Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | SIMÕES DE CARVALHO | ||
Descritores: | CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO PRISÃO SUBSIDIÁRIA DIAS DE TRABALHO CONTRADITÓRIO NULIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Iº O arguido pode requerer a substituição da multa por dias de trabalho, enquanto não estiver em mora quanto ao pagamento da mesma; IIº Na hipótese de ter sido autorizado o pagamento da multa em prestações, caso a situação do condenado se degrade, ficando impossibilitado de cumprir, deve o mesmo, antes de se colocar em mora quanto a alguma prestação, requerer que a parte da multa ainda em falta seja substituída por trabalho; IIIº Não sendo conhecidos bens penhoráveis ao arguido, não se justifica a instauração de execução para pagamento coercivo da multa, seguindo-se o processo de conversão da mesma em prisão subsidiária; IVº Antes dessa conversão, deve ser assegurado o contraditório, tendo o condenado a possibilidade de provar que o não pagamento lhe não é imputável; Vº Sendo determinado o cumprimento da prisão subsidiária, sem ter sido assegurado ao condenado o contraditório, foi cometida uma nulidade insuprível, passível de ser suscitada em fase de recurso; | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo sumário n.º 432/08.6POLSB que corre termos na 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o arguido J..., por não se conformar com o despacho de 24-03-2010 (cfr. fls. 91 e 92) que lhe determinou o cumprimento de 60 dias de prisão subsidiária, dele interpôs o presente recurso. A respectiva motivação é rematada com as seguintes, e únicas, conclusões (cfr. fls. 128 a 132) que se transcrevem: «I - O despacho recorrido determinou o cumprimento pelo recorrente de sessenta dias de prisão subsidiária, por não ter cumprido com o pagamento da pena de noventa dias de multa. II - Não estão, neste caso, preenchidos os pressupostos a que alude o art.º 48.° CP, nem a fundamentação do despacho recorrido refere os motivos de denegação do trabalho a favor da comunidade substituto, nem de injustificação do não pagamento. III - Um estilo de fundamentação como o do despacho recorrido é, naturalmente, contra a Constituição: viola o arco normativo dos art.ºs 17.°, 18.°/1 e 205.°/1. IV - Alegação que, desde já, aqui fica plasmada para prevenir um eventual recurso de constitucionalidade. V- Mas o mais importante é que os autos documentam que o recorrente condenado, está mas é a cumprir pena de prisão. VI - Donde o não pagamento da multa estar automaticamente relevado, em face de não ter rendimentos do seu trabalho, nem outros, ou quaisquer bens, que lhe sejam conhecidos, como aliás o tribunal recorrido aceita. VII - Por consequência, o despacho recorrido infringiu a norma penal que convocou, a saber, o dito art.º 48.° CP, ao mesmo tempo padece de nulidade, em face dos art.°s 374.°/2, 379.º/1/a CPP. VIII - Deveria, pois, ter relevado o não pagamento ou substitui-lo por trabalho a favor da comunidade e a estabelecer oportunamente, após o cumprimento da pena de prisão que cumpre actualmente. IX - Por se tratar de problema de fácil resolução, espera o recorrente que o tribunal de primeira instância "repare o agravo". Todavia, se assim não acontecer, Vossas Excelências Senhores Doutores Juízes Desembargadores, darão provimento ao recurso. No sentido das conclusões apresentadas, com todo o douto suprimento.» Efectuada a necessária notificação, apresentou resposta o M° Pº (cfr. fls. 103 a 107), na qual concluiu, conforme se transcreve: «1. O arguido, ora recorrente, foi condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de injúrias na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. 2. O recorrente foi notificado para proceder ao pagamento da liquidação da pena de multa e respectivas custas do presente processo, até ao dia 6 de Outubro de 2008. 3. Em 3 de Outubro de 2008, requereu que lhe fosse concedida a faculdade de proceder a tal pagamento em prestações, o que lhe foi deferido, em 10 prestações, a primeira no montante de € 9,00 e as restantes no valor de € 49,00. 4. Não procedeu, contudo, ao pagamento de nenhuma das prestações, não justificou tal facto nem solicitou a substituição de tal pena de multa por dias de trabalho comunitário. 5. Inexistindo bens susceptíveis de penhora que permitissem a instauração de uma execução, foi, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1, do Código Penal, estando reunidos todos os requisitos legais, proferido o douto despacho de fls. 90/91, que converteu a pena de 90 dias de multa em 60 dias de prisão subsidiária. 6. De referir, ainda, que o recorrente apenas foi preso em 8 de Maio de 2009, situação que lhe é decerto imputável, sendo certo que, mesmo antes de tal ter ocorrido, encontrando-se em liberdade, nenhuma diligência efectuou no sentido de cumprir a pena em que foi condenado nestes autos. 7. Deste modo, bem andou a Mmª Juiz ao proferir o douto despacho de fls. 90/91, o qual, aliás, encontra-se devidamente fundamentado e não padece de qualquer nulidade ou inconstitucionalidade, devendo, consequentemente, ser mantido na sua íntegra. Porém, V. Exas. Farão, como sempre, JUSTIÇA!». Após o que veio a ser admitido o presente recurso, bem como sustentada e mantida a decisão recorrida (cfr. fls. 110 e 111). Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 119 a 121), sustentando dever ser negado provimento ao recurso. Apesar de ter sido dado cumprimento ao disposto no n.° 2 do Art.º 417° do C.P.Penal, o recorrente nada veio dizer. Proferido o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.° 419° do C.P.Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir. * No que ora interessa, é do seguinte teor a decisão recorrida: «J... foi condenado, nestes autos, por sentença transitada em julgado a 05.05.2008, pela prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos arts. 181º, nº 1, e 184º, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5, perfazendo o total de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros) de multa. Por despacho de fls. 48 foi-lhe concedida a possibilidade de proceder ao pagamento da referida pena de multa em dez prestações mensais, a primeira no montante de € 9 e as restantes no valor de € 49. O condenado não procedeu ao pagamento de qualquer das referidas prestações da pena de multa, razão pela qual, por despacho de fls. 73, foram as mesmas declaradas vencidas, na sua totalidade. Nessa sequência, foi o condenado notificado para proceder ao pagamento da totalidade do valor em dívida a título de pena de multa. Devidamente notificado, o condenado não efectuou o pagamento em causa, nem justificou o seu incumprimento. Ora, não tendo procedido, no prazo legal e até à data, ao pagamento de tal pena de multa, nem requerido a substituição da mesma por trabalho, nem se mostrando viável obter o cumprimento coercivo da pena de multa aplicada (por não lhe serem conhecidos bens penhoráveis), impõe-se a conversão da mesma em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art. 49º, nº 1, do Código Penal. Assim, e nos termos do disposto no art. 49º, nº 1, do Código Penal, determino o cumprimento, por J..., de 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária. Notifique, sendo o condenado nos termos do disposto no art. 114º, nº 1, do C.P.P., e com a advertência constante do art. 49º, nº 2, do Código Penal. Após trânsito em julgado, solicite ao processo nº 42/08.8SULSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa (cfr. fls. 86), com certidão deste despacho, a oportuna emissão de mandados de desligamento/ligamento do condenado, tendo em vista o cumprimento da prisão subsidiária ora determinada. Caso se verifique que, após o trânsito em julgado deste despacho, o condenado foi libertado, emita os competentes mandados de detenção e condução do mesmo, para o fim supra referido. Comunique ao E.P. onde o condenado se encontra recluso, bem como ao T.E.P. de Lisboa.» * Vejamos: São as “conclusões” formuladas na motivação do recurso que definem e delimitam o respectivo objecto – Art.ºs 403º e 412º do C.P.Penal. Como resulta das transcritas conclusões do recurso, as questões que se nos colocam, fundamentalmente, são as seguintes: - Não se deveria ter ordenado imediatamente a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do disposto no Art.º 49º, nº 1, do C. Penal? - Não se encontra a decisão recorrida devidamente fundamentada nos termos legais, o que se revela susceptível de acarretar a respectiva nulidade? No que se reporta à primeira das sobreditas questões, verifica-se, desde logo, preceituar o Art.° 49°, n.° 1 do C. Penal que se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º l do antecedente Art.º 41º. No caso sub judice, a multa não foi paga dentro do prazo legal, nem o arguido requereu, atempadamente, a sua substituição por dias de trabalho. É que não se pode olvidar, nesta perspectiva, que o arguido havia requerido, tendo-lhe sido deferido, o pagamento da multa em prestações (cfr. fls. 46 e 49). Por conseguinte, foram fixadas 10 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 09-02-2009 e a última no dia 09-11-2009 (cfr. fls. 51 a 60). Ora, o n.° 2 do Art.º 489º do C.P.Penal dispõe que o prazo de pagamento da multa é de 15 dias a contar da notificação para o efeito. Por sua vez, o n.° 3 do mesmo Art.º diz que o disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações. Desta forma, o prazo de pagamento da multa, quando esta for paga em prestações, decorre até se terem vencido todas as prestações. Finalmente, a norma do Art.º 490º, n.° l do C.P.Penal estabelece que o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.°s 2 e 3 do artigo anterior. Da conjugação destas três normas decorre que o arguido pode requerer a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade enquanto estiver em tempo para pagar a multa. Por outras palavras, enquanto o pagamento da multa ainda não estiver em mora. Entende-se que assim seja: está em causa uma pena criminal. A lei não pretendeu proteger relapsos. Só visou contemplar o caso daqueles que, conformando-se com a inevitabilidade do cumprimento da pena, se dispõem a cumpri-la, mas, no momento do cumprimento, estão em situação económica incompatível com o esforço exigido. A substituição da multa por trabalho prevista no Art.º 48º do C. Penal não é uma tábua de salvação para quando estiver iminente a conversão em prisão subsidiária, ou até, depois da conversão ter sido decidida. O normal e o que a lei exige, é que o cidadão condenado mostre activo interesse e preocupação em efectivamente cumprir a pena nos prazos fixados. Talvez seja uma noção que se está a perder, mas nada permite outro entendimento. Naturalmente, se tiver sido permitido o pagamento em prestações, a situação económica do condenado pode, entretanto, degradar-se de modo a ficar impossibilitado de cumprir. Nesse caso, os deveres de diligência já referidos obrigam-no a que, antes de faltar com alguma prestação, se dirija ao tribunal, requerendo que a parte da multa ainda em falta seja substituída por trabalho. É que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas – Art.º 47º, n.° 5 do C. Penal. O despacho que autorizou o pagamento da multa em prestações refere esta cominação (fls. 49) e o arguido foi dela notificado (fls. 62, 65 e 68). De acordo com o supra expendido, a primeira prestação venceu-se no dia 09-02-2009 e o arguido não pagou nenhuma. Sendo certo que, por despacho proferido em 14-09-2009, se declararam vencidas todas as prestações (cfr. fls. 74). No iter executivo, resta assim o pagamento coercivo ou a conversão da multa em prisão subsidiária. O pagamento coercivo é o que se obtém pelo produto da venda de bens do condenado em acção executiva, que no caso segue a forma da execução por custas. Mas para tanto importa que ao arguido sejam conhecidos bens exequíveis. Não sendo conhecidos bens penhoráveis segue-se o processo da conversão. Estatui o Art.° 491°, n.° 2 do C.P.Penal que tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Mº Pº promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas. Por seu turno, preceitua o Art.° 116°, n.° l do C.C.J. que o Mº Pº instaurará a execução se ao devedor de custas ou multas forem conhecidos bens penhoráveis. Donde, a contrario, resulta, que não havendo bens conhecidos ou sendo estes insuficientes ou impenhoráveis, o Mº Pº não promove a execução, que redundaria num acto inútil (cfr. Art.º 137° do C.P.Civil). Desta forma, o incidente da conversão da multa em prisão subsidiária inicia-se com a promoção do Mº Pº nesse sentido. In casu, a Digna Magistrada do Mº Pº veio promover «… nos termos do artigo 49°, n.º 1, do Código Penal, … que seja ordenado o cumprimento de 60 dias de prisão subsidiária». No entanto, antes de mais, deveria a Mm.ª Juiz a quo ordenar a audição do arguido para vir dizer o que tiver por conveniente sobre a possibilidade de lhe vir a ser aplicada a supra mencionada prisão subsidiária, urgindo, pois, neste incidente de conversão da multa em prisão subsidiária, observar o contraditório (cfr. Art.°s 61°, n.° l, alínea b) do C.P.Penal e 32°, n.º 5 da C.R.P.). E dizemos isto porque, em nossa opinião, se deve inequivocamente averiguar o motivo de o condenado não cumprir, maxime dando-lhe oportunidade de se pronunciar. Não se mostrando que o arguido cumpriu a pena de multa (voluntária ou coercivamente), há que saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, e só com esse conhecimento se decidirá sobre a aplicação da prisão subsidiária. Como resulta do Art.º 49º, n.° 3 do C. Penal, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável. Mesmo havendo lugar à aplicação da prisão subsidiária, esta pode ser suspensa, nos termos da predita norma, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável. Por sua vez, se a lei exige a audição, a contrario, do arguido quando haja que decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária, com mais pertinência deverá ouvir o mesmo antes de decretar a medida de substituição. Tanto mais que ouvindo-o poderá, desde logo, aferir da possibilidade de suspensão da prisão que tinha como objectivo decretar. Ora, inexistem dúvidas de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado, numa dupla dimensão: na derivada de os fundamentos do processo penal serem, simultaneamente, os alicerces constitucionais do Estado e na resultante de a concreta regulamentação de singulares problemas processuais ser conformada em termos jurídico-constitucionais. Por isso, o direito a um processo com todas as garantias de defesa respeita à generalidade dos actos processuais e permite que, em cada situação processual concreta, nos possamos interrogar se a garantia constitucional foi efectivamente respeitada. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não foi paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária. Cremos, contudo, não se poder dispensar o respeito pelo contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais, designadamente o Art.º 27° da C.R.P.. Nos termos do já supra referido Art.º 61º, n.° l, alínea b) do C.P.Penal, o arguido goza em especial, em qualquer das fases do processo e, salvas as excepções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte. Trata-se, pois, da emanação do Princípio do Contraditório com assento constitucional no também já supra mencionado Art.º 32°, n.° 5 da C.R.P.. No caso em apreciação, os autos demonstram que a Mm.ª Juiz a quo não assegurou a possibilidade de o arguido exercer o contraditório antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária. Ora, a falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitada em fase de recurso (cfr. Art.º 410°, n.º 3 do C.P.Penal). Assim, deverá o despacho sob impugnação ser declarado nulo, por violação do principio do contraditório, consistente na falta de audição do arguido e para se pronunciar quanto ao requerimento do Mº Pº em que se pede a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária. Nesta perspectiva, pode, pois, afirmar-se que o recurso alcançou provimento, encontrando-se, por este motivo, prejudicada a outra questão suscitada pelo recorrente. * Pelo exposto, por forca da existência da apontada nulidade, acorda-se em conceder provimento ao recurso, declarando nulo o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que exerça o devido contraditório nos sobreditos termos. Sem tributação. Lisboa, 15 de Março de 2011 Simões de Carvalho Margarida Bacelar |