Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MANUEL GONÇALVES | ||
| Descritores: | CASA DA MORADA DE FAMÍLIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/09/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Sumário: | 1 - O art. 1793 CC, nada diz quanto ao meio processual para se obter a atribuição da casa de morada de família, limitando-se a regular os efeitos do divórcio. 2- A atribuição da casa de morada de família deverá ser exercida em processo específico de jurisdição voluntária. 3- Estando pendente acção de divórcio ou separação judicial litigiosa, a acções correrá por apenso – 1413 CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: (A), intentou acção da separação de pessoas e bens, litigiosa, contra (R), pedindo: se decrete a separação judicial de pessoas e bens, na modalidade litigiosa, entre A. e R., por culpa exclusiva deste; se fixe a favor da A. uma pensão de alimentos no valor de 200 euros mensais, a descontar directamente no vencimento mensal do R., pela entidade patronal do mesmo; se atribua à A. a casa de morada de família, com a inerente transmissão da posição de arrendatário para a mesma. Para o efeito alega em síntese o seguinte: A. e R, contraíram casamento católico em 13.09.1969. Desse casamento há duas filhas já maiores de idade. Há 3 anos que terminou a vida em comum do casal. O R. é funcionário autárquico, sendo funcionário da Câmara Municipal do Seixal. O R. mantém relações íntimas com outras mulheres, apenas indo a casa dormir. O R. não contribui para as despesas familiares. Realizada a tentativa de conciliação, ordenou-se a notificação do R. para contestar, (fol. 24). Procedeu-se a julgamento (fol. 41 e segs), após o que foi proferida decisão da matéria de facto (fol. 47). Foi proferida sentença (fol.49 e segs., que julgando a acção parcialmente procedente: decretou a separação judicial de pessoas e bens entre autora e o réu; declarou o R. o único culpado pela separação; julgou improcedentes os pedidos de fixação de alimentos e o de atribuição da casa de morada de família. Inconformada recorreu a autora (fol.56), recurso que foi admitido como apelação (fol.57). Nas alegações que ofereceu, formula a apelante as seguintes conclusões: a) A recorrente e recorrido, casaram há 35 anos. b) A recorrente encontra-se desempregada e incapacitada para o trabalho. c) A recorrente não violou qualquer dos deveres conjugais. d) A recorrente não possui bens ou outros rendimentos. e) O tribunal ignorou dos documentos de prova juntos aos autos e considerou não provados factos que determinaram a errónea aplicação das disposições legais, nomeadamente quanto à prestação de alimentos requerida (art. 2016 CC) f) Quanto à atribuição da casa de morada de família, ignorou o disposto no art. 1793 CC, negando a sua atribuição. Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir. FUNDAMENTOS. Na sentença sob recurso, considerou-se assente o seguinte factualismo: 1- Autora e R., contraíram casamento sem convenção antenupcial em 13.09.69. 2- Autora e R., apesar de partilharem a mesma casa, não partilham o mesmo leito já que cada um tem o seu próprio quarto, nem partilham as refeições. 3- O R., apenas vai dormir a casa, chegando tarde e saindo cedo. 4- A autora tem mantido a casa, pagando as despesas inerentes à mesma bem como tudo o necessário para a sua própria subsistência. 5- O R., não contribui para as despesas da casa e só com muita insistência paga uma ou outra factura dos gastos correntes da casa. 6- O R., é funcionário da Câmara Municipal do Seixal auferindo um salário mensal razoável mas gasta-o todo com as suas próprias despesas. 7- O R. desde há uns meses tem contraído dívidas para além de utilizar até ao seu limite as facilidades oferecidas pelas contas ordenado. 8- A autora foi internada no Hospital onde foi sujeita a intervenção cirúrgica e o marido não a visitou ou foi buscá-la no momento da alta. O DIREITO. O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, só das questões postas nessas conclusões há que conhecer. No caso presente, atento o teor das conclusões, as questões postas consistem no essencial no seguinte: a) Ampliação da matéria de facto; b) Fixação de alimentos. c) Atribuição da casa de morada de família. I- Ampliação da matéria de facto. Nesta parte alega a apelante que o tribunal ignorou elementos de prova, nomeadamente o por si alegado nos art. 25 e 26. Nos termos do disposto no art. 712 CPC, pode o Tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, do tribunal da 1ª instância: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão... ou tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente... No nº 2 do referido preceito, dispõe-se que «Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão. No caso presente, temos que a apelante, deduziu, cumulativamente com o pedido de decretação da separação judicial de pessoas e bens, a fixação de uma pensão de alimentos no valor de 200 euros mensais. Como se refere na sentença sob recurso, a referida cumulação mostra-se expressamente prevista na lei, art. 470 nº 2 CPC. Quanto à prestação de alimentos, alegou a apelante vários factos, entre os quais, os constantes dos artigos 25 e 26 da petição inicial e cujo teor é o seguinte: Art. 25 - «A A. está desempregada, recebendo, apenas, cada mês, o respectivo subsídio de desemprego, atribuído pela Segurança Social». Art. 26 - «Apenas o receberá temporariamente, pelo que considerando a sua idade, os problemas de saúde de que padece e as dificuldades de conseguir um emprego...» Conforme se alcança dos autos, quanto a essa matéria, não se pronunciou o tribunal da 1ª instância, pois que aos mesmos não deu qualquer resposta (nem provado, nem não provado – fol. 47), apenas se atendendo à matéria alegada nos art. 1º a 16º da petição inicial. Tal facto ter-se-á certamente ficado a dever à incorrecta forma como a apelante estruturou a sua petição, pois que nos art. 1º a 18º, elenca vária matéria e a partir daí formula vários artigos (19º a 29º) que sujeita à epígrafe de «Conclusão». Os factos mencionados nos art. 25º e 26º têm efectiva relevância para a cabal apreciação e decisão do pedido formulado, na parte relativa à fixação de prestação alimentar. Sobre tais factos (que poderão e deverão ser desdobrados) poderá recair prova testemunhal, a qual poderá ser complementada com a prova documental (idade, situação de doença, valor do subsídio de desemprego – fol. 7, 29, 30, 31), para uma fundada decisão. Usando pois da faculdade prevista no nº 4 do art. 712 CPC, (ampliação da matéria de facto), anula-se a decisão proferida pela 1ª instância, anulação apenas restrita à parte em que se decidiu «julgar improcedente o pedido de fixação de alimentos». Deverá pois proceder-se a julgamento, que terá por objecto apenas a apreciação dos pontos da matéria de facto supra mencionada. II – Em face do supra decidido, (ampliação da matéria de facto) mostra-se prejudicada a apreciação da questão relativa à fixação do valor da pensão de alimentos. III – Atribuição da casa de morada de família. Considerou-se na sentença sob recurso que «o pedido deverá ser formulado em processo próprio», uma vez a decisão que se pretende obter não é provisória, mas definitiva. Alega a apelante que tal posição corresponde a nova teoria, com a qual não concorda, uma vez que não tem cabimento legal «já que é o próprio Código Civil que no art. 1793, quando estabelece quais os efeitos do divórcio, aplicável à separação de pessoas e bens ... prevê que pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges». Ao apelante, em nosso entender, não assiste porém razão, como se verá. A questão do meio processual, para se obter a atribuição da casa de morada de família, no caso de falta de acordo dos cônjuges, é já antiga. O art. 1793 CC, norma substantiva, nada nos diz a esse respeito, pois que apenas se limita a regular um dos efeitos do divórcio. É pois na lei adjectiva que se há-de buscar a solução. Desde logo não vem essa situação prevista no art. 470 nº 2 CPC, quando refere a possibilidade de com o pedido de divórcio ou separação litigiosos, se cumularem outros.´ Na lei adjectiva, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, não havia norma expressa, o que levou a certa divisão da jurisprudência. Apesar disso, era entendimento generalizado, que em causa estaria «incidente» a processar nos termos dos processos de jurisdição voluntária. Nesse sentido veja-se Ac STJ de 22.11.1994 CJ 94, III, 159: « Não se estabelece na lei para o caso de ter de intervir o tribunal, qual o processo a seguir. Porém, não se encontra nos processos de jurisdição voluntária preceito algum idêntico ao do art. 1415, que adjectiva, como se viu, o art. 1673 do CC. A prática que tem sido seguida é a de considerar como incidente do processo de divórcio ou separação judicial litigiosos, a atribuição de casa de morada de família...» No mesmo sentido se pronunciou aquele STJ no Ac de 30.04.1996 (CJ 96, II, 47) «A questão da atribuição do direito ao arrendamento não é um efeito ou complemento do divórcio, o qual funciona apenas como pressuposto ou condição para a formulação do pedido. Trata-se assim de questão autónoma e independente, que pode até vir a ser discutida vários anos depois de decretado o divórcio, pelo que o respectivo processo não deve ser qualificado como simples incidente... O critério do julgamento coincide pois aqui também com o que é próprio daqueles processos de jurisdição voluntária (art. 1410 CPC). O lugar adequado à regulamentação deste processo seria entre as «providências relativas aos cônjuges, previstas nos art. 1413 e seguintes do CPC. Isto só não terá ocorrido por manifesto lapso do legislador das reformas processuais de 1967 e 1979, que não atentou na alteração estabelecida no cit. art. 1110, relativamente ao que se dispunha antes do cit. art. 45 da Lei 2330, devendo a lacuna ser preenchida em conformidade com o disposto no art. 10 CC e 138 nº 1 CPC». Com as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, a questão deixou de ter razão de ser. Com efeito, sabedor da lacuna referida, o legislador, em sede de processos de jurisdição voluntária dispõe agora no art. 1413 CPC que «aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do art. 1793 CC, ou a transferência do direito ao arrendamento, nos termos do art. 84 RAU, deduzirá o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito». Prevê-se depois o formalismo processual a observar. Esta ideia, resultava já, (ainda antes das alterações introduzidas pelo DL 329-A/95), da redacção quer do art. 1110 CC, quer do art. 84 do RAU, em que o pressuposto (questão prévia) era ter-se obtido o divórcio. De Aragão Seia (Arrendamento Urbano – 6ª edc., pag.547, refira-se o seguinte: «Anteriormente, a atribuição da casa de morada de família concretizava-se através de um incidente no respectivo processo. Com a entrada em vigor das alterações ao CPC, passou a existir para o efeito um processo específico, de jurisdição voluntária; se estiver pendente ao tiver corrido acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, o pedido é deduzido por apenso – art. 1413 CPC». Como já se referiu, não assiste razão, nesta parte, à apelante, não merecendo consequentemente provimento (nesta parte) o recurso. DECISÃO. Em face do exposto, decide-se: 1- Conceder parcial provimento ao recurso, anulando-se a decisão na parte em que se julgou improcedente o pedido de fixação de alimentos, devendo proceder-se a julgamento, para apreciação da matéria de facto alegada em 25 e 26 da petição inicial, mantendo-se no restante a sentença recorrida. 2- Condenar a apelante e apelado, nas custas, (nesta instância) em partes iguais. Lisboa, 9 de Junho de 2005. Manuel Gonçalves Aguiar Pereira Urbano Dias. |