Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9061/2007-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: DIREITO AO REPOUSO
DIREITO DE PERSONALIDADE
RUÍDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- Constitui violação do direito ao repouso e à tranquilidade a instalação de aparelhos de ar condicionado que produzem ruído constante e incomodativo (artigos 70.º e 483.º do Código Civil) que prejudica intensamente a tranquilidade e o repouso de outros moradores habitacionais.
II- A perturbação do sono, do repouso e da tranquilidade constituem lesões graves e de difícil reparação nos termos e para os efeitos do artigo 381.º/1 do Código de processo Civil.
III- O direito ao repouso e à tranquilidade não pode ser preterido invocando-se a necessidade de conforto - aquecimento da habitação - que, aliás, pode ser alcançado com utilização de aparelhagem que não seja causadora de ruído.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. J […] e P[…] requereram no dia 10 de Abril de 2007 providência cautelar não especificada contra F. […] e Maria […] pedindo que se ordene a proibição, com ordem de acatamento imediato, de utilização do ar condicionado por parte dos requeridos e de todas as pessoas que habitam ou frequentam a sua casa.
2. A pretensão dos requerentes funda-se no facto de, a partir de Dezembro de 2006, quando os requeridos instalaram dois aparelhos no saguão do prédio, por cima de duas das janelas da casa dos requerentes, passar a ser audível no interior da habitação destes um ruído constante e muito incomodativo que se sente mesmo quando as janelas dos quartos se encontram fechadas, as persianas corridas e as portadas fechadas.
3. Tais aparelhos, quando ligados, dada a intensidade e constância do ruído, torna desagradável e cansativo permanecer em qualquer um dos quartos, impedindo o repouso e a tranquilidade dos requerentes e filhos.
4. Os requerentes não podem utilizar os quartos da sua casa quando o ar condicionado se encontra ligado, a requerente já nem vai sequer para o seu quarto antes das 22.30h em ordem a evitar o seu estado de angústia, o que acarreta consequências muito graves, a nível do cansaço extremo e efeitos daí decorrentes, vivendo a requerente um período de grande ansiedade, irritação e cansaço como consequência da situação a que está sujeita, sentindo-se limitada no uso da sua casa e numa situação de sujeição relativamente aos requeridos, evidenciando a requerente um quadro clínico que teve início por perturbações do sono ocasionadas por ruído nocturno provocado por aparelho de ar condicionado de um vizinho e cujo timbre e nível não suporta.
5. A providência foi decretada.
6. Os requeridos interpuseram recurso alegando que não está provado que o eventual direito dos recorridos esteja efectivamente ameaçado de lesão, muito menos de forma grave; ao invés, a matéria factual assente na decisão permite concluir pela inexistência de lesão provocada directamente pela utilização dos aparelhos de ar condicionado, sendo que o eventual ruído provocado não era de tal forma elevado que se pudesse tornar verdadeiramente incomodativo.
7. Referem os recorridos que a utilização dos aparelhos de ar condicionado não era diária e ininterrupta, não ultrapassando as 22 horas, não se demonstrando nexo de causalidade entre as angústias, cansaço e irritação vividos pela requerente e a utilização dos referidos aparelhos.
8. A utilização desses aparelhos visa proporcionar aos requeridos uma vida mais confortável; a utilização dos aparelhos foi efectuada com parcimónia; os limites do ruído foram respeitados pelos recorrentes.
9. O Tribunal, ao decretar uma proibição absoluta de utilização dos aparelhos de ar condicionado, seja durante a semana ou seja ao fim de semana, seja após as 22 horas, seja durante o resto do dia, sendo certo que os próprios recorridos invocaram o incómodo causado à recorrida que, durante o dia, entre as 8 horas e até ao fim do dia, se encontra a trabalhar, o tribunal não se mostrou prudente nem proporcional na sua decisão, tornando-a consequentemente violadora da norma do artigo 387.º do Código de Processo Civil por exceder a medida justa da eventual necessidade de prevenção, atendendo, assim, ao caso concreto.
10. Consideram os recorrentes que é excessivo, desadequado e desnecessário impor uma proibição absoluta de utilização dos aparelhos, eliminando a possibilidade de o recorrente e a sua família com filhos menores poderem usufruir desse direito a uma vida de qualidade e até à saúde enquanto forma de prevenção de doenças decorrentes das enormes amplitudes térmicas que se sentem cada vez mais, mesmo em dias ou horários em que os recorridos não se encontrem em casa.

11. Factos provados:

1- Os requerentes são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão direito do prédio […] onde estabeleceram a sua casa de morada de família desde Setembro de 2002.
2- Na casa de morada de família dos requerentes vivem ainda dois dos seus filhos menores de 3 e 6 anos e, semana sim, semana não, residem mais duas filhas do requerente marido, de 10 e de 13 anos de idade.
3- Desde Novembro de 2006, os requeridos habitam na fracção autónoma imediatamente por cima da dos requerentes, correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio […] , com outras três pessoas (que os requerentes presumem ser filhos dos requeridos) e com um cão.
4- Em Novembro de 2006 os requeridos instalaram dois aparelhos de ar condicionado no saguão do prédio, por cima de duas das janelas da casa dos requerentes.
5- A instalação dos dois aparelhos de ar condicionado não foi precedida de pedido de autorização por parte dos requeridos ao condomínio.
6- Os requeridos não cuidaram de saber se os requerentes, seus vizinhos de baixo, se incomodavam com a colocação de dois aparelhos de ar condicionado por cima de duas janelas da casa destes.
7- Os aparelhos de ar condicionado, quando ligados, provocam um ruído constante e incomodativo.
8- Tal ruído sente-se de forma mais ténue com as janelas dos quartos fechadas, as persianas corridas e as portadas fechadas.
9- Esse ruído, embora constante quando ligado o ar condicionado, aumenta e diminui de intensidade, presumindo os requerentes que tal se fica a dever à força que os referidos aparelhos têm de empregar para atingir a temperatura programada pelos requeridos.
10- Os dois aparelhos de ar condicionado estão instalados, respectivamente, por cima do quarto dos requerentes e por cima de um outro quarto da casa.
11- Sendo audível o ruído provocado pelo ar condicionado em todos os outros quartos de dormir da casa dos requerentes - incluindo os das crianças - posto que também estes dão para o estreito saguão em que foram instalados os aparelhos.
12- Os requerentes deram conhecimento desta situação, por diversas vezes, desde o seu início em Dezembro de 2006.
13- Os requerentes dirigiram-se por diversas vezes ao andar de cima para solicitar aos requeridos que desligassem o ar condicionado.
14- Os requerentes enviaram aos requeridos, e estes receberam, a carta registada com aviso de recepção, datada de 12 de Fevereiro de 2007, cuja cópia consta dos autos de fls. 62 a 65 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15- Após a recepção da carta, os requeridos passaram a desligar o ar condicionado um pouco mais cedo, tendo havido dias em que não foi ligado.
16- Os requerentes atribuíram tal mudança a uma sensibilização que pudesse ter resultado do teor da carta que remeteram aos requeridos.
17- Tendo os requerentes ficado então convencidos de que os requeridos iam proceder à remoção dos aparelhos de ar condicionado do saguão e instalação noutro local
18- Quando regressou o frio, no início de Março, o ar condicionado voltou a ser ligado aquando da conveniência dos requeridos.
19- Tendo igualmente recomeçado o processo de os requerentes terem de contactar os requeridos , agora também via telemóvel da requerida a mulher, a solicitar que desliguem o ar condicionado cada vez que se encontra ligado depois das 23 horas (horário unilateralmente determinado como adequado pelos requeridos para o descanso dos requerentes).
20- A requerente não vai para o seu quarto antes das 22.30 o que lhe causa cansaço, pois tem de se levantar cedo.
21- Os requerentes, desde o início de Janeiro, deixaram de passar a maior parte dos fins-de-semana em casa, na certeza de não conseguirem descansar.
22- A requerente é Directora […] , SA onde normalmente entre pelas 8 horas da manhã.
23- O requerente é consultor de informática levando os seus filhos à escola onde chega pelas 8,10 da manhã.
24- A requerente vive um período de ansiedade, irritação e cansaço.
25- A requerente sente~se limitada no uso da sua casa e numa situação de sujeição relativamente aos requeridos.
26- A requerente deixou de utilizar a sua escrivaninha, localizada no seu quarto para arrumar os papéis da casa.
27- A requerente deixou de arrumar a roupa e os demais afazeres no seu quarto e nos quartos dos filhos.
28- O momento de regresso da requerente a casa é de angústia na expectativa de o ar condicionado se encontrar ligado.
29- Esta situação motivou que a requerente recorresse a ajuda médica na tentativa de amenizar a sua angústia, cansaço e intranquilidade.
30- A requerente passou a tomar um ansiolítico.
31- A requerente consultou um médico psiquiatra em 26 de Março de 2007.
32- O médico psiquiatra […] subscreveu a informação clínica junto aos autos a fls. 69.
33- O requerente marido passou a deitar-se mais tarde.
34- Os requerentes já ponderam mudar de casa.
35- Esses aparelhos ficaram instalados na parte exterior das duas janelas do seu andar e a elas encostadas.
36- Ficando cerca de 3 metros acima do parapeito das 2 janelas correspondentes ao andar imediatamente por baixo.
37- Esses aparelhos de ar condicionado são de última geração, de marca Sanyo CMRV, 1924 EH e, quando utilizados, produzem ruído no exterior.
38- O ruído provocado diminui de intensidade algum tempo depois dos aparelhos serem ligados e a temperatura pretendida ser alcançada.
39- É que na quase totalidade dos dias os requeridos e as sua filhas ausentam-se de manhã ou para o trabalho ou para a escola para terem as respectivas aulas.
40 É nessa altura , de início da noite, que na quase totalidade das vezes o ar condicionado tem sido ligado.
41- E nem todos os dias os aparelhos são ligados tal só acontecendo quando as temperaturas ficam muito baixas dentro de casa.
42- Sempre que pelos requerentes foi solicitado que se desligasse o ar condicionado, os aparelhos foram de imediato desligados.
43- Os requeridos impõem a eles próprios um horário de utilização dos aparelhos de ar condicionado entre as 19 e as 22 horas.
44- Após a recepção da carta dos requerentes, os aparelhos de ar condicionado passaram a ser desligados mais cedo e foram usados menos vezes.
45- Apesar de existirem dois aparelhos de ar condicionado instalados, somente se consegue manter ligado um deles de cada vez em virtude da instalação eléctrica não permitir, por falta de potência disponível, a ligação simultânea dos dois, sob pena do quadro vir imediatamente abaixo, mais ainda se tal se verificasse por volta da hora do jantar, quando normalmente estão ligados outros electrodomésticos.
46- Situação essa que leva a que por norma nos dias em que ligam os aparelhos, para se poder aquecer a totalidade da sua habitação, os requeridos tenham de, em primeiro lugar, ligar o ar condicionado que aquece a sala de jantar e que se encontra instalado por cima do quarto dos requerentes.
47- E só depois já mais perto das 20.30/21.00 horas desligando esse aparelho.
48- Ligam o outro aparelho, normalmente até cerca das 21.30/22.00, quando as suas filhas vão dormir para poder aquecer os restantes quartos que, por serem mais pequenos, necessitam de menos tempo para serem aquecidos.
49- O ruído durante a maior parte do dia confunde-se com o ruído ambiente.
50- A existência de obras ao nível da cave provocaram rachas no andar dos requeridos.

Apreciando:

12. A utilização de aparelhos de ar condicionado que, quando ligados, provocam um ruído constante e incomodativo (7) que se mantém, embora atenuado, com as portas, janelas e portadas fechados, que varia de intensidade e que é audível em todos os quartos de dormir (8, 9 e 11) constitui e traduz uma agressão ilícita e grave ao direito à tranquilidade e ao repouso.
13. Não importa que o ruído em concreto fique aquém do que a legislação fixa - o que nem sequer está provado - pois é em função das condições concretas que importa determinar se um nível de ruído é ou não agressivo.
14. É de senso comum que certos ruídos gerais, os ruídos próprios de uma cidade, são muitas vezes pouco significativos em termos de incómodo pessoal precisamente porque não se evidenciam, não se fixam continuamente, impedindo que quem os escuta deles se possa alhear. Todos sabemos como o simples ruído de gotas de água a cair uma a uma no silêncio da noite se pode tornar absolutamente insuportável.
15. Ora, no caso, o que importa é o grave incómodo causado pelo sistema de ar condicionado que os ora recorrentes instalaram numa zona do prédio - o saguão para o qual deitam os quartos - que é zona silenciosa, causando, assim, o ruído da aparelhagem um incómodo muitíssimo maior do que seria causado se ela tivesse sido colocada em fachada do imóvel virada para a via publica.
16. Não importa curar aqui da opção dos requeridos que provavelmente, por razões que se prendem com o regime de propriedade horizontal, não lograriam anuência dos condóminos para a instalação de uma aparelhagem, inovação que afectaria provavelmente a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.
17. Também se evidencia nexo de causalidade entre o ruído causado pela referida aparelhagem - ruído constante e incomodativo - e o justificado e compreensível estado de angústia sentido pela requerente (20), a dificuldade de os requerentes descansarem no sua própria casa de habitação (21), as consequências originadas ao nível do viver quotidiano (26, 27, 33) o estado de ansiedade e cansaço provocado pela situação desencadeada pelos requeridos a impor cuidados médicos (29,30,31,32).
18. O interesse dos requeridos em assegurar, para si e para os seus, compreensíveis níveis de conforto não pode ser obtido sujeitando as outras pessoas a uma situação como aquela que vêm padecendo os requerentes. Não há proporcionalidade, não há correspondência entre os dois interesses,
19. A providência não podia deixar de ser decretada.
20. Os recorrentes, no entanto, insurgem-se contra a decisão por a considerarem desproporcionada, impondo uma proibição absoluta de utilização da aparelhagem de ar condicionado quando seria porventura, em seu entender, mais razoável impor uma limitação na sua utilização
21. A verdade é que os ora recorrentes negaram que o ruído causado pela aparelhagem não fosse imperceptível, negaram que a situação invocada pelos requerentes de cansaço e desespero encontrasse na utilização da aparelhagem a sua causa.
22. Não se vê que os requeridos alguma vez procurassem conciliar os seus interesses com os interesses dos requerentes, procurando solucionar o problema por eles próprio causado (v.g. substituindo a aparelhagem por outra não ruidosa, alterando a respectiva localização, limitando a sua utilização a horas do dia em que não fosse causado incómodo aos requerentes).
23. Os ora recorrentes, apesar das constantes solicitações dos recorridos, utilizaram a aparelhagem nos momentos em que lhes interessava utilizá-la e naturalmente esses momentos são os momentos nocturnos quando as pessoas regressaram já ao seu domicílio.
24. Não está em causa na providência nenhum interesse por parte dos requeridos na utilização da aparelhagem exclusivamente fora das indicadas horas. Nem se vê que eles tenham alguma vez mostrado interesse em manter ou utilizar uma aparelhagem limitada a um período diurno durante os dias úteis da semana.
25. A matéria de facto provada aponta no sentido de que o ruído causado pelo funcionamento dos aparelhos de ar condicionado é lesivo do direito ao repouso e tranquilidade dos requerentes, de forma que se pode considerar grave e docilmente reparável, a partir do momento em que diminui ou cessa o ruído diurno ambiente (49). É isto o que está em causa e não saber se, apesar de a aparelhagem causar ruído, seria ou não aceitável a sua utilização noutros períodos do dia.
26. O conflito resulta essencialmente do facto de os aparelhos funcionarem a partir das 19 horas e serem desligados às 22 horas (43, 47 e 48).
27. Assim sendo, não poderia o Tribunal deixar de proibir os requeridos de utilizar qualquer desses aparelhos designadamente a partir das 19 horas e até ao fim da manhã do dia seguinte em todos os dias úteis; impor-se-ia sempre proibir a utilização dos aparelhos nos dias de descanso, sábados, domingos e dias feriados e também sempre que, por motivo de doença ou outro motivo similar, se impusesse o descanso e tranquilidade durante o dia.
28. Mas nestas circunstâncias interessaria aos recorrentes utilizar a aparelhagem? Interessará definir um regime de utilização de uma instalação perturbadora como a que foi colocada pelos recorrentes quando tal regime manifestamente não lhes interessa, regime que levaria a um exacerbar conflitual pois, já se vê, sempre se verificaria no dia a dia conflitualidade sobre a hora em que efectivamente deixou de ser utilizada a instalação ou sobre a necessidade de , num caso muito particular (v.g. por doença) se introduzir um regime excepcional.
29. E importa atentar num ponto particularmente relevante: existem outros meios de manter uma habitação confortável sem haver necessidade de se recorrer a uma instalação de ar condicionado causadora de ruído permanente, contínuo, incomodativo, não temporário, perturbador do direito à tranquilidade e ao repouso das pessoas e ao direito de não serem agredidas na sua própria habitação
30. É desde logo esta desnecessidade de utilização de um equipamento lesivo dos direitos de personalidade que justifica, sem muito mais considerações, uma decisão tal como a que foi proferida
31. É certo que da matéria provada resultou que o ruído causado pela instalação do ar condicionado se confunde com o ruído ambiente mas isso não significa que o ruído da aparelhagem de ar condicionado, por isso, perca aquelas características perturbadoras, que se torne inaudível ou imperceptível. Nem por esta via se vê necessidade de introduzir restrições ao alcance da decisão proferida.
32. Assim sendo, ocorre uma lesão grave e dificilmente reparável do direito dos recorridos à tranquilidade e ao descanso que não deixa de ser tanto mais ofensiva quanto desnecessária. Manter-se ainda que por algumas horas do dia a possibilidade de utilização da aparelhagem nem satisfazia os recorrentes nem deixava de causar perturbação aos recorridos, grave perturbação, pois se à noite a gravidade da ofensa é intensa, não deixa ela de ser grave impedindo-se a tranquilidade durante as próprias horas diurnas e particularmente em dias de descanso.
33. Quanto à questão do nível de ruído exceder os limites fixados na lei importa referir dois pontos: primeiro, o ónus da prova do excesso cabe àqueles que consideram que se verifica esse excesso (artigo 342.º/1 do Código Civil). Não seria por tal razão que a providência seria deferida pois tal prova não foi feita; segundo, tratando-se de ofensas a direitos de personalidade o que importa é saber se tais direitos foram ou não foram injustificadamente atingidos independentemente do nível de ruído em si ser inferior aos limites fixados na lei. É que, como se disse, entender de modo diverso não seria razoável pois o que importa é saber se há ou não uma agressão a tais direitos e essa ofensa não pode ser vista fora das condições concretas.
34. Ora, no caso em apreço, o que se nos depara é esta situação: uma família instala uma aparelhagem de ar condicionado sobre quartos de dormir de vizinhos, instalação causadora de ruído constante e incomodativo, utilizando-a principalmente durante a noite quando as famílias se reúne, garantindo, assim para si uma comodidade que poderia ser assegurada sem causar nenhum dano a terceiros, seja utilizando uma aparelhagem não ruidosa, seja utilizando outro meio de aquecimento.
35. Vejam-se os Acs do S.T.J. de 17-1-2002 (Quirino Soares) (revista nº 4140/01), Ac. do S.T.J. de 18-2-2003 (Fernandes Magalhães) (revista nº 4733/02), Ac. do S.T.J. de 21-10-2003 (Afonso de Melo), C.J.,3, 106, de 18-1-2005 (Sousa Leite) (P. 4018/04), Ac. do S.T.J. de 22-9-2005 (Pereira da Silva) (P. 4264/04) reconhecendo que os direitos à tranquilidade e repouso são sempre susceptíveis de protecção mesmo que o ruído fique aquém dos níveis estabelecidos por lei); ver o Ac. da Relação de Coimbra de 16-5-2000 (Ernesto Calejo) C.J. ,3, pág. 16

Concluindo:

I- Constitui violação do direito ao repouso e à tranquilidade a instalação de aparelhos de ar condicionado que produzem ruído constante e incomodativo (artigos 70.º e 483.º do Código Civil) que prejudica intensamente a tranquilidade e o repouso de outros moradores habitacionais.
II- A perturbação do sono, do repouso e da tranquilidade constituem lesões graves e de difícil reparação nos termos e para os efeitos do artigo 381.º/1 do Código de processo Civil.
III- O direito ao repouso e à tranquilidade não pode ser preterido invocando-se a necessidade de conforto - aquecimento da habitação - que, aliás, pode ser alcançado com utilização de aparelhagem que não seja causadora de ruído.

Face ao não provimento do recurso interposto pelos requeridos, não há que apreciar o recurso de agravo interposto pelos requerentes minutado de fls 226/238.

Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida

Custas pelos recorrentes

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008

(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)