Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | VASQUES OSÓRIO | ||
Descritores: | FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE DE SENTENÇA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/18/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ANULADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | Iº É face à construção jurídica constante da acusação que deve ser aferida a legitimidade do Ministério Público; IIº De acordo com o art.374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal; IIIº O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada; IVº Limitando-se o tribunal a fazer uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, sem qualquer referência à credibilidade que cada um deles tenha merecido e às razões do respectivo merecimento, falta o exame crítica das provas; Vº Não existe completa indicação das provas quando, constando dos autos várias dezenas de documentos, o tribunal se limita a remeter para todos eles, sem especificar que concretos documentos relevaram e para que pontos de facto concretos, quando existem nos autos documentos que se contrariam mutuamente em aspectos relevantes; VIº Não tendo o tribunal indicado completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al.a, com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP; | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO No 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca do … , o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A ..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, a), do C. Penal, e de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do mesmo código. A demandante civil B…., Lda., deduziu pedido de indemnização contra o arguido, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 25.053, acrescida de juros à taxa de 4%, desde a notificação do pedido e até integral pagamento. Por sentença de 25 de Março de 2010, foi o arguido condenado, pela prática dos imputados crimes, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão e 1 ano de prisão, respectivamente, e em cúmulo, na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. Mais foi o arguido condenado no pagamento à demandante civil de uma indemnização no montante de € 21.553, acrescida de juros de mora desde o trânsito da sentença e até integral pagamento. * Inconformado com a decisão dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação, e depois de convidado a completá-las, as seguintes conclusões: “ (…). Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que a sentença recorrida se encontra devidamente fundamentada, fez uma correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, concluindo pelo não provimento do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida. * Respondeu também ao recurso a demandante civil, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: “ (…). * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que, não obstante o convite efectuado, o recorrente continuou a não dar cumprimento adequado aos ónus previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, o que inviabiliza o pretendido reexame da matéria de facto, e aderindo, quanto ao mais, à argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluindo pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, sendo por isso, entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103). Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A ilegitimidade do Ministério Público face à inexistência de queixa relativamente ao crime de burla; - A contradição insanável da fundamentação; - A errada decisão proferida sobre a matéria de facto, e o não preenchimento dos tipos imputados. * Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão recorrida. Assim: A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: “ (…). 1º O arguido foi admitido na empresa "…, Lda" em 1/03/1991 para, sob a autoridade e direcção desta, exercer as funções de electricista. 2º O arguido exerceu a sua actividade nesta firma até ao dia 27 de Janeiro de 2007, data em que rescindiu o seu contrato de trabalho. 3º A empresa "…., Lda" promove a venda e os seus funcionários, entre os quais se encontrava o arguido, prestam assistência com total exclusividade, a nível nacional e internacional, de centrais telefónicas e demais equipamentos e soluções de comunicação da marca " …", nomeadamente as centrais telefónicas …. 4º Estes equipamentos da marca "…" são distribuídos, comercializados e vendidos, em exclusividade, a nível nacional e nos PALOP, pela queixosa "….", com sede na Rua ….. 5º As centrais telefónicas … só funcionam com placas e equipamentos distribuídos pela queixosa de marca "….", nomeadamente as correspondentes aos modelos ….. 6º Para garantir a inviolabilidade do equipamento da queixosa, o mesmo só pode ser aberto e selado com um alicate de selagem de equipamento que é produzido e detido de forma exclusiva pela queixosa. 7º Todas as placas, demais equipamento telefónico, bem como o alicate de selagem encontravam-se nos armazéns da delegação da "…." na …, sita na Rua …. 8º Ora, entre finais de 2006 e 19 de Março de 2007, em data não determinada e por modo também não apurado, o arguido subtraiu doze placas de integração em centrais telefónicas, modelo …., com a referência específica …. e um alicate de selagem de equipamento, tudo propriedade da queixosa, fazendo-os seus, sem o conhecimento e contra a vontade desta, com a ilegítima intenção de apropriar-se dos mesmos. 9º Cada uma das aludidas placas tem o valor de mercado de 1.641,25 € (mil, seiscentos e quarenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), sendo, assim, o valor total das placas o de 19.695 € (dezanove mil e seiscentos e noventa e cinco euros). 10º Por sua vez, o alicate de selagem tem o valor de 250 € (duzentos e cinquenta euros). 11º O arguido subtraiu as aludidas placas e o alicate de selagem, apropriando-se dos mesmos, por forma a poder ele próprio prestar assistência a equipamentos vendidos pela queixosa, a clientes desta, vendendo-as aos mesmos e fazendo seu o produto da venda. 12º O arguido já havia concebido este plano de acção em 2006, tanto que em Agosto de 2006 contactou os responsáveis pela farmácia …, sita na …, referindo que teria havido uma alteração no mercado de telecomunicações a nível de representações do material da queixosa que havia sido instalado, referindo, ainda, que outras empresas poderiam comercializar e vender a instalação dos aludidos equipamentos. 13º Dando a conhecer a esta cliente da queixosa o seu número pessoal de telemóvel, referindo expressamente que tal seria a melhor forma de contactar a queixosa em caso de urgência no pedido de uma assistência técnica. 14º Ora, no dia 17 de Março de 2007 os responsáveis pela Farmácia …. contactaram os serviços da queixosa para que esta procedesse à realização de uma assistência técnica à central telefónica que haviam adquirido. 15º Como era Sábado e não se encontrava ninguém na delegação, ligaram também para o arguido, o qual prontificou-se a comparecer nas instalações da dita Farmácia …, na segunda-feira, dia 19 de Março de 2007, para efectuar a assistência técnica, fazendo-se passar por técnico da …. 16º O arguido abriu a central telefónica, substituiu a placa da central por outra, modelo …, com a referência específica …, que tinha subtraído à queixosa, e voltou a selar a central telefónica. 17º Tendo prestado este serviço através da empresa "…, Lda." e emitindo até uma factura com a mesma data. 18º Assim, o arguido utilizou e vendeu à Farmácia … uma placa que havia subtraído ilegitimamente à queixosa, fazendo-se passar por funcionário ou representante da ….. por forma a prestar a assistência técnica à central telefónica da Farmácia ….. 19º Como consequência deste trabalho o arguido deixou os telefones da central desconfigurados com a língua espanhola activa, violando, também, o equipamento selado pela queixosa e voltando a selá-lo, utilizando, ainda, o alicate de selagem que subtraiu ilegitimamente à queixosa, para que esta, em posteriores assistências, não se apercebesse da situação. 20º O equipamento da farmácia … encontrava-se selado por forma a garantir a inviolabilidade do mesmo face ao termo de responsabilidade prestado pela queixosa para garantia do seu bom funcionamento. 21º O arguido, fazendo-se passar por funcionário ou representante da …, fez com que a Farmácia … adjudicasse os seus serviços, obtendo uma remuneração pelos mesmos, causando, assim, um prejuízo directo à queixosa, que viu-se impedida de prestar assistência a um equipamento que comercializa e presta assistência, com a agravante de o ter feito com uma placa que tinha retirado à queixosa. 22º O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente. 23º Quis fazer seus bens pertencentes à queixosa, bem sabendo que assim actuava contra a vontade desta. 24º Bem sabia que com a sua conduta de, perante terceiros, se fazer passar por técnico da queixosa iria causar um prejuízo patrimonial à queixosa. 25º Persuadiu e convenceu terceiras pessoas de que era um técnico credenciado da queixosa, a fim de assim conseguir levar a cabo os seus intentos, que era obter uma vantagem patrimonial ilegítima. 26º Como consequência da conduta do arguido a queixosa deixou de prestar assistência técnica à Farmácia …, assim sofrendo um prejuízo monetário de 108 € (cento e oito euros), sendo 59 € (cinquenta e nove euros) correspondentes a uma hora técnica e 49 € (quarenta e nove euros) relativos à deslocação do técnico. 27º Tinha conhecimento, por último, que a sua conduta era proibida e punida por lei. [MAIS SE PROVOU QUE:] 7- O arguido não tem antecedentes criminais cfr. CRC de fls. 260, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 8- O arguido negou os factos. 9- O arguido está desempregado, trabalhando ocasionalmente em telecomunicações, vive só numa casa pela qual paga 300 € de renda e tem o 6º ano de escolaridade. [DO PEDIDO CIVEL:] 10- Artºs 1º. a 11º. 11- artº 15º a 28º. 12- artº 33º a 47º. 13- artº 51º a 53º. (…)”. B) Foram considerados não provados os seguintes factos: “ (…). Do Pedido Cível: - Artºs 11º a 14º. - artºs 48º a 50º. (…)”. C) E dela consta a seguinte motivação da convicção: “ (…). A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos tudo isto conjugado com as regras da experiência e da lógica do próprio julgador. Deste modo, a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados, e não provados, resultou da análise crítica da conjugação das declarações do arguido com os depoimentos das testemunhas, bem assim como da análise dos documentos juntos aos autos. O arguido, negou os factos referindo que não disse à Farmácia que era ainda trabalhador da … e que a placa que lá colocou foi de uma empresa que faliu, a …, que lhe cedeu a sua placa da marca …. Não se recorda se a placa da Farmácia estava selada ou não, mas não tinha nenhum alicate consigo da demandante pois entregou tudo quando saiu. No início era a única pessoa que tinha a chave do armazém, mas depois começou a deixar lá a chave, numa gaveta que não estava trancada e qualquer pessoa tinha acesso. Mais acrescentou que numa fase má da sua vida, 2 anos antes destes factos, tirou dinheiro da …, mas já repôs tudo, contudo tiraram-lhe a chave da empresa. ….. era chefe de vendas na demandante, e conhece o arguido desde 1991, pois foram colegas de trabalho. O arguido é que tinha a responsabilidade da chave do armazém e também das instalações, até sair. Só ele tinha acesso ao armazém. Teve conhecimento que o arguido prestou assistência à Farmácia …, porque a situação lhe foi reportada. Mais acrescentou que o equipamento em causa vem selado e a demandante é a única que comercializa essas placas, mais nenhuma outra. Referiu que cada alicate tem o número de funcionário e confirmou o valor de cada placa. Que veio ao … fazer a «stockagem» do material, logo a seguir à saída do arguido, e verificou que faltavam 12 placas, assim como o alicate pertencente ao arguido. O arguido deixou o equipamento a falar em espanhol, na farmácia prejudicando muito a imagem da demandante. Desconhece se algum dia lhe foi retirada a chave da empresa. … é director operacional da demandante. Conhece o arguido da empresa, já não se recorda porque ele ali deixou de trabalhar e nada sabe de relevante para os factos. …, é empresário e já não trabalha para a …. Não conhece o arguido pessoalmente. Recorda-se que tinha uma chamada não atendida no fim de semana, da Farmácia … e 2ª feira telefonou para lá tendo-lhe sido dito que o problema já estava resolvido porque o arguido lá tinha ido, como funcionário da …. Verificou depois, que os selos da placa tinham sido arrancados, e a placa da farmácia tinha sido trocada por outra. Qualquer alicate corta o selo. … é programador da … e presta assistência exclusiva à …. A central telefónica é formada por um conjunto de placas e só a … é que as tinha, mais ninguém. Havia alicates de selagem numerados para cada funcionário. Se o cliente resolver vender a sua placa a alguém, pode fazê-lo, tem é que a mesma ser programada e configurada. … é o responsável pelo serviço de apoio a clientes da ... e trabalha em exclusividade para a …, que tem a exclusividade daquelas placas. Confirmou ainda o valor das placas e do alicate. Sabe que a farmácia fez o contacto num Sábado e na 2ª feira quando os contactaram disseram que o arguido já lá tinha ido, e ainda que eles pensaram que ele ainda era seu funcionário e o mesmo não desmentiu. Não sabe como ele tinha aquela placa. Facturou a placa em valor inferior. Suspeitaram logo que ele a havia retirado da empresa e confirmaram quando fizeram a contagem das placas e, em vez de 15 estavam 3. Só o arguido tinha conhecimentos para efectuar esse trabalho e a empresa ficou muito prejudicada. Houve queixas de desconfiguração, que só pode ter sido feita pelo arguido. O arguido tinha a chave do armazém. …. é electricista desde 1989, e trabalhou 18 anos com o arguido. O arguido era programador e tinha que dar assistência aos clientes, e instalava placas. Quando foi à Farmácia …, disseram-lhe que o arguido já lá tinha estado de manhã e que já estava arranjado. O selo é a garantia do cliente e todos os funcionários têm um alicate de selagem. Só o arguido tinha a chave do armazém e só o arguido tinha formação técnica. Confirmou os preços da assistência técnica e deslocação. O alicate, o arguido entregou porque foi o depoente que levou o material para Lisboa, mas lembra-se que houve um alicate que desapareceu …., proprietária da farmácia …, referiu que teve problemas com a central há cerca de 2 anos, como tinha o telemóvel do arguido porque ele lhe tinha dado, ele disse que ia lá na 2ª feira e foi de manhã e arranjou, aliás já tinha sido ele a montar a central. Ele era a cara de …. À tarde apareceram lá os técnicos da … e ela ficou muito admirada. Foi nessa altura que lhe disseram que o arguido já lá não trabalhava. Igualmente lhe disseram que ela tinha perdido a garantia da central uma vez que o selo tinha sido violado. Depois assinou (o seu filho assinou) uma carta que lhe deu a garantia de volta, que é a carta de fls. 21 com a qual foi confrontada. Mais tarde fez obras na Farmácia e retirou aquela central, mas não foi por se ter zangado com a queixosa foi apenas por questões de compatibilidade com a ANF. …, trabalha para a … desde 92, e recorda-se do arguido. Ele era o responsável único pelo armazém: que saiba mais ninguém tinha a chave. Quando ele saiu entregou as chaves da empresa e o telemóvel. Relativamente aos factos, só sabe que houve um pedido de assistência no fim-de-semana e que depois foram lá o técnico e o comercial. Confirmou igualmente os valores cobrados pela assistência. Nada sabe relativamente a teleassistência, placas e alicate. Agora é o técnico … que tem a chave. … é também dono da Farmácia … e é filho de …. Faz a gerência da farmácia. Recorda-se da carta de fls. 21 e confirma que a assinou. Não estava na Farmácia quando foram fazer a assistência, e não se recorda da factura de fls. 22. Da parte da tarde já se encontrava na farmácia e recorda-se dos técnicos da … irem lá e dizerem que aquela central não era deles. …, foi patroa do arguido desde Janeiro de 2007, agora o arguido já não trabalha para si, saiu em Julho ou Agosto de 2009. Não sabe como foi adquirida a placa e colocada porque não é ela que faz as compras. O seu marido é que contratou o arguido e o arguido andava com o livro de facturas e confirma a factura 17, de fls. 542. O seu marido, …, refere que o arguido trabalhava para si desde Janeiro de 2007 e até há cerca de 2 meses. Relativamente à placa em questão apenas sabe que lhe fez uma transferência para ele comprar material para uma central, a pessoa conhecida, mas não tem conhecimento de que ele tenha comprado alguma coisa à …. Confiava nele mas agora já não confia. Confrontado com a factura de fls. 17 diz que não sabe onde ele foi buscar esse material. Não usam material de retoma e o técnico que instala a nova placa é que faz a retoma da antiga. … é conhecido do arguido e foi funcionário da … . Saiu em 2006 (Março ou Abril). Refere que a chave do armazém estava sempre numa gaveta e qualquer pessoa podia ir lá até a senhora da limpeza usava a chave para guardar o material de limpeza. Sabe que dantes ele tinha a chave das instalações mas ele fez «umas asneiras» ( ficou com dinheiro das assistências ) e retiraram-lhe as chaves. O depoente continua a trabalhar nesta área e afirma que só a … vende aquele material. Todos os anos era feita a contagem do material no armazém. Depois faziam um ficheiro em Excel e enviavam à Delegação do Porto. Era ele e o … que faziam o inventário. Na altura em que saiu havia no máximo uma ou 2 placas daquelas no armazém. Na altura já estava a ser comercializado outro género de equipamento diferente do da farmácia, que já praticamente não havia. Para vender era necessária uma requisição. Confirmou o preço da placa. Explicou ainda a diferença entre Back up e teleassistência. Fls. 274 e 275 é o mapa dos serviços concluídos. Fls. 276 são as placas instaladas nos clientes. O cliente … tinha uma placa 4 Brio, e o arguido disse-lhe que eles tinham fechado e que lhe venderam material. Confirmou os preços da assistência e deslocação. As condições sócio económicas do arguido resultaram provadas pelas suas declarações, e os antecedentes criminais pelo CRC junto aos autos. Foi ainda relevante a análise de todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente as guias de transporte de fls. 452 a 501 que comprovam o envio de 30 placas 4 Brio para o … e o teor de fls. 502 que reflecte as que iam saindo. Apenas não resultaram provados alguns artigos do pedido cível, por absoluta falta de prova, e outros nem se fez menção por serem conceitos de direito ou conclusivos. (…)”. Da ilegitimidade do Ministério Público quanto ao crime de burla 1. Diz o arguido, na conclusão V da motivação do recurso, que o crime de burla pressupõe a queixa da burlada Farmácia …, queixa que não existiu. Ainda que o arguido não tenha extraído qualquer consequência processual desta afirmação, é evidente que, com ela, suscita a legitimidade do Ministério Público para a promoção do procedimento criminal por tal crime. Vejamos então, se lhe assiste razão. Ao arguido é imputada a prática, além do mais, de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do C. Penal. Este crime tem natureza semi-pública pois, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, o procedimento criminal depende de queixa. Quando o procedimento criminal depende de queixa, tem legitimidade para a apresentar, salvo disposição da lei em contrário, o ofendido, sendo considerado como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (art. 113º, nº 1, do C. Penal). O crime de burla é um crime contra o património em geral que tem como bem jurídico tutelado, o património, globalmente considerado, entendido este como o conjunto de bens ou utilidades com valor económico detidos por um cidadão e protegidos ou, pelo menos, tolerados, pela ordem jurídica. O ofendido do crime de burla é pois, apenas e sempre, o titular do património afectado com o seu cometimento. Sendo a burla um crime de execução vinculada, resulta da análise do respectivo tipo que, se em regra, coincidem as pessoas do burlado e do ofendido, o seu preenchimento não depende, necessariamente, da reunião destas duas qualidades na mesma pessoa, como claramente resulta de no art. 217º, nº 1, do C. Penal se prever que o errante [o burlado] pratique acto causador de prejuízo a terceiro [o ofendido]. Posto isto. A Farmácia … não deduziu qualquer queixa nos autos, e nem o poderia fazer, pois trata-se de mero estabelecimento comercial e não, de pessoa jurídica. Mas o titular do estabelecimento que é, de acordo com os elementos que se colhem nos autos, a testemunha …, também o não fez, como decorre do auto de inquirição de fls. 35. É pois seguro que a única queixa que existe nos autos foi deduzida pela … –, Lda., a fls. 2 a 7. Da leitura da acusação pública, designadamente, do seu art. 21º, resulta que o crime de burla foi perspectivado como tendo a qualidade de enganada e portanto, de burlada, a Farmácia … [erradamente, como decorre do que acima se disse, na medida em que teria tal qualidade a sua titular, a testemunha …] e como sendo a prejudicada, e por isso, tendo a qualidade de ofendida, a …. Com efeito, na acusação não é conferida à titular da Farmácia … a qualidade de prejudicada e ofendida. A legitimidade do Ministério Público tem que ser aferida em função da construção jurídica constante da acusação, sendo evidente que, quem deduziu a queixa é quem nela, acusação, tem a qualidade de ofendida relativamente à burla, a sociedade …. Concluindo, atento o disposto no art. 49º, nº 1, do C. Processo Penal, tendo a ofendida … deduzido queixa, tem o Ministério Público legitimidade para a promoção do procedimento criminal relativamente ao crime de burla. * Da contradição insanável da fundamentação 2. Diz o arguido, na conclusão XVII da motivação do recurso que existe uma contradição entre os factos provados da sentença, na medida em que, por um lado, se considerou provado que deixou de trabalhar na … em 27 de Janeiro de 2007 [ponto 2 dos factos provados], e por outro, se considerou provado que o furto ocorreu entre finais de 2006 e 19 de Março de 2007 [ponto 8 dos factos provados]. Vejamos se lhe assiste razão. Os vícios da decisão previstos no nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, entre os quais se inclui, na sua alínea b), o da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum isto é, a decisão tem que ser auto-suficiente na sua demonstração. Verifica-se o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão quando existe oposição, incoerência, discordância, entre a matéria de facto dada como provada [v.g., são considerados como provados dois factos contraditórios], entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada [v.g., o mesmo facto é, simultaneamente, considerado provado e não provado], entre a fundamentação probatória da matéria de facto e ainda entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando, após a realização de um raciocínio lógico, se conclui que a fundamentação conduz a uma decisão oposta à que foi tomada, ou se conclui que a decisão, face à incompatibilidade dos fundamentos invocados, não é esclarecedora]. Do que acaba de ser dito logo se conclui que a sentença não enferma do apontado vício. Com efeito, está subjacente ao raciocínio do arguido o pressuposto de que o crime de furto que lhe é imputado só poderia ser por si cometido, quando ainda se encontrava ao serviço da ofendida. Logo, dando-se como provado que o crime foi cometido em data não apurada mas compreendida num período temporal que, em parte, vai para além da data em que cessou funções na ofendida, demonstrada estaria a contradição, Mas não é assim. Na verdade, a cessação de funções do arguido na ofendida não é circunstância, nem lógica, nem necessariamente, impeditiva do cometimento do crime, pelo que o facto de ter cessado funções em 27 de Janeiro de 2007 não permite concluir que a partir de então, deixou de ter acesso, legítimo ou ilegítimo, às instalações da ofendida. Por isso, inexiste qualquer contradição entre os dois apontados factos provados. Em síntese conclusiva, não enferma a sentença recorrida do vício previsto na alínea b), do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, nem se evidencia que padeça de qualquer outro dos vícios previstos no mesmo número. * Da nulidade da sentença 3. O C. Processo Penal estabelece, no seu art. 379º, um regime específico das nulidades da sentença. Assim, e nos termos das três alíneas do seu nº 1, é nula a sentença penal quando, não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos arts. 358º e 359º, e quando o tribunal omita pronúncia ou exceda pronúncia. Não sendo pacífica a interpretação do nº 2, do art. 379º, do C. Processo Penal quanto ao conhecimento destas nulidades, estamos com os que entendem ser oficioso tal conhecimento. Tudo isto porque, como procuraremos demonstrar, a sentença recorrida enferma da primeira das referidas nulidades isto é, encontra-se insuficientemente fundamentada. 3.1. O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. Mas é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto. Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal – os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. No que especificamente respeita à sentença – acto decisório do juiz por excelência – o art. 374º, do C. Processo Penal, enunciando os seus requisitos, dispõe no seu nº 2: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”. A fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma, é composta por dois grandes segmentos: - Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados; - Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo. A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – o que não exige, relativamente à prova por declarações, a realização de assentadas tendo por objecto os depoimentos produzidos em audiência – bem como a análise crítica de tais provas. Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada. Posto isto. 3.2. Da sentença recorrida consta a enumeração dos factos provados e não provados, ainda que de forma não isenta de crítica, na medida em que todos os factos provados relativos ao pedido de indemnização civil, e os factos não provados relativos ao mesmo pedido constam, não de forma especificada, mas por mera remissão. No que respeita à indicação das provas, consta da sentença que «a formação da convicção deste Tribunal, quanto aos factos dados como provados, e não provados, resultou da análise crítica da conjugação das declarações do arguido com os depoimentos das testemunhas, bem assim como da análise dos documentos juntos aos autos.». Seguem-se sínteses das declarações do arguido, e dos depoimentos das testemunhas … . E encerra-se, referindo-se a relevância do certificado do registo criminal dos autos para os antecedentes criminais do arguido, e ainda ter sido relevante «a análise de todos os documentos juntos aos autos, nomeadamente as guias de transporte de fls. 452 a 501 que comprovam o envio de 30 placas 4 BRIO para o … e o teor de fls. 502 que reflecte as que iam saindo.». Ora, e ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, não se mostra feita a indicação completa das provas, nem, em absoluto, o exame crítico das mesmas provas, que formaram a convicção do tribunal. Não se mostram indicadas de forma completa as provas porque a indicação da prova documental é deficiente. Com efeito, constando dos autos várias dezenas de documentos, o tribunal a quo remete para todos eles (!) e limita-se a especificar, para além do CRC, os de fls. 452 a 501 [trata-se de uma caderneta de guias de remessa de demandante civil, da qual releva apenas a guia de fls. 492, com data de 16 de Novembro de 2004, respeitante, além do mais, a trinta placas 4 BRIO, destinadas à mesma, delegação do …] e 502 [trata-se do registo de entradas e saídas de placas 4 BRIO, das instalações da demandante, no …, do qual parece resultar que, entre 22 de Novembro de 2005 e 19 de Março de 2007 – data referida no ponto 8 dos factos provados – a demandante civil não vendeu nenhuma placa (!)]. Que outros concretos documentos relevaram, e para que efeitos relevaram isto é, para que concretos factos provados contribuíram, directa ou indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção é o que se desconhece porque a fundamentação da sentença não o diz. Que todos os documentos tenham relevado é algo que dificilmente terá ocorrido pois que muitos serão absolutamente irrelevantes para o objecto do processo [é o caso, para não irmos mais longe, das guias de remessa que nada têm a ver com os equipamentos enviados para o …]. E, por outro lado, existem nos autos documentos que se contrariam mutuamente, e em aspectos de manifesta relevância [por exemplo, a assistência feita a equipamento do qual, na versão do arguido, terá retirado a placa que colocou na central da Farmácia …, e a informação da PT sobre a data em que cortou a linha telefónica daquele equipamento], desconhecendo-se se, e por que razão, determinaram o tribunal num ou noutro sentido. E também não se mostra feito o exame crítico das provas que fundaram a convicção do tribunal recorrido, excepção feita, aos três documentos supra referidos [o CRC e os documentos de fls. 492 e 502]. Na verdade, tal exame crítico não pode traduzir-se numa simples afirmação como a que acima se transcreveu, como se de uma profissão de fé do tribunal se tratasse. E para tanto não basta apenas a realização de súmulas de declarações e depoimentos prestados em audiência, sem qualquer referência à credibilidade que cada um tenha merecido ao tribunal e as razões do respectivo merecimento, como sucede nos autos. Com efeito, a Mma. Juíza limitou-se a efectuar súmulas de declarações e depoimentos, onde são patentes divergências em aspectos essenciais, sem que explique os aspectos em que cada concreto meio de prova relevou, em função da credibilidade que lhe atribuiu, para a decisão sobre a matéria de facto. Atente-se, por exemplo, e quanto a divergências, que nos termos da fundamentação, o arguido admitiu que, se no início era o único a ter a chave do armazém onde era guardado o material, depois passou a deixar a chave numa gaveta à qual qualquer pessoa teria acesso, o que também foi afirmado pela testemunha …, enquanto as testemunhas … afirmaram o contrário isto é, que o arguido era o único a ter a chave de acesso ao armazém. E também no que respeita ao alicate de selagem existe uma divergência entre as declarações do arguido e o depoimento da testemunha …, por um lado – ambos coincidem em que o primeiro entregou o alicate que lhe estava distribuído – e o depoimento da testemunha …, por outro – o alicate em falta era o pertencente ao arguido. Ora, se por um lado é certo que o arguido não foi condenado por se ter apropriado do alicate que lhe estava distribuído, mas antes porque se apropriou de um alicate de selagem, por outro também é verdade que, de acordo com a fundamentação, o arguido nega a prática do furto e nenhuma testemunha presenciou a sua prática. Não havendo, portanto, prova directa dos factos, impunha-se que o tribunal a quo tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógico-dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou e porquê, que conduziu a sua convicção no sentido de ter o arguido furtado as doze placas e o alicate, o que não fez. O mesmo se diga relativamente à assistência prestada na Farmácia … que constitui, no fundo, o objecto do crime de burla. Em primeiro lugar, e de acordo com a fundamentação, não vemos sequer que, quer o arguido, quer qualquer testemunha, designadamente, as testemunhas … , se tenham referido à factualidade que consta do ponto 12 dos factos provados, e que é, segundo cremos, um ponto essencial para o crime em questão, uma vez que se perspectiva o seu cometimento por omissão. E se a convicção do tribunal se fundou em documento junto aos autos, deveria então tê-lo concretamente identificado e precisado a razão da sua relevância para o facto em referência. Em segundo lugar, no que respeita à provada conduta do arguido em fazer-se passar por técnico, funcionário ou representante da demandante civil [cfr. pontos 15, 18 e 21 dos factos provados], de acordo com a fundamentação, o arguido negou ter dito na farmácia ser ainda trabalhador da …, a testemunha … nada referiu quanto a ter-se o arguido apresentado como ainda trabalhador da demandante, dizendo apenas que ele era a cara da …, e as testemunhas …, únicas que se referiram ao episódio, revelaram conhecimento por ouvir dizer que, a radicar, por hipótese, em declarações ouvidas à testemunha …, não é confirmado pelo depoimento desta. E assim, também aqui o tribunal a quo omitiu por completo a explanação do raciocínio lógico-dedutivo, indicando e articulando os meios de prova valorados e a razão da valoração, que conduziu a sua convicção no sentido de o arguido se ter feito passar por técnico da demandante [que não coincide com a possibilidade de o arguido se ter aproveitado do erro em que estaria a testemunha … relativamente à sua então situação profissional]. 3.3. Em síntese conclusiva, o tribunal a quo não indicou completamente as provas que serviram para formar a sua convicção [falta de especificação da prova documental] nem efectuou o exame crítico de tais provas, limitando-se a efectuar súmulas das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas sem indicação mínima sobre a credibilidade merecida por cada meio de prova, e a invocar todos os documentos dos autos [que são várias dezenas], especificando apenas três, desta forma impossibilitando o tribunal de recurso de perceber e apreciar a bondade dos critérios lógicos que seguiu e inviabilizando a correcta apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada pelo arguido. A falta do exame crítico das provas, imposto pelo art. 374º, nº 2, do C. Processo Penal, e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do mesmo código, a nulidade da sentença. Assim, impõe-se ordenar o suprimento da nulidade verificada, com a consequente revogação da decisão e a determinação de prolação de nova sentença da qual conste a indicação especificada da prova documental fundamentadora da convicção e o exame crítico das provas, com particular destaque para os aspectos que atrás se deixaram apontados. * Da errada decisão proferida sobre a matéria de facto, e do não preenchimento dos tipos imputados 4. A nulidade da sentença acabada de analisar prejudica o conhecimento da derradeira questão suscitada no recurso e que se prendia com a errada decisão proferida sobre alguns aspectos da matéria de facto provada. * III. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em: A) Julgar o Ministério Público com legitimidade para promover o processo penal relativamente ao imputado crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do C. Penal. B) Declarar nula a sentença recorrida e, em consequência, determinar a sua substituição por outra sentença que supra a apontada nulidade, nos termos sobreditos. Sem tributação. Lisboa, 18 de Janeiro de 2011 Heitor Vasques Osório Jorge Baptista Gonçalves |