Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
901/07.5TYLSB-D.L1-6
Relator: GILBERTO JORGE
Descritores: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: LEVANTAMENTO/QUEBRA DE SIGILO
Decisão: ORDENADO O LEVANTAMENTO DO SIGILO
Sumário: I- A protecção do segredo bancário assenta, entre outros aspectos, na necessidade de garantir o respeito pela vida privada e a dignidade do indivíduo, prossegue objectivos de política económica, caso de fuga de capitais, captação e segurança de poupanças e prende-se ainda com a manutenção da confiança do público no sistema.
II- Naturalmente que o cumprimento desses objectivos determina que o segredo bancário se fundamente nos princípios da boa-fé e tutela da confiança, nomeadamente, na formação e celebração dos contratos.
III- O sigilo bancário não é um direito absoluto, sendo facilmente compreensível e legalmente suportável o interesse na obtenção dos elementos bancários se tivermos em conta as funções do réu como administrador da autora e as suas eventuais participações em várias sociedades off shores, caso da “Suncoast International Inc” – situações jurídicas de conteúdo complexo e integradas por vários direitos e deveres, em que assumem, no entanto, principal importância os de natureza patrimonial.
IV- Os elementos bancários peticionados pela demandante são essenciais para o apuramento da verdade, para a realização dos objectivos da justiça, elementos esses que certamente justificarão a quebra do sigilo bancário.
V- Havendo colisão de direitos – art. 335.º n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil – deve prevalecer o direito que, socialmente, se situe num patamar de interesse (público) superior.
VI- O que vale por dizer que, na conciliação entre o dever de cooperação e o dever de sigilo, tais deveres terão de se compatibilizar à luz do princípio da prevalência do interesse predominante.
VII- O interesse público na boa administração da justiça tem, no caso sub judice, que prevalecer sobre o sigilo bancário atendendo, como vimos, ao particular relevo desse meio de prova.
(LS)
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

Corre termos no ... Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa uma acção declarativa na forma ordinária movida por “TM..., S.A.” contra B.... na qual termina pedindo que a mesma seja declarada procedente por provada e, consequentemente:
- Seja o réu condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos, ou se assim não se entender, a título de enriquecimento sem causa, o montante de € 507.705,30 ao qual deverão acrescer juros de mora à taxa legal, desde a citação do réu até efectivo e integral pagamento, nos termos do disposto no art. 559.º do Código Civil;
- Seja o réu condenado na sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829.º-A n.º 4 do Código Civil;
- E seja ainda o réu condenado nas custas devidas a juízo e procuradoria condigna.
Citado o réu veio defender-se por excepção e por impugnação, tendo a final pugnado: - pela procedência da excepção peremptória (da prescrição) invocada, absolvendo-o do pedido; - caso assim não se entenda, que seja julgada procedente a excepção dilatória (da ilegitimidade do réu) invocada, absolvendo-o consequentemente da instância; - e ainda que assim não se entenda, deve a presente acção ser julgada improcedente porque não provada, devendo o réu ser absolvido do pedido.
Mais requerendo que seja admitida a intervenção principal provocada passiva de C..., nos termos do art. 325.º e seguintes do C.P.C.
A autora replicou tendo a final pugnado pela procedência por provada da réplica, considerando-se não provadas todas as excepções invocadas pelo réu e quanto à intervenção principal provocada deverá decidir-se conforme de Direito tudo com todas as consequências legais e, quanto ao mais, conclui-se como na petição inicial.
Findos os articulados, nessa acção, foi proferido pela Mm.ª Juiz a quo douto despacho – vide fls. 54/56 – no qual:
- Foi dispensada a realização de audiência preliminar;
- Saneou-se o processo;
- Relegou-se para final, após a produção de prova, o conhecimento da excepção peremptória de prescrição;
- Julgou-se improcedente a arguida excepção de ilegitimidade, declarando-se a legitimidade “ad causam” do réu, B..., para litigar na acção;
- Julgou-se improcedente a pretensão do réu não se admitindo o chamamento de C... como associado do réu.

Seleccionou-se a matéria de facto dada como assente – vide fls. 56/59 – destacando-se as seguintes alíneas, tendo em conta o que agora nos ocupa:
A)
TM..., S.A. com sede na Av..., Cascais, tem como objecto social a “gestão, promoção, compra de prédios para revenda, aquisição de imóveis para beneficiações e reparações e posterior revenda, actividade conexas e similares na área imobiliária”.
C)
O réu, em 15.01.2001, foi eleito administrador da autora em assembleia-geral realizada para o efeito.
D)
O Conselho de Administração que, naquela data foi eleito até ao fim do triénio – 2001/2003 – o qual terminava em 31.12.2003, tinha a seguinte composição:
Presidente: C...;
Vogais. B... e D....
F)
Em 28.09.2001, a autora vendeu à sociedade P...., Ld.ª de que é sócio e gerente E...., a qual a adquiriu em regime de leasing através da BF..., S.A. o prédio urbano sito na Av.ª ...., Cascais, descrito na ... Conservatória de Registo Predial de Cascais sob o n.º ... da freguesia do Estoril e inscrito na matriz sob o n.º ....
H)
O preço acordado com a compradora foi de 285.000.000$00.
I)
Em 28.09.2001, no ... Cartório Notarial de Lisboa foi celebrada a escritura pública de compra e venda entre a autora e BI... – Sociedade de Locação Financeira S.A. pelo preço de 140.000.000$00 que foi pago através do cheque n.º ... da conta ... da BI.. emitido a 27.09.2001.
J)
Este cheque foi depositado nesse dia na conta da autora junto da Caixa ....
L)
Tendo o remanescente do preço acordado, 145.000.000$00 sido entregue, em 28.09.2001, por E...., em representação da sociedade P..., Ld.ª através do cheque bancário n.º .... da conta n.º ... do Banco ... passado à ordem da autora.
(…)
Organizou-se a base instrutória – vide fls. 59/64 – de que se destacam os seguintes quesitos, face ao que nos ocupa:
3.º)
Ao mesmo tempo que assumia as funções de administrador da autora, o réu foi assumindo directa ou indirectamente participações relevantes em várias sociedades, sempre off shores?
5.º)
O réu actuava e actua igualmente directamente e/ou por interpostos accionistas fiduciários com sociedades off shores de direito Inglês de Gibraltar e dos E.U.A:
a) “Flash International Limited”;
b) “Suncoast International Inc”, ambas com sede em …, Road Town, Tortola BV I;
c) “Cooper Service Company Limited” com sede em ..., Gibraltar;
d) “Monte Estoril LLC”, com sede em ..., Delaware, Estados Unidos da América;
e) “Barcelona LLC” com a mesma sede da anterior?
6.º)
As referidas sociedades são controladas directamente pelo réu como seu procurador?
7.º)
Ou através de terceiros seus mandatários?
8.º)
As referidas sociedades foram constituídas para excluir todo o património do réu incluindo as suas contas bancárias de que o mesmo é efectivamente titular?
12.º)
As negociações referidas supra, referentes à venda do imóvel foram conduzidas exclusivamente pelo réu, na qualidade de administrador da autora?
14.º)
Na sequência daquelas negociações acordou o réu com o referido E... que a escritura de compra e venda seria celebrada apenas por 140.000.000$00?
15.º)
O restante seria entregue a si e a C...?
16.º)
O réu e C... acordaram repartir entre si a quantia referida de 145.000.000$00, na proporção de 50 % para cada um?
17.º)
O cheque entregue por E... foi endossado pelo réu e por C...?
18.º)
E nunca foi depositado na conta da autora?
19.º)
O referido cheque, a pedido do réu, ficou desde logo em poder de C...?
20.º)
Que pessoalmente, na sequência do combinado entre ambos, o depositou no mesmo dia 28.09.2001, na conta da sociedade “Verna Finance LTD” através dos escritórios do banco K... de Lisboa, no K... Bank Trust Company Ltd, ... Grand Cayman – Cayman Islands?
21.º)
Ao mesmo tempo deu instruções a F..., funcionária do banco privado do K... para proceder à entrega da quantia de 72.500.000$00?
22.º)
Que no mesmo dia 28.09.2001 foi entregue ao réu?
23.º)
Essa quantia foi depositada numa conta de uma sociedade “off shore” conforme instruções que foram dadas à funcionária do K..., F...?
(…)
Saneado e condensado o processo, veio na fase da instrução a autora apresentar o seu requerimento probatório – vide fls. 65 – podendo ler-se no ponto IV o seguinte:
“(…) Requer ainda a V.Ex.ª, nos termos do n.º 4 do art. 519.º e 519.º-A do C.P.C. o levantamento do sigilo bancário e a consequente notificação ao K...., na Agência do Estoril, sita na Av.ª ... Estoril para nos termos do art. 519.º n.º 1 e 531.º do C.P.C. vir informar com referência à conta n.º ..., pertencente à sociedade off shore denominada “Suncoast Internacional, Inc.”:
a) Quem era o seu procurador ou quem tinha poderes para a movimentar entre 28.09.2001 e 02.10.2001;
b) Confirmar transferência/depósito para esta conta do montante de 72.500.000$00 entre 28.09.2001 e 02.10.2001;
c) Se esta transferência ocorreu nas instalações da Agência do Estoril do K.... e quem estava presente em representação da sociedade beneficiária “Suncoast International Inc” no momento da transferência/depósito e quem a representava no respectivo acto (…)”.
Em despacho proferido pela Mm.ª Juiz a quo – vide fls. 66/67 – escreveu-se do modo que segue:
“(…) Solicite ao K... as informações pretendidas, ao abrigo do disposto no art. 519.º do Cód. Proc. Civil, não estando em causa o âmbito de aplicabilidade do art. 519.º-A do Código Processo Civil, importando, em caso de escusa ter em atenção o disposto no n.º 4 do art. 519 do Cód. Proc. Civil (...)”.
O citado banco veio colocar objecções à satisfação do pedido – vide fls. 68 – sustentando que “(…) a matéria em questão está sujeita ao cumprimento do dever de sigilo regulado nos arts. 78.º e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, pelo que não pode depôr sobre as questões ali suscitadas (…)”.
A Mm.ª Juiz a quo lavrou, então, despacho – a fls. 69/72 – no qual refere, para além do mais, o seguinte:
“(…) As informações cuja prestação se pretende assumem interesse para a descoberta da verdade material nos autos, face ao objecto dos mesmos e ao pedido formulado pela autora, uma vez que está em causa neste processo, designadamente, a transferência de valores na conta cujas informações pretendidas se refere.
Face ao disposto no citado art. 135.º n.ºs 1 e 3 do Cód. Proc. Penal e ao supra referido interesse na prestação das informações, importa que seja suscitado o incidente de quebra do sigilo bancário perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
Nestes termos suscito o incidente de quebra do sigilo bancário invocado pelo K..., S.A. perante o Tribunal da Relação de Lisboa (…)”.

Recebidos os autos, foram colhidos os vistos legais dos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumprindo agora apreciar e decidir o que nada obsta.
II – Fundamentação de facto.
Os factos com relevo para apreciar e decidir são os constantes do relatório que antecede cujo teor aqui se dá por reproduzido.
III – Fundamentação de direito.
Como é sabido a protecção do segredo bancário assenta, entre outros aspectos, na necessidade de garantir o respeito pela vida privada e a dignidade do indivíduo, prossegue objectivos de política económica, caso de fuga de capitais, captação e segurança de poupanças e prende-se ainda com a manutenção da confiança do público no sistema.
Naturalmente que o cumprimento desses objectivos determina que o segredo bancário se fundamente nos princípios da boa-fé e tutela da confiança, nomeadamente, na formação e celebração dos contratos (art. 227.º do Cód. Civil), bem como expressa previsão nos arts. 78.º e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras.
Em termos evolutivos, o segredo bancário passou por um período de rigidez, durante a vigência do Dec. Lei n.º 2/78, de 09/01, que se caracterizou pela sobreposição do dever de sigilo ao dever de cooperação com a justiça.
Hoje em dia, a legislação vigente aponta para um regime de protecção do segredo bancário menos forte.
Neste sentido, atente-se no espírito informador da Reforma do C.P.Civil de 1995, em cujo relatório, do respectivo Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, se diz a dado passo o seguinte:
«(…) procurou introduzir-se alterações significativas, com vincados apelos à concretização do princípio da cooperação, redimensionado, não só em relação aos operadores judiciários, como às instituições e cidadãos em geral, adentro de uma filosofia de base de obtenção, em termos de celeridade, eficácia e efectivo aproveitamento dos actos processuais, de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, (…), assim se acentuará a vertente pública da realização da justiça e a permanência desse valor, na tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos, enquanto tal, e se respeitará o conteúdo intrínseco e próprio dos diversos sigilos profissionais e similares, legalmente consagrados. Não obstante, o mesmo interesse público, conatural à função de administração da justiça, como valor intersubjectivo e de solidariedade e paz social, legitimará que o interesse de ordem pública que também preside à estatuição de tais sigilos ceda em determinados casos concretos, mediante a respectiva dispensa – e isso mesmo, exactamente se consagra, admitindo a aplicação, ponderada em função da natureza civil dos interesses conflituantes, do regime previsto na legislação processual penal para os casos de legitimação de escusa ou dispensa do dever de sigilo (…)».
Ora, a actual redacção dada ao art. 519.º, do C.P.C. espelha precisamente a relevância do princípio da cooperação, legitimando-se a recusa, além do mais, quando a obediência importar intromissão na vida privada ou familiar ou violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos ou de segredo de Estado.
Isto, porém, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do referido artigo que determina, face à escusa, ser aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da causa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Ao encontro desse regime de protecção do segredo bancário menos forte temos também o art. 79.º do Dec. Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, segundo o qual os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente e, fora desse caso, os elementos cobertos pelo segredo bancário, só podem ser revelados ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários, ao Fundo de Garantia de Depósitos, em todos eles no âmbito das suas atribuições, nos termos previstos na lei penal e de processo penal e quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.
Obviamente que, para além da legislação ordinária, a nossa Lei Fundamental, assenta no princípio do Estado de Direito (art. 2.º), princípio que abrange um conjunto de regras fundamentais dispersas e, entre estas, contam-se a da reserva da função jurisdicional para os Tribunais, (art. 202.º), a da independência dos Tribunais (art. 203.º) e a da prevalência das decisões dos Tribunais sobre as de qualquer outra autoridade (art. 205.º), todos da Constituição da República Portuguesa.
Face aos considerandos e princípios de natureza jurídica acima descritos, importa agora descer ao caso concreto, atenta a factualidade delineada, nos pontos I e II deste acordão, parte dela já dada como assente e outra por controvertida ainda sujeita a prova.
Estamos em crer que os elementos bancários peticionados pela demandante são essenciais para o apuramento da verdade, para a realização dos objectivos da justiça, elementos esses que certamente justificarão a quebra do sigilo bancário.
Ora, tendo o Tribunal a quo ponderado o requerimento, apresentado pela autora na fase instrutória e decidido deferir tal pretensão, por certamente ter entendido que tais informações bancárias tinham interesse para a acção, ordenou por isso a notificação do Banco K... para as fornecer, a verdade também é que a ré não recorreu de tal decisão, antes se conformando com ela.
Porém, a persistir a recusa das informações, necessariamente, chegar-se-á a um impasse, já que a autora não terá forma de as obter.
Mas será que os elementos bancários pretendidos pela autora e deferidos pelo Tribunal a quo constituem uma violação aos acima enunciados princípios da confiança e da boa-fé?
Na verdade, conhecer-se a conta bancária de outrem, por princípio, constitui uma intromissão na vida privada dessa pessoa, seja singular ou colectiva.
Ora, o dever de informar – no dizer de Alberto Luís, in Direito Bancário, Livraria Almedina, Coimbra, pág.106 – “(…) representa um dos aspectos do dever que os cidadãos têm de colaborar na administração e na realização da justiça. Este dever coloca-se em relação às pessoas (singulares ou colectivas) que são partes de um processo, e também em relação aos terceiros que lhe são estranhos (…)”.
No caso “ sub judice “, as partes em litígio são a sociedade “TM...., S.A.” e o réu B... que foi seu administrador eleito em assembleia-geral realizada para o efeito a 15.01.2001.
Isto vale para dizer que estas são as pessoas que estão na “ esfera da descrição” e que por força das necessidades práticas e de acordo com os princípios gerais de direito estão associadas ou poderão ter interesse na gestão e, ou, no conhecimento das contas bancárias, e, por conseguinte, não podendo em relação a elas ser aposto o segredo bancário.
Dito de outro modo, é facilmente compreensível e legalmente suportável o interesse na obtenção dos elementos bancários se tivermos em conta as funções do réu como administrador da autora e as suas eventuais participações em várias sociedades off shores, caso da “Suncoast International Inc” – vide quesitos 3.º, 5.º a 8.º e 19.º a 23.º da base instrutória – situações jurídicas de conteúdo complexo e integradas por vários direitos e deveres, em que assumem, no entanto, principal importância os de natureza patrimonial.
Na verdade, o sigilo bancário não é um direito absoluto.
Como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 14.01.97, in BMJ 463.º-472 “(…) O direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra “o civilizado” art. 1.º do Cód. Proc. Civil , se privilegiasse a “justiça privada”) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente, o art. 519.º do C.P.C., quer antes , quer depois da recente reforma […] o pensamento legislativo seria no sentido de paralisar a acção dos tribunais na realização de direitos subjectivos, quando é certo que, ao invés, a ordem jurídica existe, justamente, como um conjunto de meios que deve conduzir à efectiva realização dos fins da actividade judicial previstos basicamente pelo art. 205.º da Constituição (…)”.
Acresce que havendo colisão de direitos – art. 335.º n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil – deve prevalecer o direito que, socialmente, se situe num patamar de interesse (público) superior.
O que vale por dizer que, na conciliação entre o dever de cooperação e o dever de sigilo, tais deveres terão de se compatibilizar à luz do princípio da prevalência do interesse predominante.
O interesse público na boa administração da justiça tem, no caso sub judice, que prevalecer sobre o sigilo bancário atendendo, como vimos, ao particular relevo desse meio de prova.
Por tudo quanto se deixou dito, afigura-se-nos que, no conflito entre os interesses do cliente à reserva sobre os dados e informações que o Banco K... possui relativamente às suas relações com ele e o interesse de terceiros ou simples particulares em tomar conhecimento desses dados e informações, se aceita – no caso em apreço – o pendor público da realização da justiça em detrimento da tutela dos interesses privados; prevalecendo, consequentemente, o dever de cooperação com o Tribunal de Comércio de Lisboa sobre o dever de sigilo bancário.
IV – Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em dispensar o Banco K... do cumprimento do dever de segredo profissional, determinando que esta instituição forneça as informações que, oportunamente, lhe foram solicitadas pelo Tribunal onde pende a causa.
Sem custas.
Lisboa, 19 de Novembro de 2009
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
José Eduardo Miranda Santos Sapateiro
Maria Teresa Batalha Pires Soares