Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
146/08.7TVLSB.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
INCUMPRIMENTO
CULPA
RESPONSABILIDADE CIVIL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não tendo a questão de facto ser necessariamente simples, devem ficar excluídos da base instrutória silogismos, que com referência a normas ou critérios jurídicos, se traduzam em juízos de valor de carácter conclusivo de elevada complexidade, de modo a elegerem a factos materiais da causa, proposições que contém em si, a resolução do respectivo objecto.
2. O termo “terceiro”, embora se possa configurar como o resultado de um silogismo que no atendimento de normativos legais permite tal qualificação, e assim não passível de ser submetida à produção de prova testemunhal, também surge como expressão normalmente usada no sentido de alguém para além dos interessados ou envolvidos, em termos directos, num determinado evento, e em conformidade constituindo uma realidade, que pode desse modo ser apreendida e transmitida.
3. O conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição directa sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respectivo afastamento.
4. Considerando no concerne ao fornecimento da energia ter ficado demonstrado que a interrupção foi devida a actuação de terceiro, e como tal comprovada, consubstancia-se um dos casos apontados como fortuitos ou de força maior, desculpantes do não fornecimento de energia.
5. Provado, também, que o cabo estava em boas condições de funcionamento, instalado de acordo com as exigências técnicas vigentes, do mesmo modo instaladas e assinaladas as redes de transporte da energia eléctrica, não sendo previsível que a avaria pudesse ocorrer, pode-se concluir que ilidida foi a presunção de culpa.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
           
I - Relatório
1. F,  A e B, demandaram E, SA, pedindo que a R. seja condenada a pagar:
a) À A., a quantia de 21.259,16€, acrescida de juros contados à taxa dos juros civis desde a interpelação, 10 de Novembro de 2005, até integral pagamento, bem como a quantia de 23.645,00€, a título de lucros cessantes;
b) Ao A. A, o montante de 15.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos dos juros contados à taxa dos juros civis desde a interpelação, a 10 de Novembro de 2005, até integral pagamento;
c) Ao A. B, o montante de 15.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos dos juros contados à taxa dos juros civis desde a interpelação, a 10 de Novembro de 2005, até integral pagamento.
 2. Alegam para tanto, que sendo a A. uma sociedade de advogados, e os 2º e 3º AA, ambos advogados, os seus únicos sócios, a primeira A. celebrou um contrato de fornecimento de energia eléctrica com a R., tendo esta se comprometido a fornecer àquela, nas instalações onde se onde exerce a respectiva actividade, a partir de 22.12.2004, e por tempo indeterminado, de forma constante e ininterrupta, energia eléctrica de baixa tensão.
No dia 12 de Julho de 2005, pelas 11horas e 45minutos a R. interrompeu o fornecimento de electricidade pelo menos durante duas horas, deixando o sistema informático por completo de funcionar, não sendo possível restabelecer o funcionamento durante esse dia e no dia seguinte, porquanto a interrupção no fornecimento foi acompanhada por um pico de tensão, ou seja uma descarga de corrente e elevação anormal de voltagem que danificou de modo irremediável o sistema informático, danificando o disco rígido do servidor de domínio e  disco regido do servidor de backup, queimando toda a informação neles contida.
Não sendo possível recuperar a informação perdida, viu-se a A. obrigada a despender a quantia de 21.259,16€, de despesas com software e hardware, suportando ainda um prejuízo não inferior a 23.645,00€, como trabalho dos sócios, associados, colaborador e estagiários, gasto a procurar, recuperar e voltar a inserir no sistema informático, a informação perdida.
O 2º e 3º AA, suportaram durante cerca de dois meses e meio, grande ansiedade, angústia, desespero e desânimo, não podendo gozar a totalidade das suas férias, o que causou grande cansaço físico e psicológico, afectando a vida profissional e familiar, devendo ser indemnizados pelos danos patrimoniais sofridos.   
3. A R. citada veio contestar, alegando que a existirem os danos invocados tiveram como causa única, directa e necessária os danos provocados no cabo eléctrico pela intervenção de terceiro, e assim uma causa exterior que nada teve e ver com o fornecimento de energia efectuada pela R. ou com o estado de conservação do cabo afectado, que à data dos factos se encontrava em perfeito estado e instalado de acordo com todas as regras técnicas em vigor e em igualmente em perfeitas condições de exploração, mais impugnando o factualismo aduzido.
4. Realizado julgamento foi proferida decisão que julgou a  acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.
5. Inconformados vieram os AA interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
ü Os Autores, ora Apelantes intentaram uma acção na qual peticionam a condenação da Ré no pagamento de indemnizações para ressarcimento dos danos que sofreram em decorrência de uma quebra no fornecimento de energia eléctrica por esta fornecida à Autora ao abrigo do contrato de fornecimento de energia eléctrica nº …..
ü O Tribunal a quo deu por provados todos ao factos alegados pelos Autores.
ü Todavia, julgou a acção improcedente por ter considerado que tais danos ocorreram devido à intervenção, na rede de distribuição de energia eléctrica, de um terceiro não identificado.
ü Os Autores não podem conformar-se com a sentença prolatada pelo Tribunal a quo.
ü Nos termos do artigo 799º do CC, para evitar ser condenada no pagamento da quantia peticionada nos presentes autos, a Ré tinha de provar que o incumprimento do contrato de fornecimento de energia eléctrica não procedeu de culpa sua.
ü Com este objectivo, a Ré limitou-se a alegar que ocorreu a intervenção de um terceiro não identificado na sua rede de distribuição de energia eléctrica.
ü Ora, por facto devem entender-se “as ocorrências concretas da vida real”(…) directamente captáveis pelas percepções do homem“ ob. cit.
ü Por seu lado, “Terceiro” significa todo aquele que, por si ou por intermédio de outrem, não participa na celebração de um negócio jurídico.”
ü Assim, determinar se um indivíduo no caso concreto é um terceiro não constitui ocorrência concreta directamente captável pelas percepções do homem sendo antes conclusão que se alcança mediante raciocínio jurídico baseado em factos.
ü Assim, qualificar simplesmente alguém como terceiro é uma mera conclusão que cabe ao tribunal extrair face aos factos que são levados ao seu conhecimento pelas partes
ü E não constitui facto que pudesse licitamente ser levado à base instrutória – artigo 511º CPC.
ü Conforme resulta dos autos, a Ré não alegou factos susceptíveis de permitir ao tribunal concluir que houve intervenção de um terceiro.
ü Acresce que, nos seus articulados a Ré nunca identifica quem realizou a intervenção que alega ter ocorrido,
ü Nem alega que a intervenção tenha sido levada a efeito por estranhos à sua própria pessoa ou actividade.
ü Sem identificar o terceiro, não é lícito ao tribunal concluir que houve uma intervenção de um terceiro face à Ré ou à actividade desta.
ü Competia à Ré ter alegado e ter feito prova de factos que, no caso em análise, permitissem ao Tribunal concluir pela qualidade de terceiro do alegado interveniente, o que esta não fez, conforme se decidiu no douto acórdão do STJ 08P1856 publicado em www.dgsi.pt.
ü Para além disto, segundo o nº 4 do artigo 2º do regulamento sobre a “qualidade de serviço” prestado pela Ré, entre os casos fortuitos ou de força maior susceptíveis de afastar a responsabilidade desta última, encontra-se a intervenção de terceiro devidamente comprovada.“
ü A Ré limitou-se a alegar que no caso ocorreu uma “intervenção de terceiro não identificado.”
ü Ao contrário do que a Ré pretende - e o tribunal a quo sufraga na sentença em recurso - tal não é suficiente para afastar a responsabilidade da Ré.
ü Ser terceiro devidamente comprovado não tem o mesmo significado e alcance de ser terceiro não identificado.”
ü Tem significado contrário.
ü Assim, nos termos da norma regulamentar citada na decisão em recurso, para que existisse uma causa de força maior fundada na intervenção de terceiro comprovado, a Ré teria que ter identificado tal terceiro, o que, conforme já alegado, não fez.
ü O Tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão numa conclusão violou claramente o estatuído no citado regulamento artigo 342º do CC e nos artigos 511º, nº 4 do artigo 646º e 659º, todos do CPC.
ü Nos termos do nº 4 do artigo 646º do CPC, deverá ter-se por não escrita a resposta do Tribunal a quo sobre a intervenção do terceiro não identificado na rede eléctrica. – Resposta ao artigo 90º da Base Instrutória
ü Não tendo a Ré ilídido a presunção de cumprimento que sobre si recai, a acção devia ter sido julgada procedente.
ü Acresce que, a Autora, na sua Réplica, designadamente sob os artigos 7º, 8º, 9º, 13º e 14º, alegou não ser credível que tendo existido a intervenção de um terceiro a Ré não tenha procedido a identificação do mesmo,
ü Nem mesmo indicado as diligências que fez para o efeito.
ü A Ré assenta a sua defesa - e a sentença em recurso fundamenta a desresponsabilização desta - na intervenção de um terceiro na sua rede de distribuição de energia eléctrica.
ü A sentença em recurso não se pronuncia sobre as questões colocadas pela Autora perante esta excepção deduzida pela Ré.
ü Como também não se pronuncia sobre a excepção deduzida pela Ré.
ü Assim, a sentença em recurso viola o estatuído no nº 2 do artigo 660º e da alínea d) do artigo 668º, do CPC o que a torna nula, o que desde já se alega para todos os legais efeitos.
ü Tanto mais que, a alegação da Autora indicada em 26 constitui uma contraexcepção à excepção deduzida pela Ré, porque extingue o efeito que a Ré pretendia obter com a alegação da excepção, pelo que se impunha a meritíssima juiz a quo apreciar tal matéria na sentença em recurso.
ü Para julgar improcedente à luz do instituto da responsabilidade pelo risco a sentença a quo fundamentou-se na redacção dos artigos 92º e 94º da base instrutória – pontos 99º e 101º da fundamentação de facto da decisão - a que aquele Tribunal respondeu “provados.”
ü Ora, tais artigos são, embora parciais, reproduções do plasmado no nº 1 do artigo 509º do CC.
ü A Ré nunca alegou factos que permitissem ao Tribunal a quo concluir pelo bom estado de conservação dos cabos eléctricos que integram a sua rede.
ü Assim, a sentença em recurso ao dar por provadas conclusões violou, mais uma vez, o estatuído nos artigos 342º e 509º CC e nos artigos 511º e nº 4 do 646º ambos do CPC.
ü Nos termos deste último normativo, deverá ter-se por não escrita a resposta do Tribunal a quo sobre o alegado nos artigos 99º a 101º da base instrutória.
ü Não tendo a Ré ilídido a presunção de culpa que sobre si recai, a acção devia ter sido julgada procedente.
ü Acresce que é pacifico que a actividade de distribuição de energia eléctrica só por si reveste natureza perigosa.
ü Compete à Ré alegar e provar factos – artigo 493º CC - que levassem o Tribunal a concluir que esta adoptou todos os procedimentos técnicos para evitar a interrupção do fornecimento de energia, o que não se verificou.
ü A Ré não alegou nem provou tais factos pelo que não ilidiu a presunção estatuída no nº 2 do artigo 493º do CC, pelo que a acção deve ser considerada procedente.
6. Nas contra-alegações, a R. pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido.
      7. Cumpre apreciar e decidir.
*
            II – Os factos
            Na sentença sob recurso foram considerados como provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade civil de advogados, registada na Ordem dos Advogados (alínea a) da matéria assente);
2. Os Autores A e B são ambos Advogados e os únicos sócios da Autora (alínea b) da matéria assente);
3. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à distribuição de energia eléctrica (alínea  c) da matéria assente);
4. Desde Janeiro de 2005 a Autora está instalada e exerce a respectiva actividade na Rua (alínea d) dos factos assentes);
5. A Autora e a Ré celebraram o contrato de fornecimento de energia eléctrica n.º  nos termos do qual esta última se comprometeu a fornecer àquela nas instalações acima identificadas, a partir de 22/12/2004 e por tempo indeterminado, energia eléctrica de baixa tensão (alínea e) da matéria assente);
6. No dia 12 de Julho de 2005, ocorreu um incidente na rede eléctrica de distribuição de energia, na zona onde se situam as instalações de utilização da A., identificadas na alínea d), (alínea f) da matéria assente);
7. Desse incidente resultou afectado o “barramento1” da subestação (SE) das M por disparo do respectivo disjuntor de protecção, provocando a interrupção do fornecimento de energia a toda a zona alimentada a partir desta SE, incluindo a instalação de utilização da Autora (alínea g) da matéria assente);
8. O troço de rede subterrânea em avaria situava-se entre os PST (Posto de Seccionamento e Transformação) 147 e 78 (alínea h) da matéria assente);
9. Desse incidente resultaram prejuízos para a Ré E e eventualmente para os seus Clientes cujas instalações de utilização são alimentadas pelo cabo danificado (alínea i) da matéria assente);
10. Em resultado desse incidente o fornecimento de energia efectuado pela Ré E esteve interrompido, pelo menos, durante 65 minutos (alínea j) da matéria assente);
11. A instalação de utilização da Autora é alimentada de energia eléctrica de baixa tensão através de dois cabos provenientes do PST 923 (alínea k) da matéria assente);
12. O PST 923 é alimentado pelo barramento de 10 KV da SE das M, cujo disjuntor disparou (alínea l) da matéria assente);
13. O PST 923 está em circuito distinto do cabo 1941 que sofreu a avaria (alínea m) da matéria assente);
14. A A. conseguiu dar resposta aos telefonemas dos devedores dos seus clientes (alínea n) da matéria assente);
15. No dia 10 de Novembro de 2005, a A. dirigiu à E, SA, a carta que se encontra a fls. 33 ss. cujo teor se dá por reproduzido (alínea o) da matéria assente);
16. Em resposta àquela carta de 10/11/2005 e a uma outra de 13/01/2006, a “E” enviou à A. a carta que se encontra a fls.37, cujo teor se dá por reproduzido (alínea p) da matéria assente);
17. No subsolo da cidade encontram-se instalados cabos de transporte e distribuição de energia eléctrica (alínea q) da matéria assente);
18. Até à data, a R. nada pagou à A. (alínea r) da matéria assente);
19. A R. obrigou-se a fornecer à A. nas suas instalações energia eléctrica, por regra, de forma constante e ininterrupta (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória)
(…..)
39. No dia 12 de Julho de 2005 antes da hora do almoço, em hora que concretamente não foi possível apurar, a Ré interrompeu o fornecimento de electricidade à Autora pelo menos durante o período de tempo referido na al. j. [resposta ao art° 21° da base instrutória];
40. O sistema informático da Autora deixou de funcionar [resposta ao art° 22° da base instrutória];
41. Pelo menos nos dez dias que antecederam o dia 12/07/2005, todos os componentes do sistema informático da Autora acima referidos encontravam-se em bom e pleno funcionamento, e tal sistema operava com normalidade não tendo sido reportada nem detectada pela UCS qualquer falha no mesmo [resposta ao art° 23° da base instrutória];
(……)
53. A Ré obrigou-se a fornecer à Autora energia eléctrica com a tensão de alimentação 230 volts [resposta ao art° 38° da base instrutória];
54. Os aparelhos alimentados electricamente em Portugal, designadamente os computadores, são construídos com uma tolerância de cerca de 10% acima da tensão de alimentação que recebem [resposta ao art° 39° da base instrutória];
55. Os computadores quando sujeitos a uma voltagem superior aos seus limites máximos de tolerância entram em sobrecarga, a temperatura dos mesmos eleva-se e o circuito dos componentes integrados queima-se, provocando a avaria total ou o mau funcionamento dos mesmos [resposta ao art° 42° da base instrutória];
56. No caso do sistema informático da A., a placa de circuito integrado denominada controladora de disco rígido ficou danificada e provocou um mau funcionamento das cabeças de leitura destes o que, por sua vez, danificou os discos em si [resposta ao art° 43° da base instrutória];
57. Esta avaria pode ter tido na sua origem uma elevação da temperatura, para além da suportada pelos componentes dos computadores [resposta ao art° 44 da base instrutória];
(…..)
62. A estrutura da rede informática da Autora e todas as suas configurações foram apagadas [resposta ao art° 50° da base instrutória];
63. Todos os documentos, bases de dados de clientes, base de dados jurídicas, agendas, contactos, bem como todos os programas de suporte, criação e visualização de documentos indispensáveis ao exercício da actividade exercida pela a Autora, foram também apagados ou ficaram insusceptíveis de ser localizados [resposta ao art° 51° da base instrutória];
64. Os sócios e demais colaboradores da Autora ficaram impossibilitados de aceder aos ficheiros informáticos dos seus clientes [resposta ao art° 52° da base instrutória];
65. Deixaram de saber qual o último acto praticado nos processos que corriam em Tribunal, bem como as datas que já se encontram designadas para a realização de diligências e os prazos que tinham em curso [resposta ao art° 53° da base instrutória];
66. A Autora perdeu os registos informáticos das acções que enviara por correio electrónico, das que aguardavam distribuição, bem como, os Tribunais nos quais corriam as suas acções [resposta ao art° 54° da base instrutória];
(…..)
96. No local da avaria, a equipa de piquete da R. encontrou o cabo de Média Tensão 1941 danificado por eléctrodos de terra, que se encontravam espetados no dito cabo [resposta ao art.º 89° da base instrutória];
97. Este incidente foi provocado pela intervenção na rede eléctrica de um terceiro não identificado [resposta ao art° 90° da base instrutória];
98. (..,) Causada pela instalação de um painel publicitário na Av. …em Zona confinante com a Rua …. [resposta ao art° 91° da base instrutória];
99. As redes eléctricas existentes no subsolo encontravam-se sinalizadas e instaladas nos termos regulamentares [resposta ao art° 92° da base instrutória];
100. Apenas os estragos provocados no cabo eléctrico pelos trabalhos de implantação do painel publicitário foram a causa do disparo do disjuntor na SE, com a consequente repercussão no fornecimento de energia efectuado pela Ré E [resposta ao art° 93° da base instrutória];
101. O cabo afectado, á data dos factos, encontravam-se em perfeito estado de conservação e instalado de acordo com todas as regras técnicas em vigor e em perfeitas condições de exploração [resposta ao artº 94° da base instrutória);
102. Quando a equipa de piquete da R. chegou ao local da avaria ainda aí se encontrava a máquina que escavara recentemente o solo para implantação de um painel publicitário [resposta ao art° 96° da base instrutória].
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III – O Direito
Como se sabe o objecto do recurso é definido pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC, pelo que no seu necessário atendimento, a saber está, se contrariamente ao decidido, assiste aos AA o direito a serem ressarcidos conforme a pretensão que vieram deduzir nos presentes autos.
Com efeito, em sede da sentença sob recurso, tendo em conta que entre as partes fora celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica, considerou-se que no caso concreto, se mostrava legitimada a interrupção de tal fornecimento, não se configurando o incumprimento contratual, e afastada a correspondente responsabilidade obrigacional. Atendendo, ainda a outras formas geradoras de responsabilidade, nomeadamente a pelo risco, na previsão do art.º 509, do CC, entendeu-se que a mesma não se configurava, porquanto os danos tinham sido devidos a causa de força maior, por intervenção de um terceiro não identificado.
Da análise das conclusões formuladas pelos Recorrentes, configuram-se como questões a apreciar, as seguintes:
1. desconsideração de matéria dada como provada;
2. nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
3. da verificação dos pressupostos da responsabilidade contratual, e ou extracontratual, e decorrentemente da obrigação de indemnizar.
Apreciando.
1. Resulta do alegado que é posta em causa a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo-se que seja considerada como não escrita a resposta dada aos artigos 90.º, 92.º e 94.º da base instrutória.
Assim, e em tal âmbito, é sabido que o juiz deve, ao fixar a base instrutória, seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, isto é, reportada à verificação de determinados acontecimentos da vida real, humanos ou naturais, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, perceptíveis como tal, como uma das premissas do silogismo em que se traduz o acto de julgar.
Como há muito se vem defendo[1], a distinção entre conceito de direito e facto é um dos problemas mais delicados do direito processual civil, embora, do ponto de vista teórico, se mostre fácil de enunciar os critérios gerais de orientação para a delimitação de tais conceitos, nomeadamente, considerando-se como facto, tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, se o apuramento dessas realidades se realiza à margem directa da lei, ou seja, tratando-se de averiguar factos cuja existência não dependa da interpretação de qualquer norma jurídica[2].   
Já em termos práticos, porém, proceder a tal distinção revela-se muitas vezes como uma tarefa de elevada dificuldade, principalmente porque a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida da estrutura da norma aplicável e dos termos da causa, não se desconhecendo a existências de realidades socialmente atendíveis, com sentidos vulgarmente aceites em tal âmbito, coincidindo em termos de expressão, com um conceito jurídico, traduzido numa conclusão a extrair de factos naturalísticos que o suportam[3].
Salientando-se, como já se referiu, que a questão de facto não tem de ser necessariamente simples, deverão ficar excluídos da base instrutória silogismos, que com referência a normas ou critérios jurídicos, se traduzam em juízos de valor de carácter conclusivo de elevada complexidade, de modo a elegerem a factos materiais da causa, proposições que contém em si, a resolução do respectivo objecto.
Tal preocupação não se desvanece na formulação das perguntas formuladas, devendo igualmente presidir à sua resposta, sendo que se a boa técnica aponta para que cada quesito contenha apenas uma facto, inexiste qualquer sanção no caso de ser formulada de forma complexa, já contudo devendo ser considerada como não escrita a resposta do tribunal, se versar sobre questões de direito, art.º 646, n.º4, do CPC, da mesma forma, devendo ser tida a resposta, ou parte, que se consubstancia num juízo de valor sobre a matéria de facto, como conclusão, com tal natureza, sobre determinada matéria de facto, não apenas assente em critérios do homem comum[4], mas já implicados com o sentido de uma norma jurídica aplicável, ou valorados em termos legais.
Reportando-nos aos presentes autos, perguntava-se no art.º 90 da base instrutória Este incidente[5] foi provocado pela intervenção na rede eléctrica de um terceiro não identificado?[6], vertendo o que sob a epígrafe de “por excepção” foi alegado na contestação, nomeadamente no seu art.º 6[7], e que mereceu a resposta de provado.
Pretendem os Apelantes que foi operada uma qualificação de “terceiro” que constitui uma conclusão que importaria extrair dos factos que deveriam ter sido trazidos à discussão, o que não se verificou, uma vez que a Recorrida não procedeu à identificação de quem poderá ter operado a alegada intervenção.
Na análise do artigo em causa, e decorrente resposta, podendo dizer-se que a formulação adoptada não se configura como a mais rigorosa face aos princípios apontados, verifica-se que o termo “terceiro”, embora se possa configurar como o resultado de um silogismo que no atendimento de normativos legais permite tal qualificação, e nesse modo não passível de ser submetida à produção de prova testemunhal, também surge como expressão normalmente usada no sentido de alguém para além dos interessados ou envolvidos, em termos directos, num determinado evento, e em conformidade constituindo uma realidade, que assim pode ser apreendida e transmitida.
Nesse atendimento, mas também na consideração do que foi alegado no concerne à não viabilidade da identificação dessa entidade, permite ainda considerar como materialidade atendível, nos termos em que o foi, a vertida no artigo em causa, dessa forma entendida, e sujeita ao devido contraditório.
Quanto ao art.º 92 da base instrutória, perguntava-se: As redes eléctricas existentes no subsolo encontravam-se sinalizadas e instaladas nos termos regulamentares?, que foi considerado como “provado”, enquanto no art.º 94, se questionou: O cabo afectado, à data dos factos, encontrava-se em perfeito estado de conservação e instalado de acordo com todas as regras técnicas em vigor e em perfeitas condições de exploração?, sendo dado como “provado”, no atendimento do que fora alegado, em sede da contestação, nos artigos 8.º e 16.º.
Admitindo, também, que não estaremos perante a formulação ideal no que respeita à matéria em referência, na possibilidade de ser desdobrada numa multiplicidade de factos de estrita percepção objectiva, expurgada de qualquer cariz conclusivo, configura-se, no entanto, que em causa está ainda, uma realidade fáctica, comummente entendida como tal, pese embora versando sobre matérias com especificidades próprias, não obstando, contudo que sobre as mesmas recaísse a respectiva prova, na realização, ainda, do contraditório, que aliás não se divisa, nem se mostra invocado, que tenha sido inobservado.
Inexiste, assim fundamento para que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto.
2. Argúem, os Recorrentes, a nulidade da sentença, invocando que a mesma enferma de tal vício, à luz do disposto no art.º 668, n.º1, d), do CPC.
A nulidade em causa verifica-se quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 660, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do juiz, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
            Refira-se que as questões que o juiz deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo certo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
            Retenha-se que o conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição directa sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respectivo afastamento[1].
Por sua vez, não pode ser esquecido que as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, devem ser apreciados em função do texto e discurso lógico nela desenvolvida, não se confundindo com os erros na apreciação da matéria de facto, e possíveis ilações dela retirada, ou com a errada aplicação das normas jurídica aos factos dados como apurados, que constituem erros de julgamento, a sindicar noutro âmbito.
No caso sob análise pretendem os Recorrentes que a sentença sob recurso não se pronunciou sobre matéria vertida nos artigos 7.º, 8.º, 9.º, 13.º e 14.º, da réplica, no sentido se não ser credível que tendo existido a intervenção de um terceiro a Ré, ora recorrida não tenha procedido à identificação do mesmo, numa resposta à excepção deduzida por esta última, no sentido da sua desresponsabilização face à intervenção de um terceiro na sua rede de distribuição de energia eléctrica, sendo certo que esta última, sob a epígrafe de “por excepção” alegou que o incidente decorrente da avaria detectada tinha sido provocado pela intervenção de terceiro na rede eléctrica, que apesar dos esforços desenvolvidos não fora possível identificar.
Sem cuidar aqui de qualificar os termos da defesa apresentada pela Recorrida, e a decorrente resposta dada pelos Recorrentes, se atentarmos ao teor da sentença agora posta em crise, verifica-se que na análise dos pressupostos que determinariam a obrigação de indemnizar, foi atendida, e valorada, nos termos que se consideraram convenientes, a invocada intervenção de terceiro, configurando-se, deste modo, que em causa está, efectivamente, a discordância com o decidido, afastada, ficando, a existência da arguida nulidade.
3. Passando à subsunção jurídica do factualismo apurado, na procura da existência dos pressupostos da responsabilidade civil geradores da obrigação de indemnizar, verificados, como pretendem os Recorrentes, ressalta dos autos, que em primeira análise, os mesmos alegando que tinham celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica, invocaram o incumprimento do contrato[8], competindo à Recorrida, enquanto devedora, a prova que a falta de cumprimento não era culpa sua, que reiteram nas alegações do presente recurso, referindo que a intervenção de terceiro invocada, nos termos em que o foi, maxime sem a respectiva identificação, não é suficiente para afastar a sua responsabilidade.
Em sede diversa, no atendimento da responsabilidade objectiva, invocam que não foram alegados factos que permitissem a exclusão efectuada, antes assentando a decisão em conclusões,  que também não deveriam ser atendidas, mais afirmando que sendo conhecido que a actividade de distribuição eléctrica, só por si, reveste a natureza perigosa, não se mostra que tenham sido alegados os factos que permitiram ilidir a presunção estatuída sobre a Recorrida, nos termos do n.º 2 do art.º 493, do CC.
Importa, assim, e em traços breves delimitar o quadro legal atendível à situação sob análise.
Não se questiona, que quer em termos da responsabilidade contratual, mas também na extracontratual, a obrigação de indemnizar, importa necessariamente, que se mostrem reunidos os necessários pressupostos, a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e nexo causalidade.
Na respectiva análise, no que à primeira modalidade respeita, na violação de uma obrigação, como vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação, art.º 397, do CC[9], necessário será que se verifique a existência de um facto voluntário do lesante, no sentido de objectivamente controlável pela vontade, em contraposição a facto natural, bem como a imputação do facto ao agente, isto é, culpa traduzida em saber se, em termos concretos, sendo o agente imputável pode ser susceptível de censura[10].
Por sua vez, demonstrados os danos, necessário será, ainda que se evidencie a relação estabelecida entre o facto e as respectivas consequências,  isto é, a causalidade, na demonstração de um duplo juízo de idoneidade abstracta, mas também de verificação concreta, numa necessária dinâmica de acontecimentos ou sequências, constatadas em termos físicos e naturais[11].
Percepcionando-se, no concerne à responsabilidade extracontratual, art.º 483, do CC, a existência da obrigação de indemnizar, no caso da violação do direito de outrem, em termos de agressão a direitos designados, em geral, de absolutos, bem como a violação da lei que protege os interesses alheios, consubstanciadas nas formas de ilicitude, traduz-se esta última na responsabilidade contratual, essencialmente, na não execução da obrigação, na formulação legal consagrada de falta de cumprimento, art.º 798, do CC, na abrangência da mora no cumprimento, cumprimento defeituoso e impossibilidade de prestação imputável ao devedor.
Relevantemente, em sede também da responsabilidade contratual, temos, em termos da culpa, que incumbe ao devedor provar que tal falta não procede de culpa sua, n.º2, do art.º 799, também do CC, na demonstração que usou da diligência exigível a uma pessoa medianamente cuidadosa para evitar a não realização da prestação a que estava adstrito[12], de forma diversa do que se verifica na responsabilidade extracontratual, onde sobre o lesado impende o ónus de provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
Consagrada esta, para além da inversão do ónus da prova, que sempre poderá ser ilidida mediante prova em contrário, art.º 350, do CC, para o caso que nos interessa, ressalta o disposto no art.º 493, n.º2, também do CC, reportada a danos causados no exercício de um actividade perigosa, por sua própria natureza, ou pelos meios utilizados, importando o afastamento da culpa que fique demonstrado que foram tomadas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
Excepcionalmente, como se sabe, pode o devedor responder sem culpa, em termos da responsabilidade objectiva, e para o caso que nos interessa, nos termos do art.º 509, do CC, contemplando os danos causados por instalações de energia eléctrica, prevendo dois casos, um respeitante aos danos resultantes da própria actividade de condução ou entrega da electricidade, e um outro relativo aos danos que derivam da instalação, sendo que quanto a esta última situação, a responsabilidade pode ser afastada desde que se prove que a instalação, à data da ocorrência, se encontrava em conformidade com as exigências técnicas vigentes e em perfeito de estado de conservação, afastada igualmente ficando, em ambos os casos, se os danos resultarem de força maior, considerando esta como causa exterior, independente do funcionamento e utilização da coisa.
Reportando-nos aos autos, demonstrado ficou que entre as partes foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica, nos termos do qual a Recorrida se comprometeu a fornecer à Recorrente, nas suas instalações, a partir de 22/12/2004 e por tempo indeterminado, energia eléctrica de baixa tensão, por regra, de forma constante e ininterrupta.
Não relevando a discussão conceptual da natureza do contrato em causa[13] à relação contratual em causa aplicam-se, necessariamente, os vários instrumentos legais que regem o fornecimento e distribuição de energia eléctrica.
Em conformidade, retenha-se, em termos do regime vigente à data dos factos, o DL 182/95, de 27 de Julho, que estabelecia as bases da organização do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), bem como o DL 184/95, também de 27 de Julho[14], regulando um novo regime do exercício da actividade de distribuição de energia eléctrica[15], contemplando-se modalidades distintas de exercício de actividade, nomeadamente a reportada à distribuição de baixa tensão (BT).
Na obediência do fornecimento de energia eléctrica às disposições deste último diploma, só podia o mesmo ser interrompido por razões de interesse público, de serviço ou de segurança ou por facto imputável ao cliente ou a terceiros, salvo casos fortuitos ou de força maior, sendo as situações de interrupção reguladas no Regulamento de Relações Comerciais, art.º 5, n.º3 e n.º4.
No âmbito deste Regulamento[16], indicava-se no art.º 172, os motivos de interrupção de energia eléctrica, a saber, razões de interesse público[17], razões de serviço[18], razões de segurança[19], facto imputável ao cliente, consignando-se que as interrupções do fornecimento por facto que não seja imputável ao cliente, conferiam ao mesmo o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados, nos termos e meios previstos na lei, art.º 179, n.º1, no atendimento, já no n.º2, que assistia ao cliente, igualmente, o direito a ser indemnizado quando não fossem cumpridas as regras para a interrupção do fornecimento, na medida da respectiva permissão no âmbito das interrupções por razões de interesse público e por razões de serviço[20], art.º 174 e 175.
 Já no concerne às interrupções por casos fortuitos ou de força maior, igualmente previstas, a sua consideração era, nos termos do art.º 173, remetida para Regulamento da Qualidade de Serviço[21], que estabelecendo os padrões mínimos de qualidade, de natureza técnica e comercial a que deve obedecer o serviço prestado, excluía do seu âmbito de aplicação, as situações de incumprimento de tais padrões de qualidade originadas por casos fortuitos ou de força maior, definindo-os como os que resultem da ocorrência de greve geral, alteração da ordem pública, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiros devidamente comprovada, artigos 1.º, e 2.º, n.º3 e n.º 4.
Presente o devido enquadramento da situação contratual estabelecida entre as partes, voltemos aos factos provados.
 No dia 12 de Julho de 2005, ocorreu um incidente na rede eléctrica de distribuição de energia, situando-se o troço de rede subterrânea em avaria entre os PST (Posto de Seccionamento e Transformação) 147 e 78, na zona onde se situam as instalações de utilização da Recorrente, resultando desse incidente o “barramento1” da subestação (SE) das M por disparo do respectivo disjuntor de protecção, provocando a interrupção do fornecimento de energia a toda a zona alimentada a partir desta SE, incluindo a instalação de utilização da Apelante, sendo que em resultado desse incidente o fornecimento de energia efectuado pela Apelada esteve interrompido, pelo menos, durante 65 minutos.
 A instalação de utilização da Apelante é alimentada de energia eléctrica de baixa tensão através de dois cabos provenientes do PST 923, sendo que este é alimentado pelo barramento de 10 KV da SE das M, cujo disjuntor disparou, estando o PST 923 em circuito distinto do cabo 1941 que sofreu a avaria, detectada pela equipa de piquete da Recorrida, que encontrou tal cabo danificado por eléctrodos de terra, que se encontravam espetados no dito cabo.
Apurado ficou, também que o incidente foi provocado pela intervenção na rede eléctrica de um terceiro não identificado, causada pela instalação de um painel publicitário na Av. …. em Zona confinante com a Rua …., sendo que apenas os estragos provocados no cabo eléctrico pelos trabalhos de implantação do painel publicitário foram a causa do disparo do disjuntor na SE, com a consequente repercussão no fornecimento de energia efectuado pela Recorrida, cabo esse afectado, que à data dos factos, encontrava-se em perfeito estado de conservação e instalado de acordo com todas as regras técnicas em vigor e em perfeitas condições de exploração, encontrando-se as redes eléctricas existentes no subsolo sinalizadas e instaladas nos termos regulamentares.
 Ora, perante tal factualismo, no concerne ao incumprimento por parte da Recorrida, no concerne ao fornecimento da energia no período de tempo apontado, temos que ficou suficientemente demonstrado que a interrupção verificada foi devida a actuação de terceiro, e como tal comprovada, para além da efectiva identificação daquele, consubstanciando-se num dos casos apontados como fortuitos ou de força maior, desculpantes do não fornecimento de energia no espaço de tempo referenciado.
Acrescendo que provado ficou também, que o cabo estava em boas condições de funcionamento, instalado de acordo com as exigências técnicas vigentes, do mesmo modo instaladas e assinaladas as redes de transporte da energia eléctrica, não sendo previsível que a avaria pudesse ocorrer, considerando as circunstâncias fácticas em que a mesma se desenvolveu, pode-se concluir que ilidida foi a presunção de culpa, no concerne à interrupção de fornecimento, e afastada ficando, na concordância com o decidido, a obrigação de indemnizar em termos de responsabilidade contratual.
Quanto a outras fontes do dever de ressarcir chamadas à colação, numa tentativa de enquadramento da situação em termos de responsabilidade extracontratual, com apelo ao normativo que se prende com o desenvolvimento de uma actividade de natureza perigosa, e ao disposto no acima mencionado n.º2, do art.º 493, do CC, ainda que num esforço integrativo se pretendesse subsumir a situação em análise ao regime ali previsto, a realidade factual provada, afastaria a presunção de culpa, no atendimento da imprevisibilidade da ocorrência, e da diligência exigível à Recorrida, tida por verificada.  
Por sua vez, e na aplicação do regime do art.º 509, do CC, também a responsabilização, agora mesmo sem culpa, se mostraria excluída, pois não só ficou demonstrada a observância do regulamentarmente exigido para a condução da energia eléctrica e o seu bom estado de funcionamento, como também a existência de uma causa exterior ao mesmo, geradora da perturbação verificada, afastado ficando, assim, o dever de indemnizar, a tal título, pela interrupção do fornecimento de energia eléctrica.
Referia-se aqui, e em termos de precisão, que contrariamente ao invocado em sede das presentes alegações, o Tribunal a quo não deu por provados todos os factos alegados pelos Recorrentes.
Com efeito, alegaram os mesmos em sede da petição inicial que a interrupção do fornecimento de energia foi acompanhada por um “pico de tensão”, ou seja, uma descarga de corrente e elevação anormal da sua voltagem que danificou de forma irremediável o sistema informático, “queimando” a informação nele contida, art.º 32, concretizando que no dia 12 de Julho de 2005, a instalação da Recorrente recebeu, cerca das 11 horas e 45 minutos e durante fracções de segundo, energia eléctrica com voltagem superior à voltagem máxima a que os computadores podem ser sujeitos sem dano, art.º 35, estimando a tensão superior a 300 volts, art.º 36, quando a Recorrida se obrigara a fornecer à Apelante energia eléctrica a 230 volts, art.º 33, tendo os aparelhos construídos em Portugal uma tolerância de 10% às variações de voltagem da energia que recebem, art.º 34, entrando os computadores, quando sujeitos a uma voltagem superior aos seus limites máximos de tolerância, em sobrecarga, elevando-se a sua temperatura, queimando-se o circuito dos componentes integrados, provocando a avaria total ou o mau funcionamento dos mesmos, art.º 37. No caso dos autos, a placa de circuito integrado ficou danificada, levando a que os discos ficassem danificados em si, art.º 38, tendo o “pico de tensão” narrado produzido danos nos discos, queimando toda a informação, art.º 40.
Ora, questionando-se no art.º 22 da base instrutória, se em virtude da interrupção do fornecimento de electricidade à Apelante o seu sistema informático deixara de funcionar, provado ficou tão só, que o sistema informático da Autora deixou de funcionar.
Por sua vez tendo sido questionado no art.º 36 da base instrutória, A interrupção no fornecimento e energia eléctrica no dia 12.07.2005 foi acompanhada por um “pico de tensão” (uma descarga de corrente e elevação anormal da sua voltagem?, mereceu o mesmo a resposta de não provado, prejudicada ficando a resposta ao quesito 37º, no qual se perguntava Foi esse “pico de tensão” que danificou o sistema informático da Autora “queimando” a informação nele contida?, bem como a resposta ao artigo 45º, onde se questionava O “pico de tensão” danificou o disco regido do “servidor de domínio” e o disco rígido do “servidor de backup” e “queimou” toda a informação neles contida que se perdeu e estes deixaram de funcionar.
Refira-se ainda que questionando-se se no dia 12 de Julho de 2005, a instalação da Autora recebeu, cerca das 11 horas e 45 minutos e durante fracções de segundo, energia eléctrica com voltagem superior a 300 volts, art.º 40 da base instrutória, foi tal matéria dada como não provada, prejudicada ficando a resposta ao art.º 41, Voltagem essa que é superior àquela a que os computadores podem ser sujeitos sem dano, sendo que perguntado no art.º 44, se a avaria detectada no sistema informático da A. (art.º 43) tem na sua origem uma elevação da temperatura, para além da suportada pelos componentes dos computadores, em consequência de uma elevação de voltagem da energia eléctrica que os abasteceu?, foi respondido de forma hipotética e não concretizada, e assim necessariamente inócua, no que ao questionado respeitava, Esta avaria pode ter tido na sua origem uma elevação da temperatura, para além da suportada pelos componentes dos computadores.
Aqui chegados, não se mostrando reunidos os pressupostos necessários para se dar como verificada a obrigação de indemnizar, e inexistindo quaisquer outras questões que importe analisar, improcedem, na sua totalidade, conclusões formuladas pelos Recorrentes.
*
IV – DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
           Custas pelos Apelantes.

Lisboa, 29 de Junho de 2010
         
Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
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[1] Veja-se Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, III vol, pag. 206 e seguintes.
[2] Segundo o mesmo Autor, obra citada, pág. 206/207 e Ac. do STJ de 02-12-92, processo n.º 3400.
[3] Necessário se mostrando, na devida precisão do conceito jurídico, que seja alegada a factualidade com que se possa integrar esses conceito, no juízo a fazer pelo julgador do cfr. Ac. STJ de 7.3.2006, in CSTJ, ano XIV, tomo 1, pag. 110.
[4] Nessa estrita medida, ainda passível de prova como matéria factual, cfr. Ac. STJ, de 9.10.2003, referenciando Manuel de Andrade, in www.dgsi.pt.
[5] Por referência ao art.º 89 da base instrutória, no qual se perguntava No local da avaria, a equipa de piquete da R. encontrou o cabo de Média Tensão 1941 danificado por eléctrodos de terra, que se encontravam espetados no dito cabo?
[6] Perguntando-se no art.º 91, Causada pela instalação de um painel publicitário na Av. … em zona confinante com a Rua..?
[7] Este incidente foi provocado pela intervenção de um terceiro na rede eléctrica, que, contudo, e apesar de ter desenvolvido esforços nesse sentido não foi possível identificar pela Ré.
[8] Expressamente, em sede das alegações de direito apresentadas, a fls. 237 e seguintes.
[9] A qual deverá satisfazer o interesse do credor, sendo este, por sua vez digno de protecção legal, art.º 398, n.º2, do CC.
[10] O juízo de censura baseia-se numa actuação dolosa, por intencional, ou numa actuação negligente, traduzindo-se esta na falta de previsão de um evento, ilícito e danoso, como consequência possível ou eventual de uma conduta, que por desleixo ou incúria se crê que não se verificará, ou mesmo na não previsão do evento, que podia e devia ter sido previsto, devendo essa falta de diligência, que permite ou leva o agente a confiar na não realização do evento, ser aferida pela conduta do homem normal, medianamente prudente, face às circunstâncias do caso concreto, artigos 487, n.º 2, e 799, n.º 2, do CC.
[11] No acolhimento pacífico da doutrina da causalidade adequada, por referência não ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que conduziu a este último, no  âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano, na formulação de um juízo de prognose objectiva, que permita concluir no atendimento do circunstancialismo atendível, que a conduta do lesado, tendo em conta a actuação do lesante, favorecia aquela espécie de dano, surgindo este, pois, como uma consequência provável ou típica daquele facto, cfr. Ac. STJ de 13.1.2009 e de 10.9.2009, in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Ac. do STJ de 13.11.2007, e 27.11.2008, in www.dgsi.pt.
[13] Na consideração de um contrato de compra e venda desenvolvido por sucessivas, contínuas e periódicas prestações autónomas de coisas pelo vendedor mediante o pagamento pela contraparte do respectivo preço, com a menção de elementos do contrato de prestação de serviços, ao atendimento de um contrato atípico de natureza comercial, cfr. Ac. STJ de 7.2.2008, in www.dgsi.pt.
[14] Configurando-se um conjunto de diplomas DL 182/95 a 188/95, com as alterações decorrentes dos DL 56/97, de 14/3, 24/99, de 28/1, 198/200, de 24/8, 69/2002 de 25/3 e 85/2002, de 25/3.
[15] Criando dois sistemas previstos pela reestruturação operada, o Sistema Eléctrico de Serviço Público (SEP), organizado em termos de prestação de um serviço público, e o Sistema Eléctrico não Vinculado (SENV), organizado segundo uma lógica de mercado.
[16] Constante do Despacho n.º 18413-A/2001, (2 ª Série) de 1 de Setembro de 2001, com as alterações produzidas pelo Despacho 19 734/2002 (2ª Série) de 5 de Setembro de 2002, e do Despacho 9499-A/2003 (2ª Série), de 14 de Maio de 2003.
[17] Nomeadamente as que decorram da execução de planos nacionais de emergência energética.
[18] As que decorram da necessidade imperiosa de realizar manobras, trabalhos de ligação, reparação ou conservação da rede.
[19] O fornecimento de energia eléctrica pode ser interrompido quando a sua continuação possa pôr em causa a segurança de pessoas e bens, considerando-se nomeadamente, interrupções se segurança os deslastres de cargas, automáticos ou manuais, efectuados para garantir a segurança ou estabilidade do sistema eléctrico.
[20] Estabelecendo-se um número máximo de interrupções por cliente afectado, e a respectiva duração, bem como, geralmente, a comunicação prévia.
[21] No Despacho 2410-A/2003 (2ª Série) de 5 de Fevereiro de 2003.