Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7857/06.0TBCSC.L1-7
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A situação em que um grupo de sócios age como se não existisse separação entre o património das várias sociedades que dominam, gerindo-as como se uma só sociedade se tratasse, verificando-se uma total dependência económica entre as várias sociedades, configurando uma mistura de esferas jurídicas e de patrimónios, é passível de conduzir à desconsideração da personalidade jurídica de tais sociedades.
II - O esvaziamento do património das sociedades de que são sócios gerentes, integrando a previsão das als. d), e) e f), do art. 186º do CIRE, constituindo presunções inilidíveis de culpa grave por parte dos mesmos, levando à qualificação da insolvência de tais sociedades como culposas.
III -Apresentando-se um grupo de sociedades sob uma lógica de interesses comuns e até mesmo uma personalidade comum, implicando uma mitigação da personalidade individual de cada sociedade pertencente ao grupo, o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica permitirá que uma sociedade possa vir a ser responsabilizada por dívidas de outra sociedade.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

I. RELATÓRIO

B (…), Lda., A (…), Lda., BB (…), Lda., M (…), Lda., T (…), S.A., e F (…), Lda.,
vieram intentar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:
1 – S (…), Lda.,
2 – T (…), Lda.,
3 – L. B. (…), Lda.,
4 – R (…), S.A.”,
5 – D (…), Lda.,
6 -  X (…),  
7 – Y (…),
pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento às autoras dos seguintes montantes:
- à 1ª autora, o montante global de € 279.093,43 – € 252.079,25 + € 26.461,19 + € 552,99;
- à 2ª autora, o montante global de € 170.303,81 – € 148.353,81 + € 21.950,00;
- à 3ª autora, o montante global de € 87.791,14 – € 76.064,91 + 11.726,23;
- à 4ª autora, o montante global de € 201.146,33 – € 141.132,71 + € 9.427,10 + € 34.431,06 + € 6.155,46;
- à 5ª autora, o montante de € 42.000,05;
- à 6ª autora, o montante de € 8.886,01;
- montantes estes, acrescidos dos correspondentes juros de mora à taxa legal.
Para tal alegam, em síntese:
no âmbito da sua actividade de comércio de produtos alimentares congelados, forneceram às rés mercadorias diversas, que foram recebidas por estas, não tendo os réus procedido ao respectivo pagamento, apesar de interpelados para o efeito;
a ré “ S (…), Ld.ª” existe desde 27/09/1999, data em que foi constituída pelos 6.º e 7.º réus, que, por sua vez, procederam, no mês de Julho de 2001, à compra das ora rés “ T (…), Ld.ª”, “L.B (…), Ld.ª” e “D (…), Ld.ª”, e procederam, em 30/07/2004, à constituição da ora ré “R (…), S.A.”, tendo os 6.º e 7.º réus organizado tudo por forma a deterem todo o poder de decisão e administração em todas estas empresas simultaneamente;
a ré “S (…), Ld.ª” efectuava, junto das autoras, a compra da matéria prima, que, de seguida, cedia às rés “T (…), Ld.ª”, “L.B. (…), Ld.ª” e “D (…), Ld.ª”, as quais, por sua vez, comercializavam e cobravam de terceiros, nomeadamente junto das Grandes Superfícies comerciais;
durante o ano de 2004, a ré “S (…), Ld.ª” começou a evidenciar dificuldades de pagamento, atrasando o cumprimento dos seus compromissos, e, em 2005, deixou mesmo de cumprir, falhando pagamentos;
no final do primeiro semestre de 2005 propôs a todas as empresas, ora autoras, um reescalonamento da dívida, que, igualmente, não cumpriu, sendo certo que nos meses pelos quais se prolongaram as negociações conducentes ao aludido reescalonamento, os 6.º e 7.º réus aproveitaram para retirar os activos das empresas “S (…), Ld.ª”, “T (…), Ld.ª” e “L.B. (…), Ld.ª”, mantendo nelas apenas os passivos, e sem efectuarem às autoras os pagamentos em dívida.
ao actuarem desta forma, os 6.º e 7.º réus concentraram na ré “S (…), Ld.ª” as dívidas aos fornecedores, e, nas demais empresas, as vendas e cobranças respectivas, tudo com o propósito de não pagar aos fornecedores, escudando-se na diversidade de pessoas jurídicas, aparentemente distintas, assim criadas.
Regularmente citadas, os réus deduziram contestação, arguindo a inutilidade da lide quanto às rés declaradas insolventes (“L.B. (…), Ld.ª”, “S (…), Ld.ª” e “T (…), Ld.ª”) e impugnando quer a existência de uma qualquer ligação de co-responsabilidade e de comunicabilidade de dívidas entre as empresas rés, designadamente uma qualquer co-responsabilidade das 2.ª a 5.ª rés e dos réus individuais pelas dívidas contraídas pela 1.ª ré junto das autoras, em resultado dos fornecimentos de marisco e de pescado congelado de que esta foi beneficiária, quer o valor dos créditos peticionados.
Aduzem, ainda, constituir a presente demanda um acto de concorrência desleal, com o único escopo de prejudicar e de afastar do mercado um competidor (a empresa “R (…), S.A.”, ora 4.ª ré), por forma a substituírem-se a esta nos contratos de fornecimento efectuados com as grandes superfícies comerciais.
Concluem, pugnando pela absolvição da instância das rés declaradas insolventes, e pela improcedência da acção, com a inerente absolvição do pedido formulado pelas autoras, em relação aos demais réus, devendo ser reconhecido o acto de concorrência desleal levado a cabo pelas autoras em relação à ré “R (…), S.A.”.
Replicaram as autoras, mantendo, no essencial, a sua posição inicial, e pugnando pela improcedência do pedido de “reconhecimento da concorrência desleal” deduzido pelos réus no articulado de contestação.
Requereram, igualmente, a ampliação do pedido, esclarecendo os valores em dívida, e pugnando pela condenação solidária das rés no pagamento de uma indemnização destinada a ressarcir as autoras dos custos relativos à operação de carga e transporte das mercadorias congeladas que foram arrestadas no âmbito da providência cautelar e relativos às despesas de conservação das mesmas nas câmaras frigoríficas em que se encontram, a liquidar em execução de sentença.
Os réus apresentaram articulado de tréplica.
Foi elaborado despacho saneador e fixada a base instrutória.
Face à declaração de insolvência de tais Rés, foi declarada extinta a instância em relação às Rés R (…), S.A., L.B. (…), Lda., S (…), Lda., e T (…), Lda., por inutilidade da lide,
prosseguindo os autos unicamente contra a Ré D (…), Lda., e os Réus X (...) e Y (…).
Tendo-se procedido a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenou, solidariamente, os réus “D (…), Ld.ª”, X (…) e Y (…) a:
a) Pagarem à autora “B (…), Ld.ª” a quantia de € 279.093,43 (duzentos e setenta e nove mil noventa e três euros e quarenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Pagarem à autora “A (…), Ld.ª” a quantia de € 160.703,00 (cento e sessenta mil setecentos e três euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
c) Pagarem à autora “BB (…), Ld.ª” a quantia de € 87.791,14 (oitenta e sete mil setecentos e noventa e um euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
d) Pagarem à autora “M (…), Ld.ª” a quantia de € 201.146,33 (duzentos e um mil cento e quarenta e seis euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
e) Pagarem à autora “T (…), S.A.” a quantia de € 42.006,05 (quarenta e dois mil seis euros e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
f) Pagarem à autora “F (…), Ld.ª” a quantia de € 8.886,01 (oito mil oitocentos e oitenta e seis euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento;
g) Pagarem às autoras o montante a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor que aí se apurar corresponder ao custo global que as autoras tiveram de suportar para fazer face a toda a operação de carga, transporte e conservação em câmaras frigoríficas das mercadorias congeladas que foram arrestadas no âmbito da providência cautelar, a que é feita referência em 39 dos Factos Provados.
Inconformados com tal decisão, os RR. interpuseram recurso de apelação, concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
            A. O presente recurso vem interposto por excesso de cautela de patrocínio, uma vez que os RR. arguiram a nulidade da prova documentada em audiência, requerendo a consequente repetição do julgamento, encontrando-se ainda a aguardar despacho sobre o alegado.
B. Os suportes informáticos mostram que a gravação do depoimento da testemunha Dr. A (…) prestado em tribunal no dia 10.03.10 se encontra imperceptível, não se escutando as perguntas (e foram extensas e demoradas) do Mmo. Juiz, o que impossibilita o trabalho jurídico de exposição da reapreciação da matéria de facto e sua fundamentação.
C. A deficiência da gravação do depoimento da testemunha em causa constitui omissão de um acto prescrito por lei (cfr. art.º 522- B e 522- C, ambos do CPC) que influi decisivamente na decisão da causa, pelo que por força do art. 201º do CPC, deve proceder-se à repetição do julgamento, ainda que parcial, com a realização da gravação da respectiva prova testemunhal, mas com anulação de todos os actos que lhe foram subsequentes.
D. Nos presentes autos fez-se não só uma errada interpretação da lei e da sua aplicação como uma deficiente apreciação da prova.
E. O Tribunal devia ter dado como provado nos pontos 13 e 14 que, apesar de se reconhecer que a SLA devia alguns valores às AA., esta não cedia as matérias primas à “ L.B. (…) Lda.” e à “R (…), S.A.” por qualquer forma contabilística,
F. E, não provado ainda, que acabava o produto das vendas finais por ser recebido pela “L.B.”, e pela “R.”, que cobravam de terceiros o respectivo preço, que não pagava às outras rés o preço das mercadorias fornecidas.
G. Bastará, para tanto, atentar no depoimento prestado pela testemunha Dra. M (…), na sessão de julgamento de 9.03.2010 (15h02m a 17h22), concretamente em 40’00’’ a 45’50’’, para ver que é como se afirma.
H. Esta testemunha confirmou que a S (…) vendia o produto à L.B. (…) e a T (…), que eram estas que fabricavam o produto e depois vendiam a terceiros, porque eram elas as detentoras das marcas e dos contratos com as Grandes Superfícies; que quando estas empresas são adquiridas já tinham dívidas com a S (…), e, pelo menos entre ’99 e 2001, datas em que não houve pontos de contacto com os sócios, entre ’99 e 2001 já a S (…) vendeu produto a estas duas empresas;
I. Que quando foi a aquisição das empresas foram regularizadas dividas da L.B. (…) e a T (…), quase na totalidade, ficando uma pequeníssima margem por pagar, e o valor regularizado aos credores foi de 97,4% da dívida; foram descobertos passivos ocultos de cerca de 1 milhão, e depois de feita auditoria às contas tinham adquirido empresas com cerca de 4 milhões de passivo, sendo regularizadas dívidas de quase a totalidade; a S (…) acaba por ser arrastada pela situação em que as outras empresas caíram; sendo que tal situação não foi para evitar que os credores recebessem o seu dinheiro.
J. O Dr. A (…), no depoimento prestado na sessão de julgamento de 10.03.2010 (9h55m a 12h14), concretamente em 0’00’’ a 47’50’’, pode retirar-se que: “as empresas eram pessoas colectivas autónomas com fortes relações comerciais, que faziam negócios diferentes mas complementares e tinham mais-valias próprias”.
K. Dir-se-á que uma crise quando afecta uma empresa afecta mais. É e lei da cascata que qualquer pessoa média conhece. Mas tal não importa que haja o intuito de lesar credores.
L. O Tribunal não devia ter dado como provado nos pontos 17 e 18. que os réus X (…) e Y (…), retiraram todos ao activos das rés “S (…)”, “T (…)” e “L.B. (…)”, mantendo nelas apenas os passivos, e sem pagar às autoras, ou fazendo apenas um ou outro pequeno pagamento,
M. Bem como que os réus X (…) e Y (…) transferiram para as rés “R (…), S.A.” e “D (…), Ld.ª” os activos das restantes, a saber: contratos de leasing das diversas viaturas comerciais e de distribuição; contrato de leasing das instalações fabris, sitas na A...; equipamento fabris, frigoríficos de armazenamento de produtos e/ou mercadorias e equipamentos de escritório, sem pagar o respectivo preço.
N. Quanto à transmissão do pessoal fabril, esta apenas aconteceu numa tentativa de salvar os postos de trabalho dos mesmos, já que, entretanto, as empresas foram declaradas insolventes, conforme referiu a testemunha, o que só atesta do bom carácter dos RR. Recorrentes e da sua boa fé, tudo numa tentativa de salvar as empresas e permitir que a actividade continuasse.
O. Foi o que resultou do depoimento da testemunha Dra. M (…), na sessão de julgamento de 9.03.2010 (15h02m a 17h22), concretamente em 4’10’’ a 45’50’’ que tinha memória quanto aos activos que houve vendas de imobilizado das sociedades S (…), T (…) e L.B. (…), a terceiros e designadamente camiões, houve vendas à R (…) SA., tudo devidamente documentado,
P. Que em relação aos contratos de clientes comerciais, designadamente com as Grandes superfícies, não foram transferidos. Esses contratos foram negociados de novo porque eles eram propriedade da T (…) e da L.B. (…) e não eram transferíveis. Caducaram.
Q. Que os contratos de leasing das viaturas comerciais e de distribuição e das instalações fabris houve cedência da posição contratual, tendo sido necessário dar garantias pessoais para que se conseguisse negociar a passagem desse direito contratual, mas que a R (…), S.A. passou a pagar directamente a quem de direito a renda do contrato.
R. Que em relação aos equipamentos fabris, frigoríficos de armazenamento de produtos e/ou mercadorias e equipamentos de escritório, houve vendas.
S. Tal resultou provado no seu depoimento, em 47’30’’ a 1h09’00’’, concretamente dos documentos de fls. 1856,1857, 1858 e 1859, e que, portanto, os activos tinham sido vendidos, recebendo a S (…) o respectivo preço, nuns casos, e noutros tendo havido encontro de contas entre as empresas, por a S (…) dever dinheiro à R (…), SA., tudo devidamente documentado, e contabilizado nas respectivas contas correntes.
T. Devia o Tribunal ter dado como provado o ponto 23. no sentido de que as sociedades comerciais RR. eram independentes entre si, promoviam objectos diferentes, com fins distintos e com patrimónios separados e autónomos.
U. Tal resulta dos documentos (certidões comerciais) juntos aos autos a fls.. e que estranhamente o Tribunal não elencou nos factos provados, com excepção da R. D (…), Lda., resulta do ponto 6 dos Factos Provados (cfr. sentença a quo) que a organização das empresas S (…), “T (…) e “L.B. (…) pré-existia, com sócios diferentes entre si, à gestão que Y delas passou a fazer, no ano de 2001.
V. Resulta também do depoimento da testemunha Dra. M (…), na sessão de julgamento de 9.03.2010 (15h02m a 17h22), concretamente em 4’10’’ a 45’50’’, e em 47’30’’ a 1h09’00’’, que declarou que a R (…), SA labora num período em que as outras já estão praticamente paradas e as empresas não participavam nos capitais umas das outras, tinham contabilidades absolutamente autónomas; que a R (…) SA era uma sociedade anónima e foi formada por investidores estrangeiros,
W. Que a testemunha nunca teve conhecimento, por qualquer forma, por qualquer via, de terem sido dado instruções, orientações ou qualquer tipo de direcções pelos Srs. Y (…) e X (…) no sentido das RR. empresas actuarem em prejuízo umas das outras ou beneficiando outras, e também negou que trabalhassem as actividades como se tudo fosse uma unidade jurídica, pois nunca teve acesso ao longo dos anos, documental e contabilisticamente, que estas empresas funcionavam como um grupo.
X. Também a testemunha Dr. A (…), no seu depoimento, prestado na sessão de julgamento de 10.03.2010 (9h55m a 12h14), concretamente em 0’00’’ a 47’50’’, decorre o referido e em especial, a 1h10’25’’ a 1h25’58’’, referiu nunca constatou qualquer tipo de orientação, direcção, qualquer tipo de instruções que o Sr. Y e o Dr. X (…) dessem a qualquer empresa no sentido de as empresas actuarem em prejuízo ou benefício de umas e outras, no fundo como se se tratasse de uma mesma entidade jurídica,
Y. recordando-se que o Sr. Y (…) tinha uma preocupação de fazer todos os anos um apanhado de todos os bens que pertenciam a cada uma das empresas, donde que elas não funcionavam como um todo e que a S (…) não fornecia exclusivamente à T (…), à L.B. (…) e à R (…) SA.
Z. O Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que “26. O projecto financeiro submetido ao IAPMEI não foi aprovado, porque estava dependente da apresentação de garantias reais, o que era irrealizável, aconselhando aquele instituto a colocar as 1ª, 2ª e 3ª RR. sob insolvência.”
AA. e que “27. Os gerentes da R., 6º e 7º RR., actuaram sempre no sentido de que a S (…) pagasse aos credores, não tendo obtido condições financeiras, nem as obtendo do sector bancário ou de outras origens.”
AB. Resulta dos depoimentos das testemunhas Dra. M (…), sempre na sessão de julgamento referida (15h02m a 17h22), concretamente em 4’10’’ a 45’50’’, e em 47’30’’ a 1h09’00’’, que esclareceu que: as empresas foram ao IAPMEI e apresentaram um projecto financeiro com o intuito de tornar ainda viáveis a T (…), a L.B. (…) e a S (…), tendo sido pedido ao IAPMEI que mediasse as negociações com os credores incluindo o Estado, no sentido de apresentar um plano de reabilitação das empresas.
AC. Que o processo terminou com o IAPMEI a dizer que o projecto estava bem feito, mas que a única coisa que faltava era serem apresentadas garantias reais, o que não foi possível, por as empresas já não terem qualquer crédito junto da Banca, dado que a T (…) e a L.B. (…) estavam financeiramente estranguladas e a S (…) era a maior credoras delas; no final o IAPMEI referiu que a única solução para as empresas seria apresentá-las à insolvência.
AD. Por outro lado disse a testemunha que quando os Recorrentes procederam à aquisição das sociedades T (…) e L.B. (…) tinham como intuito de rentabilizar o negócio, que na sequência da aquisição da T (…) e da L.B. (…) foram regularizadas dívidas no valor de 97,4% do total, tendo ficado um pequeno remanescente, que foram descobertos passivos ocultos de mais de 1 milhão.
AE. O mesmo confirmou o Dr. A (…), em 1h10’25’’ a 1h25’58’’, que afirmou que, descoberto aquele passivo oculto, o Recorrente Sr. Y (…) investiu com capitais próprios para desbloquear a situação dos salários em atraso; colocada a hipótese de não entregar ao Estado o IVA e pagar aos fornecedores para conseguir continuar a andar, optou-se pela segunda, “sempre com a expectativa que com os lucros do negócio ir pagando aos fornecedores e depois liquidar a divida à Segurança Social e ao Fisco”.
AF. “a Banca não dava credito nenhum à T  (…) e à L.B. (…), “mas os primeiros beneficiados deste incumprimento fiscal foram os próprios fornecedores porque foram a eles que foram liquidadas as dividas.”, que quiseram fazer um acordo de “por cada factura, pagar duas até chegar a uma altura em que só estariam por pagar as facturas que não estivessem vencidas”, mas o problema é que no negócio com as Grandes superfícies nunca se sabia quanto é que iriam receber.
AG. Demonstram esta mesmíssima realidade os documentos de fls. 1869 e ss..
AH. Finalmente, na sequência do referido, o Tribunal recorrido devia ter dado como provado que:
“30. O facto de as 2ª e 3ª RR. terem acordo independentes por marca com as grandes superfícies , transportes próprios (a 3ª R) e estarem com dificuldades financeiras, inviabilizando o cumprimento dos compromissos assumidos, foram mantidas e adquiridas, pelos 6º e 7º RR, em Abril de 2001, as três sociedades, numa perspectiva de rentabilização e eficácia de recurso e de negócio.”
AI. E que “31. Tendo sido pago e regularizado aos credores 97,4% de 4,8 milhões de euros em dívidas e tendo a S (…) passado a negociar no mercado a aquisição da matéria-prima.”
AJ. As sociedades comerciais em questão eram independentes entre si e nunca a sua “vida” foi interferida por umas com as outras, não tendo nunca sido dadas instruções, orientações ou qualquer outro tipo de direcções pelos Recorrentes no sentido de uma ou umas das empresas actuarem em prejuízo ou benefício das demais ou processarem as respectivas actividades como se de uma só entidade jurídica se tratasse, com qualquer tipo de instrumentalização para qualquer fim ilícito em si mesmo, ou qualquer controlo económico (ou outro) de uma em relação às outras.
AK. As empresas foram adquiridas numa perspectiva de rentabilização dos negócios. No entanto, perante os graves desenvolvimentos financeiros, que surgiram partir de 2003 com o arrefecimento da economia, no final de 2004 os gerentes da S (…) decidiram recorrer ao IAPMEI para negociar com os credores, através daquele instituto, o pagamento diferido das dívidas.
AL. O projecto financeiro submetido ao IAPMEI não seria aprovado porque dependente da apresentação de garantias reais, o que era totalmente irrealizável, tendo sido aconselhando por aquele Instituto a colocar as sociedades S (…), T (…) e L.B. (…) sob insolvência.
AM. Ficou exuberantemente demonstrado que os Recorrentes actuaram sempre no sentido de que a S (…) pagasse aos credores, não tendo contudo obtido condições financeiras, nem as obtendo do sector bancário, ou de outras lugar, do que não podia decorrer, uma vez que não houve qualquer actuação de fraude à lei, que pelas dívidas da S (…) respondessem os demais RR., apenas porque integraram em si corpos sociais comuns.
AN. Os créditos peticionados resultam de fornecimentos de marisco e pescado congelado à S (…), e não a nenhuma outra R (com excepção de um pequeníssimo valor à sociedade R (…), S.A.), tudo fruto de encomendas, e vendas de mercadorias, efectuadas e fornecidas, em datas anteriores à própria existência da R (…) SA, sobre quem (convenientemente) as Apeladas pretenderam fazer-se pagar, por conhecerem da situação falimentar da empresa de que eram efectivamente credoras – a S (…).
AO. Sabendo da insolência da S (…), lançaram-se sobre quem quiseram, urdindo uma história que era não apenas falsa, mas contrária ao bons costumes por que se devem pautar os comerciantes de boa fé.
AP. Recorreram as AA. à presente demanda, que vem após procedimento cautelar e que constituiu um acto de autêntica concorrência desleal para prejudicar, ilegalmente, um concorrente.
AQ. A R (…) SA que tinha uma posição de mercado relevante, tendo contratos de fornecimento com os hipermercados (Grupo AUCHAN, Regional Mercadorias, S.A., Modelo Continente, Leclercs) e ao abrigo dos quais lhes fornecia e distribuía os seus produtos viu ser colocada fora de actividade, por uma desleal concorrência: foi urdida esta história da co-responsabilidade das firmas e dos Recorrentes pelas dívidas de terceiros.
AR. O Tribunal recorrido desconsiderou a personalidade colectiva das empresas, determinando o respectivo levantamento.
AS. Face à prova produzida, face àquela que não foi produzida, teria que ter sido outra a sentença, e, como tal, violou a lei o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
AT. Os Recorrentes tudo fizeram para salvar as empresas, postos de trabalho e a relação que tinham com os credores, pagando-lhes em detrimento até (num certo momento) do Estado.
AU. Não redunda da lei qualquer co-responsabilidade das empresas de capital limitado, e dos Recorrentes individuais pelas dívidas que contraiu (realmente) a S (…), nem estas se comunicam àquelas, pelo facto de terem tido sócios comuns ou administrações.
AV. Não existe (nem nunca existiu) qualquer grupo ou “holding” entre as empresas e os Apelantes singulares, nem nenhuma relação de domínio de uma empresa em relação às outras, sendo todas elas distintas entre si, ficando assim afastado o seu enquadramento do quadro legalmente definido de grupos de sociedades.
AW. Ensina-nos a doutrina e a jurisprudência, que a desconsideração da personalidade colectiva é um último recurso. Mas o Tribunal afirma que os RR. singulares usaram as sociedades em benefício próprio.
AX. Todavia, não há quaisquer elementos que apontem para uso abusivo da sociedade dominada, designadamente segundo o critério do abuso de direito, sendo certo que o nosso ordenamento jurídico contém normativos legais que não só proporcionam a correcção de desvios no âmbito das sociedades em relação de grupo (cfr. arts. 83, 84, 501 e 502 CSC), como o art. 22 do CIRE prevê a situação de responsabilidade civil pelos prejuízos causados aos credores em caso de indevida apresentação à insolvência pelo devedor.
AY. As empresas insolventes apresentaram-se todas espontaneamente à insolvência, depois até de aconselhadas para tal pelo IAPMEI. Ninguém fugiu. Os créditos das AA. foram devidamente relacionados nos respectivos processos.
AZ. Mas as AA. quiseram deliberadamente ultrapassar as regras falimentares para (eles sim) benefício próprio e em detrimento de todos os outros credores, para serem pagos com privilégio, com primazia. Através do património dos RR. singulares.
BA. Para que os administradores possam ser responsabilizados directamente perante os credores da sociedade, é necessário que: a) o facto constitua inobservância de disposição legal ou contratual, destinada a proteger os credores sociais; b) que a actuação seja culposa; c) que o património se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores.
BB. É verdade que o património (da S (…)) se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores, mas tal não se ficou a dever a qualquer actuação dolosa por parte dos Recorrentes no sentido de depauperar o mesmo, e, portanto, com o intuito de lesar os credores.
BC. Não ficou demonstrado que a actuação dos Recorrentes tenha sido culposa, e, como tal, permitisse o levantamento da personalidade colectiva.
BD. O que se provou foi o oposto. Os Recorrentes a lutar pelo futuro das empresas. A empresa S (…) começou a operar no mercado como uma central de compras, apresentando-se ao mercado a comprar, para poder pagar aos fornecedores, uma vez que as outras não podiam, e a vender de facto à outras porque eram as detentoras dos contratos para colocarem nas grandes superfícies.
BE. No fundo a S (…) comprava as mercadorias, fazia o giro comercial no fundo, e depois revendia às outras, à L.B. (…) e à T (…) que assim resolveram os problemas de financiamento. E pagava aos credores.
BF. A S (…) teve, portanto, um papel de financiador e de possibilidade de fazer com que essas empresas pagassem aos seus credores. Se a S (…) tivesse uma atitude depredatória sobre a L.B. e a T (…), começava a trabalhar no mercado, fazia algum sentido pagar as dívidas que imediatamente pagou?
BG. Mandou pagar e pagou aos seus fornecedores 4.7 milhões de euros. E está documentado nos autos que elas, mal ou bem, foram-se apresentado à falência, houve dificuldades financeiras nestas empresas e elas recorreram ao IAPMEI para pedir ajuda para que o IAPMEI intermediasse nas conversações para pagamento das dívidas com todos os credores e com o Estado incluído.
BH. A R (…), SA adquiriu activos à S (…). Adquiriu as instalações fabris, o próprio edifício que trouxe com ele atrás a divida do contrato de leasing. E pagou.
BI. Não houve qualquer actuação de fraude à lei ou abusiva das empresas por parte dos Recorrentes, e, portanto, não é lícito que pelas dívidas da S (…) respondam os demais RR., apenas porque foram, ou integraram em si corpos sociais comuns.
BJ. Os RR. apresentaram as empresas à insolvência, exactamente por forma a acautelar os interesses dos credores. Tal como é entendimento de quem age de boa fé. Não foge, não inventa histórias para não pagar. Apresenta-se à insolvência e submete-se nesse processo às responsabilidades que, querendo, os credores podem exigir sejam assumidas.
BK. Todavia, para além dos dois requisitos antes apontados acresce um terceiro: que o acto do administrador ou gerente possa considerar-se causa adequada do dano do credor social. Teria que ter sido alegado e demonstrado que a conduta omissiva dos réus gerentes, ao não se apresentarem, por exemplo, à falência ou a processo de recuperação, estivesse na origem do prejuízo advindo para a autora.
BL. No entanto, o Tribunal decidiu de outro modo, violando a lei e recorreu a um instituto doutrinário e jurisprudencial que aqui não tinha qualquer cabimento.
BM. Tudo por causa da atitude depredatória das Apeladas, que sempre pretenderam, com o arresto e com esta acção, não garantir créditos mas afastar uma empresa sua concorrente, atitude que teve acolhimento do tribunal recorrido.
BN. Como se veio a verificar a execução do arresto dos autos teve por consequência imediata o fecho e insolvência da R (…) SA.
BO. O arresto causou à empresa R (…) SA um problema financeiro insustentável levando-a a perder imediatamente créditos disponíveis de fornecedores e da Banca. E impedindo-a de comprar nova matéria-prima. E a remoção dos bens da fábrica, determinou a impossibilidade de trabalhar.
BP. Violou, pois, os normativos legais aplicáveis in casu que obrigam a que só os patrimónios das empresas de responsabilidade limitada respondam pelas dívidas que contraíram, e não se estenda a responsabilidade aos gerentes, sendo que não fazia sentido, nem justiça ao caso operar o mecanismo da desconsideração da respectiva personalidade jurídica.
As AA./recorridas não apresentaram contra alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2 do art. 707º, do CPC, há que decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir  são unicamente as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto dada como provada.
2. Subsunção dos factos ao direito.
Quanto à nulidade resultante da deficiência da gravação do depoimento de uma das testemunhas, que os apelantes colocam como questão prévia nas suas alegações de recurso, teria de ser arguida no tribunal onde foi cometida, perante o juiz do processo, e não em sede de recurso.
De qualquer modo, tendo os RR. invocado igualmente tal nulidade junto do juiz a quo, este veio a proferir despacho a indeferir a sua arguição, do qual os ora apelantes interpuseram recurso de agravo, do qual vieram posteriormente a desistir.
Assim, tendo tal decisão transitado em julgado, também por este motivo se encontraria este tribunal impedido de conhecer tal questão.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
            1. Impugnação da matéria de facto dada como provada.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm actualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Segundo o nº1 do art. 712º do CPC, na redacção anterior ao DL 303/2007, de 24 de Agosto, a decisão do tribunal da 1ª instância pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os meios de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, passamos, assim, a analisar cada um dos pontos da matéria de facto postos em causa pelos réus nas suas alegações de recurso.
 1.1. Resposta aos pontos 13 e 14.
Aos pontos 13 e 14, com o seguinte teor:
Ponto 13Posteriormente à compra das 2ª e 3ª Rés, o 6º e 7º RR. passaram a orientar os negócios da seguinte forma:
- as compras de matéria prima fornecida pelas AA., bem como os contratos de leasing de maquinaria e instalações fabris e viaturas, eram efectuadas pela 1ª Ré;
- a transformação das matérias primas, comercialização dos respectivos produtos e mercadorias era efectuada através das 2ª e 3ª RR, às quais aquela outra, por qualquer forma contabilística, as cederia, acabando o produto das vendas finais por ser recebido pela 4ª Ré, que não pagava nem às outras RR, nem às AA.?
Ponto 14Da 1ª Ré, que as cedia, as mercadorias fornecidas pelas AA. passavam para as 2ª, 3ª, e 4ª Rés, as quais as comercializavam e cobravam de terceiros, nomeadamente junto das grandes superfícies comerciais?
Respondeu o tribunal a quo, pela seguinte forma:
Pontos 13 e 14: provado apenas que, posteriormente à compra das 2ª e 3ª Rés, os 6º e 7º réus, passaram a orientar os negócios pela seguinte forma:
- as compras da matéria prima fornecida pelas autoras, bem como os contratos de leasing de instalações fabris e viaturas, eram efectuadas pela 1ª Ré;
- a transformação das matérias primas era efectuada pela 2ª Ré e a comercialização dos respectivos produtos era efectuada pela 3ª e 4ª rés (a quem as matérias primas eram cedidas pela 1ª ré, de forma contabilística), acabando o produto das vendas finais por ser recebido pela “L.B.”, e, sensivelmente a partir de inícios do ano de 2002, pela R (…), que cobravam de terceiros o respectivo preço, nomeadamente junto das grandes superfícies, que não pagavam às outras rés, nem procedeu ao pagamento às autoras da totalidade do preço das mercadorias fornecidas, designadamente dos montantes a que é feita referência nas respostas conferidas aos arts. 2º a 11º da base instrutória.
Segundo os apelantes, o Tribunal devia ter dado como provado nos pontos 13 e 14 que, apesar de se reconhecer que a S (… devia alguns valores às AA., esta não cedia as matérias primas à “L.B.” e à “R (…), S.A.” por qualquer forma contabilística,
e, não provado ainda, que acabava o produto das vendas finais por ser recebido pela “L.B.”, e pela “R (…)”, que cobravam de terceiros o respectivo preço, que não pagava às outras rés o preço das mercadorias fornecidas.
Baseia a sua discordância no teor dos depoimentos das testemunhas M (…) e A (…).
Antes de mais, há que referir que as duas referidas testemunhas afirmam que tais empresas funcionavam e se interligavam do seguinte modo – a seguir à aquisição da T (…) e da L.B. pelos 6º e 7º RR., a S (…) comprava por grosso matérias primas que eram transformadas pela T (…) (2ª Ré) e pela L.B. (…) (3ª Ré), que as colocavam no mercado, pois estas eram detentoras das marcas e dos contratos com as grandes superfícies, e ainda que, posteriormente à constituição da R (…) S.A. passou a ser esta a vender às grandes superfícies – tendo caducado os anteriores contratos por incumprimento, os contratos com as grandes superfícies passaram a ser celebrados com a R (…).
E a testemunha M (…), gestora e que exerceu funções de técnica oficial de contas para a primeiro para a S (…), e desde a constituição desta empresa, e depois igualmente e em simultâneo para a T (…), L.B. (…), R (…), admitiu que a situação da S (…) decorre das faltas de pagamento das rés, L.B. (…), T (…), e R (…), e do facto de ter procedido ao pagamento de dívidas da T (…) e da L.B. (…); e confirmou ainda que a S (…) só comprava matérias-primas e que a T (…) e a L.B. (…) só compravam à S (…). E tal testemunha chegou a afirmar “a S (…) só servia para comprar e para pagar, pois as outras não podiam pagar”, “quem teve de pagar era a S (…), as empresas que compraram não tinham condições para satisfazer as suas dívidas”.
Quanto à testemunha A (…) que trabalhou para a SLA durante um ano, entre 2005 e a 1ª semana de Setembro de 2006, primeiro como jurista e depois como responsável do departamento comercial, coordenando os “vendedores”, afirmou igualmente que a falta de liquidez da T (…) e da L.B. (…), afectou a S (…), tendo aquelas chegado a uma situação de inibição de cheques.
É certo que tais testemunhas não reconhecem expressamente que a L.B. (…) e a partir de meados de 2004, a R (…), recebessem das grandes superfícies e deliberadamente não pagassem à S (…), mas reconhecem expressamente que ocorria essa falta de pagamento à S (…). E, reconhecendo ainda tais testemunhas que a T (…) e a L.B. (…) tinham contratos com praticamente todas as grandes superfícies – Auchamp (Jumbo), Continente, Jerónimo Martins (Pingo Doce e Feira Nova), Intermarché – não será credível que estas pura e simplesmente não pagassem os produtos que adquiriam à T (…) e à L.B. (…) e, posteriormente à R (…).
Por outro lado, as apelantes omitem os depoimentos das testemunhas indicadas pelas AA. e de que o juiz a quo se socorre para fundamentar a sua resposta aos pontos 13 e 14.
Assim, H (…), que trabalhou para a L.B., como técnico de qualidade e de produção, desde 2002 e durante três anos e ainda durante mais um ano como director fabril, confirmou que, desde a constituição da R (…), quem comprava a matéria prima era a S (…), a L.B. (…) prestava serviços, a T (…) produzia e a R (…) vendia; mais afirmou que ainda foi do tempo em que a L.B. (…) também facturava, ou seja, inicialmente, quando chegou à empresa, era a L.B. (…) que vendia ao cliente final e que depois passou a ser a R (…). Afirma desconhecer se a T (…) e a L.B. (…) pagavam à S (…).
Tâ (…), que começou a trabalhar para a T (…) e para a L.B. (…) em 1993, ainda antes da sua aquisição pelo grupo R (…), tendo deixado de trabalhar para este grupo somente quando a empresa fechou em Novembro de 2006, afirmou que no início, em 2001, quem fabricava era T (…) e quem vendia era a L.B. (…), pois os contratos estavam celebrados em nome desta e que mais tarde tais contratos passaram para a R (…), e que a partir de então era esta que vendia o produto final, recebendo das grandes superfícies através da R (…). E, afirmou ainda que a empresa que mais dificuldades começou a evidenciar foi a S (…), que era a que comprava as matérias primas.
É certo que as testemunhas M (…) e A (…) afirmam que em 2001, quando o Y (…) e o X (…) compraram a T (…) e a L.B. (…), teriam sido pagas dívidas destas sociedades em cerca de 97,4 %.
Contudo, a testemunha An (…), que foi revisor oficial de contas da G (…) e que fez uma análise da contabilidade da S (…), a pedido de um dos membros da comissão de credores no processo de insolvência da S (…), afirmou peremptoriamente que nessa altura ocorreu uma “regularização de contas”, mas que não houve quaisquer pagamentos, mas meras movimentações contabilísticas, raciocínio este que se mostra devidamente explanado no relatório por si elaborado e junto aos autos a fls. 1294 e ss.
E, a testemunha M (…) afirmou mesmo que a S (…) é que teve de pedir empréstimos para proceder a pagamento de dívidas das duas empresas – T (…) e L.B. (…), que se encontravam inibidas de emitir cheques.
E a testemunha An (…), que analisou a contabilidade da SLA, afirma igualmente que a SLA não tinha dinheiro porque a L.B. (…) e a T (…) não lhes pagavam os fornecimentos que esta lhes fazia.
Ou seja, da análise conjunta de toda a prova produzida, inclusivamente do teor das testemunhas ouvidas por indicação dos RR., fica a convicção de que a S (…) ficou em situação difícil porque as suas únicas clientes – T (…) e L.B. (…), e mais tarde, a R (…), não lhe pagavam os fornecimentos que lhes fazia.
Aliás, no requerimento de apresentação à insolvência a própria S (…) alega que tendo um passivo de 4.145.041 €, tem a receber de clientes 3.474,374 (cfr. doc. 2 junto a fls. 973 e ss), sendo que, pela testemunha B (…), que exerceu as funções de administrador de insolvência em tal processo, foi afirmado que os únicos que surgem como devedores da S (…) em tal processo são a L.B. a T (…) (da certidão das finanças junta aos autos consta que os únicos clientes da S (…) eram a T (…), a L. B. e a R (…)).
Assim e quanto à resposta aos pontos 13 e 14, apenas haverá que alterar a data a partir da qual o produto final passou a ser vendido pela R (…) – não a partir de inícios de 2002, como foi feito constar pelo juiz a quo, mas de meados de 2004, data da constituição da R (…) (cfr. cópia da certidão de registo comercial de fls. 843 e 844).
Face ao exposto, tal resposta, passará a ter o seguinte teor:
Pontos 13 e 14: provado apenas que, posteriormente à compra das 2ª e 3ª Rés, os 6º e 7º réus, passaram a orientar os negócios pela seguinte forma:
- as compras da matéria prima fornecida pelas autoras, bem como os contratos de leasing de instalações fabris e viaturas, eram efectuadas pela 1ª Ré;
- a transformação das matérias primas era efectuada pela 2ª Ré e a comercialização dos respectivos produtos era efectuada pela 3ª e 4ª rés ( a quem as matérias primas eram cedidas pela 1ª ré, de forma contabilística), acabando o produto das vendas finais por ser recebido pela “L.B. (…)”, e, a partir de meados de 2004, pela R (…), que cobravam de terceiros o respectivo preço, nomeadamente junto das grandes superfícies, que não pagavam às outras rés, nem procedeu ao pagamento às autoras da totalidade do preço das mercadorias fornecidas, designadamente dos montantes a que é feita referência nas respostas conferidas aos arts. 2º a 11º da base instrutória.
1.2. Resposta aos quesitos 17 e 18.
Aos quesitos 17 e 18, com a seguinte redacção:
Quesito 17Neste meio tempo, aproveitando os meses pelos quais se prolongaram as negociações conducentes a este reescalonamento, os 6º e 7º réus, atenta a sua posição de domínio e controle de todas as rés, retiraram todos os activos das 3 primeiras rés, mantendo nelas apenas os passivos, e sem pagar às AA., ou fazendo apenas um ou outro pequeno pagamento?
Quesito 18Os 6º e 7º Réus transferiram para a 4ª e 5ª RR., os activos restantes, a saber: os contratos de fornecimento dos clientes comerciais, especialmente grandes superfícies; contratos de leasing das diversas viaturas comerciais e de distribuição, bem como as próprias viaturas de uso particular dos 6º e 7º RR., adquiridas para as empresas; contratos de leasing das instalações fabris em A...; equipamentos fabris, frigoríficos de armazenamento de produtos e/ou mercadorias e equipamentos de escritório; o pessoal fabril, administrativo e comercial?
Obtiveram a seguinte resposta por parte do tribunal a quo:
Quesito 17provado;
Quesito 18provado apenas que os réus X (…) e Y (…) transferiram para as rés “R. (…), S.A.” e “D (…), Ld.ª” os activos das restantes, a saber: contratos de leasing das diversas viaturas comerciais e de distribuição; contrato de leasing das instalações fabris, sitas na A...; equipamentos fabris, frigoríficos de armazenamento de produtos e/ou mercadorias e equipamentos de escritório; o pessoal fabril, administrativo e comercial; tendo a “R (…)” negociado novos contratos com as grandes superfícies, uma vez caducados os contratos comerciais celebrados entre a “L.B.” e a “T (…)”, de uma banda, e as referidas grandes superfícies.
 Segundo os apelantes o tribunal não devia ter dado como provado que os RR. Y (…) e X (…) tenham retirado todos os activos das rés S (…), T (…) e L.B., mantendo nelas os passivos, e sem pagar às AA., ou fazendo apenas um ou outro pagamento,
bem como, que aqueles réus tenham transferido para a R (…) e D (…) os referidos activos das restantes, sem pagar o respectivo preço.
Quanto à transferência dos contratos de leasing das viaturas comerciais e de distribuição e contrato de leasing das instalações fabris, é abundante a prova de que tal transferência ocorreu sem que tenha ocorrido qualquer pagamento ou contrapartida económica para a cedente, S (…):
Com efeito, An (…), revisor oficial de contas que, a pedido da comissão de credores no âmbito do processo de insolvência da S (…), elaborou o relatório respeitante à contabilidade desta e que se encontra junto aos autos a fls. 1094 e ss., afirmou que os contratos de leasing das instalações e das viaturas foram transferidos sem que fossem contabilizados os pagamentos até aí efectuados no âmbito de tais contratos e que se o valor dos bens fosse superior aos montantes ainda por vencer, tal montante não foi contabilizado.
E se dúvidas ficassem, o depoimento prestado pelo administrador de insolvência da S.L.A., B (…), é demolidor:
Da leitura que fiz da contabilidade da S (…)., vejo que, a determinada altura, foi feita a passagem dos contratos de leasing, nomeadamente viaturas e um imóvel da insolvente, sem qualquer contrapartida (…). Estes contratos de leasing que estavam em nome da S (…), passaram todos para a R (…). A R (…) adquiriu as obrigações e os direitos, ficou com o contrato, foi uma cedência de posição contratual, mas verificou na contabilidade da S (…) que foi a S (…) que continuou a pagar esses contratos; contabilisticamente é fácil perceber essa situação, o que onerou ainda mais a empresa e onerou o passivo”.
Quanto às testemunhas referidas pelos apelantes, M (…), quanto à transferência das viaturas e instalações, afirmou apenas que foi feita uma cedência da posição contratual, não sabendo exactamente o que se passou, e A (…) nada referiu quanto a tal transferência.
Quanto ao pessoal fabril, administrativo e comercial, foi igualmente transferido para a D (…), sem contabilização de qualquer contabilidade, como é referido pelas testemunhas L (…), que trabalhou para a L.B. desde 2002/2003, até lhe comunicarem que ou passava para a D (…) e abdicava da sua antiguidade ou ficavam sem nada, tendo ainda sido pressionado para convencer os demais trabalhadores a fazer o mesmo, o que recusou, e F (…), director comercial na L.B. a partir de Setembro de 2009, e a partir de 2001 também para a T (…), funções que exerceu até Agosto/Setembro de 2003, e que a sua intenção era transferir os contratos da L.B. e da T (…) para uma S.A., o que só veio a ocorrer após a sua saída da empresa. Quanto à testemunha M (…) afirmou que o pessoal foi transferido para a D (…) antes das empresas serem declaradas insolventes, sem esclarecer em que moldes se processou tal transferência.
Quanto aos demais equipamentos – equipamentos fabris, frigoríficos e equipamentos de escritório –, a testemunha M (…) referiu que não sabe dizer exactamente o que se passou, afirmando de um modo vago que houve vendas de imobilizados a terceiros e que houve vendas à R (…), e quando confrontada com os doc. 15 e 16 juntos a 09.01.2008 (fls. 1857 a 1859), que atestariam essas vendas, afirmou desconhecer se os valores aí referidos foram ou não efectivamente pagos à S (…), mas que se o fossem tal teria de estar em conta corrente.
Quanto aos referidos doc., 15 e 16, juntos a fls. 1656, 1858 e 1859, juntos pelos RR., respeitantes a duas notas de débito datadas de 29.12.2005, emitidas pela S (…), pela qual debitam à R (…) os valores de 36.300,00 € por equipamento administrativo, e 181.500 € por equipamento básico, também não comprovam por si só que tais notas de débito tenham obtido pagamento por parte da Ré R (…).
Assim, encontra-se junta aos autos uma única nota de débito respeitante a uma venda a terceiro ( (…), Lda.), datada de 20-06-2005, respeitante à venda de uma viatura usada pelo valor de 12.500,00 € (doc. nº 13, pag. 1856).
Quanto aos contratos com as grandes superfícies, até as duas testemunhas referidas pelos apelantes (M (…) e A (…)) confirmaram o que consta da resposta ao ponto 18 – que tendo caducado os contratos celebrados pela L.B. e pela T (…) com as grandes superfícies, a Ré R (…) negociou novos contratos com as mesmas, passando as vendas aos clientes finais a ser feitas através da R (…).
Haverá que ter-se ainda o teor do relatório à contabilidade da S (…) elaborado por An (…), do qual consta, a fls. 1100 dos autos, que “O património das Sociedades, foi reduzido no que se refere às alienações corpóreas no exercício de 2005 para 2006, tendo a sua quase totalidade sido alienadas. A alienação das imobilizações da S (…) – foram efectuadas por transferência para a R (…), tendo a S (…) registado perdas 47.536.50 no exercício de 2006 as quais não incluem o património que foi cedido pelo valor de custo e cujo justo valor se afigurava superior, nomeadamente as instalações fabris”.
E, atente-se, por fim, em que o administrador de insolvência da S (…), B (…), afirmou que, quer à S (…), quer à L.B., entretanto também declarada insolvente, não foi apreendido qualquer património.
Ou seja, quanto à resposta aos pontos 17 e 18, nada haverá a alterar.
1.3. Resposta ao quesito 23.
Pretendem os apelantes que ao ponto 23 – no qual se perguntava se as sociedades comerciais RR. eram independentes entre si, promoviam objectos diferentes, com fins distintos e com patrimónios separados e autónomos – deveria ter sido dada resposta positiva.
Discordamos totalmente de tal entendimento – com efeito, e desde logo, do quadro relatado pela generalidade das testemunhas ouvidas resulta que, todas as empresas – S (…), T (…) e L.B. (…), e desde a sua constituição, em meados de 2004, também a R (…) – laboravam no mesmo espaço físico, partilhavam dos mesmos trabalhadores e do mesmo equipamento, independentemente de pertencerem ou terem contrato com uma outra das empresas, sendo todas elas geridas por Y (…) e X (…). E a R (…), criada em 2004, passou a exercer actividade concorrente com a L.B. – tendo deixado caducar os anteriores contratos celebrados com as grandes superfícies, celebrou novos contratos com estas, passando a ser a R (…) quem vendia o produto ao cliente final. Por outro lado, todo o património da S (…), da T (…) e da L.B. (…) acabaram por ser transferidos para a R (…) em 2005, e a D (…), em 23.03.2006, alterou o seu objecto social de modo a abranger igualmente a actividade de “importação, exportação e comercialização de produtos alimentares, frescos e congelados e prestação de serviços conexos” (cfr., certidão de fls. 847 a 851).
A própria testemunha das RR., A (…), confirmou que só havia uma linha de montagem que estava nas instalações da A..., e nessas mesmas instalações estavam também a câmara frigorífica e o controle de qualidade, e que o refeitório, o escritório, eram utilizados indistintamente por todas as empresas; mais afirmou que as máquinas processavam todas as mercadorias, embora cada uma das empresas – T (…) e L.B. (…) funcionassem com marcas diferentes; a central telefónica também era única; afirmou ainda que os vendedores que estavam sob a sua orientação eram da T (…), e que passaram a dar assistência aos produtos da L.B., da T (…) e da R (…).
E note-se que tal confusão se estenderia à própria contabilidade – segundo o relatório junto a fls. 1294 e ss, os movimentos de regularização/transferência entre contas das sociedades R (…), T (…), L.B. para a S (…), respeitantes a débito sem origem em vendas ou seja, sem que sejam oriundos da actividade da sociedade, eleva-se a 1.514.424, 75 €, assim como o valor dos créditos registados não correspondem a recebimentos efectivos pois resultam de transferências de outras contas.
De qualquer modo, note-se que, se dúvidas ficassem, sempre teriam de ser resolvidas contra aquele a quem o facto aproveita, ao abrigo do disposto no art. 516º do CPC.
Ou seja, a prova produzia impunha a resposta negativa dada pelo juiz a quo.
1.4. Resposta dada ao ponto 26.
Pretendem igualmente os apelantes que ao ponto 26 – no qual se perguntava se o projecto de financiamento submetido ao IAPMEI foi aprovado, mas dependente da apresentação de garantias reais, o que era irrealizável, aconselhando aquele instituto a colocar as 1ª, 2ª e 3ª Rés, sob insolvência – que obteve resposta negativa, deveria ser dado como provado.
Ora, se é verdade que as duas referidas testemunhas indicadas pelos RR., referiram que o IAPMEI fez depender a aprovação do plano da apresentação de garantias reais, nenhuma delas foi capaz de explicar porque motivo é que a apresentação de “garantias reais” não era realizável, nenhuma tendo afirmado que os sócios gerentes das Rés não possuíssem bens próprios para dar em garantia, sendo certo que do depoimento da testemunha A (…) resulta que os mesmos possuiriam, pelo menos, apartamentos, um iate e veículos automóveis; e o referido A (…) afirmou que “ainda se ponderou em dar como garantia o património pessoal do Sr. Y, mas não se decidiu nesse sentido”.
E a testemunha An (…), em resposta a tal matéria afirmou que o plano não foi aprovado porque os sócios não quiseram lá por dinheiro nenhum, e que desde a aquisição das empresas, nunca fizeram suprimentos, nem prestações acessórias ou complementares.
A resposta negativa a tal ponto é assim de manter.
1.5. Resposta ao ponto 27.
Ao ponto 27 – no qual se perguntava se os gerentes da Ré, 6º e 7º RR., actuaram no sentido de que a S (…) pagasse aos credores, não tendo obtido condições financeiras, nem as obtendo do sector bancário ou de outras origens – pretendem igualmente os apelantes que deveria ter sido dada resposta positiva.
Ora, não só nenhuma das testemunhas ouvidas confirmou a existência de qualquer diligência no sentido de obtenção de meios de pagamentos aos credores da S (…), a não ser a tal apresentação de um plano ao IAPMEI como a testemunha B (…) afirmou que durante esse período a empresa praticou actos que aumentaram o seu passivo, como, quer tal testemunha quer An (…) (e outras), confirmaram que a S (…) andou a proceder ao pagamento de uma série de despesas que em nada tinham a ver com a actividade da S (…), nomeadamente despesas de manutenção de instalações que lhe não pertenciam, pagamento de condomínio de um apartamento em Cascais que não pertencia à S (…) nem era utilizado por esta na sua actividade, pagamentos de alugueres mensais de um espaço na marina quando a S (…) não possuía qualquer barco. E tais pagamentos são ainda confirmados pela testemunha T (…), que afirmou ter chegado a lançar facturas do condomínio da casa onde vivia o Sr. Y (…), e que era a S (…) que pagava as despesas de atracagem do iate na marina, bem como os arranjos do mesmo e todas as despesas relacionadas com o mesmo.
Aliás, note-se que a testemunha A (…) qualifica a constituição da R (…) como uma “tentativa de fuga para a frente”, porque as outras empresas não tinham crédito mas tinham contratos, de onde ressalta a preocupação dos sócios e gerentes de salvarem o “negócio”, deixando cair as anteriores empresas, como é referido pela testemunha F (…).
Manter-se-á a resposta negativa dada a tal ponto.
1.6. Resposta ao ponto 30.
O Ponto 30 – no qual se perguntava se o facto de as 2ª e 3ª RR. terem acordos independentes por marca com as grandes superfícies, transportes próprios (a 3ª Ré) e estarem com dificuldades financeiras, inviabilizando o cumprimento dos compromissos assumidos, foram mantidas e adquiridas, pelos 6º e 7º RR., em Abril de 2001, as três sociedades, numa perspectiva de rentabilização e eficácia de recursos e de negócio – obteve a seguinte resposta:
Ponto 30 – Provado apenas que a transmissão de quotas da sociedade “T (…)” e da sociedade “L.B.” para os 6º e 7º RR., teve lugar em 30.07.2001.
Pretendem os apelantes que tal ponto seja dado como provado na sua totalidade.
Contudo, a prova produzida em audiência de julgamento deixa-nos sérias dúvidas acerca da intenção dos sócios/gerentes na aquisição e manutenção de tais empresas, sobretudo ao deixarem caducar os contratos que aquelas tinham com as grandes superfícies, criando a R (…) e renegociando tais contratos em nome da T (…) e da L.B. (…), deixaram tais empresas esvaziadas do seu objecto.
Mantém-se a resposta dada ao ponto 30.
1.7. Resposta dada ao ponto 31.
O ponto 31 – no qual se perguntava “tendo sido pago e regularizado aos credores 97,4 % de 4.8 milhões de euros em dívidas e tendo a S (…) passado a negociar no mercado a aquisição de matéria-prima? – obteve resposta negativa.
Ora, embora as testemunhas M (…) e A (…) tenham confirmado o referido pagamento, a testemunha An (…) afirmou peremptoriamente que não houve pagamentos nenhuns, que a regularização foi meramente contabilística, e que as verbas foram transferidas de umas contas para as outras.
Mantém-se a resposta dada a tal ponto.
            2. Subsunção dos factos ao direito.
2.1. Os Factos.
São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida, com a alteração agora introduzida ao ponto 18:
 1. A ré “S (…), Ld.ª” existe desde 27 de Setembro de 1999, sendo constituída pelos réus X (…) e Y (…), na qual ficaram com a posição de sócios-gerentes.
2. A ré “T (…), Ld.ª” foi constituída em 21 de Janeiro de 1999, tendo sido adquirida em 30 de Julho de 2001, pelos 6.º e 7.º réus e uma colaboradora destes, que eram os seus únicos sócios, detendo o 6.º réu 6% do capital, 90 % o 7.º réu e 4% a colaboradora destes, desempenhando os 6.º e 7.º réus as funções de sócios gerentes.
3. A ré “L.B. (…), Ld.ª” foi constituída em 29 de Setembro de 1999 e igualmente adquirida pelos 6.º e 7.º réus e pela mulher deste em 30 de Julho de 2001, com participação no capital e exercício de funções iguais à sociedade referida em 2..
4. A transmissão de quotas da sociedade “T (…), Ld.ª” e da sociedade “L.B. (…), Ld.ª”, para os réus X (…) e Y (…), teve lugar em 30/07/2001.
5. Desde 30/07/2001 que as empresas “L.B. (…), Ld.ª” e “T (…), Ld.ª”, tinham os mesmos sócios gerentes (os ora 6.º e 7.º réus, X e Y).
6. A organização das empresas “S (…), Ld.ª”, “T (…), Ld.ª” e “L.B. (…), Ld.ª” pré-existia, com sócios diferentes entre si, à gestão que a autora “R (…)” delas passou a fazer, no ano de 2001.
7. A ré “R (…), S.A.” foi constituída em 30 de Julho de 2004, sendo a administração respectiva exercida por um Conselho composto pelo 7.º réu, na qualidade de Presidente e Administrador Delegado; e o 6.º réu e I (…), como vogais.
8. A ré “D (…), Ld.ª” foi constituída em 29 de Outubro de 1999 e foi adquirida em 30 de Julho de 2001 pelos 6.º e 7.º réus, e pela mulher deste último, nas mesmas proporções de participação no capital da firma referida em 2..
9. A autora “B (…), Ld.ª” forneceu à ré “S (…), Ld.ª” e à ré “L.B. (…), Ld.ª”, e para o exercício da actividade destas e a seu pedido, e dos réus X e Y, seus sócios e gerentes, mercadorias diversas, que elas receberam, a seu contento e sem reclamar.
10. Para titular o seu valor, remeteram as suas letras, aceites, cujo total ainda em débito importa em € 252.079,25 (duzentos e cinquenta e dois mil setenta e nove euros e vinte e cinco cêntimos), e que se encontram avalizadas pelo réu X.
11. Existe ainda em conta corrente relativa a facturas não pagas e encargos bancários o saldo aproximado de € 26.461,19 (vinte e seis mil quatrocentos e sessenta e um euros e dezanove cêntimos), respeitantes à ré “S (…), Ld.ª”, e de € 552,99 (quinhentos e cinquenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), referentes à ré “L.B. (…), Ld.ª”.
12. Nas mesmas circunstâncias, a autora “A (…), Ld.ª” forneceu mercadorias à ré “S (…), Ld.ª”, não reclamadas, para título de cujo valor esta lhe remeteu letras aceites no total de € 21.950,00 (vinte e um mil novecentos e cinquenta euros), encontrando-se todas avalizadas pelo réu X, e estando actualmente em dívida € 12.350,00 (doze mil trezentos e cinquenta euros).
13. Há, ainda, em dívida, em conta corrente, relativa a facturas não pagas e a encargos bancários, o montante global de € 148,353,00 (cento e quarenta e oito mil trezentos e cinquenta e três euros).
14. Nas mesmas circunstâncias, a autora “BB (…), Ld.ª” forneceu mercadorias à ré “S (…), Ld.ª”, não reclamadas, para título de cujo valor esta lhe remeteu letras aceites no valor total de € 88.042,37 (oitenta e oito mil quarenta e dois euros e trinta e sete cêntimos), do qual se encontra em dívida o valor de € 76.064,91 (setenta e seis mil sessenta e quatro euros e noventa e um cêntimos).
15. Havendo ainda em conta corrente relativa a facturas não pagas e encargos bancários o saldo de € 11.726,23 (onze mil setecentos e vinte e seis euros e vinte e três cêntimos).
16. Nas mesmas circunstâncias, a autora “M (…), Ld.ª” forneceu mercadorias às rés “S (…), Ld.ª” e “R (…), S.A.”, não reclamadas, para título de cujo valor esta lhe remeteu letras aceites, algumas delas reformadas, encontrando-se em dívida, após pagamentos diversos, o montante de € 141.132,71 (cento e quarenta e um mil cento e trinta e dois euros e setenta e um cêntimos), por parte da ré “S (…), Ld.ª”, e € 9.427,10 (nove mil quatrocentos e vinte e sete euros e dez cêntimos), por parte da ré “R (…), S.A.”.
17. Havendo ainda em conta corrente relativa a facturas não pagas e encargos bancários o saldo de € 34.431,06 (trinta e quatro mil quatrocentos e trinta e um euros e seis cêntimos), sobre a ré “S (…), Ld.ª”, e de € 16.155,46 (dezasseis mil cento e cinquenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), sobre a ré “R (…), S.A.”.
18. A ré “R (…), S.A.” e a autora “M (…), Ld.ª” sempre acordaram entre si que os encargos bancários que, eventualmente, os bancos cobrassem à autora pelo desconto de letras por aquela entregues à autora, seriam sempre suportados pela primeira, uma vez que era exclusivamente no seu interesse que lhe eram passadas aquelas letras.
19. Nas mesmas circunstâncias, a autora “T (…), S.A.” forneceu mercadorias à ré “S (…), Ld.ª”, não reclamadas, que deram origem a facturas e notas de débito no valor de € 51.092,85 (cinquenta e um mil noventa e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), de que se encontram em dívida € 42.006,05 (quarenta e dois mil seis euros e cinco cêntimos).
20. Nas mesmas circunstâncias, a autora “F (…), Ld.ª” forneceu mercadorias à ré “S (…), Ld.ª”, não reclamadas, para título de cujo valor esta lhe remeteu letras, endossadas pela autora “F (…), Ld.ª” à autora “B (…), Ld.ª”, cuja tramitação bancária originou despesas, cujas notas de débito aquela não pagou e que somam € 8.886,01 (oito mil oitocentos e oitenta e seis euros e um cêntimo).
21. Os encargos bancários peticionados pela autora “F (…), Ld.ª” reportam-se a letras que a autora endossou à autora “B (…), Ld.ª”, tendo sido acordado que o pagamento de tais encargos seria suportado pela ré “S (…), Ld.ª”.
22. As letras não eram entregues às autoras como garantia de dívida, mas como as autoras careciam de financiamento, dirigiam-se ao Banco e pediam o desconto das letras.
23. Os réus X e Y organizaram tudo por forma a deterem todo o poder de decisão e administração em todas estas empresas simultaneamente.
24. Posteriormente à compra das rés “T (…), Ld.ª” e “L.B. (…), Ld.ª”, os réus X e Y passaram a orientar os negócios da seguinte forma:
- as compras de matéria prima fornecida pelas autoras, bem como os contratos de leasing de instalações fabris e viaturas, eram efectuadas pela ré “S (…), Ld.ª”;
- a transformação das matérias primas era efectuada pela ré “T (…), Ld.ª” e a comercialização dos respectivos produtos e mercadorias era efectuada pelas rés “L.B. (…), Ld.ª” e “R (…), S.A.” (a quem as matérias primas eram cedidas pela ré “S (…), Ld.ª”, por qualquer forma contabilística), acabando o produto das vendas finais por ser recebido pela “L.B. (…)”, e, a partir de meados de 2004, pela “R (…)”, que cobravam de terceiros o respectivo preço, nomeadamente junto das grandes superfícies comerciais, que não pagava às outras rés, nem procedeu ao pagamento às autoras da totalidade do preço das mercadorias fornecidas, designadamente dos montantes a que é feita referência em 10. a 17., 19. e 20.
25. Durante o ano de 2004, a ré “S (…), Ld.ª” começou a evidenciar dificuldades de pagamento, atrasando o cumprimento dos seus compromissos e em 2005 a situação agravou-se, deixando de cumprir, falhando pagamentos.
26. No decurso do mês de Agosto de 2005, a ré “S (…), Ld.ª” veio propor a todas as autoras um reescalonamento da dívida, o que não cumpriu.
27. Neste meio tempo, aproveitando os meses pelos quais se prolongaram as negociações conducentes a este reescalonamento, os réus X e Y, atenta a sua posição de domínio e controle de todas as rés, retiraram todos os activos das rés “S (…), Ld.ª”, “T (…), Ld.ª” e “L.B. (…), Ld.ª”, mantendo nelas apenas os passivos, e sem pagar às autoras, ou fazendo apenas um ou outro pequeno pagamento.
28. Os réus X e Y transferiram para as rés “R (…), S.A.” e “D (…), Ld.ª” os activos das restantes, a saber: contratos de leasing das diversas viaturas comerciais e de distribuição; contrato de leasing das instalações fabris, sitas na …; equipamentos fabris, frigoríficos de armazenamento de produtos e/ou mercadorias e equipamentos de escritório; o pessoal fabril, administrativo e comercial; tendo a “R (…)” negociado novos contratos com as grandes superfícies, uma vez caducados os contratos comerciais celebrados entre a “L.B. (…)” e a “T (…)”, de uma banda, e as referidas grandes superfícies.
29. Até Novembro de 2006, data em que foi declarada a insolvência das rés “L.B. (…), Ld.ª”, “S (…), Ld.ª” e “T (…), Ld.ª”, todas estas empresas (1.ª a 5.ª rés) funcionaram na Rua …, ….
30. Todas estas firmas utilizavam indistintamente os mesmos números de telefone, de fax, e até os empregados, que sempre estiveram nessas instalações da A..., e de onde nunca saíram, tudo funcionando como uma única unidade económica.
31. Há consultas de preços para fornecimento de produtos, solicitados por uma ré, para virem a ser facturadas a outra(s), existindo pagamentos, feitos por cheque e ou letra, da ré “R (…), S.A.” destinados a dívidas da ré “S (…), Ld.ª”.
32. Pelo menos desde Janeiro de 2006 que nem a ré “S (…), Ld.ª”, nem qualquer das restantes, fez qualquer pagamento, tendo cobrado dos respectivos clientes o valor das mercadorias que lhes forneceram.
33. Em Setembro de 2005, os gerentes da “L.B. (…), Ld.ª”, da “T (…), Ld.ª” e da “S (…), Ld.ª”, decidiram recorrer ao IAPMEI, com o intuito de financiar e proceder à reestruturação das empresas.
34. Exceptuando o crédito sobre a ré “L.B. (…), Ld.ª”, a que é feita referência em 8., e o crédito sobre a ré “R (…), S.A.”, a que é feita referência em 15., os demais créditos peticionados resultam de fornecimentos de marisco e pescado congelado apenas à ré “S (…), Ld.ª”, e fruto de encomendas e vendas de mercadorias, efectuadas e fornecidas, em data posterior à existência da ré “R (…), S.A.”.
35. A marca “T” era comercializada pela ré “L.B. (…), Ld.ª”.
36. A marca “M...R...”era comercializada pela ré “T (…), Ld.ª”.
37. A ré “D (…), Ld.ª” tinha como objecto social o transporte e distribuição de mercadorias e respectivo alvará.
38. Antes do arresto ordenado nos autos, a ré “R (…), S.A.” tinha contratos de fornecimento com diversos hipermercados (“Modelo Continente”, “Regional Mercadorias, S.A.”, “Grupo Aucham”, “Supermercados Sá”, “Leclerq” e “Jerónimo Martins”), ao abrigo dos quais lhes fornecia e distribuía os seus produtos.
39. As autoras tiveram despesas com a carga e transporte das mercadorias congeladas e que foram arrestadas, bem como despesas de conservação das mesmas nas câmaras frigoríficas onde se encontram.
40. Por sentença proferida a 31/07/2006 foi declarada a insolvência da sociedade “L.B. (…), Ld.ª”.
41. Por sentença proferida a 20/09/2006 foi declarada a insolvência da sociedade “S (…), Ld.ª”.
42. Por sentença proferida a 24/01/2007 foi declarada a insolvência da sociedade “T (…), Ld.ª”.
43. Por sentença foi declarada a insolvência da sociedade “R (…), S.A.”.
2.2. O Direito.
2.2.1. Desconsideração, levantamento, ou abuso da personalidade colectiva.
O Juiz a quo, com fundamento em que entre as Rés existia uma clara mistura de patrimónios, provocada pela conduta dos 6º e 7º Réus, que detinham todo o poder de decisão e administração, em todas estas sociedades, simultaneamente,
considerou que os 6º e 7º RR., na qualidade de sócios das 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Rés e de administradores da 4ª Ré, actuaram com abuso de direito de personalidade colectiva, sendo legítimo desconsiderar a personalidade colectiva de qualquer uma destas sociedades.
Insurgem-se os réus contra tal desconsideração, com fundamento em que embora o património da S (…) se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos dos credores, tal não se terá devido a uma actuação culposa por parte dos recorrentes no sentido de a depauperar e, portanto com intuito de lesar os credores.
E, teria ainda de ter sido demonstrado que o acto do administrador ou gerente possa considerar-se causa adequada do dano do credor social, ou seja, que a conduta omissiva dos réus gerentes, ao não se apresentarem, por ex., à falência ou a processo de recuperação, estivesse na origem do prejuízo advindo para as autoras.
Comecemos pela análise da figura da desconsideração da personalidade colectiva, de que o juiz a quo se socorreu para fundamentar a responsabilização solidária da 5ª Ré e dos 6º e 7º Réus, pelos créditos das autoras.
A desconsideração (levantamento, ou abuso de personalidade colectiva[1]) da personalidade jurídica das sociedades comerciais não se encontra consagrada no nosso ordenamento colectivo em qualquer norma de carácter geral, tendo conquistado autonomia dogmática a nível doutrinário e jurisprudencial.
A doutrina atribui carácter excepcional e subsidiário a tal instituto[2] – só deverá recorrer-se ao mesmo quando inexista norma concreta que permita resolver o problema a que com ele se pretende dar resposta.
A doutrina tem vindo a distinguir dois grandes grupos de casos: os casos de imputação[3] e os casos de responsabilidade.
Apenas se encontrará aqui em causa o segundo grupo, aliás o mais frequente: o da ruptura da regra da limitação da responsabilidade ou afastamento da personalidade para fins de responsabilidade.
Dentro deste grupo, podem identificar-se três tipos de situações mais frequentes[4]:
a) a confusão ou mistura de esferas jurídicas e de patrimónios (indistinção entre a pessoa e o património da sociedade e as pessoas ou os patrimónios dos sócios);
b) a subcapitalização (desproporção anormal entre o capital social e o volume de negócios da sociedade);
c) o abuso do instituto de pessoa jurídica.
No caso em apreço apenas poderá estar em causa a hipótese de confusão de esferas jurídicas ou patrimónios.
“A autonomia patrimonial, pressuposto da personalidade jurídica das sociedades comerciais, desdobra-se em duas vertentes: a responsabilidade exclusiva do património social pelas obrigações sociais e a responsabilidade do património social exclusivamente pelas obrigações sociais[5]”.
Contudo, não podendo perder-se de vista que a sociedade é sempre resultado ou expressão da vontade dos sócios, desde a sua constituição e durante todo o seu funcionamento, a personalidade jurídica não deve ser absolutizada.
Como refere Catarina Serra, “suponha-se que o sócio ou os sócios tratam e dispõem da sociedade e do património social como se fosse “coisa própria” (e vice-versa): pagam dívidas da sociedade com valores depositados em contas bancárias pessoais; recorrem à tesouraria da sociedade para liquidar dívidas pessoais; realizam em nome da sociedade, negócios jurídicos para proveito próprio ou de terceiros; em suma, que o sócio ou os sócios convertem a sociedade e o seu alter ego num corporate dummy, a despeito do princípio da separação[6]”.
Segundo Maria de Fátima Ribeiro[7], embora o legislador consagre para as sociedades por quotas um regime legal que visa garantir que o património da sociedade se destina prioritariamente à satisfação dos credores sociais, podem os sócios frustrar esta garantia, agindo de modo a “misturar” os seus patrimónios pessoais com o património pessoal e a impedir o controlo do cumprimento dos preceitos referidos: um sócio imputa as suas despesas pessoais (nomeadamente, alimentação, vestuário ou viagens) à sociedade, fazendo-as pagar através do património desta última; os trabalhadores prestam serviços pessoais a um sócio (por ex. efectuam trabalhos de reparação ou construção civil na sua residência), continuando a ser pagos pela sociedade, como se tivessem estado sempre ao seu serviço; sócio age de forma a tornar impossível a manutenção de uma contabilidade social organizada, servindo-se frequentemente do dinheiro e das contas bancárias como se fossem seus e vice-versa.
Segundo a referida autora, outro tipo de comportamentos dos sócios que tem sido ligado à questão da tutela dos credores sociais, é constituído por situações em que aqueles privam a sociedade de oportunidades de negócios, bem como do seu potencial lucrativo, em benefício próprio ou de terceiro, entre os quais pode estar uma segunda sociedade comercial, constituída ou dominada pelos mesmos sócios[8].
Quanto à expressão “mistura de patrimónios”, Pedro Cordeiro[9] distingue duas situações que podem gerar danos aos credores sociais, e nas quais as fronteiras da autonomia patrimonial da sociedade se tornam fluidas, não devendo, consequentemente, ser respeitadas:
1. Mistura de sujeitos de responsabilidade – vg., através de uma unidade de posse das quotas ou da identidade dos membros da administração de duas ou mais sociedades, do desrespeito pelas formalidades societárias, ou ainda da localização no mesmo endereço de várias sociedades de responsabilidade limitada com firmas e ramos de actividade parecidos.
2. Mistura material de patrimónios – por ex., quando a escrituração, notas bancárias e valores patrimoniais da sociedade e do “homem oculto” não se distinguirem ou os patrimónios não forem suficientemente diferenciados.
E, como afirma Maria de Fátima Ribeiro, um dos casos tradicionalmente apontado como gerador de problemas que não encontram solução legal directa e, por isso, passível de conduzir à desconsideração da personalidade jurídica é, precisamente, a situação em que o sócio (ou vários sócios) agem como se não existisse separação entre o seu património pessoal e o património da sociedade[10].
E, no âmbito das sociedades comerciais, refere ainda a “mistura de patrimónios horizontal”, quando a situação descrita ocorre entre os patrimónios de sociedades irmãs, ou seja, de sociedades que são dominadas pelo mesmo sócio ou grupo de sócios[11].
No caso em apreço, deparamo-nos com uma factualidade que preenche uma mistura de sujeitos de responsabilidade:
- os 6º e 7º Réus, foram, a partir de Julho de 2001, sócios gerentes, em simultâneo das 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Rés, e o 6º Réu Presidente e administrador delegado da 4ª R., sendo o 7º Réu vogal do conselho de administração;
- todas estas sociedades utilizavam indistintamente os mesmos números de telefone, de fax e até os empregados, que sempre estiveram nas instalações da A..., tudo funcionando como uma unidade económica;
- as compras de matéria prima eram efectuadas pela S (…), a transformação era efectuada pela T (…), e comercialização era feita pela L.B., e posteriormente à sua constituição em meados de Julho de 2004, pela R (…);
- há consultas de preços para fornecimento de produtos solicitados por uma ré, para virem a ser facturados por outra, existindo pagamentos da Ré R (…), destinados a dívidas da S (…).
Quanto a uma mistura de patrimónios, os elementos de facto não serão tão claros:
- os contratos de leasing de instalações fabris e viaturas encontrar-se-iam em nome da S (…), até à sua transferência para a R (…);
- não se encontra apurado a qual das 3 1ªs. RR. pertenciam os equipamentos fabris, frigoríficos de armazém, equipamento administrativo, até à sua “transferência” para a R (…);
- os contratos com as grandes superfícies eram celebrados pela L.B. e pela T (…) até que, uma vez caducados, a Ré R (…) celebrou novos contratos com as mesmas.
De qualquer modo, o simples facto de todas as empresas funcionarem no mesmo local, com vista a um mesmo fim e com os mesmos sócios gerentes, e com utilização indistinta por todas as sociedades dos bens e trabalhadores, levará a que as fronteiras da autonomia patrimonial de cada uma das sociedades se tornem fluidas.
Por outro lado, a utilização abusiva da personalidade colectivas das sociedades S (…), T (…), L.B., R (…) ressalta à evidência no modo como os RR. Y e X orientavam os negócios em que se encontravam envolvidas tais sociedades:
as compras de matérias-primas fornecidas pelas AA. eram efectuadas pela S (…), a transformação de tais matérias primas era efectuada pela T (…), e a comercialização dos respectivos produtos e mercadorias era efectuada pela L.B. e R (…), a quem as matérias primas eram cedidas contabilisticamente, acabando o produto das vendas finais por ser recebido pela L.B. (…) e, a partir da constituição da R (…), em meados de 2004, por esta, que cobravam de terceiros o respectivo preço, nomeadamente junto das grandes superfícies, e que não pagava às outras rés.
E, tendo a S (…), deixado de cumprir com os seus pagamentos em 2005, e tendo no decurso de 2005 proposto às ora autoras um reescalonamento da dívida, neste meio tempo, os RR. Y e X, atenta a sua posição de domínio e controle de todas as rés, retiraram todos os activos das Rés S (…), T (…), e L.B. (…), mantendo nelas apenas os passivos; activos que transferiram para a Rés R (…) e D (…).
Note-se que tais comportamentos, sendo praticados por sócios gerentes (de direito ou de facto) integrariam, além do mais, a previsão das als. d), e), e f), do art. 186º do CIRE, constituindo presunções inilidíveis de culpa grave por parte dos mesmos, levando à qualificação da insolvência de tais sociedades (S (…), T (…) e L.B. (…)) como culposa.
Com efeito, segundo o nº1 do art. 186º do CIRE, a insolvência é culposa quando a sua criação ou agravamento resulte de comportamento doloso ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
E, sem prejuízo deste conceito geral, o nº2 e o nº 3 do art. 186º estabelecem presunções de insolvência culposa, considerando a doutrina que as presunções previstas no nº2 são presunções iuris et iure e as presunções previstas no nº3 constituem presunções iuris tantum, como tal, ilidíveis, segundo a regra geral do nº2 do art. 350º do CC1.
Segundo o nº2 do art. 186º, “considera-se sempre culposa (presunção inilidível[12]), a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular, quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
(…)
d) disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
(…).
E, ainda que se considere que, para além da verificação de alguma dessas alíneas, a qualificação como culposa reclama a existência de um nexo de causalidade entre os factos aí previstos e a produção e/ou agravamento da situação de insolvência[13], a matéria de facto dada como provada é suficiente para considerar preenchido tal nexo de causalidade:
o esvaziamento de património descrito nos pontos 27 e 28 da matéria de facto – os réus retiraram todos os activos das rés S (…), T (…) e L.B. -, pela sua dimensão, não pode deixar dúvidas quanto à produção ou agravamento do estado de insolvência de tais sociedades;
assim como, o desvio gradual da comercialização dos produtos inicialmente efectuada pela T (…) e L.B., para a R (…), só possível pelo facto de os RR. Y e X e deterem o poder de administração de todas as empresas em simultâneo (cfr. pontos 24, 30 e 31), não poderá deixar de se considerar como causal da situação de insolvência daquelas sociedades.
Ou seja, e ao contrário do sustentado pelos recorrentes nas suas alegações de recurso, o comportamento culposo dos 6º e 7º Réus contribuiu para a insuficiência do património para a satisfação dos créditos dos credores, constituindo causa adequada do dano dos credores sociais.
E, sendo o seu comportamento de molde a preencher as presunções nas als. d), e) e f), do nº2, do art. 186º do CIRE, seria de qualificar a declaração da insolvência de tais sociedades como culposa.
Contudo, a qualificação da insolvência como culposa não acarreta actualmente a responsabilidade ilimitada dos sujeitos afectados[14], implicando para os mesmos, como único efeito de carácter patrimonial, a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
No caso em apreço, e uma vez que os sócios das 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Rés, eram, simultaneamente seus gerentes, pertencendo ao conselho de administração da 4ª Ré, poder-se-ia levantar a questão de saber se a sua responsabilização se poderia atingir pela aplicação do nº1 do art. 78º do CSC, segundo o qual “os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
Para que o gerente de uma sociedade por quotas possa ser responsabilizado, directamente, perante os credores da sociedade, importa que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) o facto praticado constitua inobservância de disposição legal ou contratual destinada a proteger os credores sociais;
b) que a actuação seja culposa;
c) que o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores.
Antes de mais, há que tomar em consideração que o R. Y renunciou à gerência das 1ª, 2ª, 3ª rés, com efeitos a partir de 14.02.2005 (cfr., certidões de fls. 827 e 835), ou seja, em data anterior à referida transferência de património de tais rés para a R (…) e a D (…), pelo que, quanto a tais comportamentos só poderia responder enquanto administrador de facto[15].
Por outro lado, há quem reconheça que não existem no direito português disposições legais de protecção dos credores sociais, como tal e em sentido estrito, no sentido em que o ordenamento jurídico português não conhece como norma geral, “uma tutela aquiliana de créditos”[16].
Já Coutinho de Abreu, enumerando como normas de protecção dos credores sociais a que delimita a capacidade jurídica das sociedades (art. 6º do CSC), e a do art. 18º do CIRE que prescreve a obrigação de os administradores requererem a declaração de insolvência da sociedade em certas circunstâncias, considera que a inobservância das mesmas pode levar à responsabilização dos administradores perante os credores sociais.
Assim, e pronunciando-se sobre um Acórdão do TRE de 21.05.98, e do TRP de 15.10.2001[17], e sobre a opção entre as duas vias: responsabilização dos sócios gerentes nos termos do nº1 do art. 78º do CSC e a desconsideração da personalidade jurídica, afirma tal autor:
“Estando em causa o comportamento das administradores (-sócios), é mais correcto, directo e fácil o caminho indicado no art. 78º; eles respondem para com os credores da (primeira) sociedade porque violaram culposamente disposições de protecção destes – violaram, nomeadamente, o art. 6º, nº1, do CSC (a capacidade da sociedade não compreende transferência patrimoniais como as referidas) e o art. 18º do CIRE (não requererem em tempo a declaração de insolvência da sociedade) – o que originou a insuficiência do património social para satisfazer os direitos dos credores.
Na desconsideração da personalidade colectiva – dentro do grupo de casos de responsabilidade (onde se incluem as situações em análise) – a regra da responsabilidade limitada dos sócios é quebrada (derroga-se o princípio da autonomia patrimonial da sociedade em face dos respectivos sócios). Está agora em causa, portanto, a responsabilidade dos sócios – enquanto tais, não enquanto administradores – perante os credores sociais. Nas situações do tipo acima descrito, os sócios podem ser responsabilizados por provocarem e/ou agravarem a subcapitalização material manifesta da sociedade e nada fazerem para a eliminar ou minorar (há abuso de personalidade colectiva).[18]
E, uma vez demonstrado o esvaziamento do património social das 1ª, 2ª e 3ª sociedades, quando se encontravam já em mora o pagamento do preço pelos fornecimentos de matéria-prima efectuados pelas ora AA., encontrar-se-iam verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º do CPC, de modo a obterem dos 6ª e 7º RR. o ressarcimento dos danos causados aos credores, pela via do funcionamento do art. 78º do CSC.
Contudo, a caso em apreço apresenta algumas particularidades – é que ainda antes da transferência de património das 1ª, 2ª e 3ª Rés, para as 4ª (R) e 5ª (D) Rés – já vigorava entre elas uma confusão de esferas jurídicas e de patrimónios, aliada a uma união de actividades – de tal modo que a sociedade que comprava as matérias primas, não era a sociedade que recebia o preço do produto final fornecido às grandes superfícies – criando toda uma teia de relações entre as sociedades e de subalternização dos interesses de uma sociedade em benefício dos interesses de outra e sobretudo em benefício de determinado “negócio” que pretendem s salvar”, imputando as dívidas existentes a sociedades que vão deixando cair, transferindo o seu património para novas sociedades, e passando a actuar sob a capa de um novo ente societário, livrando-se dos credores das anteriores sociedades.
Ou seja, no caso em apreço, a relação entre as várias sociedades caracteriza-se, mais do que por uma confusão de patrimónios, por uma confusão ao nível da própria personalidade de cada uma delas – a gerência é exercida pelas mesmas pessoas relativamente a todas elas e como se de uma só sociedade se tratasse, verificando-se uma total dependência económica entre as várias sociedades, quer pela utilização comuns de meios de produção quer por todas participarem num mesmo processo produtivo e com vista à venda final dos produtos às grandes superfícies.
            Daí que a pretensão inicial dos autores abarcava a condenação solidária de todas as sociedades rés e dos respectivos sócios, pelos créditos resultantes dos fornecimentos à S (…) (apenas uma ínfima parte dos créditos reclamados respeitam à L.B. e à R(…)), pretensão que foi perdendo utilidade relativamente às 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Rés, que foram sendo declaradas insolventes na pendência da presente acção.
De qualquer modo, resta ainda o pedido de co-responsabilização solidária da 5ª Ré D (…), e essa não poderá resultar aplicação do citado art. 78º do CSC.
Ora, o instituto da desconsideração da personalidade colectiva permitirá que uma sociedade possa vir a ser responsabilizada por dívidas de outra sociedade: apresentando-se os grupos de sociedades sob uma lógica de interesses comuns, e até mesmo, quase uma “personalidade comum”, isto implicará correspectivamente, a mitigação da personalidade individual de cada sociedade pertencente ao grupo.
Aliás, o Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.02), ao estabelecer, no art. 334º, a responsabilidade solidária do empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo, tem subjacente a ideia de desconsideração da personalidade colectiva[19].
E, como refere Diogo Pereira Duarte[20], não introduzindo a existência de domínio qualquer particularidade face ao regime geral das sociedades – a sociedade dependente, apesar da dependência coloca-se num plano pessoal e patrimonial absolutamente distinto da sociedade dominante –, e sobretudo numa perspectiva de protecção dos credores sociais da sociedade dependente, encontram-se inviabilizados em absoluto pelo direito das sociedades, os seguintes comportamentos:
a) a possibilidade de considerar a existência de instruções vinculantes da sociedade dominante para a dependente;
b) a possibilidade de considerar a hipótese de postergar o interesse da sociedade dependente em benefício do interesse da dominante ou de outras sociedades pertencentes a qualquer relação de coligação em que aquelas se integrem;
c) a possibilidade de ocorrência de quaisquer transferência de activos entre as duas sociedades (particularmente da dependente para a dominante) que não encontrem justificação nos quadros gerais.
d) a possibilidade da situação de domínio, por si só, gerar perdas ou a existência de quaisquer transferência de benefícios.
E, tal autor chama a atenção para o fenómeno dos grupos de facto e para a circunstância de os referidos comportamentos – proibidos – que podem ocorrer numa situação de domínio de sociedades poderem ocorrer sem que aquele domínio ocorra, e mesmo sem que existam sócios que sejam também sociedades comerciais[21].
E, segundo tal autor, nos casos em que não ocorram actos lesivos plenamente identificados, a responsabilidade da sociedade dominante assentaria no concreto e efectivo controlo sobre a sociedade dependente, dispensando a demonstração da violação de qualquer dever de lealdade ou de má administração de facto, pois o que estaria em causa era apenas, e tão só, uma responsabilidade pela arquitectura do grupo, arquitectura, essa sim, que teria de ser demonstrada[22].
E é esta desfuncionalização de uma ou algumas das sociedades do grupo, desconsiderando o seu interesse social, em benefício, quer da sociedade dominante, quer do grupo, que deve justificar um desvio à aplicação da generalidade do regime da personalidade colectiva.
Como tal, em nosso entender, só a invocação da qualidade de sócio aos 6º e 7º réus, e a via da desconsideração/levantamento/abuso da personalidade jurídica conferirá cobertura cabal aos direitos dos credores.
E, considerando que não podem os sócios utilizar em seu benefício as regras de autonomia e de limitação da responsabilidade que vigoram no direito das sociedades, para, propositadamente, prejudicar os credores, será caso de desconsiderar a personalidade colectiva de todas as rés, com a consequente responsabilização da 5ª Ré, e dos 6º e 7º Réus pelas dívidas às autoras.
Sendo um caso de desconsideração, qual o regime aplicável – responsabilidade directa, ou subsidiária?
Segundo Maria de Fátima Ribeiro[23], a análise do fundamento legal da responsabilidade do sócio da sociedade por quotas pelas obrigações da sociedade, e a regra já contida no nosso ordenamento jurídico para o grupo de casos de mistura de patrimónios (art. 84º do CSC), impõe a necessidade ou a possibilidade de o sócio só responder, efectivamente, depois de executido o património da sociedade: ou seja, só depois de ficar demonstrado que o património social já não tem capacidade para satisfazer os credores sociais, existindo, então grande probabilidade de a sociedade em causa se encontrar insolvente.
A subsidiariedade da responsabilidade do sócio nos casos de desconsideração da personalidade jurídica é igualmente defendida por Pedro Cordeiro[24]: a desconsideração pressupõe uma responsabilização subsidiária do “homem oculto” por dívida da sociedade, uma vez que o princípio da separação só pode ser posto em causa, ainda que pontualmente, em caso de manifesta insuficiência do património do devedor.
 Já Ana Filipa Morais Antunes[25], prefere falar em abuso de personalidade jurídica colectiva enquanto fonte autónoma de responsabilidade civil por factos ilícitos, pressupondo a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, e configurando uma responsabilidade ilimitada, directa e solidária, podendo ser accionada independentemente da prévia excussão dos bens que compõem o património colectivo e da eventual insuficiência do património social para solver as dívidas e os prejuízos causados a terceiros.
De qualquer modo, no caso em apreço, a opção por uma solução ou outra será indiferente uma vez que as sociedades que contraíram as dívidas em questão – S (…), L.B. e R (…) – foram já declaradas insolventes.
Face às considerações expostas, é de manter a solução a que chegou a primeira instância.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Lisboa, 31 de Maio de 2011

Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Se Meneses Cordeiro opta pela denominação de “levantamento da personalidade colectiva” – Cfr., “O levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial”, Almedina 2000 –, outros autores como Ana Filipa Morais Antunes enveredam pela figura do “abuso da personalidade jurídica colectiva” – cfr., O Abuso da Personalidade Jurídica Colectiva no Direito das Sociedades Comerciais”, in Novas Tendências da Responsabilidade Civil”, Almedina 2007 – para obterem a responsabilização dos sócios por actos da sociedade perante terceiros em casos de utilização abusiva da personalidade colectiva.
[2] Neste sentido, cfr., entre outros, Pedro Cordeiro, “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais, Universidade Lusíada Editora, 2008, pag. 56, e Maria de Fátima Ribeiro, “Da Pertinência do Recurso à Desconsideração da Personalidade Jurídica para Tutela dos Credores Sociais”, anotação do Ac. TRL de 29.04.2008, in Cadernos de Direito Privado, nº 27, pag. 46, nota 1.
[3] Casos em que determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos dos sócios são imputados à sociedade e vice-versa.
[4] Cfr., entre outros, Menezes Cordeiro, “O Levantamento da Personalidade Colectiva, no Direito Civil e Comercial”, Almedina, 2000, pag. 115 e ss.
[5] Cfr., Catarina Serra, “Desdramatizando o Afastamento da Personalidade Jurídica (e da Autonomia Patrimonial), estudo publicado na revista Julgar, nº9 – 2009, pag. 112.
[6] Obra e local citados.
[7] Cfr., “A Tutela dos Credores Da Sociedade Por Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, tese de doutoramento, in Teses, Almedina, 2009, pag. 55.
[8] Cfr., obra citada, pag. 56.
[9] “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, Universidade Lusíada Editora, 3ª ed., Lisboa 2008, pag. 70 e 71.
[10] Cfr., “A Tutela dos Credores da Sociedade Por Quotas (…)”, pag. 260. Segundo Maria de Fátima Ribeiro, a “mistura de patrimónios” constituiria mesmo a única situação na qual seria de afirmar, sem reservas, a insubsistência da personalidade jurídica da sociedade, para fazer o sócios responder perante os credores sociais – cfr., “Da Pertinência do recurso à “desconsideração da personalidade jurídica” para tutela dos credores sociais”, Anotação ao Acórdão do TRL de 29.94.2008, in Cadernos de Direito Privado, nº 27, pag. 51 e 52.
[11] Cfr., obra citada, pag. 261, nota 275.
[12] Cfr., neste sentido, entre outros, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris 2008., pag. 610, e Luís Carvalho Fernandes, “A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor”, estudo publicado in THEMIS, RFD da UNL, “Novo Direito da Insolvência”, pag. 94.
[13] Cfr., neste sentido, entre outros, Rui Estrela de Oliveira, “Uma Brevíssima Incursão Pelos Incidentes de Qualificação de Insolvência”, in revista Julgar – nº11, 2010, pag. 237 e 238, 240 e 241.
[14] Ao arrepio do regime constante do CPEREF, que consagrava no seu art. art. 126º-A (aditado pelo DL nº 315/98, de 20.10), a responsabilidade solidária e ilimitada, pelas dívidas da sociedade falida, dos seus administradores de direito ou de facto que tivessem contribuído, de modo significativo, através de actos praticados ao longo dos últimos dois anos anteriores à sentença, para a falência da sociedade.
[15] Coutinho de Abreu reconhece expressamente que os administradores de facto, tal como os administradores de direito, hão-de estar sujeitos a responder civilmente perante a sociedade e terceiros – “Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades”, 2ª ed., IDET, Almedina, pag. 104. Maria de Fátima Ribeiro defende igualmente a aplicação directa aos gerentes de facto de todas as normas que prevêem a responsabilidade civil do gerente de direito (arts. 72º e ss., do CSC, incluindo o nº1 do art. 78º) – cfr., “A Tutela dos Credores (…), pag. 475.
[16] Neste sentido, Maria Elisabete Gomes Ramos, “A Responsabilidade de Membros da Administração”, estudo publicado in “Problemas do Direito das Sociedades”, IDET, Almedina, pag. 83, nota 29.
[17] Partindo da citação de tais acórdãos, publicados na CJ 1998, T3, pag. 258 e ss., e CJ 2001, T4, pag. 215 e ss., Coutinho de Abreu aprecia uma situação deste tipo: uma sociedade por quotas com poucos sócios, todos gerentes, depara-se em dada altura com problemas de liquidez; os sócios gerentes não adaptam medidas de saneamento financeiro (v.g., aumento do capital social), não dissolvem a sociedade nem requerem a insolvência da mesma; a sociedade vai continuando a actuar, mas, entretanto, os sócios constituem uma segunda sociedade: com o mesmo objecto e a mesma (próxima) sede; vários factores produtivos são transferidos da primeira para a segunda sociedade – a título de venda (com simulação de preço) e /ou gratuitamente; a primeira sociedade descapitalizada, cessa a actividade e não satisfaz débitos vários; a segunda continua normalmente a actividade”.
[18] “Responsabilidade dos Administradores (…), pag. 78 e 79.
[19] Cfr., neste sentido, a propósito do anterior art. 378º do CT, Armando Manuel Triunfante e Luís Lemos Triunfante, “Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária e Jurisprudencial”, revista Julgar – nº 9 – 2009, pag.  137.
[20] “Aspectos do Levantamento da Personalidade Colectiva nas Sociedades em Relação de Domínio”, Almedina, pag. 268 e 269.
[21] Cfr., obra citada, pag. 269 e 270.
[22] Cfr., obra citada, pag. 348 e 349.
[23] Cfr., “A Tutela dos Credores (…), pag. 345.
[24] Obra citada, pag. 101.
[25] Cfr., “O Abuso da Personalidade Jurídica Colectiva no Direito das Sociedades Comerciais”, estudo publicado in “Novas Tendências da Responsabilidade Civil”, Almedina, 2007, pag. 63 a 65.