preço de € 3.426,97 importância que imputou nos montantes em dívida.

Atenta a entrega referida no anterior artigo e o disposto no artigo 785° do Código Civil, entende que a Ré ficou ainda a dever-lhe a quantia de € 15.182,15 relativamente às prestações em dívida do dito contrato. Apesar de instada para pagar este seu débito, a Ré não o fez.

Citada, com a advertência que a falta de contestação implicaria a confissão dos factos articulados pela A., a Ré não apresentou qualquer defesa.

Por despacho de fls. 25 foram declarados confessados os factos alegados pela Autora, nos termos dos art°s 480° e 484°, n° 1 do Código de Processo Civil, à excepção daqueles que só documentalmente poderiam ser provados.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de Euros 2.244,64 correspondente a 8 prestações vencidas (8 x Euros 280,58), acrescidas de juros de mora desde a data de vencimento da cada uma delas (no dia 10 de cada mês) até integral pagamento, à taxa convencionada, que é de 27,40% (aqui se incluindo já a cláusula penal acordada), acrescida do imposto de selo respectivo, quantia essa a que deverá ser descontada a quantia de Euros 3.426,97, já recebida pela Autora e relativa à venda do veículo, no mais absolvendo a Ré.

Inconformado, o A. apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1. Da análise do disposto no artigo 781° do Código Civil, e da alínea b) da cláusula 8' das condições gerais do contrato dos autos resulta que, para que se verifique o vencimento de todas as prestações basta que uma coisa suceda, basta que se verifique a falta de pagamento de uma delas, sendo que nada consta do mesmo que refira que para que se verifique o vencimento de todas as prestações tenha que haver interpelação expressa do credor ao devedor nesse sentido. De acordo com o disposto no referido artigo 781°, não é, pois, no entender do A. recorrente, necessária qualquer interpelação para que tal vencimento se verifique.

2. Deve aplicar-se integralmente aquilo que consta e foi expressamente acordado nas referidas condições gerais do contrato dos autos, ou seja, para além do mais e no que às "questões" em causa nos autos respeita, a aplicação do que consta da alínea b) da clausula 8.ª do dito contrato que dispõe que "A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes."

3. É, pois, inteiramente válido, legítimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida na sentença recorrida, que ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 405°, 781° e 805, todos do Código Civil, que assim violou.

4. Nestes termos, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso de apelação, e, por via dele, proferir-se Acórdão que revogue a sentença recorrida e que condene a R., ora recorrida, na totalidade do pedido contra ela formulado, como é de inteira

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II. FACTOS PROVADOS

1. O A., no exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pela R., à aquisição de um veículo automóvel da marca , com a matrícula , por contrato constante de título particular datado de 27 de Abril de 2006, concedeu à dita R. crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado à dita R. a importância de € 9.550,00.

2. Nos termos do contrato assim celebrado entre o A. e a referida R., aquele emprestou a esta a dita importância de € 9.550,00, com juros à taxa nominal de 23,40% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como o imposto de selo de abertura do crédito e o prémio do seguro de vida, ser pagos, na sede do A., nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Junho de 2006, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.

3. De harmonia com o acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela referida R. para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária sediada em Lisboa logo indicada pelo ora A..

4. Consta da cláusula 8, b) das Condições Gerais do contrato a fls. 23 que: "A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes".

5. Consta da cláusula 8; c) das Condições Gerais do contrato a fls. 23 que: "Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora".

6. A referida R., das prestações referidas, não pagou a 1ª e seguintes, ou seja, nenhuma, vencida, a primeira, em 10 de Junho de 2006.

7. A referida R. não providenciou às transferências bancárias referidas - que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a referida R., ou quem quer que fosse por ela, as pagou ao A..

8. Conforme expressamente consta do referido contrato a fls. 22, o valor de cada prestação era de € 280,58.

9. Instada pelo A. para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, bem como o imposto de selo incidente sobre estes juros, a R. fez entrega ao A. do dito veículo automóvel , para que o A. diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que a dita R. lhe devesse, e ficando esta R. de pagar ao A. o saldo que se viesse a verificar ficar então em débito.

10. Em 23 de Outubro de 2006, a R., por intermédio do A., procedeu à venda do veículo automóvel, pelo preço de € 3.426,97, tendo o A., conforme acordado com a R., ficado para si com a dita quantia de € 3.426,97, por conta das importâncias que a dita R. lhe devia.



III. FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal de recurso apenas pode conhecer das questões que lhe são colocadas pelas partes, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso. É este princípio que impõe que não se tenham em consideração as posições jurídicas desenvolvidas na sentença em apreciação, em relação ás quais se tem expressamente tomado posição distinta, e que não foram objecto de recurso por parte da Apelante.

Expressa esta ressalva, a apreciação deste recurso encontra-se compaginada à questão de se saber se, no caso de dívida fraccionada em prestações, o artigo 781.º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a falta de pagamento de uma das prestações importa o automático vencimento das restantes, sem necessidade de interpelação do devedor para o efeito ou se, pelo contrário, é necessário a interpelação do devedor para se converter a exigibilidade das prestações futuras em vencimento imediato e automático.

Conforme decorre da sentença proferida, trata-se de questão que tem dividido doutrina e jurisprudência não sendo, pois, de solução pacífica.

Tomando posição, entendemos que a solução defendida na sentença em apreciação é a mais conforme com a letra da lei, na esteira também das diversas citações da doutrina e jurisprudência ali mencionadas, em conformidade com o que se passa a expor.

A redacção da cláusula 8.ª, alínea b) do Contrato de Mútuo referido nos autos encontra-se inserida em suporte documental assinado pelo devedor e, nessa medida, é válida. O seu teor corresponde, no essencial, à transcrição do artigo 781.º do Código Civil, como se passa a transcrever.

Cláusula 8.ª do Contrato de Mútuo: “A falta de pagamento de uma prestação da data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.

Artigo 781.º - “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Da leitura de ambas as disposições podemos concluir, tal como é maioritariamente defendido pela doutrina, que o que está em causa, no caso de uma dívida fraccionada em prestações, não é se a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, mas sim, o saber se é ou não necessário a interpelação do devedor para que este benefício concedido ao credor se efective.

Entende-se que deve ser dada resposta afirmativa a esta questão.

Com efeito, constituem realidades distintas a exigibilidade imediata das prestações em falta, com base na falta de pagamento pontual de uma das prestações, e a alteração automática dos prazos dessas mesmas prestações, situação esta última que pressupõe expressa interpelação para o seu pagamento antecipado. A alegação e prova deste facto incumbem ao credor, enquanto facto constitutivo do direito invocado e pressuposto necessário para que a exigibilidade das prestações se converta em vencimento efectivo.

Na ausência dessa interpelação, situação que é a da presente acção, o devedor apenas fica constituído em mora, em relação às prestações cuja data de vencimento ainda não tenham decorrido, nas datas dos respectivos vencimentos das prestações.

Entende-se, assim, ser de confirmar a decisão sob recurso.



IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pelo Apelante.


Lisboa, 12 de Maio de 2009

Dina Maria Monteiro
Isabel Salgado
Conceição Saavedra