Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7189/2006-7
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
CORRESPONDÊNCIA
CORREIOS TELéGRAFOS E TELEFONES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I - A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, terá a mesma protecção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal.
II - Sendo meros documentos escritos, aquelas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações, implicada no artº 190º, do CPP.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM AUDIÊNCIA OS JUÍZES NA 5ª SECÇÃO (PENAL) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO

1.1- O TRIBUNAL COLECTIVO DA 3ª SECÇÃO DA 4ª VARA CRIMINAL DE LISBOA, relativamente ao presente Procº Comum Colectivo com o NUIPC 155/04.5JELSB (nº da distribuição 49/05), efectuado o julgamento dos arguidos, proferiu em 26 de Abril de 2006 a seguinte decisão final:
(…)
4. Dispositivo
Tudo visto e ponderado, acordam os membros deste Tribunal Colectivo em julgar a acusação totalmente procedente por provada e, em consequência:

a) Condenam os arguidos A…, D… e E…, como autores materiais, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa àquele diploma legal, na pena, para cada um deles, de quatro anos e seis meses de prisão; -----

b) Mais declaram perdidos a favor do Estado os telemóveis de marca Nokia modelos 3660 e 7210 e respectivos cartões TMN com os números … e …, sendo que estes cartões deverão ser destruídos, após o trânsito em julgado do presente acórdão; e -----
c) Determinam ainda que, após o trânsito em julgado do presente acórdão, seja o dinheiro apreendido ao arguido A…, devolvido ao mesmo. -



1.2- Desta decisão recorreram os arguidos A… e E…. Ambos foram convidados nesta Relação a aperfeiçoarem os respectivos recursos em face de lacunas e omissões de cumprimento das regras do artº 412º do CPP.

Tendo respondido ambos a tal convite, são as seguintes as conclusões das motivações apresentadas:

1.2.1- Recurso do Arguido A…

“Em conclusão:
….

1.2.2-Recurso do arguido E…
Conclusões:

….

1.3- Na 1ª instância o MºPº respondeu aos recursos originalmente motivados dizendo que a decisão, quer de facto quer de direito, deve ser mantida em ambos os casos.
1.4- Remetidos os recursos a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido do aperfeiçoamento de ambos e, efectuados que foram, apôs visto.
1.5- Remetidos para audiência, os autos foram previamente aos vistos dos Exº Juízes adjuntos.
Cumpre agora conhecer dos recursos no âmbito das questões assinaladas infra em 2.2.


II-CONHECENDO

2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Isto, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art. 410º, n.º2 do CPP (1).
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida (2)
2.2- Nos presentes recursos estão em apreciação as seguintes questões:

A) No tocante a nulidades e vícios da decisão em matéria de facto:

a.1- Recurso do arguido A…

- Nulidade cominada no art.° 126.° n.° 3 do CPP ( prova não autorizada)
- Nulidade por excesso de pronúncia - art.° 379.° n.° 1 alª c) do CPP, por referência ao art.° 374.° n.° 2 do CPP.
- Nulidade prevista no art.° 379.° 1 alínea a) do CPP (falta de exame crítico da prova)
- Erro notório na apreciação da prova
- Violação dos art.° 127.° e 355.° do CPP
-Violação do princípio "in dubio pro reo" e do princípio da presunção de inocência.

a.2- Respeitante ao recurso do arguido E…

- Erro notório na apreciação da prova
- Erro na avaliação da prova

B)- Em matéria de direito

b.1-Recurso do arguido P…

-Pretende a sua absolvição ou então a declaração de nulidade do acórdão com reenvio para novo julgamento.

b.2- Recurso do arguido E…

-Qualificação da sua conduta como correspondente a tráfico de menor gravidade com aplicação de pena de prisão inferior a três anos de suspensa na execução ou com recurso a atenuação especial.


2.3- Na decisão recorrida encontra-se exarada a seguinte fundamentação de facto:

….

2.4- Analisando agora as questões em apreciação

2.4.1- Da nulidade cominada no art.° 126.° n.° 3 do CPP ( prova não autorizada)

Diz o recorrente A…:
“Tendo as referidas mensagens SMS de conteúdo amoroso encontradas no telemóvel pertença do recorrente sido transcritas pelo OPC sem autorização judicial, foi cometida a nulidade cominada no art.° 126.° n.° 3 do CPP, dado tratar-se de prova não autorizada. Pelo que o art.° 126.° n.° 3 do CPP se interpretado, como foi o caso dos autos, com a dimensão de que é possível o OPC devassar e transcrever mensagens íntimas contidas no telemóvel, sem autorização judicial, revela-se materialmente inconstitucional, por violação do disposto no art.° 34.° n.°4 da Lei Fundamental, onde se consagra o princípio da reserva da vida privada.

Porém, na fundamentação da sentença, essas mensagens fazem parte de um todo subjacente à convicção formada mas não abarcam esse todo e são apenas um segmento dele.
Ali se diz: “Com efeito, para prova desta factualidade, serviu-se o Tribunal do teor das intercepções telefónicas transcritas no apenso V, sessões 2609 e 2611, relativas ao alvo 25547, correspondente ao telefone móvel com o número 00000000 que aqui nos eximimos de reproduzir, confrontadas com a voz da própria MV em audiência de julgamento, mas essencialmente com a declaração desta no sentido de que é sua actual companheira e era já sua namorada à data dos factos, declaração esta conjugada por sua vez com o teor das mensagens escritas (de natureza íntima e reveladora de envolvimento amoroso entre ambos) constantes ainda daquele mesmo número de telefone do arguido P… e enviadas pelo número de telefone 00000000 que neste caso efectuou a 1ª chamada e recebeu a 2ª. De tudo resulta de forma incontestável e sem qualquer margem para dúvidas que era a namorada do arguido à data quem utilizava este número de telefone 0000000 e, por conseguinte, que foi a referida MV quem efectuou a primeira chamada em questão e foi a esta que foi dirigida a 2ª chamada. -----

O telefone do arguido P… tinha estado autorizadamente interceptado e a actuação policial decorreu em grande parte de uma acervo de informações decorrente das intercepções. Com a apreensão do telefone desse arguido, podemos ainda dizer, mas complementarmente, que as mensagens escritas ali constantes faziam parte desse acervo informativo previamente autorizado e judicialmente validado, se bem que poderá também afirmar-se estarmos perante uma espécie de correspondência semelhante aos documentos ( cartas e escritos) em suporte digital, que não de papel.
Aliás, em seguimento da jurisprudência citada pelo MºPº nas suas alegações de resposta (3), dir-se-á também e concordantemente que as mensagens recebidas em telemóvel e mantidas em suporte digital depois de recebidas e lidas não se justifica possam ou devam ter mais protecção do que as cartas recebidas , abertas e guardadas pelo destinatário.
Na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tendo sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Sendo meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação de regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações implicada no artº 190º do CPP".
Posto isto, não se verificará também por aí a alegada proibição de prova.
Contudo, é também certo que , mesmo sem aqueles segmentos de mensagem, não haveria a virtualidade, pelo conjunto d aprova restante produzida, de incutir uma diferente convicção.
Improcede pois este argumento do recorrente.

….

III- DECISÃO

3.1-Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os recursos mas apenas quanto à medida da pena, revogando-se o acórdão em relação às penas de 4 anos e seis meses aplicadas, atenuando as mesmas especialmente ao abrigo do nº 1 alª b) do artº 73º e 72º nº1 parte final do CP e fixando em três anos a pena de prisão para cada um dos arguidos , as quais ficam suspensas por 4 (quatro ) anos na sua execução.
3.2- Taxa de justiça criminal a cargo de cada um dos recorrentes em 6 UC.

Lisboa, 20 de Março de 2007



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1.-vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95

2.-vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335; e ainda jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Acs. do STJ de 16-11-95, in BMJ 451/279 e de 31-01-96, in BMJ 453/338) e Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), bem como Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74 e decisões ali referenciadas.

3.-Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Março de 2006. in site da DGSI