Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6404/2007-8
Relator: BRUTO DA COSTA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
RECUSA DA PETIÇÃO PELA SECRETARIA
FACTOS SUPERVENIENTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: Verificando-se, mediante junção de documento comprovativo com as alegações de recurso de agravo que o apoio judiciário foi concedido ao réu na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, o Tribunal, que havia ordenado o desentranhamento da petição inicial por não pagamento da taxa de justiça, pode considerar esta situação superveniente – a junção do documento emitido a conceder o apoio judiciário – reconhecendo que afinal o A. beneficiava já de apoio judiciário à data em que intentou a acção.

(SC)

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.

Na comarca de Lisboa
PV
Intentou acção com processo ordinário contra
I, SA,
Alegando beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas e juntando o documento de fls. 59/60.
A acção foi contestada e o processo seguiu os seus normais trâmites até que, por douto despacho de fls. 205/206 se decidiu o desentranhamento da petição inicial.
É desse douto despacho que vem interposto o presente recurso de agravo.
Nas suas alegações o agravante formula as seguintes conclusões:
1.
Por mero lapso, comprovado pela data da aprovação, pela Segurança Social, da concessão do beneficio de apoio judiciário, o A. não juntou o documento que a titulava e que era devido.
2.
Corrigido tal lapso (manifesto, à luz do art. 667°, n.º do Cód. Processo Civil), o documento em causa é junto com as presentes alegações.
3.
Podendo assim, ser accionado o mecanismo processual de reparação de agravo, previsto no artigo 744°, n.º 1, do Código de Processo Civil,
4.
Ainda que assim se não entendesse, o que só academicamente se admite, sempre o despacho ora recorrido deveria ser revogado, por violar o disposto nos artigos 467°, n.º 5, do Código Processo Civil e 25°, n.º 2, da lei 34/2004, de 29 de Julho, ao abrigo do disposto no artigo 668°, n.º 1, b) e c), do Cód. Processo Civil.
TERMOS EM QUE,
Deve o douto despacho recorrido ser reparado nos termos sobreditos ou, quando assim se não entenda, ser o mesmo revogado, com as inerentes consequências legais.
 
 Não houve douta contra-alegação e a Exma. Juiz manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
A questão a resolver consiste em apurar se deve ou não manter-se o despacho que ordenou o desentranhamento da petição inicial.

II - Fundamentos.

Consta do seguinte o despacho em causa:

O pedido de apoio judiciário formulado pelo A. foi indeferido e o A. não juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial nos dez dias subsequentes à notificação da decisão de indeferimento, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 467°./5 do C.P.C., determino o desentranhamento da petição inicial. De notar que a petição nem sequer devia ter sido recebida uma vez que o A. não juntou o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, nem documento a testar a concessão de apoio judiciário (v. art.º 474°./ f) do C.P.C.).

O A. limitou-se a juntar, como doc. n.º. 6 (fls. 59 e 60) um documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.

As petições só podem ser recebidas nessas circunstâncias quando seja requerida a citação urgente, prévia à distribuição e faltem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade (v. art°s. 474°/f in fine e 467°./4 do C.P.C.).

Não era o caso dos autos.

Uma vez que, ainda assim, a petição foi recebida, só com o documento comprovativo do pedido, não concedido (v. n°. 4 do art.º 467°. do CPC), tinha o A. de proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial nos dez dias subsequentes ao indeferimento (n.º. 5 do mesmo artigo e diploma).

Não o fez (v. fls. 200 a 204).

Aliás, verifica-se agora do confronto dos documentos de fls. 200 a 204 com o de fls. 59 e 60, que o pedido de apoio formulado pelo A. nem sequer era para os presentes autos.

De todo o modo, certo é que foi indeferido e o A. não pagou a taxa de justiça inicial.

Por tudo o exposto, determino o desentranhamento da petição inicial, com as legais consequências.

Contra o entendimento exposto no douto despacho sustenta o agravante que tal estaria afastado pelo nº 5 do art.º 467º do Código de Processo Civil.

Dispõe o citado preceito, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março:
Artigo 467.º
[...]
1 - ...
a) Designar o tribunal em que a acção é proposta e identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, profissões e locais de trabalho;
b) ...c) ...d) ...e) ...f) ...
g) Designar o solicitador de execução que efectuará a citação ou o mandatário judicial que a promoverá.
2 - ...3 - ...
4 - Sendo requerida a citação nos termos do artigo 478.º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.
5 - No caso previsto no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só lhe for notificado depois de efectuada a citação do réu.
6 - Para o efeito da alínea g) do n.º 1, o autor designa solicitador de execução inscrito na comarca ou em comarca limítrofe ou, na sua falta, em outra comarca do mesmo círculo judicial, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 239.º
7 - A designação do solicitador de execução fica sem efeito se ele não declarar que a aceita, na própria petição inicial ou em requerimento a apresentar no prazo de cinco dias.

Analisado o preceito, verificamos que ele é taxativo: o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só lhe for notificado depois de efectuada a citação do réu.

O Autor não juntou ao processo o documento em causa, fazendo-o agora, já em sede de recurso.

Por tal documento verifica-se que por comunicação de 28.10.2005 foi o Autor notificado pelo Instituto de Segurança Social (ISS), Centro Distrital de Viseu, de que, face ao seu pedido de apoio judiciário não beneficiaria de consulta jurídica gratuita mas beneficiaria de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo (cf. fls. 247/249).

A presente acção foi proposta em 19.4.2006 e foi contestada em 5.6.2006.

É portanto evidente e manifesto que a comunicação do ISS foi anterior à citação do Réu e mesmo anterior à própria propositura da acção.

O Autor juntou ao processo um documento do ISS (fls. 59/60) que nada tem a ver com o presente processo ou só remotamente pode ter a ver, documento onde lhe é solicitado que junte documentos ao processo do ISS a fim de ser apreciado o seu pedido de apoio judiciário.

Verificamos pois que não foi negado ao Autor o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo.

Não tendo sido negado tal pedido, deixaria de justificar-se a aplicação do citado art.º 467º, que no seu nº 5 pressupõe o indeferimento da pretensão.

Todavia, como bem se observa no despacho aqui em causa, a petição nem sequer devia ter sido admitida, pois o Autor limitou-se a juntar, como doc. n°. 6 (fls. 59 e 60) um documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido e as petições só podem ser recebidas nessas circunstâncias quando seja requerida a citação urgente, prévia à distribuição e faltem menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade (v. art°s. 474°/f in fine e 467°./4 do C.P.C.).

Com efeito, estabelece o art.º 474º, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto:

ARTIGO 474.º
RECUSA DA PETIÇÃO PELA SECRETARIA

A secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos: *
a) Não tenha endereço ou esteja endereçada a outro tribunal ou autoridade;
b) Omita a identificação das partes e dos elementos a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 467.º que dela devam obrigatoriamente constar;
c) Não indique o domicílio profissional do mandatário judicial
d) Não indique a forma de processo;
e) Omita a indicação do valor da causa;
f) Não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou o documento que ateste a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 4 do artigo 467.º *
g) Não esteja assinada;
h) Não esteja redigida em língua portuguesa;
ii) O papel utilizado não obedeça aos requisitos regulamentares.
* (Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto)

Ora de facto não foi junto documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça nem foi junto documento que atestasse a concessão do apoio judiciário – não o foi por exclusiva responsabilidade do Autor, que já o detinha no momento em que propôs a acção.

Nessas circunstâncias era inevitável a prolação do despacho em causa, que, assim, e salvo o devido respeito por opinião contrário, não merece a menor censura.

O problema está em que a verdade processual afinal se mostra desconforme à realidade, pois verifica-se que afinal foi concedido ao Autor o benefício do apoio judiciário, embora restrito à dispensa de preparos e custas.

Não cremos com a redacção do art.º 474º, al. f), o legislador tenha querido abranger casos como o presente, em que de facto foi atribuído o benefício mas em virtude de lapso da parte não foi junto ao processo o respectivo documento – tal equivaleria a fulminar com a nulidade toda uma pretensão porventura válida, apenas porque houve um lapso da parte, que pode ser suprido – como aliás foi, com a apresentação subsequente do documento de fls. 247/249.

Justificava-se que depois da apresentação de tal documento o apresentante fosse sancionado, porventura com custas incidentais, pela sua anterior omissão e devido ao processado anómalo que originou (nessa fase ainda o Exmo. Juiz da 1ª instância podia ter reparado o agravo, pois da leitura de tal documento ressalta à evidência que o despacho sob recurso foi proferido tendo como pressuposto o indeferimento do pedido de apoio judiciário, o que não aconteceu), mas não se justifica que, como se diz acima, se mantenha uma decisão cujos pressupostos se verificam não corresponder à realidade, muito embora essa desconformidade de pressupostos com a realidade tenha sido originada por um lapso da parte.
Termos em que o agravo deve ser provido.

III - Decisão.

De harmonia com o exposto, nos termos das citadas disposições, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, determinando que o despacho de fls. 205/206 seja substituído por outro que, mantendo a petição inicial sem desentranhamento, se limite a condenar o Autor em custas incidentais, seguindo-se os demais trâmites.

Sem custas nesta instância.
 
Lisboa e Tribunal da Relação, 25.10.2007

Os Juízes Desembargadores,

Francisco Bruto da Costa

Catarina Arêlo Manso

Pedro Lima Gonçalves