Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
505/09.8TCSNT.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAR A DECISÃO
Sumário: Para efeito do disposto no artº 15º nº 1 alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU, o título executivo pode ser constituído pelo comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artº 1084º do Código Civil acompanhado da prova da existência de um contrato de arrendamento comercial, como tal qualificado e declarado por sentença transitada em julgado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

 I - RELATÓRIO

T ---, SA intentou acção executiva para entrega de coisa certa contra A ---, com vista a ser-lhe entregue um prédio sua pertença, que foi objecto de um contrato de arrendamento entre as partes e que a requerente declarou resolvido com fundamento na falta de pagamento de rendas.

Como título executivo juntou “ a notificação judicial avulsa, acompanhada da sentença que declarou a existência de um contrato de arrendamento”.

Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial , com fundamento na falta de título executivo previsto no artº 15º nº 1, alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02, que dispõe que podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 1, do artº 1084º do Código Civil.

Inconformada com esse despacho, a requerente dele interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1ª - A ratio legis do artº 15º alínea e) da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro prende-se, essencialmente, com razões de ordem probatória, de certeza e segurança jurídicas, por forma a que não subsistam dúvidas quanto à identidade dos sujeitos no contrato de arrendamento e à identificação da concreta coisa a restituir.
2ª - A interpretação e aplicação daquela disposição legal tem de ser necessariamente articulada com a regra geral do artº 9° do Código Civil, que impõe ao intérprete um exercício exegético integrado no todo que constitui o sistema jurídico.
3ª - Tal interpretação tem forçosamente de tomar em conta a ordenação do elenco do n° 1 do artº 46° do Cód. Proc. Civil, relativamente às espécies de títulos executivos, onde constam, logo à cabeça, as sentenças condenatórias como títulos executivos por excelência.
4ª - Ao considerar insuficiente, para servir de base à execução para entrega de coisa certa, uma sentença transitada em julgado onde foi reconhecida a existência e validade de um contrato de arrendamento entre as partes, acompanhada do comprovativo da notificação judicial avulsa do arrendatário para efeitos de resolução do contrato por via extrajudicial por falta de pagamento de rendas, o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação das supra citadas disposições legais.

Termina pedindo que o despacho de indeferimento liminar seja revogado e proferida decisão que ordene o prosseguimento da execução e a citação do executado, nos termos e para os efeitos dos artºs 813º e 818º do Código de Processo Civil.

 Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Os factos que importa considerar e que resultam dos autos são os seguintes:
1º - Por sentença de 4 de Abril de 2008, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo 319/95, que correu termos na 2ª Vara Mista, foi declarado que as partes (autora e réu, agora exequente e executado) “encontram-se entre si vinculadas por um contrato de arrendamento para comércio”. – doc. fls 20 a 48, maxime fls 39.
2º - No requerimento inicial, a exequente indicou como título executivo “ a notificação judicial avulsa, acompanhada da sentença que declarou a existência de um contrato de arrendamento”.
3º - O arrendamento respeita ao edifício de rés-do-chão e 1º andar do “Complexo Turístico”, sito em, descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o nº ----- e inscrito na respectiva matriz com o artigo ---.
B- Fundamentação de direito

Na acção declarativa nº …, autora e réu alegaram que em 1985 celebraram entre ambos um contrato verbal com vista à exploração do denominado restaurante - bar ---, bem como o self-service, sitos no complexo denominado ----, em C.

A autora entendia que se tratava de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial e o réu defendia a existência de um contrato de arrendamento de natureza comercial, embora não reduzido a escrito.
Na sentença de 4 de Abril de 2008, foi declarado que as partes se vincularam por um contrato de arrendamento para comércio, assim o qualificando.

Todavia, e é bom repetir, que o contrato celebrado entre as partes foi verbal. Portanto, nunca existiu qualquer contrato de arrendamento escrito de que a exequente se possa socorrer para juntar aos presentes autos.

Sendo assim, a questão colocada pela apelante nas suas conclusões consiste em saber se, para efeito do disposto no artº 15º nº 1 alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU, o título executivo pode ser constituído pelo comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artº 1084º do C. Civil acompanhado da prova, feita por qualquer meio admitido em direito, da existência de um contrato, mesmo que meramente verbal, ou se o mesmo tem de ser acompanhado do contrato de arrendamento escrito inexistente, como decidiu o tribunal a quo.

Dispõe o artº 15º nº 1, alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02 que: “Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
 e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1, do art.º 1084.º do C. Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra”.

O título executivo é um documento que, mais do que valor probatório e para além desse valor, tem força executiva, podendo servir de base à realização coactiva do direito a que se reporta, quer porque é ele próprio a declaração judicial do direito – quando o título executivo é uma sentença condenatória – quer porque, em face da sua força probatória acrescida, o legislador lhe atribui força executiva dispensando a declaração judicial do direito.

O nº 1 do artº 46º do Código de Processo Civil prescreve que apenas podem servir de base à execução os títulos enunciados nas respectivas alíneas. Isto significa que essa enumeração é taxativa e só são exequíveis os documentos que se enquadrarem em alguma das espécies de títulos aí enumeradas.

A executoriedade do contrato de arrendamento urbano está prevista no artº 15º do NRAU para duas situações:
- Em primeiro lugar, para obter a entrega do locado, em caso de cessação do contrato por alguma das causas referidas nas als a) a f) do nº 1, desde que acompanhado pelo documento comprovativo da causa da cessação, aludido naquelas alíneas.
- Em segundo lugar, para a acção de pagamento da renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Em qualquer destas situações, os referidos documentos compreendem-se na espécie de títulos executivos enumerada na alª d) do nº 1 do artº 46º do Código de Processo Civil, que prescreve que são títulos executivos “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”[1].

É apenas a primeira modalidade de execução referida, destinada a obter a entrega de coisa certa que aqui nos interessa destacar.
O título executivo é constituído, nos termos do nº 2 do artº 15º do NRAU, pelo conjunto de documentos que compreende o contrato de arrendamento e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Estamos pois em face de um título executivo de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida[2].
Será, pois, no confronto do conteúdo dos dois referidos documentos que se há-de alcançar a resposta sobre o que pode ser exigido (objecto da execução ou quantia exequenda) e de quem pode ser exigido (sujeitos do lado passivo da execução ou executados).
Sendo importante realçar que o fundamento substantivo da acção executiva é a obrigação exequenda, a qual tem de constar do título executivo, e que é este que delimita objectiva e subjectivamente o âmbito da execução (arts 45º nº 1 e 55º, nº 1do CPC).

O artº 15º nº 1 alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02 é uma disposição especial que atribui força executiva ao escrito corporizando o contrato de arrendamento acompanhado do instrumento de notificação judicial avulsa pelo qual o senhorio declarou ao arrendatário resolver o contrato por falta de pagamento de rendas, dispensando a declaração judicial do direito de resolver o contrato de arrendamento.
Na criação deste título executivo, formado por dois documentos, o legislador tem em mente que, demonstrada verosimilhantemente a existência do contrato de arrendamento (com a apresentação do escrito que o substancia) e a declaração de resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas, veiculada através de declaração judicial avulsa, se verifica o citado equilíbrio entre celeridade e segurança, em ordem a dispensar a declaração judicial do direito, tanto mais que, a terem sido pagas as rendas em causa, o arrendatário sempre se poderá opor à execução nos mesmos termos em que o poderia fazer no processo de declaração (artº 816º do C. P. Civil)[3].
Ou então, como bem defende a apelante, a ratio legis do artº 15º alínea e) da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro prende-se, essencialmente, com razões de ordem probatória, de certeza e segurança jurídicas, por forma a que não subsistam dúvidas quanto à identidade dos sujeitos no contrato de arrendamento e à identificação da concreta coisa a restituir.

No caso sub judice a apelante pretende que seja considerado título executivo a sentença de 4 de Abril de 2008, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo 319/95, que declarou que as partes (autora e réu, agora exequente e executado) “encontram-se entre si vinculadas por um contrato de arrendamento para comércio”. – Cfr doc. fls 20 a 48, maxime fls 39.

A letra da lei (artº 15º nº 1 alª e) permite uma interpretação de modo a que, onde o legislador exige o contrato de arrendamento, se possa entender que se trata da prova do contrato de arrendamento, como tal qualificado e declarado por sentença transitada em julgado.

Tendo presente o necessário equilíbrio entre celeridade e segurança na definição de título executivo a que acima nos referimos, o legislador entendeu que, para a situação a que se reporta a alª f), os dois documentos nela referidos têm força executiva, podendo com isso significar que admite a prova do contrato de arrendamento por sentença que o qualificou e declarou como contrato de arrendamento comercial.

Nesta conformidade, e de acordo com a interpretação que se deixou dita, não podia o requerimento executivo ser liminarmente indeferido, como foi.
Procedem, pois, as conclusões da apelação.

EM CONCLUSÃO:
Para efeito do disposto no artº 15º nº 1 alª e) da Lei nº 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU, o título executivo pode ser constituído pelo comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artº 1084º do Código Civil acompanhado da prova da existência de um contrato de arrendamento comercial, como tal qualificado e declarado por sentença transitada em julgado.

III - DECISÃO

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas – artº 446º nº 1 do Código de Processo Civil.

Lisboa, 05 de Novembro de 2009

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 96.
[2] Cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 12.12.2008, em www.dgsi.pt  - procº nº 10790/2008-7.
[3]  Cfr Ac. da Relação de Lisboa de 13.11.2007, em www.dgsi.pt  - procº nº 8781/2007-7