Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6197/2007-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: ESTRANGEIRO
CONTRATO DE TRABALHO
FORMA ESCRITA
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – À luz do Código do Trabalho os requisitos específicos para a celebração de contratos de trabalho com trabalhadores estrangeiros e apátridas para a prestação de actividade laboral no território nacional apenas se aplicam aos contratos celebrados com trabalhadores oriundos de países não comunitários e aos trabalhadores apátridas, uma vez que, relativamente aos trabalhadores que sejam cidadãos de países membros da Comunidade Europeia ou de países que consagrem a igualdade de tratamento relativamente aos cidadãos nacionais, em matéria de exercício de actividades profissionais, a equiparação com os trabalhadores portugueses é plena (artigos 88º nº 2º e 89º nº 2º do CT e artigo 159º nº 4 da RCT ).
II – Quando a lei exige a forma escrita (o que configura “ formalidade ad substantiam”) para a realização de um negócio de nada adianta o recurso à prova testemunhal para prova da celebração (válida) do acto, porque este não se considera validamente realizado ou eficazmente provado, sem a documentação exigida.
III – Todavia é de admitir prova testemunhal no que concerne à realidade material do acto, sem observância das formalidades legais, para se obter qualquer dos efeitos provenientes da nulidade do negócio
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
(A), pintor de automóveis, residente Almada,  intentou  acção , com  processo comum , contra (V) Ldª, com sede...Laranjeiro , 2810.
Pede que , pela ilicitude do despedimento de que foi alvo , o Tribunal condene a Ré a pagar-lhe :
- € 3.600,00 de indemnização;
- € 600,00 de diferenças salariais vencidas e não pagas;
- € 3.600,00 de subsídio de férias;
- € 3.600,00 de subsídio de natal;
- os salários intercalares desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Tais valores devem ser acrescidos de juros de mora.
Alega, em síntese, que mantinha com a Ré um contrato de trabalho subordinado desde Outubro de 2001.
Em 27 de Junho de 2005, foi despedido sem processo disciplinar ou justa causa.
A Ré ficou a dever-lhe as supra citadas retribuições e subsídios.
Realizou-se audiência de partes ( vide fls 35/36).
Notificada para o efeito a Ré contestou ( fls 43 a 48).
Alegou, em resumo,  que não houve despedimento.
Foi o A. que abandonou o trabalho, não mais voltando.
Não lhe ficou a dever quaisquer quantias, a não ser a remuneração do mês de Junho e os proporcionais de férias e de subsídio de Natal relativos ao ano em que abandonou o trabalho.
Contudo essa mora é imputável exclusivamente ao credor, que não se apresentou
para receber as quantias em apreço.
Concluiu pela improcedência da acção.
Dispensou-se a realização de audiência preliminar, bem como a selecção da factualidade assente e de base instrutória ( fls 78).
Realizou-se audiência de julgamento que foi gravada.
A matéria assente foi fixada por despacho de fls. 117 a 120, que não mereceu  reparos.
Foi proferida sentença (fls 123 a 126 ) que na parte decisória teve o seguinte teor:
“ Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaro a ilicitude do despedimento do A. e condeno a R. Auto Boa-Vontade, Lda, a pagar ao A.
a) € 12.330,00, correspondente às quantias demandadas, acrescida juros de mora à taxa legal anual de 4% desde a data da citação e até integral pagamento;
b) os salários intercalares, à razão mensal de € 900,00, desde 08.01.06 e até ao transito em julgado desta sentença, deduzidas das importâncias que o A. entretanto haja recebido a título de subsídio de desemprego e pelo desempenho de outras tarefas que não desenvolveria se continuasse a trabalhar para a R.
Condeno a R., como litigante de má fé, no pagamento da multa de € 1.000,00.
Custas pela Ré.
Notifique e registe”.
Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação (vide fls 135 a 156).
Apresentou as seguintes conclusões:
(…)
Finaliza solicitando que seja dado provimento ao recurso, devendo, em consequência, ser reformulada a sentença recorrida proferindo-se em seu lugar acórdão que julgue a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré do pedido e, também, da condenação por litigância de má fé.
O Autor contra alegou .
Alinhou as seguintes conclusões:
(…)
O Exmº Procurador Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do  recurso (fls 197).
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
Nada obsta à apreciação.

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Em 1ª instância  foi dada como assente a seguinte matéria de facto :
1. O A. é um trabalhador brasileiro que quando foi contratado o A. não se encontrava legalizado em Portugal.
2. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria da reparação automóvel.
3. A. e R. subscreveram o contrato de trabalho a termo certo junto com a petição inicial como documento 2, cujo teor dou por reproduzido.
4. Em 27/06/05, sem instrução de qualquer processo disciplinar a Ré enviou ao A. a carta junta com a petição inicial como documento nº 3, cujo teor dou por reproduzido.
5. Até Maio de 2005 a ré sempre pagou ao A. a remuneração acordada.
A ré não pagou ao autor, na sequência da cessação do contrato, a remuneração referente ao mês de Junho (12 dias) nem os proporcionais de férias e subsídios pela sua demissão. 
6 - O A. é pintor de automóveis e já exercia a sua profissão no Brasil .
7. O A. em Outubro de 2001 contratou com a Ré um contrato de trabalho para o exercício da sua profissão 
8. O A. foi prestar serviços para as instalações da Ré no Laranjeiro cumprido um horário normal e mediante um salário mensal de € 900,00 .
9. Em 02/12/02, um ano e um mês volvidos apresentou ao A. para assinar o contrato de trabalho a termo certo junto com a petição inicial como documento 2 .
10. O A. trabalhou para a Ré ininterruptamente desde Outubro de 2001 até Julho de 2005 e esta nunca lhe pagou subsídio de férias nem gratificação de Natal 
11. Através da carta de 27.06.05 a R. despediu o A..
12. Durante o tempo em que trabalhou para a R. o A. era assíduo e a Ré nunca o acusou de faltas injustificadas .
13. Quando o A. foi contratado também trabalhava na ré como pintor o Sr.
Eduardo Costa .
14. A partir de altura e por motivo não apurado a R. passou a pretender que o A. regularizasse a sua situação em Portugal, tendo-lhe entregue quantia em dinheiro não apurada para o efeito.
15. O A. respondeu em Tribunal por condução sem carta .
16. A ré encerra suas portas para férias por um período de 30 dias consecutivos
no Verão .

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É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).
Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo  o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III,Lisboa,1972,pág 299.
In casu, nas conclusões de recurso a Ré  suscita três tipos de questões.
A primeira diz respeito à prova gravada que segundo a recorrente deve ser reapreciada , alterando-se a decisão da matéria de facto.
Segundo a recorrente a matéria de facto padece de erros quanto aos pontos nºs 7, 8 e 10, sendo, desde logo, inadmissível prova testemunhal sobre o contrato.
Para a Ré resulta da prova testemunhal produzida em audiência, bem como da documental, que foi em 2.12.2002 e não em 2001 ( tal como foi consignado nos pontos nº  7 e 10 da matéria provada ) que o Autor  começou a trabalhar para a Ré .
Também entende que a retribuição do Autor dada como assente em 8) ( € 900, 00 )  não se provou e que se devia ter dado como provado que o recorrido auferia € 348,01 , acrescidos de € 4,84 diários a título de subsídio de alimentação.
Entende igualmente que se deve dar como provado que o Autor foi demitido em Outubro de 2005 e não que trabalhou ininterruptamente para si de Outubro de 2001 até Julho de 2005.
A segunda questão respeita às implicações das alterações introduzidas na matéria de facto na decisão final a proferir.
A derradeira questão concerne à condenação da recorrente como litigante de má fé, sendo certo que sustenta que a mesma é injusta.

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Cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas pelo recorrente no tocante à matéria de facto.
A primeira diz respeito à data da celebração de contrato de trabalho entre os  litigantes dada como provada em 7 e 10.
Segundo a recorrente uma vez que o Autor é trabalhador estrangeiro o seu contrato de trabalho só podia ter forma  escrita.
Desta forma, em seu entender , nos termos do disposto no artigo 394º do Código Civil, era inadmissível prova testemunhal sobre a existência do contrato.
Por outro lado, o acordo que consta dos autos também não pode ser contrariado por esse tipo de prova.
Desde já, se refira que, a nosso ver, não se verifica a arguida inadmissibilidade de prova testemunhal  na situação em apreço.
É que o facto do Autor ser brasileiro (1) , só por si,  não é impeditivo da matéria apurada no tocante à data do início da relação laboral consignada em 7) e 10).
E o mesmo se dirá quanto à aparente e eventual contradição entre a matéria apurada a tal título com base na prova testemunhal e o acordo referido em 9),  datado de 2.12.02 ( vide fls 12).

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Cabe a tal título recordar que nos termos do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa ( que concretiza o principio da igualdade e da não discriminação ínsito no artigo 13 º do mesmo diploma em relação a estrangeiros) :
“1 - Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
3 – Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, são  reconhecidos , nos termos da lei  e em condições de reciprocidade , direitos não conferidos a estrangeiros …
4-…
5- …”.
Temos, pois, que o princípio geral é o da equiparação de estrangeiros .e apátridas com os cidadãos portugueses.
O nº 3º da norma ao estabelecer um regime privilegiado para os estrangeiros que sejam cidadãos de língua portuguesa constitui uma concretização dos « laços privilegiados de amizade » com esses países , a que se refere o artigo 7º - 4” – vide CRP, Anotada, Artigos 1º a 107º, Gomes Canotilho e Vital Moreira , pág 359.
Em 2001 e 2002, era a Lei nº 20/98, de 12 de Maio, ( a qual revogou o DL nº 97/77, de 17 de Março) que regulamentava o trabalho de estrangeiros em território português.
Esta lei vigorou até 29 de Agosto de 2004 - vide artigo 21º nº 2º alínea  j) da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, bem como os artigos 3º , 157º a 159º  da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho e artigos 86º a 90º do CT.
A  Lei nº 20/98 estabelecia no seu art 1º:
“1 - A prestação de trabalho subordinado em território português por parte de cidadãos estrangeiros está sujeita às normas constantes da presente lei.
2-...
3 - Com excepção do disposto nos artigos 3º e 4º, o presente diploma é aplicável à prestação de trabalho subordinado por cidadãos nacionais dos países membros do espaço económico europeu e dos países que consagrem a igualdade de tratamento com os cidadãos nacionais ,em matéria de livre exercício de actividades profissionais”.
O art 2º deste diploma estatuia:
“Os cidadãos estrangeiros, com residência ou permanência legal em território português, beneficiam, no exercício da sua actividade profissional, de condições de trabalho nos mesmos termos que os trabalhadores com nacionalidade portuguesa”.
Por sua vez, o art 3º desta Lei estipulava:
“1 - O contrato de trabalho celebrado entre um cidadão estrangeiro e uma entidade empregadora, que exerça a sua actividade em território português, e que neste deva ser executado, está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações:
a) A identidade das partes, o ramo de actividade da entidade empregadora e a menção do título de autorização de residência ou de permanência em território português;
b) O local de trabalho, ou na falta de um local fixo ou predominante, a indicação de que o trabalhador está obrigado a exercer a sua actividade em vário locais, bem como a sede ou o domicílio da entidade empregadora;
c) A categoria profissional ou as funções a exercer;
d) O valor, periodicidade e forma de pagamento da retribuição:
e) O período normal de trabalho diário e semanal;
f) A data da celebração do contrato e a do início dos seus efeitos.
2 - O contrato de trabalho a termo, além das indicações referidas no número anterior, deve ainda conter as previstas na alínea e) do nº 1º do artigo 42º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, em conformidade com o disposto no artigo 3º da Lei nº 38/96, de 31 de Agosto.
3 - Ao contrato de trabalho feito em triplicado, deve ser apenso documento comprovativo do cumprimento das disposições legais relativas à entrada e à permanência ou residência do cidadão estrangeiro em Portugal”.
O art 4º preceituava:
“1 - A entidade empregadora deve, previamente à data do início da actividade pelo trabalhador estrangeiro, promover o depósito do contrato de trabalho na delegação ou subdelegação competente do IDICT.
2 -Depositado o contrato, um exemplar  selado fica arquivado nos serviços do IDICT e dois exemplares são devolvidos à entidade empregadora com o averbamento e número de depósito, devendo esta fazer a entrega de um ao trabalhador.
3 - Considera-se tacitamente deferido o pedido de depósito do contrato de trabalho quando decorridos 30 dias sobre a data da apresentação do requerimento respectivo no serviço competente do IDICT, não for proferida  decisão de aceitação ou recusa.
4 - Verificando-se a cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora deve comunicar esse facto, por escrito, no prazo de 15 dias, à delegação ou subdelegação do IDICT em que o contrato foi depositado”.
Nos termos do art 5º:
“1 - A celebração de contrato de trabalho com cidadãos oriundos  de países que consagrem a igualdade de tratamento com cidadãos nacionais, em matéria de livre exercício de actividades profissionais, deve ser comunicada ,por escrito, pela entidade empregadora à delegação ou subdelegação competente do IDICT até ao início da actividade profissional, com a indicação da nacionalidade, categoria profissional ou funções a exercer e a data  do início da produção dos efeitos do contrato.
2 - A entidade empregadora deve também comunicar à delegação ou subdelegação competente do IDICT a cessação dos contratos referidos no número anterior nos 15 dias subsequentes.
3 - As comunicações referidas no número anterior têm apenas finalidade estatística.
4 - O disposto neste artigo não é aplicável à celebração de contratos de trabalho com cidadãos nacionais dos países membros do espaço económico europeu”.
Cumpre ainda referir que o artigo 7º da referido diploma reputava de contra ordenação grave a violação do nº 1º do artigo 3º.
Actualmente o CT estabelece no seu artigo 86º que sem prejuízo quanto à lei aplicável e em relação ao destacamento de trabalhadores, a prestação de trabalho subordinado em território português por cidadão estrangeiro está sujeita às normas desta subsecção.
Por sua vez, o artigo 87º deste último diploma regula que o trabalhador estrangeiro que esteja autorizado a exercer uma actividade profissional subordinada em território português goza dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres do trabalhador com nacionalidade portuguesa.
O artigo 88º do CT preceitua que o contrato de trabalho celebrado com um cidadão estrangeiro , para a prestação de actividade executada em território português , para além de revestir forma escrita, deve cumprir as formalidades reguladas em legislação especial, sendo certo que o disposto nesse preceito não se aplica à celebração de contratos de trabalho com cidadãos estrangeiros dos países membros do espaço económico europeu e dos países que consagrem a igualdade de tratamento com os cidadãos nacionais , em matéria de livre exercício de actividades profissionais.
A supra citada exigência de forma é reiterada na al d) do nº 1º do artigo 103º do CT.
Por sua vez, os artigos 158º e 159º da Lei nº 35/2004 , de 29 de Julho , estabelecem sobre as formalidades e a comunicação da celebração e da cessação deste tipo de contrato.

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Cabe agora salientar que nos termos do  Aviso do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais , de 20 de Abril de 1999, publicado no BTE, 1ª série, nº 17, de 8.5.99, pág 1111 (sobre o trabalho de estrangeiros em Portugal, o qual identifica os países a considerar como integrados no espaço económico europeu , cuja actualidade e relevância se mantém ,embora por referência ao disposto no nº 1º do artigo 88 do CT) , o regime geral aplicável a trabalhadores estrangeiros e apátridas constante do artigo 3º da Lei nº 20/98 não se aplica aos  cidadãos  estrangeiros a quem é reconhecido direito ao tratamento igual ao dos cidadãos nacionais em matéria de livre exercício de actividades profissionais , quer por força de tratados internacionais , multilaterais ou bilaterais, quer por aplicação do principio da reciprocidade. 
Estão nessa situação, por força da Convenção de Brasília sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, celebrada em 7.9.1971, regulamentada pelo DL nº 126/72, de 22-4, e agora complementada pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa  do Brasil  celebrado e, Porto Seguro, em 22-4-2000 (  vide  Resolução da Assembleia da República nº 83/2000, de 28 de Setembro, que aprovou o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa  do Brasil , ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 79/2000, de 14 de Dezembro , bem como  o DL nº 153/2003, de 15 de Julho, que o regulamentou)   os cidadãos nacionais do Brasil.
Assim, em face do regime que decorria da Lei nº 20/98 tal como ensina António Monteiro Fernandes havia que concluir que a lei dividia os estrangeiros : “ o primeiro grupo , relativamente ao qual não exige a lei procedimentos específicos de controlo, é integrado pelos cidadãos comunitários ( nacionais dos países membros do espaço económico europeu como diz o art 1º / 3) e dos países que pratiquem a igualdade de tratamento em matéria de livre exercício de actividade profissionais; o segundo grupo , sujeito a uma verificação mais apertada, é composto pelos cidadãos estrangeiros.
Esta divisão implica, como se sugeriu, uma certa diferenciação , embora apenas no plano formal.
No primeiro grupo , há que destacar , antes de tudo , os cidadãos comunitários : os contratos de trabalho em que estes sejam partes são celebrados nos mesmos termos que os dos cidadãos portugueses. A igualdade de regime  é integral . Tudo quanto a entidade empregadora tem a fazer é indicar, nos mapas de pessoal a entregar no IDICT , o tipo de trabalhadores estrangeiros a que esses pertencem.
Depois, ainda nesse primeiro grupo, vêm os cidadãos de países que consagrem a igualdade de tratamento : a celebração dos contratos de trabalho ( coberta pelas regras gerais ) tem apenas de ser , caso a caso comunicada por escrito ao IDCT até ao início da actividade ( art 5º /1), e a cessação desses contratos deve ser também objecto de comunicação nos 15 dias subsequentes ( art 5º/2).
Estas comunicações têm somente finalidade estatística.
No que respeita  ao segundo grupo , a lei exige que o contrato seja celebrado sob forma escrita e compreenda um conjunto de indicações, sendo acompanhado de documento comprovativo da legalidade de permanência em território português (art 3º).
Além disso , o contrato escrito deve ser objecto de depósito no IDICT, antes de iniciada a actividade. O depósito pode ser recusado , naturalmente (embora a lei o não diga) por se constatar a existência de ilegalidades. O conteúdo destes contratos de trabalho está, pois, sujeito a controlo administrativo “ – Direito do Trabalho, 12ª  edição, Almedina, pág 297/298 ( vide também Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho , IDT, Almedina, pág 361/362).
E à luz do CT deve concluir-se , de semelhante forma,  que .os requisitos específicos para a celebração de contratos de  trabalho com trabalhadores estrangeiros e apátridas para a prestação de actividade laboral no território nacional apenas se aplicam “aos contratos celebrados com trabalhadores oriundos de países não comunitários e aos trabalhadores apátridas , uma vez que, relativamente aos trabalhadores que sejam cidadãos de países membros da Comunidade Europeia ou de países que consagrem a igualdade de tratamento relativamente aos cidadãos nacionais , em matéria de exercício de actividades profissionais, a equiparação com os trabalhadores portugueses é plena   ( artigos 8º nº 2º e 89º nº 2º do CT e art. 159º nº º 4 da RCT “ – vide Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais , pág 100/101 e 333.
No mesmo sentido em face do regime decorrente do nº 2º do artigo 88º do actual Código do Trabalho, Anotado, 5ª edição, Pedro Romano Martinez . Luís Miguel Monteiro.  Joana Vasconcelos. Pedro Madeira de Brito. Guilherme Dray. Luís Gonçalves da Silva, pág 239 e Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág 467 ).
Ora o Autor tem nacionalidade brasileira (1)...
Assim, em relação à inadmissibilidade de prova testemunhal sobre a data do início da relação laboral ( reportada a Outubro de 2001) , em consequência do contrato ter de ser escrito , tanto bastaria  para concluir pela improcedência da argumentação aduzida pela recorrente a tal título.

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Cumpre contudo acrescentar que ainda que assim não fosse o argumento da recorrente também não procederia.
Assim, tendo em conta que os contratos de trabalho de alguns trabalhadores estrangeiros devem ser reduzidos a escrito sempre há que referir que o artigo 364º do Código Civil estatui:
“1 - Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2 – Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que neste último caso , a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”.
Este preceito deve ser conjugado com o disposto no artigo 393º do mesmo diploma , sendo que , nos termos do seu nº 1º , se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito , não á admitida prova testemunhal.
Para Pires de Lima e A. Varela , em anotação ao art 364º do CC, “ a regra é a de que os documentos escritos, autênticos ou particulares , são exigidos como formalidades ad substantiam.
Daí o princípio da nulidade consagrado no art 220º.
Só quando a lei se refira, pois, claramente à prova do negócio é que é aplicável o regime do nº 2º deste artigo.
Entre os dois regime há uma diferença considerável.
No primeiro caso – a formalidade ad substantiam – o negócio é nulo, salvo se constar de documento de força probatória superior ; no segundo – formalidade ad probationem – o acto não é nulo, mas só pode provar-se por confissão expressa judicial ou extrajudicial , devendo neste último caso constar de documento de igual ou superior valor probatório” – Código Civil, Anotado , Volume I, 3ª edição, pág 321.
E referem ainda , em anotação ao artigo 393º, “ quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo ( art 220º…), sendo , portanto , irrelevante qualquer espécie de prova.
Se a lei exige apenas que a declaração se prove por documento , está expressamente afastada a prova testemunhal.
Se a lei não exige documento , mas ele foi  lavrado, e tem força probatória plena, não é também exigida prova testemunhal” – obra citada, pág 340.
Na supra mencionada situação a forma escrita exigida na lei configura uma formalidade ad substantiam não se vislumbrando que a mesma se refira à prova do negócio.
Assim, a cominação para a falta de documento é a nulidade do negócio, o que torna  irrelevante a prova testemunhal em termos da prova da sua regularidade.
Todavia já não se dirá o mesmo da existência da relação laboral ainda que nula.
É que “ mesmo quando se trata de formalidades ad substantiam , nada impede entretanto que se prove por testemunhas a realidade material do acto  sem observância das formalidades legais, para se obter qualquer dos efeitos provenientes da nulidade do negócio.
De nada adiantará , porém , o recurso às testemunhas para prova da celebração (válida) do acto, porque este não se considera validamente realizado  ou eficazmente provado, sem a documentação exigida “ – A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora ,  Manual do Processo Civil, 1984, pág 600.
No caso concreto, se fosse caso disso – e como já se viu não é -  a relação  laboral eventualmente iniciada em Outubro de 2001 sempre tinha que se reputar de nula por falta de forma, ( artigo 220º do Código Civil ) , sendo certo que essa nulidade é do conhecimento oficioso pelo Tribunal (artigo 286º do Código Civil).
Porém, a nulidade do contrato de trabalho seguia o regime específico previsto no artigo 15º da LCT ( que vigorou até 30.11.2003 tal como resulta do artigo  3º nº 1º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto)
Esta norma foi substituída pelos actuais artigos 115º e 116º do CT.
O artigo 15º da LCT estabelecia:
“1 - O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado de decisão judicial.
2 - Produzem efeitos os actos modificativos do contrato praticados durante o período de eficácia deste, salvo, se em si mesmos, forem feridos de nulidade.
3 - O regime estabelecido no presente diploma para a cessação do contrato aplica-se aos actos e factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou de anulação.
4-...
5-...
6-...”.
O artigo 115º da CT regula:
“1 - O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
2 – Aos actos modificativos inválidos do contrato de trabalho aplica-se o disposto no número anterior , desde que não afectem as garantias do trabalhador”.
Segundo o artigo 116º do CT:
“1 – Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato.
2-…
4-…”
Temos, pois, que o contrato de trabalho declarado nulo produzia e produz  efeitos.
Tal como decorria do nº 3º do art 15º da LCT quando a declaração de nulidade ou de anulação do contrato ocorre depois da cessação do contrato, este regulava-se pelo regime previsto na LCT.
A posterior declaração de invalidade do contrato não afectava os efeitos dessa cessação, analisada à luz do regime geral aplicável à cessação do contrato.
Segundo Pedro Romano Martinez “se num determinado contrato nulo, o empregador não invocar a nulidade e despedir o trabalhador há o dever de pagar uma indemnização nos termos do  art 13º da LCCT.
Por outras palavras, aplicam-se as regras do despedimento, como se o contrato fosse válido sendo devida indemnização nos termos gerais” - Direito do Trabalho, Almedina, pág 424.
“Tudo se passa,...,como se o contrato fosse válido à data da cessação e tal facto permite compreender o disposto no nº 3º do art 15º,uma vez que o regime aí contido surge como uma consequência lógica do disposto nos seus nºs 1 e 2.
Depois da cessação do contrato o empregador poderá invocar a nulidade e o tribunal poderá  conhecer dela oficiosamente (art 286º do CC),mas a declaração de nulidade não afectará o direito à indemnização que, nos termos gerais, for devida ao trabalhador ilicitamente despedido.
Em termos de cessação do contrato de trabalho tudo se passa como se o contrato tivesse sido válido” – vide ac. da Rel do Porto de 24 de Novembro de 2003,CJ,Ano XXVIII,Tomo V,pág 237 a 240.
Cumpre , pois, concluir que a nulidade decorrente da celebração de contrato de trabalho nulo ( nomeadamente por falta de forma escrita) tem efeitos bem distintos da inexistência de relação laboral .
Assim, no caso em apreço não se verificava a invocada inadmissibilidade de prova testemunhal.
 É certo que a prova testemunhal não podia substituir a existência de um contrato de trabalho válido.
Todavia a norma invocada ( artigo 393º do CC) não proibe a produção de  prova testemunhal sobre a existência da relação estabelecida entre os litigantes ,  ainda que no âmbito de um contrato de trabalho nulo, mesmo que  anterior ao acordo referido em 10.
De outra forma, estar-se-ia a inutilizar o disposto nos artigos 115º e 116º  do CT.
Basta pensar no caso de trabalhadores estrangeiros ou apátridas com os quais não foi outorgado – como devia – um contrato de trabalho escrito.
Nesse caso apesar de terem mantido uma relação laboral com a entidade x, y ou z, estar-se-ia a negar-lhes a protecção conferida pela lei.
Ora as especificidades atinentes à celebração de contrato de trabalho celebrado com trabalhador estrangeiro ou apátrida prosseguem um objectivo de interesse público , isto é “ o objectivo de controlo da regularidade da situação e, indirectamente, das condições de permanência  destes trabalhadores no nosso país “ , sendo esse o motivo pelo qual a lei impõe algumas formalidades “ que envolvem deveres de comunicação da celebração do contrato às entidades administrativas competentes, bem como deveres de depósito e registo público desses contratos”  - Maria do Rosário Palma Ramalho – Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág 333.
E também não procedia a argumentação atinente ao disposto no nº 2º do artigo 393º do CC e ao acordo outorgado em 2.12.2002.
É que o documento só prova que foram feitas as declarações constantes do mesmo e não que antes dele as partes não mantinham já uma relação laboral ainda que nula.
Assim, ainda que o Autor não fosse brasileiro, sempre tinha de improceder a argumentação aduzida no tocante à inadmissibilidade da prova testemunhal.

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A segunda questão a dilucidar no presente recurso concerne às implicações das alterações introduzidas na matéria de facto na decisão final a proferir.
Uma vez que , pelos supra expostos motivos , não foram introduzidas alterações na matéria de facto nada há a apreciar a tal título, quedando prejudicada esta vertente do recurso.
Todavia sempre deve salientar-se que uma vez que o Autor é brasileiro o contrato inicial  não tinha que ser reduzido a escrito.
Assim, cumpre considerar que desde o início existe um contrato sem termo entre Autor e Ré.
Em consequência o acordo referido em 10 ( datado de 2.12.2002) que configura um contrato a termo certo , sempre teria que se considerar nulo nos termos do disposto no nº 3º do artigo 41º A do DL nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pelo DL  nº   18/2001, de 3 de Julho.
Por outro lado, a missiva de 27 de Junho de 2005 referida em 4), configura indubitavelmente uma cessação da relação laboral que se deve reputar de  despedimento ilícito , visto que não foi antecedida do competente processo disciplinar.

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Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré.
Custa pela apelante.
DN ( processado e revisto pelo relator - art 138º nº 5º do CPC ).
                                                                                            
           Lisboa, 7/11/07

            Leopoldo Soares
            Seara Paixão
            Ferreira Marques