Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3/16.3AFLSB.L1-3
Relator: ALFREDO COSTA
Descritores: CONTRABANDO
CONCURSO APARENTE
FALSIFICAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO E NÃO PROVIDO
Sumário: I - Tipicidade do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT: o núcleo incriminador reside na obtenção do despacho aduaneiro mediante falsas declarações ou outro meio fraudulento; a punibilidade depende, em alternativa, de prestação em falta superior a €15.000 ou, não havendo prestação, de valor aduaneiro superior a €50.000 (protecção primária da veracidade do procedimento de despacho; aplica-se a redacção mais favorável – lex mitior).
II - Efeitos da invalidade do Reg. (CE) 926/2009 e da revogação ex tunc pelo Reg. Exec. (UE) 2021/1053: a eliminação de direitos antidumping actua no plano aduaneiro-económico (reembolsos/dispensas) e não suprime a tipicidade penal do art. 92.º do RGIT.
III - Concurso aparente entre falsificação (CP 256.º) e contrabando (RGIT 92.º): quando a falsidade é mero instrumento para obter o despacho, é absorvida pela norma especial aduaneira; não há dupla valoração (ne bis in idem) e a prescrição do crime-meio não apaga a subsunção no crime-fim.
IV - Prescrição do procedimento: contagem pelas regras dos arts. 118.º–121.º CP, com aplicação do tecto do art. 121.º, n.º 3 (“desde o início e ressalvado o tempo de suspensão”) e exclusão das suspensões extraordinárias “COVID” por irretroactividade (CRP 29.º; CP 2.º, n.º 4); relevância da suspensão desde a acusação (CP 120.º, n.º 1, al. b)). Conhecimento oficioso e efeito extensivo ao não recorrente quando o fundamento não é pessoal (CPP 402.º).
V - Impugnação da matéria de facto em recurso: ónus dos arts. 412.º, n.ºs 3–6, e 410.º, n.º 2, CPP (especificação de pontos, indicação de meios e decisão alternativa); reapreciação limitada e exigência de exame crítico na decisão (CPP 374.º, n.º 2). Utilidade circunscrita ao segmento remanescente de 2015.
VI - Medida da pena: declarada a prescrição de 2011, 2013 e 2014, não há cúmulo jurídico; subsiste apenas 2015, com respeito pela proibição de reformatio in pejus.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO
1.1. No processo n.º 3/16.3AFLSB, foram julgados em processo comum (Tribunal Colectivo), no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures - JC Criminal - Juiz 1, os arguidos AA, BB, CC, e DD, todos com os demais sinais dos autos.
*
1.2. Na sequência da audiência de discussão e julgamento o tribunal colectivo proferiu acórdão, do qual consta o seguinte segmento decisório: (transcrição)
(…)
Em face do exposto, o Tribunal Coletivo julga a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em conformidade, decide:
• Declarar extinto, o procedimento criminal contra os arguidos BB, CC e DD, em virtude da ocorrência da prescrição, relativamente ao crime de falsificação de documento alegadamente ocorrido em .../.../2014, ao abrigo do disposto nos artigos 118.º n.ºs 1 c) e 4, 120.º n.ºs 1 c) e 3 e 121.º n.º 3, todos do CP;
• Absolver a sociedade arguida AA. pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de quatro crimes de contrabando qualificado, p. e p. pelos artigos 92.º n.º 1 d) e 97.º c), conjugados com os artigos 7.º n.ºs 1 e 3 e 12.º n.º 3, do RGIT e artigo 90.º-B n.º 3 do CP, pelos quais vinha acusada;
• Absolver os arguidos BB, CC e DD pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de quatro crimes de contrabando qualificado, p. e p. pelos artigos 92.º n.º 1 d) e 97.º c) do RGIT), pelos quais vinham acusados;
• Absolver os arguidos BB, CC e DD pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º n.º 1 e) do CP, pelo qual vinham acusados;
• Proceder à necessária convolação jurídica dos crimes imputados e, em consequência, condenar a sociedade arguida AA pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de quatro crimes de contrabando simples, p. e p. pelo artigo 92.º n.º 1 d), conjugado com os artigos 7.º n.ºs 1 e 3 e 12.º n.º 3, todos do RGIT, nas penas parcelares especialmente atenuadas, nos termos do artigo 22.º n.º 2 do RGIT, de 80 (oitenta), 100 (cem), 100 (cem) e 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 40,00 (quarenta euros);
• Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar a sociedade arguida AA. na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 40,00 (quarenta euros), o que perfaz um montante global de € 10.000,00 (dez mil euros);
• Proceder à necessária convolação jurídica dos crimes imputados e, em consequência, condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de quatro crimes de contrabando simples, p. e p. pelo artigo 92.º n.º 1 d) do RGIT, nas penas parcelares especialmente atenuadas, nos termos do artigo 22.º n.º 2 do RGIT, de 80 (oitenta), 100 (cem), 100 (cem) e 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros);
• Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido BB na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 20,00 (vinte euros), o que perfaz um montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros);
• Condenar os arguidos AA. e BB no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 (três) UC, nos termos conjugados dos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, ambos do CPP e artigos 8.º n.º 9 e 16.º, ambos do RCP e Tabela III, a este anexa.
(…)
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1.3. Inconformado, o arguido BB, que já havia dirigido recurso ao despacho datado de 01-03-2024, que indeferiu o requerimento de arquivamento relativamente à declaração aduaneira (DAU) de 22-08-2011, fundado na invocada invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 (TJUE, proc. C-324/19) e nos arts. 2.º, n.º 2, do CP e 29.º, n.º 4, da CRP (Constituição da República Portuguesa), interpôs recurso da decisão final, tendo formulado para ambos os recursos as seguintes conclusões:
Do recurso interlocutório: (transcrição)
(…)
1. Os recorrentes invocaram que, no que concerne à declaração aduaneira nº 2011PT00067020251617, vêm acusados nos termos e para os efeitos do Regulamento (CE) n.º 926/2009, que foi declarado inválido com efeitos a partir de 9 de Dezembro de 2015.
2. Nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, do n.º 4 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa e dos princípios da legalidade penal e da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, pugnaram os recorrentes pelo arquivamento dos autos no que respeita à declaração aduaneira com o n.º 2011PT00067020251617.
3. O Tribunal a quo indeferiu o requerido, porquanto, ainda que reconheça que não há lugar a prestação tributária por via do já declarado inválido Regulamento (CE) n.º 926/2009, considera subsistir o crime de contrabando porquanto a mercadoria em causa teria valor aduaneiro superior a € 50.000 (cinquenta mil euros).
4. Inexistindo direitos antidumping, inexiste, consequentemente, qualquer prejuízo para o Estado.
5. Os recorrentes pagaram todas as taxas antidumping que vieram a ser apuradas, mesmos as inválidas.
6. Inexistindo imposto a pagar por via da revogação do citado Regulamento, mesmo na tese do libelo acusatório, o crime de contrabando subsume-se, apenas e tão só, às “falsas declarações”, que mais não são senão uma falsificação de documento.
7. Na presente situação o montante declarado é irrelevante porque nunca resultaria imposto ou qualquer taxa a pagar, não sendo nunca a receita fiscal prejudicada.
8. Paralelamente à acusação pelo crime de contrabando qualificado, vêm os recorrentes acusados de um crime de falsificação de documento, única razão para a qualificação da sua conduta como de contrabando.
9. Os recorrentes vêm acusados pela prática de dois crimes que se subsumem a um único invocado artificio: o uso da factura falsa.
10. Inexistindo prestação tributária a pagar, a actuação subjacente ao crime de falsificação de documento é exactamente a mesma actuação subjacente ao crime de contrabando: o uso de uma factura falsa.
11. A manter-se a decisão que deve ser revogada, pela prática do mesmo acto, os arguidos poderiam vir a ser condenados pela prática de um crime de falsificação de documento e pela prática de um crime de contrabando qualificado
12. Não existindo prestação tributária devida, mais não há que uma falsificação de documento, completamente irrelevante, in casu, para obtenção de um despacho aduaneiro.
13. A manter-se a decisão recorrida estaremos perante uma grava violação do princípio ne bis in idem.
14. O isolado uso da factura falsificada, que integra o crime de falsificação de documento, e as alegadas falsas declarações nessa factura, que integram o crime de contrabando qualificado, constituíram um único acto desvalioso, correspondente a uma única resolução e não a um desdobramento da vontade, que inexiste.
15. Se na tese da acusação o crime de falsificação de documento foi praticado com o intuito de ludibriar as autoridades aduaneiras e ver aplicada uma taxa antidumping inferior, esta situação já não é punida por eliminação da incriminabilidade do facto.
16. Inexistindo prestação tributária a pagar, o crime de falsificação de documento consome o crime de contrabando qualificado, já que este último apenas se verifica pelo uso da mesma pretensa factura falsa, inexistindo qualquer outro elemento constitutivo do tipo.
17. Estamos perante um concurso aparente de crimes, e não um concurso efectivo, pelo que deverá a conduta dos recorrentes ser abarcada pela aplicação tout court do tipo de crime de falsificação de documento – que foi o único e isolado acto relevante para a aferição da situação concreta dos ora recorrentes – não havendo qualquer outro elemento objectivo ou subjectivo consubstanciador do crime de contrabando qualificado.
18. O crime de falsificação de documento está prescrito desde 22-8-2016.
19. Sendo o único elemento constitutivo do tipo de contrabando o uso da factura falsa e estando essa mesma factura subjacente a um crime já prescrito, não poderá servir de base para a condenação por um outro tipo de crime, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
20. Não podendo os recorrentes, por via da prescrição, ser condenados pelo uso da factura falsa (no que ao crime de falsificação de documento diz respeito), também não poderão ser condenados pelo uso da mesma exacta factura na obtenção do despacho aduaneiro (no que ao crime de contrabando qualificado concerne).
21. Na unicidade de resolução criminosa e na falta de qualquer facto adicional o ilícito puramente instrumental (crime-meio) estará contido no crime-fim (caso não haja, como é o caso, mais factualidade autonomizável); razão por que a valoração autónoma do crime meio já declarado prescrito, sem mais, representaria uma violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração, na medida em que a conduta imputada não se autonomiza, nem, muito menos, a lesão do bem jurídico protegido pela falsificação tem cabimento ou ganha preponderância que justifique uma punição autónoma.
22. Entendendo-se em sentido contrário, desde já se suscita a inconstitucionalidade das normas constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal e da alínea d) do n.º 1 do artigo 92.º do RGIT, na dimensão interpretativa que, no caso de a conduta do agente preencher por um único facto as previsões de falsificação e de contrabando se verifica um concurso real, ideal ou efectivo de crimes, viola o princípio constitucional do ne bis in idem nomeadamente os artigos 2.º e 29.º, n.º 5, inconstitucionalidade que desde já se argui e deve ser conhecida para todos os legais efeitos.
(…)
Do recurso da decisão final: (transcrição)
(…)
1. O recorrente declara manter interesse na apreciação do recurso interlocutório já apresentado.
2. O recorrente não se conforma minimamente com a condenação pela prática de quatro crimes de contrabando simples, porquanto se entende não estarem preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo nem ter sido produzida prova que permita tal condenação.
3. Ao apreciar toda a matéria fáctica, o Tribunal a quo levou a cabo uma actividade de valoração probatória essencialmente assente no artigo 127.º do Código de Processo Penal que afrontou a prova, as regras da lógica, da razão e da experiência comum.
4. O entendimento do Tribunal a quo não é sustentável nos elementos probatórios, os quais que não permitem chegar às conclusões a que o Tribunal a quo chegou para condenar o recorrente.
5. O Tribunal a quo valorou erradamente a prova produzida, quer documental, quer pessoal, não tomando em consideração que o recorrente agiu convicto de estar a adquirir mercadoria proveniente do ..., já que todos os elementos de que então dispunha apontavam nesse sentido.
6. Estão incorrectamente dados como provados os pontos 30, 34, 35, 36, 37, 42, 47, 50, 51, 52, 53, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 76, 77 e 78 da matéria de facto dada como provada.
7. O ponto 30 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “o arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, no dia .../.../2013, declarou a sobredita factura na ... através da declaração aduaneira n.º ..., tendo sido indicado que tinha origem no ... e tinha por finalidade ser incorporada na indústria aeronáutica, sem, no entanto, que a sociedade arguida ou os seus representantes tenham dado qualquer instrução nesse sentido ou tido conhecimento da situação”.
8. O ponto 34 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “o Organismo de Luta Anti Fraude da União Europeia – OLAF- efectuou uma missão no ... em ... de 2015, em cooperação com as autoridades vietnamitas quanto à empresa ..., com morada em ..., ..., ..., tendo-se apurado que não produz nenhum tipo de produto no ..., encontra-se registada em nome de um indivíduo chinês e não se encontra registada na ..., facto que não era do conhecimento dos arguidos”.
9. O ponto 35 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que não era do conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida”.
10. O ponto 37 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela, pelo que nunca deu qualquer instrução no sentido de a mercadoria ser declarada como se destinasse à indústria aeronáutica, nem disso teve conhecimento”.
11. O ponto 42 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “o documento, apesar de estar em nome da ... ostenta o carimbo da ... (também em caracteres chineses) com a assinatura “...”, facto a que os arguidos não deram relevância por terem razões para crer que a ... é empresa mãe da ....”
12. O ponto 47 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “o arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, no dia .../.../2014, declarou a sobredita factura na Delegação Aduaneira de Sines através da declaração aduaneira n.º ..., tendo sido indicado que tinha origem no ... e que tinha por finalidade ser incorporada na indústria aeronáutica, ainda que não tenha recebido quaisquer instruções da sociedade arguida nesse sentido nem dado conhecimento do lapso.”
13. O ponto 51 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que não era do conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida”.
14. O ponto 52 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela, pelo que nunca deu qualquer instrução no sentido de a mercadoria ser declarada como se destinasse à indústria aeronáutica”.
15. O ponto 68 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “na factura é referida a medida do diâmetro exterior dos tubos, sendo que, à excepção dos itens 26 e 105, que representam apenas cerca de 2% do valor total, todos têm um diâmetro inferior a essa medida, facto que não era do conhecimento do arguido BB”.
16. O ponto 70 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que não era do conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida”.
17. O ponto 71 deverá ser reformulado, passando a ter a seguinte redacção, “sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela, pelo que nunca deu qualquer instrução no sentido de a mercadoria ser declarada como se destinasse à indústria aeronáutica nem disso teve conhecimento”.
18. Os pontos 36, 50, 53, 67, 69, 72, 73, 75, 76, 77 e 78 deverão ser dados como não provados.
19. A discricionariedade permitida pelo artigo 127.º do Código de Processo Penal não se trata de uma discricionariedade absoluta, mas de uma livre apreciação objectiva da prova, que não pode ir contra a prova produzida e apreciada em audiência, e deve estar sempre adstrita às regras legais e do senso e da experiência comum.
20. De toda a prova produzida resultou claro que inexistiu qualquer móbil ou motivo que levasse o recorrente a praticar qualquer crime.
21. O arguido explicou como se processam as compras de mercadoria, acrescentando que não tem conhecimentos sobre códigos pautais e despachos aduaneiros, porquanto é um funcionário da sociedade arguida quem confere toda a documentação e a envia, sem crivo, para o despachante oficial, sem que a mesma passe pelo recorrente.
22. A testemunha EE corroborou a metodologia de compras, afirmando que os documentos são recebidos por si e enviados para o despachante.
23. Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitam afirmar que o recorrente mandou falsificar documentos ou sequer sabia que os mesmos eram alegadamente falsificados, pelo que os pontos 35 e 36, 50, 51, 52, 53, 69, 70, 71, 75 e 76 não poderão ser dados como provados com a redacção constante do acórdão que ora se recorre.
24. O recorrente esclareceu que não decide que material comprar, sendo essa decisão exclusiva da testemunha EE, pelo que o facto dado como provado sob o número 68 sempre terá de ser corrigido, acrescentando-se que tal facto não era do conhecimento do recorrente.
25. No que respeita à indicação das mercadorias como destinadas à indústria aeronáutica, foi o recorrente, bem como o arguido CC, muito claro ao afirmar que as mercadorias em causa não eram destinadas à indústria aeronáutica e que nunca deu qualquer instrução ao despachante no sentido de declarar a mercadoria como sendo destinada à indústria aeronáutica, nem nunca disso teve conhecimento.
26. A diferença nos códigos pautais era irrelevante para a determinação da taxa de direitos antidumping a aplicar e neste sentido depôs a testemunha FF.
27. A testemunha FF explicou que a responsabilidade pela elaboração dos despachos e inserção dos códigos pautais é do despachante.
28. Não poderá ser assacada ao recorrente a responsabilidade pela alteração do código pautal, pelo que não se concebe o alcance dos pontos 37, 52 e 71 do acórdão recorrido.
29. A testemunha EE esclareceu que eram as empresas fornecedoras que questionavam se pretendiam mercadoria originária da ... ou do ....
30. O recorrente sempre acreditou que a empresa ..., que tinha informado da abertura de uma fábrica no ..., era a empresa mãe da fábrica do .... Neste sentido, no email transcrito no ponto 56 dos factos dados como provados, o gestor de exportações da ... refere “estamos a expandir as nossas operações e em breve inauguraremos uma nova unidade no ...”.
31. Não poderá afirmar-se, como se afirma o acórdão recorrido no ponto 72 dos factos dados como provados, que o recorrente estava ciente que era a ... o real fornecedor das mercadorias.
32. O recorrente explanou o quão comum é as fábricas situarem-se num país e terem escritórios noutros países e, por esse motivo, não relevou o teor do email constante do ponto 25 dos factos dados como provados, no sentido em que o Tribunal lhe quis dar.
33. A testemunha EE explicou que a J. Vilanova tentava perceber onde a concorrência comprava porque, se comprava a determinado fabricante, significava que esse mesmo fabricante era seguro.
34. No email constante de fls. 677 dos autos e transcrito no ponto 56 dos factos dados como provados, é o gestor de exportações da empresa chinesa ... que refere que inaugurarão uma nova unidade no ... e que as exportações não estarão sujeitas a taxas antidumping da Europa.
35. No email constante do ponto 61 dos factos dados como provados o representante da empresa diz “a fábrica do ... pode ser relocalizada”. Assim, tudo apontava para a existência de uma fábrica no ..., criada para evitar as taxas antidumping de forma legítima e servir os clientes da União Europeia.
36. A testemunha EE afirmou que, se a ... paga quase 60% de taxas antidumping e se há informação de que vai abrir uma fábrica num país que não paga taxas antidumping, todos os compradores da Europa estarão interessados.
37. A testemunha EE e o recorrente explicaram de forma clara que, sempre que é referida a expressão “contornar as taxas antidumping”, se refere a contornar as taxas antidumping de forma legal e legítima, comprando material produzido num país onde não existem as referidas taxas.
38. Resulta evidente dos autos que os pagamentos eram feitos para o ..., para uma conta em banco sediado no ... e que todos os documentos, nomeadamente os documentos do seguro e do porto de embarque eram provenientes do ....
39. Não pode o recorrente aceitar o afirmado nos pontos 36, 50, 69, 75 e 76 dos factos dados como provados, quando se refere que o recorrente sabia da falsidade dos documentos, obteve documentos falsos dos seus fornecedores e decidiu declarar a origem vietnamita da mercadoria com o intuito de se furtar ao pagamento dos direitos antidumping.
40. O recorrente, para além de não ter solicitado documentação falsa aos seus fornecedores, não tinha como desconfiar da eventual falsidade da documentação recebida da fábrica, porque a mesma não passava por si e porque a própria alfândega não a pôs em causa.
41. A testemunha GG, despachante oficial, explicou que os certificados têm uma gramagem especial e que, para além de serem de difícil falsificação, são facilmente identificados se contiverem qualquer rasura.
42. A testemunha FF, inspector tributário, esclareceu que, existindo dúvidas sobre a veracidade dos documentos ou alguma desconformidade da exportação, a Alfândega pode não libertar os contentores ou libertá-los sob caução.
43. Na presente situação existiu conferência documental: o funcionário da Alfândega verificou pessoalmente os documentos e não levantou qualquer tipo de inconformidade.
44. Não se compreende como se pode, no acórdão recorrido, sem prova e mesmo contra a prova, afirmar nos pontos 35, 36, 51, 70, 75 e 76 que o recorrente sabia que os documentos eram falsos e, mesmo assim, decidiu utilizá-los.
45. A Autoridade Tributária e Aduaneira nunca alertou a sociedade arguida ou sequer os despachantes oficiais para a possibilidade de existirem quaisquer problemas com as importações do ....
46. A testemunha GG, despachante oficial e antigo membro do Conselho de Deontologia da Ordem dos Despachantes, referiu que não teve conhecimento de ter havido um qualquer alerta em Portugal sobre materiais provindos do ... e que, a existir alguma suspeita, a AT teria de ter emitido um ofício circulado, o que não sucedeu.
47. A AT apenas entregou aos arguidos, muito depois de todas estas situações, cópia do documento no âmbito do qual a AT teve conhecimento através do OLAF do que eventualmente se passaria em relação a este fornecedor do ... com a data rasurada.
48. O relatório do OLAF é inconclusivo e demonstra que não podem ser condenados os arguidos.
49. A testemunha HH, representante do OLAF, explicou que a equipa do OLAF se deslocou ao ... e contou com o auxílio das instituições vietnamitas. No entanto, ainda que tenha estado no local por vários dias, acompanhada de uma equipa constituída por várias pessoas e com o auxílio das entidades vietnamitas, não foi possível ao OLAF concluir que a origem das mercadorias aqui em causa seria chinesa.
50. Durante a missão levada a cabo pelo OLAF, foi possível apurar a existência de exportações da ... para ..., mas não da ... para Portugal.
51. Os presentes autos baseiam-se numa questão completamente alheia ao recorrente e num relatório do OLAF que não conclui no mesmo sentido da presente condenação e sobre a qual a sociedade arguida pagou todas as taxas antidumping que vieram a ser liquidadas a final, acrescidas de juros, e até taxas antidumping que já foram consideradas não devidas, em virtude da revogação do Regulamento (CE) n.º 926/2009 do Conselho, de 24 de Setembro, que institui os direitos antidumping.
52. O Tribunal a quo, ao dar como provados os pontos aqui postos em crise, incorreu numa clara violação do artigo 127.º do CPP e cometeu um erro de julgamento, porquanto desconsiderou, sem razões objectivas que o justificassem, as declarações do recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas supra transcritos.
53. O Tribunal a quo partiu de um pressuposto errado para infirmar as declarações do recorrente e os depoimentos das testemunhas, que se mostraram claros, credíveis e isentos, distorcendo a realidade factual, e retirou ilações de factos conhecidos que, não tendo assento probatório, consubstanciam um erro de julgamento, que desde já se invoca.
54. Para se ter por verificado o crime de contrabando é necessário que o agente tenha obtido, mediante falsas declarações, despacho aduaneiro ou um benefício ou vantagem fiscal.
55. Nunca o recorrente deu instruções ao despachante ou a quem quer que fosse para elaborar o despacho aduaneiro de determinada forma.
56. O recorrente sempre acreditou que a mercadoria que compravam tinha origem vietnamita, nunca desconfiando da possibilidade de a mesma ter origem chinesa.
57. Não se pode ter por verificada a existência de dolo por parte do recorrente.
58. O crime de contrabando é um tipo de crime doloso, ou seja, o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação do agente com dolo, nos termos do artigo 14.º do Código Penal.
59. Exige-se que o agente tenha conhecimento de que está a agir contra direito para se poder afirmar que a sua conduta foi dolosa.
60. É necessário que quem agiu de determinada forma, tenha consciência de que, desviandose dos seus deveres funcionais, violou o ordenamento jurídico pondo em causa a administração da justiça.
61. O dolo não pode presumir-se, sendo absolutamente necessário que o mesmo decorra de factos materiais de que inequivocamente resulte a vontade de praticar o crime e a consciência da proibição dessa prática.
62. Impunha-se provar que o agente do crime sabia que estava a agir ilegitimamente, contra o direito, e mesmo assim manteve a vontade de praticar o facto, o que não sucedeu.
63. De tudo quanto se expôs, resulta claro que o recorrente não teve intenção de praticar qualquer crime, tendo, aliás, procedido ao pagamento de todas as taxas e direitos em falta, logo que foi informado da pretensa inconformidade das mesmas.
64. Nos termos do artigo 13.º do Código Penal, não existindo dolo, não poderá existir condenação.
65. Incorreu o Tribunal a quo numa clara violação dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal.
66. Sendo este um tipo de crime doloso e não se encontrando preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo, dúvidas não restam que se impunha a absolvição do recorrente.
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1.4. O MP (Ministério Público) respondeu ao recurso do acórdão delimitando o thema decidendum pelas conclusões e pronunciando-se quanto à impugnação da matéria de facto e aos elementos do tipo de contrabando, pugnando pela improcedência. Quanto ao interlocutório, respondeu afirmando que, não obstante a invalidade do 926/2009 e a consequente inexistência de prestação no segmento, subsistiria o crime do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT, por referência ao valor aduaneiro superior a €50.000.
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1.5. Nos termos do art. 416.º, n.º 1 CPP, o Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos e confirmação das decisões recorridas.
*
1.6. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido respondeu ao parecer pedindo a revogação do acórdão e a sua absolvição, ou, subsidiariamente, a declaração de prescrição do procedimento quanto aos factos de 2011 e 2013 (e desenvolveu a contagem, concluindo igualmente pela prescrição do crime de contrabando de 2014), mantendo ainda a tese de arquivamento da DAU 2011 por efeito da invalidade do Reg. (CE) n.º 926/2009 (C-324/19), com invocação do principio da legalidade, retroactividade da lei mais favorável e ne bis in idem.
*
1.7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado Código.
*
1.8. Regista-se que, desde a notificação do acórdão condenatório proferido em 04-11-2024, o prazo de prescrição do procedimento se encontra suspenso nos termos do CP, art. 120.º, n.º 1, al. e), até trânsito.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objecto dos recursos definem-se pelas conclusões que os recorrentes extraíram da motivação, de harmonia com o art.º 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com nulidade do acórdão (art.º 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art.º 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
In casu, seguindo as questões elencadas nos recursos (interlocutório e final), as questões que importa decidir, são as seguintes:
Recurso interlocutório (despacho de 01-03-2024 sobre a DAU de 22-08-2011).
1. Alcance penal da invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 (TJUE, C-324/19) e da revogação pelo Regulamento Execução (UE) 2021/1053.
2. Concurso aparente com falsificação de documento e ne bis in idem.
3. Da (in)constitucionalidade das medidas antidumping enquanto instrumento de defesa comercial da EU.
Recurso do acórdão final.
4. Prescrição do procedimento por contrabando nas DAU de 2011, 2013 e 2014.
5. Impugnação da matéria de facto (CPP, art. 412.º, n.ºs 3-6).
6. Preenchimento do tipo do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT (segmento remanescente de 2015).
7. Concurso aparente/ne bis in idem: para o que subsiste, se a falsidade instrumental é meio absorvido pelo contrabando (norma especial) ou se haverá dupla valoração vedada; saber se tendo a falsificação sido prescrita, pode ou não subsistir o contrabando.
8. Medida da pena.
*
2.2. DO DESPACHO E DA DECISÃO RECORRIDA
Para bem decidir importa atentar no teor do despacho recorrido, no segmento que ora nos importa: (transcrição)
(…)
Na sequência da questão prévia suscitada pela defesa dos arguidos J. AA, S.A., BB e CC em sede de início de audiência de julgamento no dia 26/02/204 e após o convite feito pelo Tribunal para que concretizassem quais os regulamentos/normas que foram revogados relativamente às Declarações Aduaneiras de 2013, 2014 e 2015, com a consequente revogação dos direito antidumping, veio a Ilustre Mandatária dos aludidos arguidos requerer a absolvição dos mesmos, uma vez que os valores pretendidos pela Autoridade Aduaneira se mostram integralmente regularizados com os demais acréscimos legais, sendo que também não fabricaram, alteraram ou usaram documento contrafeito, pelo menos que fosse do seu conhecimento no que a estas declarações aduaneiras respeita.
Para o efeito, alega em suma que, relativamente à matéria que tem por objeto a Declaração Aduaneira n.º 2011PT00067020251617, foi proferido Ac. pelo TJ da UE em 04/02/2021 (proc. C-324/19), que declarou o Regulamento (CE) n.º 926/2009 do Conselho, de 24 setembro de 2009, inválido, o que determinou a publicação do Regulamento de Execução (UE) 2021/1053, da Comissão, de 25 de junho de 2021, que revoga os direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ... instituídos pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272, o qual conclui que em resultado do acórdão que declara a invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 na sua totalidade, os direitos antidumping estabelecidos pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 devem ser também revogados ex tunc.
Desse modo, sustenta a defesa que, sendo o Regulamento n.º 926/2009 inválido, há que atender ao preceituado nos artigos 2.º n.º 2 do CP e 29.º n.º 4 da CRP, motivo pelo qual não podem ser os arguidos condenados pela prática do crime de contrabando qualificado, pugnando pelo arquivamento dos autos.
Por fim, quanto às demais Declarações Aduaneiras n.ºs 2013PT00004020216768, 2014PT00067060330745 e 2015PT00009862201940, estando em causa a suspeita de os produtos adquiridos terem um diâmetro exterior igual ou inferior a 609,6mm e terem proveniência da ..., sendo-lhes, por isso, aplicável uma taxa de direito antidumping de 58,6%, nos termos e para os efeitos dos Regulamentos (CE) 803/2009 e 2015/1934, decorre do relatório da OLAF junto aos autos que se suspeita que a mercadoria seja proveniente da ..., mas a importação correspondentes dos TPF’s da ... para o ... não pôde ser identificada, motivo pelo qual a mera suspeita não pode levar a uma condenação dos arguidos.
Pela Digna Magistrada do Ministério Público foi promovido o deferimento quanto à pretensão referente à Declaração Aduaneira n.º 2011PT00067020251617 e o indeferimento quanto às demais, devendo os autos seguir para julgamento.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 338.º n.º 1 do CPP que, “O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.”
Suscitada que foi uma questão prévia, importa fazer uma separação entre a Declaração Aduaneira n.º 2011PT00067020251617 e as Declarações Aduaneiras n.ºs 2013PT00004020216768, 2014PT00067060330745 e 2015PT00009862201940.
Assim, quanto à Declaração do ano de 2011, note-se que a factualidade da acusação tem subjacente o Regulamento (CE) n.º 926/2009 do Conselho, de 24 de setembro de 2009, que instituiu um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ....
Tal regulamento foi revisto pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272, de 21 de junho, que instituiu um direito antidumping definitivo sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ..., na sequência de um reexame da caducidade ao abrigo do artigo 11.º n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1225/2009 do Conselho.
Sucede que, por via do Ac. proferido pelo TJ da UE de 04/02/2021 (proc. C-324/19), o qual se mostra publicado na página curia.europa.eu, o aludido Regulamento n.º 926/2009 foi declarado inválido, o que teve consequências na medida em que determinou a publicação do Regulamento de Regulamento de Execução (UE) 2021/1053, da Comissão, de 25 de junho de 2021, que revogou os direitos antidumping definitivos sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ... instituídos pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 com efeitos a partir de 09/12/2015, transcrevendo-se do mesmo o seguinte com relevo para os autos:
(8)No processo C-324/19, o acórdão teve como efeito invalidar as medidas iniciais erga omnes e ex-tunc. Tal significa que o acórdão é aplicável a todas as partes e que o Regulamento (CE) n.o 926/2009 é considerado inválido a partir da data em que entrou em vigor.
(9) Acresce que, uma vez que a medida inicial tinha sido prorrogada em 2015, o acórdão produziu também um impacto indireto no Regulamento (UE) 2015/2272. Tal verifica-se, em conformidade com a jurisprudência do TJEU, porque o «regulamento de prorrogação é inválido na mesma medida que o regulamento definitivo» (9). Além disso, a conformidade com a regra do paralelismo das formas exige que as medidas anti-dumping instituídas pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 sejam revogadas por um regulamento da Comissão.
(10) Em resultado do acórdão que declara a invalidade do Regulamento (CE) n.o 926/2009 na sua totalidade, os direitos anti-dumping instituídos pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 devem ser também revogados ex tunc. Além disso, qualquer direito definitivo pago por força do Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 pode ser objeto de reembolso ou dispensa de pagamento, em conformidade com a legislação aduaneira aplicável.”
Considerando então que o Regulamento (CE) n.º 926/2009 é inválido a partir da data em que entrou em vigor, o mesmo não poderia ser aplicado à situação dos autos para efeitos de instituição da taxa antidumping sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ....
É certo que nos termos do artigo 2.º n.º 2 do CP, “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infrações; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais”, o que igualmente decorre do preceituado no artigo 29.º n.º 4 da CRP.
Contudo, há que ter em conta o tipo do crime que está em causa. Ora, o artigo 92.º n.º 1 d) da Lei n.º 15/2001, de 05 de junho (doravante RGIT), à data da eventual prática dos factos, preceituava o seguinte:
“Quem, por qualquer meio: d) Obtiver, mediante falsas declarações ou qualquer outro meio fraudulento, o despacho aduaneiro de quaisquer mercadorias ou um benefício ou vantagem fiscal; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, se o valor da prestação tributária em falta for superior a (euro) 15 000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objeto da infração for de valor aduaneiro superior a (euro) 50 000, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
Tal como ensina Germano Marques da Silva 1, “O bem jurídico protegido nos crimes tributários aduaneiros é o sistema tributário. É, sobretudo nos crimes aduaneiros que se evidencia que o bem jurídico tributário não é simplesmente ou apenas o património tributário do Estado.
Os crimes aduaneiros não protegem necessariamente o património tributário do Estado, pois a razão da imposição de tributos aduaneiros pode ter muitas outras finalidades que não simplesmente a arrecadação de tributos. Note-se que o próprio tipo legal prevê que não haja lugar a prestação tributária, o que não dispensa de obrigação de cumprimento de deveres de apresentação às estancias aduaneiras para cumprimento das formalidades de despacho.”
1 Vide pág. 204 do manual Direito Penal Tributário, Universidade Católica Editora, 2.ª edição revista e ampliada, reimpressão em 2019.
De igual modo, Carlos Teixeira e Sofia Gaspar 2 em anotação ao aludido preceituado referem que “Para que o tipo objectivo se verifique, é ainda necessário que se preencha uma condição objetiva de punibilidade: que o valor da prestação tributária em falta seja superior a € 15.000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto da infracção seja de valor aduaneiro superior a €50.000.”
Deste modo, ainda que por via da revogação dos direitos antidumping sobre as importações de determinados tubos sem costura, de ferro ou de aço, originários da ..., inexista lugar à aludida prestação tributária, o tipo legal do crime de contrabando, o qual é agravado, segundo a acusação, nos termos do artigo 97.º c) do RGIT, não se preenche unicamente com o facto de existir prestação tributária em dívida, podendo estar preenchido de modo alternativo, caso a mercadoria objeto da infração seja de valor aduaneiro superior a € 50.000,00.
Ora, cotejada a acusação, em concreto os artigos 16.º a 26.º, estão deduzidos factos que, abstratamente, preenchem o tipo objetivo do crime de contrabando, a que acresce a condição objetiva de punibilidade de a mercadoria, tal como invocado, ter o valor real de € 60.914,65, pelo que, necessariamente, tal matéria terá de ser objeto de realização de julgamento com a respetiva produção de prova para apuramento da eventual responsabilidade penal de todos os arguidos relativamente à Declaração Aduaneira n.º 2011PT00067020251617.
Deste modo, inexiste qualquer questão prévia que obstaculize a realização de julgamento quantos aos factos respeitantes à Declaração Aduaneira n.º 2011PT00067020251617, indeferindo-se o arquivamento dos autos e relegando-se o conhecimento da alegada prática do crime em sede de acórdão, após produção de toda a prova (…)”.
2 Vide pág. 426 do Comentário das Leis Penais Extravagantes – Vol. 2, Universidade Católica Editora, 2011.
(…)
*
Quanto à factualidade em que assentou a condenação proferida, importa reproduzir os factos que o tribunal deu por assentes e não assentes e respectiva motivação da decisão de facto: (transcrição)
(…)
1. Matéria de Facto:
1.1. Factos Provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da mesma:
1) A sociedade arguida é uma sociedade anónima, constituída em .../.../1918, que tem como objeto social a atividade de comércio de artigos para indústrias, comissões e designações (CAE 46740-R3).
2) Desde, pelo menos, .../.../1998 e até à presente data, os arguidos BB e CC integraram a gerência da sociedade arguida e, depois, o Conselho de Administração da mesma (em .../.../2009 transformou-se em sociedade anónima), cabendo-lhes administrar e gerir a sociedade arguida, em especial proceder aos pagamentos aos credores, incluindo os pagamentos de impostos ao Estado.
3) O arguido BB é presidente do Conselho da Administração da sociedade arguida, cabendo-lhe, em especial, a procura de oportunidades de negócios na sua área comercial.
4) O arguido CC é membro do Conselho da Administração da sociedade arguida e, pela formação, desempenha funções na parte bancária e financeira da sociedade, tendo competências na área da contabilidade e gestão empresarial, bem como a responsabilidade com pagamentos e prazos e relação com os Bancos.
5) As relações da sociedade arguida com o ... iniciaram-se depois de diligências numa visita a uma Feira na ... e tomando por referência que as principais empresas concorrentes comprovam nesses mercados.
6) O arguido DD, Despachante Oficial, era o representante aduaneiro e responsável pela tramitação do desembaraço das mercadorias da sociedade arguida, sendo que, no período que abaixo se descreverá, apresentava às autoridades as declarações aduaneiras e respetiva documentação de suporte, sempre em representação da sociedade arguida.
7) No exercício da sua atividade, a sociedade arguida comercializava tubos metálicos (de ferro e aço) e respetivos acessórios, os quais importava no território da UE através de alfândegas portuguesas.
8) Durante o período compreendido entre os anos de 2011 e ..., das 124 operações de importação que a sociedade arguida efetuou, 55 delas foram de mercadoria originária da ..., designadamente, da empresa chinesa ... LT.
9) Por outro lado, os clientes da sociedade arguida a quem fornecia esses tubos e acessórios para tubos pertenciam a variados ramos da atividade económica, sendo que nenhum deles desenvolvia atividade relacionada com a indústria aeronáutica.
DAU n.º ...)
10) Em ..., a sociedade arguida encomendou tubos metálicos à empresa chinesa ..., Ltd.
11) No dia .../.../2011, EE, trabalhador da sociedade arguida e atuando sob as ordens do arguido BB, remeteu um email para o endereço ..., com conhecimento ao endereço yangtong2008.good ...) e ao arguido BB, em que confirmou a ordem de encomenda n.º 7693 dirigida à empresa chinesa ..., LTD, onde constava a mercadoria que depois veio a ser fornecida através da fatura nº ... daquela empresa, cujos preços indicados eram $59.192,00 relativamente a uma parcela e $14.308,00 relativamente a outra parcela, a que acrescem custos de transporte no valor de $2.500,00.
12) No dia .../.../2011 um indivíduo de nome ..., remeteu um email para o arguido BB do endereço ..., em que anexa a fatura nº ..., emitida pela empresa ..., LTD, no valor total de $86.348,45.
13) No dia .../.../2011, às 00h58, o arguido BB contactou ... nos seguintes termos: “Bom dia, wauter, Preciso da sua ajuda. A nossa alfândega em Lisboa despertou para o Anti-Dumping para os tubos da .... Estou muito preocupado com o Tubo DIN que está a caminho de Portugal. Preciso encontrar uma solução. Você acha possível alterar o conteúdo de carbono no certificado? Por favor, ajude-me a encontrar uma solução. BB.”
14) Nesse mesmo dia, às 08h14, ... enviou outra versão da fatura ... que se mostra devidamente traduzida a fls. 1573 e que se dá como integralmente reproduzida.
15) Com a referida fatura, foi remetido mail com o seguinte teor: “Olá BB. Aqui está uma nova fatura. Você pode usar esta apenas para a alfândega. As outras faturas que o Sr. II enviou ainda são válidas e para o pagamento, claro. Reduzi o preço para o mínimo, acho, agora está pela metade. Se houver mais alguém na alfândega que entenda de aço, eles saberão que esses preços são demasiado baixos! Discuti com o Sr. II sobre o CEQ (equivalente de carbono). Ele disse que quase todos os tubos de aço estão à volta de 0,40 no máximo. Tubos DIN ou EN10216-1 têm sempre baixo teor de carbono. Normalmente, a alfândega verificará o material se você disser que o CEQ é superior a 0,86, pois isso é extremamente alto. Com esse teor de carbono, você não pode soldar os tubos, por exemplo.
Depende de si, BB, podemos fazer esse certificado, claro, mas não sei qual é o seu risco ao fornecer um certificado falso e eles testarem os materiais.”
16) Mais declarou JJ no email de .../.../2011 que “Podemos até fornecer um certificado de material ..., que tem ‘apenas’ 27,20% de imposto de importação. Diga-nos o que pretende. Quem é responsável por esse erro? Nós interrogamo-nos como podemos esquecer esse tipo de imposto de importação? Por favor, ligue-me e diga-me o que pretende.
Precisamos agir rapidamente agora, pois os tubos chegarão em breve, eu acho, normalmente no dia 10. Cumprimentos, JJ.”
17) No dia .../.../2011, às 10h42, o arguido BB remeteu o seguinte email a ... o seguinte: “Oi Wauter, Finalmente tomamos uma decisão, por favor se possível envie: - O certificado para TTPCO com o conteúdo de carbono correto; -Uma fatura com a seguinte descrição: Serviço de aquisição para os primeiros 6 meses, valor total de $ 30.000; - Outra fatura com a descrição do material, valor total de $ 36.868,45, e na mesma fatura coloque a taxa de envio para 3 contentores $ 6.500 cada (valor total $ 19.500). Se você tiver outra ideia, diga-me, por favor… Com os melhores cumprimentos, BB.”
18) No dia .../.../2011, às 12h07, o arguido CC remeteu a ... o comprovativo das transferências financeiras efetuadas, que totalizam USD 86.368,45, valor real da mercadoria, solicitando o envio urgente da documentação para poder levantar os contentores.
19) No dia 22/08/2011, o arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, apresentou a declaração aduaneira que se mostra autuada a fls. 472 e seguintes e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, declarando, nomeadamente, o valor de € 39.708,06 (que são o contravalor dos USD 56.300,47), quando o valor real da mercadoria foi de € 60.914,65 (contravalor de USD 86.348,45 por aplicação da taxa de câmbio em vigor à data da importação), o que permitiu à sociedade arguida pagar direitos tradicionais e direitos antidumping de valor inferior ao devido aquando do desalfandegamento das mercadorias.
20) Com a conduta adotada pelo arguido BB, em representação da sociedade arguida, resultou uma prestação tributária em falta no montante total de € 20.963,40, resultante da diferença entre a importância que foi liquidada e paga e aquela que deveria ter sido, montante este relativo a direitos antidumping e IVA.
DAU n.º ...
21) Em ... de 2012, o arguido BB, por intermédio do funcionário EE, encetou negociações com vista à aquisição de tubos metálicos e seus acessórios com uma empresa chinesa chamada ....
22) Em .../.../2012 a sociedade arguida, por intermédio do seu trabalhador responsável pelas aquisições, EE, que agia sob as ordens e instruções do arguido BB, enviou para o endereço eletrónico ... a nota de encomenda com a referência 8945, através da qual solicitou à empresa chinesa ... diversos acessórios para tubos referindo-se no final desse documento “Material do Vietanme (Feito no ...).”
23) No dia .../.../2012 um funcionário da empresa chinesa, a partir daquele endereço eletrónico, enviou para EE a fatura proforma n.º GY20120201, referente à encomenda em questão, cujo número é nessa fatura mencionado.
24) No dia .../.../2012 foi solicitado o pagamento de 30% do valor da fatura, importância essa que, no dia .../.../2012, o arguido CC, em representação da sociedade arguida, transferiu para uma conta do ..., à ordem da empresa ... no valor de € 13.245,48.
25) No dia .../.../2012, pelas 03h56, um indivíduo chamado KK e que se apresentava como “Vice General Manager da ...”, remeteu um email ao arguido BB, a partir do endereço de correio eletrónico ..., com o seguinte teor: “Caro Sr. Firmo, Confirmei com a LL esta manhã que os acessórios encomendados foram enviados para o ... e serão despachados em breve do ... para Lisboa. A LL responderá a si amanhã com mais detalhes. Atenciosamente, KK.”
26) No dia .../.../2012, pelas 00h44, KK remeteu email ao arguido BB com o seguinte teor: “Caro Sr. M. Firmo, Eles estão a enfrentar dificuldades para obter o certificado original do ..., como você sabe. Eles não fabricam nada lá e estão em riscos ao conduzir os negócios dessa forma. Antes estava tudo bem, mas agora é difícil de lidar. Ainda será necessário algum tempo para obter o certificado. Atenciosamente, KK.”
27) No dia .../.../2013, o arguido CC efetuou uma transferência bancária no valor de € 30.906,13 para uma conta da sucursal do ... em ..., à ordem da empresa ..., relativo ao restante pagamento do valor da mercadoria adquirida.
28) No dia .../.../2013, a empresa ... remeteu ao funcionário da sociedade arguida, EE, email com o seguinte teor: “Caro EE, Como você está? Espero que esteja tudo bem consigo. Os produtos do pedido n.º 8945 serão enviados no dia .... Em anexo, por favor, encontre a fatura e a packing list para sua própria referência.
Posteriormente, o Certificado de Origem (CO) e a Nota de Embarque (BL) serão fornecidos.
Quanto ao pagamento, nosso banco ainda não o recebeu. Por favor forneça o número de transferência telex para que o nosso banco possa verificar. Agradecemos e enviamos os melhores cumprimentos, LL.”
29) Recebidos tais elementos, a sociedade arguida reencaminhou-os para aprovação pelo arguido DD, a fim de este poder adiantar o despacho.
30) O arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, no dia .../.../2013, declarou a sobredita fatura na ... através da declaração aduaneira n.º 2013PT00004020216768, tendo sido indicado que tinha origem no ... e tinha por finalidade ser incorporada na indústria aeronáutica.
31) Com a declaração aduaneira, o arguido DD apresentou os seguintes documentos:
-Fatura nº ..., emitida no dia .../.../2013 pela empresa ..., com os seguintes elementos:
i. Morada: ..., ..., ..., ...;
ii. Mercadoria: ..., indicando 150 referências diferentes, perfazendo a quantidade de 8.060 artigos. Manualmente, foi indicado que a estes artigos correspondem os códigos pautais ... e ...;
iii. Valor aduaneiro: relativamente a todos os artigos, é indicado o valor total de € 44.151,61. Na declaração foi indicado que o valor de € 11.923,20 correspondia ao código pautal ... e o valor de € 32.228,41 correspondia ao código pautal ....
iv. Local de remessa: ...; Local de entrega: ...;
v. BL n.º ... emitido pela companhia de navegação ..., relativo ao contentor com a matrícula ..., o qual indica que o porto de embarque foi ....
32) Também naquela declaração, foram apostos os seguintes elementos: a) Uma adição a que corresponde mercadoria do código pautal ..., com o valor aduaneiro de € 32.228,41 e outra a que corresponde mercadoria do código pautal ..., com o valor aduaneiro de € 11.923,20, tudo no valor total de € 44.151,61, valor este que é CIF Lisboa; b) Origem da mercadoria: ... (VN).
33) Como consequência da conduta do arguido BB, em representação da sociedade arguida, concretamente a apresentação da declaração aduaneira nos termos descritos, foi calculada pela Alfândega a taxa de direitos aduaneiros tradicionais de 3,7%, tendo sido liquidada a importância total de € 1.633,61 a título de direitos aduaneiros e a importância total de € 10.608,94 a título de IVA. A estas importâncias acrescem € 3,50 relativas a impressos, totalizando tudo € 12.246,05, quando devia ter sido aplicada a taxa antidumping de 58,6%.
34) O Organismo de Luta Anti Fraude da União Europeia – OLAF- efetuou uma missão no ... em ... de 2015, em cooperação com as autoridades vietnamitas quanto à empresa ..., com morada em ..., ..., ..., tendo-se apurado que não produz nenhum tipo de produto no ..., encontra-se registada em nome de um indivíduo chinês e não se encontra registada na ....
35) Os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que era do conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida.
36) Ainda que sabedor da manipulação fraudulenta dos certificados, o arguido BB, em representação da sociedade arguida, decidiu declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à realidade, com o intuito de se furtar, como furtou, à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidem sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
37) Sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela.
38) Com a conduta adotada pelo arguido BB, em representação da sociedade arguida, resultou uma prestação tributária em falta no montante total de € 31.823,60, resultante da diferença entre a importância que foi liquidada e paga e aquela que deveria ter sido, montante este relativo a direitos antidumping e IVA.
DAU n.º ...)
39) Em ..., o arguido BB, em representação da sociedade arguida, e o funcionário EE, encetaram novamente negociações com vista à aquisição de tubos metálicos e seus acessórios com uma empresa chinesa chamada ....
40) No dia .../.../2013 EE, trabalhador da sociedade arguida e seguindo instruções da mesma, enviou para o endereço eletrónico ... a nota de encomenda com a referência ..., através da qual solicitou à ... diversos acessórios para tubos, referindo, novamente, na parte final do documento “Material feito no ...”.
41) No dia .../.../2013, através daquele endereço de correio eletrónico foi enviado para EE, por parte de uma pessoa que assinou MM, a fatura proforma n.º ..., no valor de € 40.595,01, referente à encomenda em questão.
42) O documento, apesar de estar em nome da ... ostenta o carimbo da ... (também em caracteres chineses) com a assinatura “...”.
43) No dia .../.../2013, através do endereço de correio eletrónico acima referido, foi enviado para EE, funcionário que agia sob as ordens do arguido BB, por parte de MM, o seguinte email: “Caro EE, Com os melhores cumprimentos, Precisamos da sua confirmação em relação à marcas de envio e à impressão. A marcação nos acessórios é Logo+Tamanho+espessura da parede+A234WPB+Número de série. O logo é da ..., LTD, então a marcação é QV+Tamanho+espessura da parede+ A234WPB+ Número de série. As marcas de envio são as seguintes, de acordo com o pedido anterior: P.O. #12608 C/N: 1-UP. Estamos a aguardar a sua opinião sobre os dois assuntos acima.”
44) No dia .../.../2014 a sociedade arguida efetuou o restante pagamento no valor de € 28.437,39 para uma conta do ..., sucursal de ..., em nome da empresa ... referente à aquisição da mercadoria.
45) Na sequência do planeado, a empresa ... informou a sociedade arguida, por email datado de .../.../2014 com o seguinte teor: “Caro EE, Nós concluímos todo o trabalho de levantamento aduaneiro. O material será enviado no dia ... de ... de 2014.
Assim que recebermos os documentos electrónicos da nota de embarque, eu os enviarei para si para o seu seguro garantido. Estamos realmente lamentando que este pedido tenha excedido o prazo prometido. Atenciosamente, MM.”
46) Recebidos tais elementos, a sociedade arguida reencaminhou-os para aprovação pelo arguido DD, a fim de este poder adiantar o despacho.
47) O arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, no dia .../.../2014, declarou a sobredita fatura na Delegação Aduaneira de Sines através da declaração aduaneira n.º 2014PT000670603300745, tendo sido indicado que tinha origem no ... e que tinha por finalidade ser incorporada na indústria aeronáutica.
48) Com a declaração, o arguido DD apresentou os seguintes documentos: a) Fatura nº 2013GY002, emitida no dia .../.../2013 pela empresa ..., tendo como precedente a Ordem de Encomenda (Purchase Order- PO) n.º ..., a qual contém os seguintes elementos: b) Morada: ..., ..., ..., ...; c) Mercadoria: ..., indicando 44 referências diferentes, perfazendo a quantidade de 4.193 artigos. d) Valor aduaneiro: relativamente a todos os artigos, é indicado o valor total de € 40.595,01. e) Local de remessa: ...; Local de entrega: ... f) BL n.º SGN0308656, emitido pela companhia de navegação ..., relativo ao contentor com a matrícula ..., o qual indica que o porto de embarque foi ... e que o frete deveria ser pago em ...; g) Certificado de Origem Form B, com o número 46318951, que indica ter sido emitido pela “...”, em .../.../2014.
49) Naquela declaração foram declarados os seguintes elementos:
1- Uma adição a que corresponde mercadoria do código pautal ..., com o valor aduaneiro de € 40.595,01, valor este que é CIF ...;
2- Origem da mercadoria: ... (VN);
Relativamente a toda essa mercadoria foi aplicada a taxa de direitos aduaneiros tradicionais de 3,7%, tendo sido liquidada a importância total de € 1.502,02 a título de direitos aduaneiros e a importância total de € 9.754,93 a título de IVA, totalizando tudo € 11.256,95.
50) Tais factos eram do conhecimento do arguido BB, em representação da sociedade arguida, que decidiu declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à realidade, com o intuito de se furtar, como furtou, à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidiam sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
51) Os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que era do perfeito conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida.
52) Sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela.
53) Com a conduta adotada pelo arguido BB, em representação da sociedade arguida, resultou uma prestação tributária em falta no montante total de € 29.260,07, resultante da diferença entre a importância que foi liquidada e paga e aquela que deveria ter sido, montante este relativo a direitos antidumping e IVA.
DAU n.º ...
54) Em 2015, a sociedade arguida formulou novo propósito de adquirir de tubos metálicos e seus acessórios com a empresa chinesa ....
55) No dia .../.../2014, o arguido BB e o trabalhador EE receberam um email do endereço ..., o habitual endereço nas trocas de comunicações com a empresa chinesa ..., assinado com o nome NN.
56) Neste email, NN, que se apresentou como sendo o gestor de exportações, escreveu o seguinte: “Prezado OO: Escrevo em nome da ... e não recebemos nenhuma consulta da sua empresa por um longo período. Atualmente, estamos a expandir as nossas operações e em breve inauguraremos uma nova unidade no .... Nesse local, as exportações dos acessórios de tubos e válvulas não estarão sujeitas a taxas antidumping da Europa, tornando os preços de alguma forma mais competitivos do que antes. O principal objectivo ao abrir essa nova unidade é atender principalmente os clientes europeus. Se houver alguma consulta, por favor, entre em contacto connosco o mais rápido possível. Atenciosamente, NN.”
57) Na sequência desse contacto, em .../.../2014, sob as ordens e instruções do arguido BB, EE enviou para o endereço eletrónico referido supra a ordem de encomenda n.º ..., a qual se encontra dirigida à empresa ... e refere que a origem da mercadoria a que se refere é o ... e o preço CIF ....
58) Ordem de encomenda esta que veio a dar origem à fatura supra referida, apresentada com a declaração aduaneira n.º 2015PT00009862201940, do ... pelo arguido DD.
59) Em data não concretamente apurada mas seguramente anterior a .../.../2015, foi efetuado o pagamento, a título de adiantamento, do valor de € 25.406,05, à ordem da empresa ..., tendo EE dado conhecimento de todo esse fluxo de informação ao arguido BB.
60) No dia .../.../2015, pelas 09h35, NN informou EE, nos termos do email como seguinte teor: “A carga está a ser enviada para o ... e será reembalada lá para evitar taxas antidumping. Por favor, seja um pouco paciente quanto a isso. Além disso, estamos a atravessar uma fase de reestruturação e o novo grupo de maquinaria abrangerá bombas, válvulas e acessórios. Há algum pedido de válvulas e outros equipamentos de controlo de fluxo? NN.”
61) No dia .../.../2015, foram trocados emails e o preço foi renegociado para € 77.888,88, tendo NN escrito para EE o seguinte: “Prezado(a), Os ativos e a gestão da ... agora estão parcialmente sob controlo da ..., e a fábrica no ... pode ser relocalizada. Portanto, a carga está a ser exportada do ... para evitar a taxa antidumping, mas o pagamento deve ser feito para a conta da .... Preferimos o pagamento em dólares americanos para o banco ....”
62) Esse pagamento acabou por ser efetuado em .../.../2015, através de uma transferência bancária para o ..., para uma conta titulada pela empresa ....
63) Recebidos tais elementos, a sociedade arguida reencaminhou-os para aprovação pelo arguido DD, a fim de este poder adiantar o despacho.
64) O arguido DD, agindo em nome e representação da sociedade arguida, declarou no dia .../.../2015, a fatura no ... através da declaração aduaneira nº ....
65) Com a declaração, o arguido DD apresentou os seguintes documentos:
a) Fatura n.º GY20141229, emitida no dia .../.../2014 pela empresa ..., tendo como precedente a Ordem de Encomenda (Purchase Order- PO) nº ..., a qual contém os seguintes elementos:
b) Morada: ..., ..., ..., ...;
c) Mercadoria: ..., indicando 275 referências diferentes, perfazendo a quantidade de 11.090 artigos;
d) Valor aduaneiro: relativamente a todos os artigos, é indicado o valor total de € 77.888,88. Este valor foi indicado ser CIF ... (incoterm que indica que inclui o valor das mercadorias e o valor do seguro e do frete);
e) Local de remessa: ...; Local de entrega: ....
f) BL n.º ..., emitido pela companhia de navegação ..., relativo ao contentor com a matrícula ..., o qual indica que o porto de embarque foi ....
g) Certificado de Origem Form B, com o número ..., que indica ter sido emitido pela “...”, em .../.../2015.
66) Naquela declaração, foram declarados os seguintes elementos: Uma adição a que corresponde mercadoria do código pautal ..., com o valor aduaneiro de €77.888,88, valor este que é CIF ...; b. Origem da mercadoria: ... (VN).
67) Como consequência da conduta do arguido BB, em representação da sociedade arguida, concretamente a apresentação da declaração aduaneira nos termos descritos, foi calculada pela Alfândega a taxa de direitos aduaneiros tradicionais de 3,7%, tendo sido liquidada a importância total de € 2.881,89 a título de direitos aduaneiros e a importância total de € 18.677,81 a título de IVA, totalizando tudo € 21.559,70.
68) Na fatura é referida a medida do diâmetro exterior dos tubos, sendo que, à exceção dos itens 26 e 105, que representam apenas cerca de 2% do valor total, todos têm um diâmetro inferior a essa medida.
69) Tais factos eram do perfeito conhecimento do arguido BB, em representação da sociedade arguida, que decidiu declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à realidade, com o intuito de se furtar, como furtou, à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidiam sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
70) Os certificados Form B emitidos por essa empresa e destinados à sociedade arguida destinados a certificar a origem vietnamita da mercadoria, são falsos, o que era do conhecimento do arguido BB, responsável da sociedade arguida.
71) Sabia ainda o arguido BB, em representação da sociedade arguida, que a utilização final da mercadoria não foi a indústria aeronáutica mas outras utilizações diversas daquela.
72) O arguido BB estava ciente que era a ... o real fornecedor das mercadorias.
73) Com a conduta adotada pelo arguido BB, em representação da sociedade arguida, resultou uma prestação tributária em falta no montante total de € 55.129,00, resultante da diferença entre a importância que foi liquidada e paga e aquela que deveria ter sido, montante este relativo a direitos antidumping e IVA.
74) A sociedade arguida, representada pelos arguidos BB e CC, procedeu a pagamentos integrais dos montantes em dívida à ... na pendência do inquérito.
75) Em cada uma das quatro situações, o arguido BB, enquanto responsável da sociedade comercial arguida, obteve documentos falsos dos seus fornecedores, domiciliados na ..., que foram apresentados nas alfândegas, com intuito de esconder a real origem dos fornecedores da mercadoria importada ou do valor real das mercadorias, com o objetivo de beneficiar da redução do pagamento de direitos aduaneiros e do não pagamento de direitos antidumping e, consequentemente, do IVA sobre esses direitos.
76) Ao serem apresentadas as faturas adulteradas, o arguido BB, enquanto responsável da sociedade comercial arguida, sabia que o teor das mesmas não correspondia à verdade quanto à identidade do fornecedor, local de proveniência e valores, sabendo, pois, que estava a colocar em causa a credibilidade merecida por tais documentos.
77) Dessa forma o arguido BB, enquanto responsável da sociedade comercial arguida, lesou os interesses do Estado português e da UE, obtendo um benefício fiscal aduaneiro para a empresa que não lhe era devido.
78) O arguido BB, enquanto responsável da sociedade comercial arguida, sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
79) BB fez o seu processo de socialização enquadrado por um contexto familiar e comunitário diferenciado, tendo beneficiado das condições materiais, e de orientação parental, necessárias para concretizar os primeiros objetivos de vida, nomeadamente na vertente académica. Manteve, sempre, relação de muita proximidade com os progenitores, assim como com toda a sua família de origem. Os pais desfrutavam de condição socioeconómica privilegiada. Sendo a sua mãe uma das herdeiras da empresa ‘J. Vilanova’.
80) O percurso escolar do arguido foi feito, maioritariamente, no ensino privado (... e ...), tendo frequentado e concluído o 12.º de escolaridade no .... Frequentou o ensino superior na ..., onde concluiu um bacharelato em .... Posteriormente, fez um curso de gestão no ... (já se encontrava a trabalhar na empresa ‘OO’), o qual teve a duração de três anos, tendo vindo, mais tarde a concluir a licenciatura e a fazer um MBA em .... Não conta com atrasos significativos no percurso escolar, ainda que a frequência universitária tenha sido afetada pelo tempo investido na modalidade de ... de que foi praticante.
81) BB iniciou atividade profissional aos 26 anos, tendo a sua primeira experiência profissional sido no ramo da hotelaria, em funções para que se encontrava habilitado. Posteriormente, fez um estágio na empresa ‘OO’, altura em que a mesma se encontrava com problemas financeiros, tendo vindo a falir. BB e CC compraram a empresa em ..., tendo o arguido se dedicado com o sócio e coarguido, desde então, à sua gestão.
82) BB encontra-se casado há mais de 20 anos, tendo três filhos deste relacionamento.
83) À data dos factos, BB residia na morada indicada pelo Tribunal, a qual corresponde a um imóvel de que os seus pais são proprietários, uma moradia no ..., ocupando o arguido e o seu núcleo familiar um dos pisos desse imóvel.
84) BB possui vida familiar estável e investida, residindo com o cônjuge, a sua mãe e dois dos seus filhos, ambos maiores de idade, com 22 e 21 anos, mas em situação de dependência, encontrando-se ambos a estudar. Mantém relação de grande proximidade com os pais, investindo no seu apoio e suporte, nomeadamente à sua mãe que se encontra com doença de Alzheimer, ainda que conte com apoio de uma profissional cuidadora.
85) O arguido é sócio e gerente da empresa ‘OO’ possuindo uma remuneração mensal de € 3.000,00 líquidos, o seu cônjuge atualmente encontra-se desempregado. Os encargos que têm com o imóvel de que são coproprietários é o pagamento da amortização relativa ao empréstimo contraído para a reabilitação. Tem ainda como encargos mensais o pagamento de valor de leasing de viatura que possui, no montante de € 600,00.
86) Desde ... que BB é sócio e gerente da empresa ‘OO’, dedicando-se a sua empresa ao armazenamento de aço (ramo industrial) e importação/exportação. O arguido e o coarguido CC detêm cada um 33,3% da empresa. O negócio tem conseguido sobreviver aos diversos momentos de crise económica globalizada, tendo o arguido salientado que os lucros da empresa são reinvestidos por forma a dotá-la de solidez económica.
87) BB possui ainda uma startup que se dedica à comercialização e reparação de ..., negócio que iniciou por interesse e motivação na área, não possuindo lucros relevantes da mesma.
88) Dedica-se, ainda, a atividades de solidariedade social, colaborando com a ‘...’ e ‘....’
89) CC é o único filho de um casal de mediana condição social, o pai ... e a mãe .... Cresceu junto dos pais, num ambiente familiar normativo, harmonioso do ponto de vista afetivo, sem privações materiais.
90) O seu percurso escolar decorreu de forma linear até à frequência do 12º ano escolaridade, que interrompeu aos 17 anos de idade, contrariando a vontade dos pais, para iniciar atividade profissional motivado por interesse em ser autónomo do ponto de vista económico, apesar da família de origem nunca o ter privado de bens materiais.
91) Em idade adulta, concluiu como trabalhador estudante, o 12º ano de escolaridade e habilitou-se com um curso superior (bacharelato) de ....
92) Iniciou atividade laboral aos 17 anos de idade, como ..., onde permaneceu cerca de três anos.
93) Entre ... e ... exerceu funções como ..., da qual saiu para se estabelecer por conta própria, tendo criado uma empresa (“...) de contabilidade e fiscalidade, que mantém atividade até à atualidade.
94) Em ..., para além de manter atividade por conta própria, começou a trabalhar como consultor no grupo financeiro “J Vilanova” da qual se torna sócio através da aquisição de 35% da sociedade, em .... Noutras cinco empresas que fazem parte do grupo, refere ter uma cota de 50%
95) Ao longo de mais de 30 anos, tem sido o responsável financeiro das empresas que fazem parte do grupo, sendo o responsável pelos pagamentos, contabilidade e fiscalidade, pela área do pessoal, entre outras funções que desenvolve noutras empresas do Grupo, algumas delas partilhadas pelo sócio e coarguido, BB.
96) Mantém esta atividade profissional, assumindo gratificação pessoal e orgulho por um percurso profissional bem-sucedido e de uma situação económica desafogada.
97) No plano afetivo casou aos 20 anos de idade com PP, relação que mantém e da qual resultou o nascimento de duas filhas, com 40 e 35 anos de idade, respetivamente.
98) A dinâmica intrafamiliar processa-se num ambiente de harmonia e coesão, nomeadamente ao nível profissional, dado que esta também faz parte da sociedade de duas empresas (contabilidade e um projeto de alojamento local situado em ...).
99) A situação económica do arguido é desafogada, sustentada por rendimentos mensais provenientes das atividades profissionais de ambos e quantificados, em € 6.600,00 globais. Na estrutura de despesas mensais mencionada pelo arguido, sobressai o apoio financeiro que disponibiliza às filhas e netos, num valor mensal que ronda os € 1.100,00, e outros encargos, de montante variável, relacionados com consumos domésticos, transportes e manutenção pessoal.
100) O tempo livre do arguido é dedicado, em regra, ao convívio com as filhas e netos.
Quando tem oportunidade gosta de praticar ... e andar de ....
101) Segundo fontes comunitárias contactadas, o arguido cultiva uma atitude de discrição e reserva neste contexto socio residencial. Na localidade de residência (... ...), detém uma imagem neutra, não suscitadora de reações adversas.
102) No plano familiar, o seu envolvimento no presente processo não afetou a relação conjugal nem com os filhos. Ao nível profissional, sinaliza algumas divergências com o sócio BB.
103) DD é o primeiro filho de uma fratria de dois elementos germanos, filhos de um casal casado entre si que manteve boa relação ao longo da vida, o que era extensível aos descendentes, tendo, todavia, havido um corte relacional entre arguido e pais, quando aquele contava 30 anos na sequência de discordância relacionadas com heranças.
Os pais do arguido viviam modestamente, mas possuíam condições materiais e sociais para assegurar as necessidades familiares.
104) Iniciou percurso escolar em idade própria, tendo concluído o 12.º ano de escolaridade aos 20 anos, contando com duas retenções.
105) DD teve a sua primeira experiência laboral aos 18 anos, na ..., trabalho que manteve durante cerca de um ano. Posteriormente, iniciou percurso profissional no ramo de ..., mantendo-se neste ramo desde então, ainda que conte com um período de interrupção nos anos de ... e ..., quando trabalhou para uma empresa de venda de mercadorias, e de onde saiu por falência desta. Realizou dois cursos de comércio internacional, tendo obtido a certificação de especialista nesta área. É em ... que inicia atividade de ... por conta própria, tendo no ano ... lhe sido atribuída a cédula profissional de .... O arguido trabalha para a empresa ‘AA’ desde ..., cliente angariado através de um contacto de um funcionário desta empresa. Possui uma carteira de clientes considerável, tendo salientado que, até à data, foi um profissional reconhecido e credibilizado. Em ... abriu uma empresa de ..., encontrando-se a mesma com um passivo de 700 000 euros, tendo sido encerrada e declarada insolvente em 2019.
106) DD encontra-se casado com QQ, desde os 24 anos, existindo duas filhas deste relacionamento, ambas maiores de idade, ambas autonomizadas, ainda que uma delas tenha problemas cognitivos. Presentemente, encontram-se separados, ainda que se mantenha o casamento e ambos pretendam retomar o relacionamento.
107) À data dos factos de que se encontra acusado, DD residia com o seu cônjuge, uma menor de quem a família possuía a guarda (RR) e uma neta com sete anos de idade, com problemas cognitivos, que por a mãe também ter estas dificuldades foi tomada a cargo pelos avós. Residiam num imóvel de que uma das suas filhas é proprietária, ainda que corresponda à casa morada de família do arguido. O arguido separou-se do cônjuge, atribuindo as dificuldades relacionais aos problemas profissionais que enfrenta, e subsequente dificuldade emocional em geri-los, e também à presente situação judicial.
Todavia, quer o arguido quer o seu cônjuge, pretendem ultrapassar as dificuldades e restabelecer a relação. Neste momento, o arguido reside sozinho, residindo o cônjuge apenas com a neta de ambos, tendo a menor de quem possuíam a guarda regressado ao seu agregado familiar de origem. O arguido não possui encargos com habitação, sendo estes assegurados pela sua empresa.
108) DD trabalha no ramo das ... desde os 26 anos, tendo no ano ... criado um escritório e iniciado negócio por conta própria, estando habilitado para a realização da profissão desde o ano .... A empresa do arguido possui 14 funcionários, possuindo escritórios em ... (morada constante na solicitação) e .... A faturação anual da empresa é de cerca de € 1. 350,000,00, sendo que o lucro é de cerca de € 40/50.000,00. O cônjuge do arguido também é ..., possuindo a função de ... e auferindo um salário de € 1.800,00. O arguido aufere € 3.500,00/mês.
109) Os arguidos não têm qualquer condenação averbada no seu registo criminal.
1.2. Factos Não Provados
Com relevo para a boa decisão da causa, não se fez prova em audiência da seguinte factualidade:
DAU n.º ...)
a) Que o email remetido por BB e descrito em 13) tivesse sido remetido com o conhecimento do arguido CC, e após consultar o arguido DD.
b) Que o arguido CC tivesse conhecimento do email descrito em 17).
c) Que o email descrito em 18), tivesse sido remetido em .../.../2011.
d) Que o descrito em 20) decorresse da conduta dos arguidos CC e DD.
DAU n.º ...
e) Que os arguidos fossem sabedores que esta empresa, a ..., não constava da lista de empresas chinesas que pagavam uma taxa menor de direitos antidumping, pelo que, aos seus produtos seria aplicada uma taxa máxima de direitos antidumping de 58,6%.
f) Que, assim decidissem os arguidos formular um estratagema para simular a proveniência da mercadoria fazendo crer às autoridades aduaneiras portuguesas que era originária do ... e, desta forma, obstar ao pagamento dos direitos antidumping.
g) Que o email constante de 22) tivesse sido remetido após consulta ao arguido DD e que EE atuasse sob as instruções e ordens do arguido CC.
h) Que o email descrito em 23) tivesse sido remetido em .../.../2012.
i) Que o arguido BB tivesse transferido os montantes descritos em 24) e 27).
j) Que no email descrito em 28), fosse feita menção aos documentos serem emitidos pela empresa ....
k) Que o arguido DD tivesse conhecimento do esquema.
l) Que fosse o arguido DD quem apôs os elementos referidos em 32).
m) Que os arguidos CC e DD tivessem conhecimento do descrito em 35).
n) Que o descrito em 33) e 38) decorresse da conduta dos arguidos CC e DD.
o) Que os arguidos CC e DD decidissem declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à verdade, com o intuito de se furtarem à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidem sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
p) Que os arguidos CC e DD soubessem do fim descrito em 37).
DAU n.º ...
q) Que o arguido CC encetasse negociações aludidas em 39).
r) Que os arguidos BB e CC soubessem que a empresa ... não constava da lista de empresas chinesas que pagam uma taxa menor de direitos antidumping.
s) Que no email descrito em 45), fosse feita menção aos documentos serem emitidos pela empresa ....
t) Que o arguido DD soubesse a proveniência e finalidade da mercadoria declarada.
u) Que fosse o arguido DD a apor os elementos aludidos em 49).
v) Que os arguidos CC e DD decidissem declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à verdade, com o intuito de se furtarem à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidem sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
w) Que os arguidos CC e DD tivessem conhecimento do descrito em 51).
x) Que os arguidos CC e DD soubessem do fim descrito em 52).
y) Que o descrito em 53) decorresse da conduta dos arguidos CC e DD.
DAU n.º ...)
z) Que a ordem de encomenda referida em 57) fosse feita sob as ordens e instruções do arguido CC.
aa) Que o pagamento do valor de € 25.406,05 tivesse ocorrido no dia .../.../2015 para o ....
bb) Que tivesse sido o arguido DD a apor os elementos descritos em 66).
cc) Que o descrito em 67) decorresse da conduta dos arguidos CC e DD.
dd) Que os arguidos CC e DD decidissem declarar a origem vietnamita da mercadoria, bem sabendo que não correspondia à verdade, com o intuito de se furtarem à liquidação e pagamento dos direitos antidumping que incidem sobre a sua importação se originária da ... e ao IVA correspondente.
ee) Que os arguidos CC e DD tivessem conhecimento do descrito em 70) e 72).
ff) Que os arguidos CC e DD soubessem do fim descrito em 71).
gg) Que o descrito em 73) decorresse da conduta dos arguidos CC e DD.
hh) Que em cada uma das quatro situações, o arguido CC, enquanto responsável da sociedade comercial arguida, em comunhão de esforços e na execução do plano previamente elaborado e com o auxílio do arguido DD, obtivessem documentos forjados dos seus fornecedores, domiciliados na ..., que foram apresentados nas alfândegas, com intuito de esconder a real origem dos fornecedores da mercadoria importada ou do valor real das mercadorias, com o objetivo de beneficiarem da redução do pagamento de direitos aduaneiros e do não pagamento de direitos antidumping e, consequentemente, do IVA sobre esses direitos.
ii) Que ao serem apresentadas as faturas adulteradas, os arguidos CC e DD soubesse que o teor das mesmas não correspondia à verdade quanto à identidade do fornecedor, local de proveniência e valores, sabendo, pois, que estavam a colocar em causa a credibilidade merecida por tais documentos.
jj) Que os arguidos CC e DD lesassem os interesses do Estado português e da UE, obtendo um benefício fiscal aduaneiro que não lhes era devido.
kk) Que os arguidos CC e DD soubessem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Consigna-se que a demais matéria vertida na acusação e nas contestações que não se mostra incluída, quer nos factos provados, quer nos factos não provados, foi excluída, ou porque era irrelevante, ou porque não expressava factos, mas sim conclusões, ou por ser matéria de Direito ou uma mera repetição de factos já provados.
2. Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal para a matéria de facto dada como provada, tendo sempre em atenção o disposto no artigo 127.º do CPP, isto é, considerando o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, resultou das declarações prestadas pelos arguidos BB e CC em audiência de julgamento, das declarações prestadas pelos arguidos BB e CC em sede de inquérito perante autoridade judiciária, bem como da prova documental junta aos autos, Certificados de Registo Criminal e relatórios sociais elaborados pela DGRSP.
Concretizando.
O arguido DD remeteu-se ao silêncio quanto aos factos vertidos na acusação durante a audiência de julgamento, exercendo o direito que lhe assiste, em nada contribuindo para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
Os factos provados de 1) a 5) resultam da conjugação da certidão permanente comercial de fls. 100 a 110 com as declarações prestadas pelos arguidos BB e CC, quer em sede de inquérito no dia 22/01/2019, perante Magistrado do Ministério Público, quer em audiência de julgamento, os quais confirmaram de forma coincidente a existência da sociedade arguida, a qual já é centenária, bem como os pelouros em que estão colocados, sendo que a parte comercial e negocial compete a BB, o qual costumava participar em feiras, designadamente, na ..., acompanhado do funcionário e depoente EE, para procurar novas oportunidades de negócios mais vantajosos, enquanto que CC assume o pelouro financeiro e a responsabilidade pelos pagamentos feitos, designadamente, aos fornecedores da sociedade arguida.
Nesta parte EE, igualmente confirmou de forma objetiva, que no exercício de funções de diretor comercial da sociedade arguida desde há 18 anos, chegou a frequentar feiras comerciais.
Os factos assentes em 6) decorrem da conjugação das declarações prestadas pelos arguidos BB e CC, quer em sede de inquérito no dia 22/01/2019, perante Magistrado do Ministério Público, quer em audiência de julgamento, os quais foram unânimes ao corroborarem a existência de uma relação do âmbito laboral com o arguido DD, sendo o mesmo o despachante oficial da sociedade arguida, tratando de toda a parte burocrática e fiscal referente ao desembarque das mercadorias importadas pela OO nas alfândegas e respetiva emissão das declarações aduaneiras para serem apresentadas às autoridades competentes.
Nesta parte, atendeu-se ainda ao depoimento das testemunhas GG, despachante oficial, SS, despachante oficial na empresa do arguido DD desde .../.../2017, e TT, ajudante de despachante na empresa do arguido DD há cerca de 12 anos, os quais, de forma objetiva, elucidaram o Tribunal acerca da documentação necessária e como se elabora uma declaração aduaneira, confirmando os últimos dois depoentes, que a sociedade arguida é uma dos muitos clientes que a empresa possui.
Os factos assentes em 7) e 9) decorrem da conjugação da citada certidão permanente comercial de fls. 100 a 110 com o teor da lista de clientes portugueses da sociedade arguida juntos no CD de fls. 865 (ficheiro de .../.../2018) e ainda as declarações prestadas pelos arguidos BB e CC, quer em sede de inquérito no dia .../.../2019, perante Magistrado do Ministério Público, quer em audiência de julgamento, os quais, assumiram de forma espontânea que a sociedade arguida não tem quaisquer clientes que desenvolvam atividade na indústria aeronáutica, explicitando BB, que há 10 anos que a sociedade arguida entrou nesta área do aço (tubagem, acessórios e parte das válvulas), investiram sempre tudo no próprio negócio, no stock, em materiais para dar continuidade à sociedade, fazendo importações de vários mercados, quer europeu, quer fora da europa, designadamente, o Chinês, já que se trata de um mercado competitivo.
A factualidade assente em 8) decorre da conjugação da análise da lista de importações da ... e ... de ... a ... de fls. 865 com a lista de importadores chineses constante no CD de fls. 865 (ficheiro de .../.../2018), o que foi igualmente confirmado pelos arguidos BB e CC em sede de audiência de julgamento.
Note-se que, das 55 importações feitas entre 2011 e ... e mencionadas a fls. 858, uma das importações respeita à empresa ..., surgindo como o país de origem a ..., e três importações respeitam à empresa ..., surgindo como o país de origem o .... As demais importações referem-se a outras empresas, cujo país de origem, igualmente surge como sendo a ..., pelo que, recorrendo às regras da experiência comum se pode concluir que efetivamente a sociedade arguida recorria com grande frequência ao mercado chinês para importar os tubos e acessórios que posteriormente vendia aos clientes portugueses, sendo sabido que tal mercado apresenta preços muito mais competitivos face a outro tipo de mercados e obviamente que a sociedade arguida procurava obter o menor custo possível com a importação das peças.
Os factos provados de 10) a 20) referentes à DAU n.º ...) decorrem da conjugação da declaração aduaneira de fls. 472, da fatura ...) no valor de $ 56.300,47, cujo original se encontra a fls. 608 e traduzida a fls. 1564, do ... de fls. 481 a 482 e traduzido a fls. 1562 a 1563 verso, com os seguintes emails: email de .../.../2011, remetido por EE com o assunto 7963- ... e anexos impressos do CD de fls. 865, email de .../.../2011, recebido por BB de fls. 590 e 591 e traduzido a fls. 1571 a 1571 verso); email de .../.../2011, de JJ para BB e EE com a fatura ... de fls. 587 a 589 e traduzido de fls. 1570 a 1570 verso, no valor de $ 86.348,45; email de .../.../2021, de BB para JJ de fls. 592 e traduzido a fls. 1572; email de .../.../2011, de JJ para BB de fls. 593 e traduzido a fls. 1572 verso a 1573 com nova fatura ... com valor de $ 42.808,7; email de .../.../2011, de II para BB com conhecimento de EE de fls. 595 e traduzido a fls. 1573 verso; email de .../.../2011, de BB para JJ de fls. 596 e traduzido a fls. 1574; email de .../.../2011, de JJ para BB com conhecimento de CC e EE, de fls. 597 e traduzido a fls. 1574 verso, certificado emitido pela ... (...) de fls. 598 a 601 e traduzido a fls. 1575 a 1576 verso; email de .../.../2011, de CC para JJ de fls. 602 e traduzido a fls. 1577 e comprovativos das transferências de fls. 603 a 605; email de .../.../2011, de JJ para BB e EE; email de .../.../2011 de UU para BB de fls. 606 a 607 e traduzido a fls. 1577 verso a 1578.
Igualmente teve o Tribunal em consideração as declarações confessórias, nesta parte, do arguido BB, quer perante o Digno Procurador da República, quer em audiência de julgamento, o qual assumiu a factualidade em causa, explicitando o contexto em que praticou a mesma, refutando, no entanto, qualquer responsabilidade dos arguidos CC e DD, dado que foi uma decisão exclusivamente tomada por si e em desespero.
O arguido BB assumiu que a fatura apresentada na alfândega não corresponde efetivamente ao valor real, tendo sido um ato irrefletido e que se pudesse voltar atrás não têlo-ia feito, pois quando foi feita a encomenda em ... não sabiam da existência de direitos antidumping quanto à encomenda feita, tendo-se se apercebido de tal quando a mercadoria já estava a caminho de Portugal, pelo que perguntou ao fornecedor chinês, o Sr. JJ que era o representante da empresa, o que poderia ser feito, já que a sociedade arguida atravessava um período difícil, confirmando o teor dos emails trocados, no sentido de ajustar o preço da encomenda e que seria emitido um novo certificado pela ..., empresa diferente, a qual estava sujeita a um direito antidumping inferior, neste caso, 27,2%.
É notório da análise dos emails supra enunciados, que, a pedido do arguido BB, enquanto representante da sociedade arguida, e sem intervenção dos demais arguidos, foi criado um certificado de carbono falso, tendo em vista que a alfândega portuguesa não se apercebesse que, na altura dos factos, eram devidos direitos antidumping superiores aos que foram liquidados.
O arguido CC igualmente negou que tivesse tomado qualquer decisão quanto à criação de um certificado de carbono falso, tendo-se apenas apercebido da situação quando tratou do pagamento da fatura, pois numa primeira fase pagavam sempre 30% da mesma e o restante foi pago em duas vezes, sendo que, foi confrontado com uma nova fatura de cerca de 50.000,00 dólares, e nesse momento falou com o sócio BB, o qual lhe explicou o que havia feito, comportamento esse reprovado por CC, o qual igualmente negou qualquer intervenção do arguido DD na falsificação do certificado de carbono apresentado, com vista ao pagamento de direitos antidumping inferiores aos que eram devidos, atendendo à mercadoria importada.
O valor em dívida referido em 20) decorre da análise da informação remetida pela AT a fls. 804.
Os factos provados de 21) a 38) referentes à ...) decorrem da conjugação da declaração aduaneira de fls. fls. 441 e traduzida a fls.1524 e 1525, da fatura ... (.../.../2013) no valor de $44151,61, de fls. 455 a 458, 615 a 617, 651 a 654 e traduzida a fls. 1560 a 1561 verso, do ... de fls. 453 e traduzido a fls. 1559 a 1559 verso, do print de informações sobre a empresa ... de fls. 859 a 860 e traduzido a fls. 1564 verso a 1565, do print de informação da ... de fls. 861 e traduzido a fls. 1565 verso a 1566 verso, onde consta “Fornecedor da ...”, com o conteúdo dos seguintes emails: email de .../.../2012, de EE para ..., com o pedido de encomenda 8945 de fls. 609 e traduzido a fls. 1579, o qual inclui em anexo vários pedidos de fls. 610 a 613, traduzidos de fls. 1579 verso a 1580 verso, sendo tal encomenda dirigida a LL, da empresa ..., constando na parte final de 1580 verso que o material seria feito no ...; email de .../.../2012, de LL para EE de fls. 614 e traduzido a fls. 1581, o qual dá conhecimento a CC com envio de fatura GY 2012001 de fls. 615 a 617 e traduzida a fls. 1581 verso a 1582 verso; email de .../.../2012, de LL para EE de fls. 623 e traduzido a fls. 1584 verso, em que pede o pagamento de 30% da fatura, o que foi feito em .../.../2012, tal como consta a fls. 625, para o ..., cfr. fls. 622 e traduzido a fls. 1584 e 1584 verso; email de .../.../2012 de KK (que se apresenta como Vice General Manager da ...) para BB, de fls. 626 e traduzido a fls. 1585, o qual refere que confirmou de manhã com a LL que a encomenda tinha sido embarcada para o ... e que a embarcaram de lá para Lisboa e que chegaria em breve e para BB falar com LL para acertar detalhes; email de .../.../2012 de KK para BB, de fls. 627 e traduzido a fls. 1585 verso, a dizer que estão a ter dificuldades em obter certificado origem do ... e que como ele sabe, não fabricam lá nada e que era muito arriscado fazer as coisas dessa forma, já que antes não havia problema mas agora é mais difícil de fazer e que precisam de tempo para arranjar o certificado; email de .../.../2012 de KK para BB, de fls. 628 e traduzido a fls. 1585 verso, a informar que LL tinha alguém com muito boas relações no governo e que esperava obter certificado em breve; email de .../.../2012, de LL para EE, de fls. 630 e traduzido a fls. 1586, a informar que tinham de adiar a entrega da encomenda 8945 até meados de outubro por estarem com problemas em arranjar o certificado; email de .../.../2013, de CC para funcionário do antigo ..., de fls. 634, sobre transferência de fls. 635 e 636 à ordem da empresa ...; email de .../.../2013, de LL para EE, de fls. 649 e traduzido a fls. 1590, a informar que a mercadoria referente à encomenda 8945 seria carregada dia .../.../2013.
Igualmente o Tribunal teve em consideração o teor do estudo preliminar feito pelo OLAF, datado de .../.../2015, aquando de uma inspeção feita em tal país em ..., cuja junção do original está a fls. 58 a 79 e traduzido a fls. 1543 a 1554, bem como ao relatório final por tal organismo elaborado em ... e respetivos anexos de fls. 1830 a 1878.
Da conjugação dos elementos remetidos pelo OLAF, os quais foram corroborados por HH, técnica do aludido Organismo e que fez parte da equipa que fiscalizou algumas empresas sedeadas no ..., resulta sem margem para dúvidas que a empresa ... não estava registada na ... e, como tal, não poderia emitir certificados, seja de origem preferencial, seja de origem não preferencial, para exportação dos produtos em investigação.
A depoente HH prestou um depoimento sólido e isento, tendo descrito todo o procedimento feito nas visitas às fábricas, uma vez que pretendiam verificar a veracidade da importação e exportação de acessórios de tubos de várias empresas que surgiam como sendo do ..., tendo igualmente tido a colaboração da ..., entidade que era competente para a emissão dos certificados de origem das mercadorias.
Sobre a empresa ..., a depoente afirmou de forma objetiva que se deslocaram a uma morada que constava na documentação como sendo a da empresa e que nada foi encontrado no endereço indicado, pelo que, após algumas investigações conseguiram descobrir a localização efetiva da empresa, tendo encontrado na entrada duas placas, identificadas a fls. 1549, como uma delas sendo a ..., pelo que falaram com a pessoa responsável, o qual referiu não entender a língua em causa e quando confrontado com faturas de exportação de produtos para ..., aí referiu reconhecer os carimbos e as assinaturas mas, passadas algumas horas, o dito responsável negou-se a colaborar ou a responder a mais questões, quer por parte da comitiva da OLAF, quer por parte da ....
Face a tal recusa, mais referiu HH de forma credível que, uma vez mais, foram feitas diligências de investigação e conseguiram apurar que a empresa estava num armazém há 9 meses, composto por caixas e paletes, destituído de qualquer atividade industrial, inexistindo trabalhadores ou maquinaria, pelo que as conclusões extraídas nos relatórios são baseadas em factos presenciados pela depoente, a qual, pese embora afirme, à semelhança do espelhado nas conclusões, que não foi possível apurar com certeza se as exportações feitas pela ... eram de origem chinesa, isto é, que viessem da ... para o ... e daí seguissem para a Europa, conseguiu ter a garantia de que os certificados de origem constantes das declarações aduaneiras de ... emitidos pela empresa em causa eram falsos, o que foi comprovado pela ..., face a inexistir qualquer registo da ..., que permitisse que pudessem ser emitidos certificados, o que aliado à postura de falta de colaboração da pessoa responsável acima identificada, levou a que fosse feito um levantamento nas bases de dados de importações e exportações feitas pela ..., de modo a identificar que empresas europeias teriam recorrido a tal forma fraudulenta de se furtarem ao pagamento dos direitos antidumping, tendo posteriormente sido reconhecida a sociedade arguida como uma das empresas em causa.
É neste seguimento que foram feitas comunicações às autoridades tributárias dos vários países, incluindo Portugal, com vista à recuperação dos direitos antidumping, o que foi confirmado por FF, técnico responsável pela ação inspetiva feita à sociedade arguida, e que confirmou de forma segura, as suspeitas que existiam face a duas declarações aduaneiras num primeiro momento, sendo que foram apuradas três declarações, cuja origem das mercadorias geravam dúvidas, neste caso, que viessem da ..., tendo o mesmo de forma escorreita explicitado quais as implicações em termos de pagamento de direitos aduaneiros, caso as mercadorias fossem provenientes do ..., em que apenas estavam sujeitas à taxa tradicional de 3,7%, ou de 58,6%, caso viessem da ..., fazendo ainda menção aos códigos pautais e as diferenças que existem, igualmente, caso a mercadoria tivesse ou não fim aeronáutico.
Os arguidos BB e CC, bem como o depoente EE, negaram perentoriamente ter conhecimento de que não existia qualquer fábrica no ... e que os certificados de origem eram falsos.
Pese embora, quanto ao arguido CC, possam existir dúvidas que o mesmo efetivamente soubesse da falsidade dos certificados de origem, uma vez que o mesmo, já como se disse, apenas era responsável pelos pagamentos, e não constando como remetente ou destinatário dos emails acima identificados, já o arguido BB prestou declarações que não merecem credibilidade, no sentido de total desresponsabilização pela prática dos factos.
Ora, o arguido BB e o depoente EE confirmaram a realização de conversações via email com a ..., empresa chinesa, para a importação de tubos e acessórios em aço, o que também não poderiam negar, face aos emails acima assinalados.
No entanto, afirmaram que lhes foi dito que a empresa ia abrir uma fábrica no ... e como tal, foi feita a nota de encomenda dirigida a LL, que era o ponto de contacto, e que fazia os orçamentos, com indicação da proveniência do ....
O arguido BB igualmente confirmou que sabia que na ... existiam direitos antidumping mas que sempre pensou que os materiais encomendados vinham do ....
Confrontado com a nota de encomenda de fls. 1579 a 1580 verso, o mesmo referiu que apesar de constar o nome da ..., isso aconteceu porque era a empresa mãe e que a fábrica seria no ..., dado ter-lhe sido apresentada por KK.
Contudo as explicações dadas pelo arguido BB e pela testemunha EE não conseguem abalar o teor dos emails que são bastante comprometedores, no sentido de, ambos saberem que a origem da mercadoria importada não era o ... mas sim a ..., aproveitando a oportunidade facilitada por parte da empresa ..., chamando-se, em especial, a atenção para os emails de .../.../2012 e .../.../2012, ambos remetidos por KK, enquanto Vice General Manager da ..., para BB, em que é notório que a mercadoria foi embarcada para o ..., o que significa que ali não foi produzida, sendo que a dificuldade em obter certificado de origem vietnamita, uma vez mais corrobora que o mesmo teria de ser falsificado, sendo ainda escrito que, como o arguido sabia, eles não fabricavam lá nada, pelo que era muito arriscado fazer as coisas dessa forma.
Não se tem como credível que o arguido, apenas quando confrontado em audiência com os emails, diga que, à data dos mesmos, não os interpretou devidamente e que não lhe suscitou quaisquer dúvidas.
Por sua vez, EE afirmou de forma pouco credível e notoriamente comprometido, quando confrontado com a fatura traduzida a fls. 1581 verso a 1582 verso, que houve um erro da sua parte em colocar o nome da empresa em causa, tendo sido colocado o nome da empresa chinesa, desconhecendo o nome da fábrica no ....
É certo que do relatório final da OLAF de ..., a fls. 1835 verso, é referido o seguinte: “A ... realizou uma pesquisa na base de dados eletrónica de importaçõesexportações por registos relacionados às importações-exportações dos produtos em questão em nome dessas duas empresas. A ... encontrou registos em relações às importações para o ... da ... no caso da empresa ... e exportação do ... para a EU, no caso de ambas as empresas.”
No entanto, o OLAF não teve acesso aos emails que se encontram juntos aos autos, e como tal, da conjugação de tais meios de prova, aliados ao depoimento de HH, dúvidas inexistem de que a mercadoria importada pela sociedade arguida é originária da ..., ainda que posteriormente fosse transportada para Portugal através do ....
Como tal, tudo concatenado permite formular uma convicção segura de que a declaração aduaneira apresentada por DD é falsa, ainda que não se tivesse apurado que foi o arguido que apôs os códigos pautais que deram origem à declaração apresentada, já que, dos depoimentos prestados por SS e TT, funcionários da empresa do arguido DD, e lido o depoimento de VV, a fls. 582 a 584, o qual faleceu na pendência dos autos, e que era ajudante de despachante, resulta que cabia ao falecido VV efetuar a receção, organização e classificação de muitos despachos relativos à importação de mercadorias por parte da sociedade arguida, designadamente a declaração aduaneira de 2013, cabendo-lhe o procedimento de classificar em termos pautais as mercadorias importadas, assumindo a errada declaração pautal declaradas em 2013, sendo tal uma falha humana, admissível de quem elabora vários despachos por dia, pelo que, nenhuma testemunha ouvida ou da prova documental junta aos autos, permite concluir que o arguido DD tivesse tido alguma intervenção com vista a colaborar com a sociedade arguida, para que esta se eximisse do pagamento dos devidos direitos antidumping.
O valor em dívida referido em 38) decorre da análise da informação remetida pela AT a fls. 804.
Os factos provados de 39) a 53) respeitantes à DAU n.º ...) resultam da conjugação da declaração aduaneira de fls. 54, da fatura ...) no valor de € 40.595,01, de fls. 557 a 558 do apenso II emitida pela ..., Ordem de Encomenda 12608, do ... emitido por ... de fls. 568 do apenso II, do certificado de origem Form B de fls. 562 do apenso II com o n.º ... em que surge como entidade emissora a ... em .../.../2014, do print de informações sobre a empresa ... de fls. 859 a 860 e traduzido a fls. 1564 verso a 1565, do print de informação da ... de fls. 861 e traduzido a fls. 1565 verso a 1566 verso, onde consta “Fornecedor da ...”, com o conteúdo dos seguintes emails: email de .../.../2013, de fls. 658 e traduzido a fls. 1591, remetido por EE para ..., com a nota de encomenda 12608, com vários de pedidos de fls. 659 a 660 e traduzido a fls. 1591 verso a 1592, dirigida a LL, da empresa ..., e que o material seria feito no ...; email de .../.../2013, enviado por MM para EE, de fls. 661 e traduzido a fls. 1592 verso, em que foi enviada a fatura proforma ... de fls. 663 a 664 e traduzida a fls. 1593 verso a 1594, no valor de € 40.595,01, com carimbo aposto da empresa ... e com a assinatura MM; email de .../.../2013, de EE para MM, junto a fls. 665 e traduzido a fls. 1594 verso, a dizer que havia feito adiantamento do pagamento da encomenda; email de .../.../2013, de MM para EE, de fls. 665 e traduzido a fls. 1594 verso, em que aquela pede que seja confirmado o conteúdo do carimbo a colocar nos documentos que indica e que o logotipo habitual aposto será substituído pelo logotipo da ..., mantendo-se o resto; emails entre .../.../2013 a .../.../2014, trocados entre EE e MM, constantes dos anexos impressos do CD de fls. 865 e também de fls. 673 e 674 e traduzidos a fls. 1599, onde se vislumbra a insistência no envio da encomenda e é respondido que a mercadoria será expedida a partir do ... no dia .../.../2014; email de .../.../2014, de MM para EE, consta dos anexos impressos do CD de fls. 865 e também de fls. 672 e traduzido a fls. 1598, onde é dito que nesse dia tinham terminado as diligências alfandegárias de mercadoria e que seria embarcada no dia ... e logo que possível enviado o ..., o que consta que foi enviado por mail de .../.../2014, cfr. anexos impressos do CD de fls. 865; email de .../.../2014, de MM para EE, de fls. 667 e traduzido a fls. 1595, onde esta pede desculpa pelo facto do carregamento da mercadoria estar atrasado, referindo que a ... se atrasa no cumprimento de prazos e que pode fazer um desconto; email de .../.../2014, de EE para MM, de fls. 672 e traduzido a fls. 1598, a confirmar a transferência do restante € 28.538,53, constante a fls. 676 para o ....
Igualmente se teve em consideração o processo relativo à importação do despachante arguido DD de fls. 547 do apenso II em que surge aposto o código ..., mas a taxa aplicada é a tradicional, de 3,7%.
Por uma questão de economia processual, dão-se como reproduzidas as considerações acima tecidas quanto à investigação pela OLAF, espelhadas nos relatórios supra citados, bem como aos depoimentos isentos prestados por HH e WW e as conclusões retiradas de que o certificado de origem emitido e respeitante à declaração aduaneira em análise é falso, e como tal, a mercadoria veio importada originariamente da ..., não obstante ter seguido posteriormente do ... para Lisboa.
A acrescer, importa confrontar o que foi dito pelos arguidos BB e CC quanto à factualidade em causa.
Ora, no mesmo seguimento do que havia sido dito anteriormente, os arguidos negaram qualquer tipo de conhecimento de que a mercadoria não fosse proveniente do ....
BB explicitou em audiência que EE era quem fazia o plano de compras e dos stocks, confirmando a nota de encomenda em causa. Confrontado sobre quem era MM, o arguido afirmou desconhecer, negando alguma vez ter visto a fatura de fls. 664.
O arguido, perante o Ministério Público, afirmou que a deslocalização de uma fábrica da ... para o ... foi o que lhes foi vendido numa feira que frequentou e que o negócio foi feito com ..., não vislumbrando problema em a encomenda ser dirigida a tal empresa, pois a sede pode ser num país e existir fábrica noutro, neste caso, o ..., o que igualmente foi dito por EE. Contudo, mais à frente, o próprio arguido contradiz-se quando refere que não sabe se a ... e a ... são empresas diferentes, desconhecendo a ligação concreta entre as mesmas.
Confrontando com fls. 665 acerca do email sobre o carimbo e logotipo aposto que será substituído pelo logotipo da ..., o arguido remeteu as explicações para EE apenas dizendo que o email não se refere a carimbos para documentos, mas sim certificado de fabrico de qualidade, tratando-se apenas de uma mera questão técnica.
Por sua vez, EE afirmou de forma pouco credível e notoriamente comprometido, quando confrontado com a fatura traduzida a fls. 1593 verso a 1594, que não se apercebeu que o carimbo havia sido aposto pela empresa ... e com a assinatura MM, sendo que, apesar de dizer que tal pessoa era o ponto de contacto, não sabe explicar se a mesma era a responsável. Ora, muito se estranha que, em tantos anos de experiência na área, o depoente não reparasse num detalhe tão relevante como o do carimbo e que desconhecesse efetivamente as funções das pessoas com quem falava, já que estava em funções para a sociedade arguida, pelo que se impunha rigor na forma como havia de fazer encomendas de mercadorias.
No entanto, o depoente assumiu que todos os contactos por causa dos atrasos no envio da mercadoria foram sempre feitos com o escritório na ..., já que inexistia escritório comercial no ..., o que uma vez mais suscita estranheza, na medida em que havendo uma fábrica em tal país, seria muito fácil existir algum ponto de contacto direto e não ter de recorrer ao escritório da ....
Também se estranha que, havendo tantos atrasos na expedição da mercadoria, a sociedade arguida tivesse continuado a fazer encomendas para a empresa, já que dispõe de conhecimento do mercado e certamente teria outras opções mais rápidas para importar as peças. No entanto, é notório que a espera se deveu ao facto de a empresa ... estar a tentar arranjar certificado de origem vietnamita fraudulento, o que levaria algum tempo até ser obtido, de forma exímia a enganar a alfândega portuguesa quando fosse apresentado, no seguimento da demais documentação junta com a declaração aduaneira pelo despachante.
Quanto a CC, o mesmo afirmou desconhecer que o carimbo de fls. 663 a 664 era da empresa ..., e que por isso nem falou com o EE, pois o seu foco era o pagamento da encomenda.
Confrontado com fls. 676, acerca da transferência feita, o mesmo afirmou que tal foi efetuada para o ... e que o facto de surgir CN, trata-se de um lapso, referindo que o Switch é do ..., pelo que nunca duvidou de que estivesse a transferir para tal país, de onde a mercadoria provinha.
Ainda que tal justificação não se tenha totalmente como credível, o certo é que a mesma não foi abalada pela demais prova junta aos autos, pelo que, a atuação de CC fica num limbo, que não é possível de ultrapassar, relativamente ao conhecimento do mesmo de que a mercadoria não era originária do ....
No que respeita à atuação de DD, o Tribunal apenas tem a certeza de que o mesmo recebeu por parte da sociedade arguida a documentação necessária para a elaboração da declaração aduaneira, face ao declarado por EE, o que aliás constava das suas funções, e que a mesma foi apresentada na alfândega, nos termos constantes de fls. 54 e que foram apostos os elementos descritos em 49), não se fazendo qualquer prova que tivesse sido o arguido, já que, como acima se disse, era VV quem apunha os dados e preenchia os códigos pautais, face à documentação remetida pela sociedade arguida, assumindo o depoente, face ao teor de fls. 582 a 584, ter efetuado a classificação do despacho referente à declaração aduaneira de 2014 e que uma vez mais se tratou de um erro, negando ter recebido qualquer instrução no sentido de apor uma classificação pautal errada deliberadamente.
Como tal, tudo concatenado permite formular uma convicção segura de que, o arguido BB, enquanto representante da sociedade arguida, agiu, uma vez mais, aproveitando a oportunidade de obtenção de um certificado falso, de modo a furtar-se ao pagamento dos direitos antidumping devidos pela proveniência da mercadoria originária da ... e não do ....
O valor em dívida referido em 53) decorre da análise da informação remetida pela AT a fls. 234.
Os factos provados de 54) a 73) respeitantes à DAU n.º ...) decorrem da conjugação da declaração aduaneira de fls. 55, da fatura ...), no valor de € 77.888,88, de fls. 591 a 595 do apenso II e traduzida a fls. 1539 verso a 1541 verso emitida pela ..., donde é possível extrair que apenas os itens 26 e 105 excedem os 609,6 mm, do ... emitido por ... de fls. 605 do apenso II, do certificado de origem Form B de fls. 619 do apenso II com o n.º 56283516, que indica como entidade emissora a ... em .../.../2015, do print de informações sobre a empresa ... de fls. 859 a 860 e traduzido a fls. 1564 verso a 1565, do print de informação da ... de fls. 861 e traduzido a fls. 1565 verso a 1566 verso, onde consta “Fornecedor da ...”, dos emails com o seguinte conteúdo: email de .../.../2014, remetido por alguém denominado de NN para BB e EE, de fls. 677 e traduzido a fls. 1600, em que o mesmo diz que é gestor de exportações e está a escrever em nome ..., que há muito que não recebem encomendas e que expandiram e irão abrir uma nova base no ... no ano seguinte, de onde exportarão acessórios de tubos e válvulas, que não sofrerão taxas antidumping na Europa e assim o preço será mais competitivo que antes e que querem satisfazer clientes europeus; email de .../.../2014, de EE para o mail ribon, de fls. 678 e traduzido a fls. 1600, em que envia a ordem de encomenda 14816, de fls. 679 a 686 e traduzida a fls. 1600 verso a 1603 verso, dirigida à empresa ..., sendo referida origem dos acessórios do ...; email de .../.../2015, de EE para NN, de fls. 687 e traduzido a fls. 1604, em que é mencionado o pagamento de € 25.406,05 €, sendo que todos esses mails foram reencaminhados para BB em .../.../2015; email de .../.../2015, de fls. 691 e traduzido a fls. 1605 verso, remetido sem assinatura através do aludido mail ribon para EE, em que este foi informado que o transporte está organizado entre ... e que deverá partir do ... dia .../.../2015, constando o ficheiro excel de fls. 694 a 698 e traduzido de fls. 1606 verso a 1608 verso, com fatura, sendo aposto carimbo da ..., sendo a encomenda no total de € 84.686,83; emails em .../.../2015 e .../.../2015 para pagamentos e encomenda a ser enviada de fls. 691 e traduzidos a fls. 1605 a 1605 verso; email de .../.../2015, de fls. 699 e traduzido a fls. 1609, de NN para EE, em que aquele informa que a carga estava a ser enviada para o ... e que de lá será reembalada, tendo por fim evitar as taxas antidumping e pede um pouco mais de paciência; email de .../.../2015, de fls. 705 e traduzido a fls. 1611, de NN para BB, em que o preço é renegociado para € 77.888,88; mail do mesmo dia de fls. 704 e traduzido fls. 1610 verso, de NN para EE, em que relembra que a carga será exportada desde o ..., para assim evitar o pagamento da taxa antidumping. No entanto o pagamento deverá ser feito à ...; email de .../.../2015, de BB, dirigido a NN, em que afirma necessitar do certificado de material conforme EN ..., e que sem o mesmo não poderão fazer nada, além de que precisam da uma conta bancária em nome da empresa ..., no ...; email de .../.../2015, de BB para o email geral @romaandrade.pt onde é dado conhecimento dos emails trocados com NN, constantes os originais do CD anexo a fls. 865 e traduzidos a fls. 1568 verso a 1569 verso;
Mais, se atendeu ao processo relativo à importação do despachante arguido DD de fls. 578 do apenso II, em que surge o código 7307 99 9 mas igualmente foi aposto que é origem da “CN.”
Por uma questão de economia processual, dão-se como reproduzidas as considerações acima tecidas quanto à investigação pela OLAF, espelhadas nos relatórios supra citados, bem como aos depoimentos isentos prestados por HH e WW e as conclusões retiradas de que o certificado de origem emitido e respeitante à declaração aduaneira em análise é falso, e como tal, a mercadoria veio importada originariamente da ..., não obstante ter seguido posteriormente do ... para Lisboa.
A acrescer, importa confrontar o que foi dito pelos arguidos BB e CC quanto à factualidade em causa.
Ora, o arguido BB, quer em sede de declarações perante Magistrado do Ministério Público, quer em audiência de julgamento, uma vez mais negou qualquer tipo de responsabilidade que envolvesse o conhecimento de que a mercadoria não era originária do .... Referiu que desconhecia as dimensões dos tubos, sendo que, a haver erro técnico, o mesmo só pode imputado ao despachante e à alfândega, pois a mesma tinha acesso à mercadoria e poderia tê-la retido.
Confrontado com o email traduzido a fls. 1600, o arguido afirmou que o remetente já não era a mesma pessoa, apesar do email ser igual e que se é feita menção a nova fábrica, não quer dizer que a anterior fábrica não tenha existido.
BB negou igualmente ter tido conhecimento do email traduzido a fls. 1609, não obstante o mesmo lhe ter sido reencaminhado por EE, dado receber 300 emails por dia, não fazendo filtro no telemóvel a todos os que recebe.
Muito se estranha que, mesmo que BB não tivesse visto o email, o certo é que EE recebeu diretamente o email de .../.../2015, onde está usada a expressão “reembalada” para o ..., e que tal não lhe tivesse merecido preocupação ou dúvida, face ao teor do ali relatado.
Sendo EE o responsável comercial, não se tem como credível que não tivesse conhecimento de que a mercadoria não era originária do ..., e que, por tal motivo, a mesma tivesse demorado mais de 1 ano a chegar a Portugal, pelo que, as explicações dadas sobre os descontos feitos por causa da demora, nomeadamente os emails trocados entre o arguido BB e o remetente ribon, em nada lograram descredibilizar o teor dos emails que são bastante comprometedores.
CC assumiu o pagamento feito em .../.../2015, bem como que teve conhecimento da renegociação do preço, com o respetivo desconto feito, negando ter tomado conhecimento do email de .../.../2015, traduzido a fls. 1609, reafirmando que toda a documentação que teve acesso e os pagamentos que fez foram sempre para o ....
Efetivamente, da troca de emails feita, nenhum email tem como destinatário o ora arguido, pelo que, ficam dúvidas quanto ao seu conhecimento da origem da mercadoria.
Já em sentido contrário, EE prestou um depoimento que não se afigura como credível, no que toca ao desconhecimento da origem da mercadoria. Ora, o depoente explicou que não se recorda da menção à abertura a uma nova fábrica no ..., nem da empresa ... a que alude a fatura de fls. 1600 verso a 1603 verso, que considera que seria um grupo japonês com fábrica no ..., pelo que assume ter sido um lapso juntar tal nota de encomenda no email dirigido ao remetente ribon.
Confrontado com o email de fls. 1609, o depoente referiu que para os acessórios serem feitos, os mesmos seguem da ... para o ..., dado que este país não fabrica tubos, e que ao serem remetidos da ... para o ..., aí sim os acessórios são produzidos no ..., referindo que a “carga” a que alude o email são os tubos, já que é impossível fazer acessórios sem os tubos, pois são estes a matéria prima daqueles.
WW confirmou de forma segura que, da análise que fez à documentação que suportava a mercadoria desalfandegada, dos 275 artigos, apenas 2 tinham diâmetro bem classificado, sendo que os restantes 273 tinham diâmetro inferior, pelo que o código pautal inserido na declaração aduaneira estava errado, na medida em que seriam devidos direitos antidumping.
No que respeita à atuação de DD, o Tribunal apenas tem a certeza de que o mesmo recebeu por parte da sociedade arguida a documentação necessária para a elaboração da declaração aduaneira, face ao declarado por EE, o que aliás constava das suas funções, e que a mesma foi apresentada na alfândega, nos termos constantes de fls. 55 e que foram apostos os elementos descritos em 66), não se fazendo qualquer prova que tivesse sido o arguido, já que, como acima se disse, VV, quando prestou depoimento de fls. 582 a 584, e lido em audiência assumiu que apôs a sigla “CN” no campo de origem e que tal menção se deveu a um erro, uma vez que por si passavam muitas
mercadorias importadas da ... e que no momento da abertura da capa do processo relativo à importação de fls. 578 do apenso II, ainda não dispunha de todos os documentos que fizeram parte do despacho de importação.
Igualmente, pese embora tenha sindo remetido email por BB para o email ... onde é dado conhecimento dos emails trocados com NN, constantes os originais do CD anexo a fls. 865 e traduzidos a fls. 1568 verso a 1569 verso, dos depoimentos prestados por SS e TT, os mesmos foram coincidentes e credíveis ao explicitarem que o email geral da empresa pode ser visto por várias pessoas e que o despachante DD tem o seu próprio email, pelo que, não se pode, de modo algum, afirmar que o arguido teve conhecimento dos emails trocados entre BB e NN e muito menos que estivesse em conluio com a J. Vilanova.
Como tal, tudo concatenado permite formular uma convicção segura de que, o arguido BB, enquanto representante da sociedade arguida, agiu, uma vez mais, aproveitando a oportunidade de obtenção de um certificado falso, de modo a furtar-se ao pagamento dos direitos antidumping devidos pela proveniência da mercadoria originária da ... e não do ....
Não é pelo facto de a empresa OO ter liquidado 11.045.573,98 euros de impostos durante o período compreendido entre ... e ..., tal como aludido na declaração de fls. 1750 emitida pelo ROC XX, e que ouvido em audiência, corroborou o teor da mesma, bem como que a empresa tem a sua situação tributária e da ... regularizada, cfr. resulta das certidões juntas, respetivamente, a fls. 1751 e 1752, que permite duvidar que, nos momentos espaciais e temporais dados como provados, a sociedade arguida, aqui representada por BB, cometeu os factos em causa, pois a prova carreada é bastante e sustentável da atuação de BB e de EE, com vista ao não pagamentos dos direitos antidumping devidos pela proveniência das mercadorias originárias da ..., como bem sabiam, e não do ....
O valor em dívida referido em 73) decorre da análise da informação remetida pela AT a fls. 234.
A factualidade assente em 74) decorre das informações prestadas pela AT a fls. 1501 a 1506, 1510 e ref.ª 13913806, da qual resulta que a sociedade arguida J. Vilanova liquidou todos os valores em dívida, o que igualmente foi confirmado pelos arguidos BB e CC perante o Digno Magistrado do Ministério Público aquando do interrogatório realizado em .../.../2019.
Em relação ao descrito de 75) a 78), o mesmo resulta da factualidade objetivamente considerada e conjugada com as regras da experiência comum, dado o arguido BB, enquanto representante da sociedade arguida J. Vilanova, ter a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Com efeito, tais pontos referem-se a estados psíquicos, do foro interno, psicológico e íntimo do arguido, pelo que a sua verificação não é passível de demonstração direta, sendo revelada por indícios que as regras da experiência e da lógica permitem associar. A convicção do Tribunal fundou-se, pois, em conclusões lógicas formuladas com base na globalidade da factualidade e nos atos objetivamente praticados pelo arguido dados como provados, em conjugação com as referidas regras.
Quanto às condições pessoais, familiares e profissionais dos arguidos, plasmadas de 79) a 108) foram ponderadas as declarações por si prestadas em sede de audiência de discussão ejulgamento, as quais se mostraram sérias e plausíveis, merecendo acolhimento, conjugadas com o teor dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP e juntos, respetivamente, a fls. 1210 a 1211 verso, 1225 a 1227 e 1229 a 1231.
A prova da ausência de antecedentes criminais dos arguidos resulta do teor dos Certificados de Registo Criminal que se encontram juntos aos autos com as ref.ª 15741053, 15741054, 15741055 e 162428739.
Quanto à factualidade não provada, a mesma resulta do que ficou dito em sentido contrário relativamente às alíneas c), h), i), l), s), u), aa) e bb) e no demais, à falta de meios de prova que sustentadamente a corroborasse com as certezas exigidas em processo penal.
Em especial, quanto às alíneas e), f), j) e r), não foi feita qualquer prova da factualidade ali vertida.
Relativamente às demais alíneas, por não ter sido produzida, em audiência, qualquer prova que sustentasse tal factualidade, não foi possível a este Tribunal formular uma convicção, segura, racional e objetiva, quanto à prática pelo arguido CC dos factos de que vem acusado, motivo pelo qual a referida factualidade foi dada como não provada, atendendo-se igualmente ao que supra já ficou dito quanto a tal arguido. Acresce que, por tais motivos, também não foi possível afastar a presunção de inocência de que CC beneficia, tendo por isso, os factos descritos nos referidos pontos sido considerados não provados, em conformidade com o princípio in dubio pro reo.
No que respeita ao arguido DD, nenhuma prova sequer foi feita do seu envolvimento, pelo que é forçoso concluir que se demonstrou que o arguido não cometeu os ilícitos que ali lhe eram imputados.
Por seu turno, ao não se provar a factualidade acima referida e porque o elemento subjetivo não é suscetível de prova direta, dada a sua natureza, consequentemente, fica por demonstrar o descrito nas alíneas hh) a kk).
Prestaram ainda depoimento YY e ZZ, inspetores tributários e aduaneiros, os quais apenas confirmaram a realização de diligências probatórias durante a investigação, não revelando, contudo, qualquer conhecimento direito dos factos, motivo pelo qual o seu depoimento não foi tido em consideração.
(…)
*
2.3. DECIDINDO
2.3.1. Recurso interlocutório
-Alcance penal da invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 (TJUE, C-324/19) e da revogação pelo Regulamento Execução (UE) 2021/1053.
A questão a decidir, tal como suscitada no recurso, é se a eliminação retroactiva dos direitos antidumping relativos a determinados tubos sem costura de ferro ou aço, resultante da declaração de invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 pelo TJUE em 04-02-2021, repercutida na revogação ex tunc das medidas instituídas pelo Regulamento de Execução (UE) 2015/2272 através do Regulamento de Execução (UE) 2021/1053, suprime a tipicidade do crime de contrabando na modalidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 92.º do RGIT, ou se, ao invés, subsiste autonomamente a incriminação sustentada na obtenção do despacho aduaneiro mediante falsas declarações, inclusive nos casos em que, “não havendo lugar a prestação tributária”, a mercadoria tenha valor aduaneiro superior a €50.000. O recorrente sustenta que “inexistindo direitos antidumping, inexiste, consequentemente, qualquer prejuízo para o Estado”, acrescentando ter suportado todas as liquidações, “mesmo as inválidas”, e invocando o art. 2.º, n.º 2, do CP e o art. 29.º, n.º 4, da CRP para requerer arquivamento quanto à DAU de 2011 e absolvição daí decorrente, por pretensa eliminação do ilícito.
Vejamos:
O quadro europeu é, nos autos, tratado com correcção: o acórdão C-324/19 declarou inválido o Regulamento (CE) n.º 926/2009, e, por força de paralelismo formal e da regra segundo a qual a prorrogação é inválida “na mesma medida” que o acto de base, a Comissão aprovou o Regulamento de Execução (UE) 2021/1053, revogando ex tunc os direitos instituídos pelo 2015/2272, com expressa referência aos efeitos erga omnes e ex tunc da invalidação.
A própria decisão da 1.ª instância reproduz a passagem nuclear: a invalidade do 926/2009 é “aplicável a todas as partes” e “o Regulamento (CE) n.º 926/2009 é considerado inválido a partir da data em que entrou em vigor”, impondo a revogação do 2015/2272 e o reembolso/dispensa dos direitos cobrados ao abrigo deste, por via do 2021/1053.
Nada disso, porém, actua como “lei penal superveniente mais favorável” que elimine o tipo do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT: esse preceito manteve-se invariável, e o elemento incriminador que aqui releva é a obtenção do despacho aduaneiro “mediante falsas declarações ou qualquer outro meio fraudulento”, a que se associa uma condição objectiva alternativa de punibilidade: i) “prestação em falta” superior a €15.000; ou ii) “não havendo lugar a prestação”, valor aduaneiro superior a €50.000. A lei nacional, pois, previu expressamente a hipótese de inexistir prestação exigível e, não obstante, punir penalmente a fraude declarativa aduaneira quando o valor da mercadoria ultrapasse o limite. A decisão recorrida transcreve ambas as redacções aplicáveis (2007 e 2014) e esclarece o bem jurídico: tutela-se a veracidade do expediente aduaneiro e a fiscalização das mercadorias, para além do património do Estado. Daí que a supressão de uma componente de “direitos” por efeito de invalidade europeia não apague a lesão típica da falsidade instrumental que viabiliza o despacho.
O crime de contrabando do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT não é um “crime de prestação”; é um crime de dano dirigido contra o sistema de fiscalização aduaneira, punindo a obtenção de despacho com base em falsidade, e cujo catálogo de condições objectivas de punibilidade inclui, lado a lado, a alternativa da “prestação” e a alternativa do “valor aduaneiro”, precisamente para abarcar hipóteses em que, por razões de política comercial, de isenção, de caducidade, de invalidade ou de outra natureza, não haja um direito efectivamente exigível. A doutrina citada nos autos relembra que os crimes aduaneiros não protegem necessariamente o património tributário do Estado; razão por que a existência de um direito em cobrança não é elemento do tipo e, muito menos, critério exclusivo de punibilidade.
A argumentação do recorrente esquece, assim, que o tipo nacional é normativamente sólido face a mutações do quadro regulamentar europeu: ao invocar o art. 2.º, n.º 2, do CP e o art. 29.º, n.º 4, da CRP, procede como se a invalidade do 926/2009 tivesse “descriminalizado” a conduta. Não sucedeu: a incriminação não deriva do regulamento europeu, mas da lei penal tributária nacional; a invalidade actua no plano do pressuposto fiscal antidumping, afectando a alternativa “prestação” do art. 92.º, n.º 1, al. d); não elimina, porém, a alternativa autónoma “valor aduaneiro”, nem corrói o núcleo consistente de enganar a Administração para obter o despacho. O regime do art. 2.º, n.º 2, CP opera quando uma lei penal retira do catálogo uma conduta; não quando se altera, num plano extrapenal, um pressuposto fiscal que a própria lei penal prevê poder não existir, oferecendo, para tal, um segundo elemento de punibilidade.
A decisão de 1.ª instância captou precisamente esta autonomia típica ao indeferir o arquivamento liminar quanto à DAU de 2011: mesmo não havendo lugar a prestação tributária por via do já declarado inválido Regulamento (CE) n.º 926/2009, subsiste o crime de contrabando, na medida em que a mercadoria teria valor aduaneiro superior a €50.000, e, sobretudo, porque a modalidade típica é a obtenção do despacho mediante falsas declarações. Não é um expediente retórico; é a correcta leitura do referido art. 92.º. O próprio recurso interlocutório reconhece que o despacho recorrido assentou neste binómio (falsidade/valor aduaneiro), contestando-o apenas por discordar do conceito do bem jurídico e por assumir, erradamente, que sem direito não há crime.
No plano teleológico, o recorrente invoca inexistência de prejuízo para o Estado e o pagamento superveniente de liquidações. Ora, a decisão recorrida explicita que os direitos antidumping visam combater práticas desleais e proteger a indústria europeia, tendo objectivos totalmente secundários e regime próprio de revisão/invalidade. A supressão dessas medidas por invalidação e a devolução de importâncias indevidamente cobradas podem sanar consequências fiscais; não desfazem, porém, a lesão ao interesse de veracidade e fiabilidade das declarações aduaneiras, nem apagam a consumação do crime, que ocorre no momento em que o despacho é obtido com base em falsidade. O RGIT tipifica a fraude declarativa exactamente para impedir que o sistema de controlo seja neutralizado por documentos e indícios forjados sobre origem, via e destino.
Também por isso falha o apelo à retroactividade da lei mais favorável: o reembolso previsto no 2021/1053 e a inutilidade superveniente de cobrar um direito anulado não transforma, ex tunc, a falsidade em licitude. A Comissão foi clara ao enunciar os efeitos da invalidade e a revogação ex tunc, mas não legalizou condutas fraudulentas já tipificadas no direito penal nacional; limitou-se a retirar do ordenamento a base jurídica de uma prestação. Responde, por isso, directamente, o texto do próprio 2021/1053, quando admite reembolsos e dispensa de pagamentos: são consequências aduaneiras; não são cláusulas de “amnistia penal”.
O argumento do recorrente em torno da ausência de dolo e da alegada convicção na origem vietnamita não resiste ao acervo probatório especificado no acórdão sob censura. A prova documental e testemunhal, incluindo trocas de e-mails com a “...”, carimbos cruzados “...”, certificados Form B falsos, prints que qualificam “Fornecedor da ...”, e o relato técnico do OLAF, permite afirmar, sem violar regras de experiência, que a origem indicada era falsa e que os intervenientes o sabiam. As passagens factuais 34-37, 42 e 47, bem como 50-51, no corpo da decisão, articulam exactamente essa sequência de fraude declarativa e consciência do agente. O esforço do recorrente para dar amplitude ao relatório do OLAF como inconclusivo quanto à ... ignora que o essencial reside na falsidade sobre a origem declarada (...), demonstrada documentalmente, e não numa prova positiva da origem chinesa por rastreamento exaustivo de logística.
Assim:
Primeiro, a “prestação” não é elemento do tipo; é condição objectiva alternativa que serve de elemento de punibilidade, tanto quanto o valor aduaneiro. A invalidade do 926/2009 opera, quando muito, no segmento “prestação em falta”, mas não comunica qualquer efeito paralisante à alternativa “valor aduaneiro”, que foi precisamente a ratio do indeferimento do arquivamento. Segundo, a “inexistência de prejuízo” ou o “pagamento posterior” são irrelevantes para a consumação: o crime perfaz-se com a obtenção do despacho por falsidade, e não com a cobrança ou não de direitos em sede aduaneira; a equivalência funcional entre o bem jurídico “fiscalização/verdade declarativa” e a “arrecadação” é negada pela própria lei. Terceiro, a invocação de art. 2.º, n.º 2, CP/29.º, n.º 4, CRP fica logicamente circunscrita a casos de eliminação normativa do ilícito; aqui, a incriminação não só permaneceu incólume como contém uma válvula expressa para casos “sem prestação”.
Quanto ao ano de 2011, a argumentação do recorrente foi correctamente desconsiderada pela 1.ª instância, por subsistir a modalidade típica na base do “valor aduaneiro” e da falsidade; o próprio recurso reconhece que o despacho recorrido considerou que a mercadoria teria valor aduaneiro superior a €50.000. Quanto aos anos de 2013, 2014 e 2015, a alegação de escusa honesta e de convicção vietnamita contrasta com a prova produzida, em que se cruzam carimbos de entidade chinesa em documentos a atestar “origem ...”, trocas de e-mails a negociar “evitar taxas antidumping” mediante mudança de base para o ..., certificados Form B emitidos por entidade não registada, e prints que referenciam “Fornecedor da ...”. O nexo entre a falsidade e a obtenção do despacho é directo e foi densamente fundamentado no exame crítico.
Tudo visto, o efeito penal da invalidade do 926/2009 e da revogação ex tunc operada pelo 2021/1053 é o de “recalibrar” o segmento “prestação em falta” e os seus reflexos aduaneiros; não é o de expurgar a tipicidade do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT, cuja autonomia assenta na fraude declarativa de obtenção do despacho. In casu, o valor aduaneiro supera o limiar legal na DAU de 2011, e que, para as restantes, a prova da falsidade não depende de se sustentar na exigibilidade efectiva de direitos antidumping - prova-se directamente na prova documental. O percurso argumentativo do recorrente, ao confundir pressupostos extrapenais de cobrança com o núcleo típico penal, falha a matriz sistemática do RGIT e deve ser, por isso, rejeitado.
Termos em que, improcede esta questão suscitada no recurso.
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- Concurso aparente com falsificação de documento e ne bis in idem.
A questão do concurso aparente entre o crime de falsificação de documento (art. 256.º do CP) e o crime de contrabando simples do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT, em conexão com a garantia constitucional do ne bis in idem (art. 29.º, n.º 5, CRP), só pode ser resolvida com uma reconstrução dogmática que parta do bem jurídico protegido, da especialidade normativa e do modo como o facto é juridicamente interpretado no processo. O ponto de partida é simples e, no entanto, decisivo: o núcleo do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT, não é “pagar (ou não) direitos” – isso é uma condição objectiva alternativa de punibilidade –, mas sim obter o despacho aduaneiro mediante falsas declarações ou outro meio fraudulento. A falsidade instrumental, quando funciona como meio necessário para a obtenção desse resultado administrativo-aduaneiro, é absorvida pelo tipo especial aduaneiro por força da especialidade, ficando fora do campo da punição autónoma do art. 256.º CP. Esta arquitectura evita justamente a dupla valoração que o ne bis in idem veda e explica por que razão a prescrição do crime de falsificação não “arrasta” o crime-fim do RGIT quando, como aqui, o facto penal relevante é a fraude declarativa aduaneira provada. O acórdão sob censura, sustentada na prova documental e testemunhal, sobretudo nos certificados “Form B”, nos carimbos contraditórios (“...” vs. “...”) e no depoimento técnico ligado ao OLAF, mostram que os documentos falsos não têm existência dogmática independente: são o meio de execução da conduta típica de contrabando, i.e., do engano praticado para alcançar o despacho.
O art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT incrimina quem “obtiver, mediante falsas declarações ou qualquer outro meio fraudulento, o despacho aduaneiro” de mercadorias, fixando duas condições objectivas alternativas de punibilidade: (i) quando haja prestação em falta acima de certo valor; ou (ii) não havendo lugar a prestação, quando o valor aduaneiro da mercadoria exceda um limiar legal (50.000 €). A lei não remete a protecção do tipo para o bem jurídico em exclusivo; tutela, de forma imediata, a veracidade e fiabilidade das declarações aduaneiras como condição do despacho e, de forma mediata, a integridade do sistema de fiscalização. É por isso que o legislador considerou, lado a lado, a hipótese “com prestação” e a hipótese “sem prestação”, esta última accionada pelo valor aduaneiro. A falsificação de documentos, enquanto tipo comum de atentado à fé pública documental, cede perante o tipo especial do RGIT quando o seu desvalor se esgota na viabilização do despacho fraudulento: não há dois ilícitos autonomamente tutelados, mas um só ilícito especial que contém a falsidade como elemento-meio. É esta a ratio de “concurso aparente” que o acórdão considerou, referindo expressamente a absorção da falsidade documental pela norma aduaneira especial.
In casu, o recorrente tenta inverter esta lógica: partindo do facto de, em 2013 e 2014, ter sido declarada extinta a responsabilidade por falsificação por prescrição, sustenta que a condenação pelo crime de contrabando ficaria sem suporte, visto que é a mesma falsidade que alimenta o desvalor típico. O argumento falha por duas razões. A primeira é sistemática: o crime-fim (contrabando, norma especial) não tem como pressuposto uma condenação – ou sequer a não prescrição – do crime-meio; tem como pressuposto a prática de um comportamento que, para se consumar, usa a falsidade como instrumento de execução. A prescrição de um eventual “crime-meio” não desfaz a estrutura do “crime-fim”, quando a falsidade integra o elemento normativo ou factual através do qual se obtém o despacho. A segunda razão é probatória: no caso, a materialidade da fraude declarativa – que é a essência do tipo do RGIT – está provada por múltiplos meios (e-mails, certificados “Form B”, carimbos cruzados, impressos de fornecedor) independentemente de um juízo penal suficiente sobre a falsificação como crime comum. O iter probatório não perde o seu objecto com a prescrição do crime de falsificação: continua a demonstrar que o despacho foi obtido mediante falsas declarações, o que completa o juízo de tipicidade do RGIT.
A invocação do ne bis in idem, por seu turno, assenta num equívoco sobre o que conta como “mesmo facto” e “mesmo bem jurídico” para efeitos da proibição de dupla punição. A identidade relevante é a identidade do núcleo histórico do facto (facto naturalístico), do agente e do bem jurídico tutelado. Quando, como aqui, a falsidade documental é apenas o modus operandi do contrabando e este último é o tipo especial que absorve a tutela documental por via da especialidade, não há lugar a duas condenações; há uma única subsunção no tipo especial. É justamente para evitar uma dupla valoração que o sistema resolve o concurso por absorção. O raciocínio do recorrente pressupõe o cenário contrário – duplo sancionamento –, que nunca esteve em causa após a declaração de prescrição dos segmentos de falsificação; em rigor, o que a decisão sob censura fez foi evitar qualquer bis, absorvendo a falsidade na especialidade do RGIT e julgando extinto, por razões temporais, o processo relativo ao tipo comum. A invocação de bis in idem torna-se, assim, contraditória: a solução do concurso aparente é um “antídoto”, perdoe-se-nos a metáfora, contra o bis, e foi exactamente essa a solução aplicada.
A tentativa de “recondução” do contrabando à falsificação comum – para, a partir daí, invocar a impossibilidade de subsistir a condenação no tipo especial por ter prescrito o tipo comum – esquece o critério clássico de solução dos concursos: lex specialis derogat generali. O tipo do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT é especial em relação ao art. 256.º CP quando a falsidade incide sobre elementos aduaneiros relevantes (origem, procedência, destino, natureza, valor) e serve para obter o despacho. Nesta configuração, a tutela documental não é sacrificada; é subalternizada, na medida em que já está contida no desvalor do tipo especial. Por isso, e apenas por isso, é que punir cumulativamente por falsificação e por contrabando – no quadro típico aqui recortado – seria vedado pelo ne bis in idem; mas essa cumulação não ocorreu, nem sequer poderia ocorrer depois da prescrição. O que se pede é outra coisa: que a prescrição do tipo geral “desmontasse” a especialidade do tipo aduaneiro. Esta pretensão não encontra apoio normativo nem dogmático: a prescrição extingue o procedimento por um tipo; não escreve, retroactivamente, a estrutura típica de outro, distinto, cujo bem jurídico e cujo elemento nuclear (obtenção do despacho por fraude) se provou.
Concluindo:
O acórdão sob censura descreve, com base em emails e em documentação apreendida, um padrão de actuação em que, para evitar antidumping, se articulou a apresentação de certificados “Form B” com referência a “...”, sendo que parte do expediente ostenta o carimbo “...”, inconsistente com a origem alegada; somam-se “prints” em que o próprio fornecedor é identificado como “Fornecedor da ...”. Este acervo, corroborado pelo depoimento técnico ligado ao OLAF, permite concluir que a origem declarada era falsa e que essa falsidade era usada como instrumento para fazer passar as mercadorias no crivo aduaneiro, obtendo despacho. O tipo aduaneiro consuma-se nesse momento, e é aí que o desvalor penal se concentra; a autonomia típica permanece mesmo nos segmentos em que, por razões temporais, já não é possível sancionar autonomamente a falsificação. O ne bis in idem não protege estratégias de “neutralização” do tipo especial mediante o esvaziamento processual do tipo comum; protege, isso sim, da dupla punição pelo mesmo núcleo histórico, coisa que não aconteceu.
Acresce que o argumento do ora recorrente, segundo o qual a mesma realidade probatória que sustentaria a falsificação sustenta o contrabando, confunde identidade de prova com identidade de ilícito. O sistema probatório pode ser comum – os mesmos e-mails e os mesmos certificados servem de base a mais de um juízo jurídico –, mas a qualificação é diversa: para o art. 256.º do CP, a questão é a lesão da fé pública documental; para o art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT é o engano à Administração no específico contexto do despacho aduaneiro. O mesmo documento pode ser simultaneamente objecto de juízo de falsidade (tipo comum) e instrumento de fraude ao despacho (tipo especial); o que a solução do concurso aparente diz é: quando a falsidade se esgota na função instrumental de obter despacho, não se punem ambos, mas apenas o tipo especial. Que a prova seja a mesma não gera bis, porque a valoração do mesmo suporte factual a título de um único tipo especial é precisamente a técnica de evitar dupla punição.
Também por isso cai por terra a insistência do recorrente em que não tendo havido condenação pela falsificação, o tribunal não poderia reconhecer a falsidade como elemento do referido art. 92.º. Este raciocínio transforma um problema de tipicidade num requisito de prejudicialidade penal externa que a lei não conhece: o tribunal julga os factos e subsume-os na norma especial; se, no mesmo processo, existia uma parte de imputação de falsificação entretanto prescrito, isso não impede – antes exige – que o tribunal, na fundamentação do crime especial, aprecie a falsidade enquanto facto instrumental para a obtenção do despacho. A qualificação jurídico-penal do documento é função de cada tipo; não depende da existência de uma condenação autónoma por falsificação. O contrário conduziria a um non sense: bastaria a prescrição do crime comum para privar de elemento fáctico um tipo especial cujos pressupostos não se alteraram.
Um parêntesis sobre a invocação da invalidade do Regulamento (CE) n.º 926/2009: mesmo que essa invalidade elimine a prestação antidumping, o tipo do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT sobrevive porque prevê, expressamente, a hipótese não havendo lugar a prestação, sustentando a punibilidade no valor aduaneiro. Esta moldura é coerente com a teleologia do tipo e com a solução de concurso aparente: a falsidade instrumental continua a ser elemento de execução do contrabando, e aquilo que muda, no melhor dos cenários para o ora recorrente, é apenas a activação da condição objectiva alternativa “valor aduaneiro” – não a eliminação do ilícito especial. Desse modo, mesmo por esta via, o ne bis in idem não favorece o recorrente: a especialidade do tipo aduaneiro permanece, a falsidade é absorvida como meio, e a existência ou não de “prestação” nada acrescenta à resolução do concurso.
Por fim, e regressando aos ónus do recorrente, importa notar que a censura ao exame crítico da prova, para tentar descaracterizar a falsidade instrumental, não cumpre o efeito pretendido. A crítica de que o OLAF não concluiu pela origem chinesa pode, no melhor dos casos, pôr em causa uma inferência de proveniência; não consegue, porém, neutralizar a prova da falsidade do declarado (origem vietnamita) emergente dos próprios documentos utilizados para obter o despacho. Para o art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT o ponto é o engano declarativo dirigido à alfândega – e esse ponto ficou demonstrado, como o acórdão expõe, mediante prova documental e testemunhal coerente e convergente. O nexo com o despacho é directo: o documento falso foi o instrumento; a obtenção, o resultado; o crime, o desvalor unitário que absorve a falsificação como meio.
Também, nesta parte, improcede o recurso.
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Da (in)constitucionalidade das medidas antidumping enquanto instrumento de defesa comercial da EU.
No que tange a esta matéria recursória o acórdão sob censura explica que os direitos antidumping não são impostos clássicos de entrada, nem instrumentos de cobrança, mas medidas de política comercial destinadas a restabelecer condições de concorrência leal quando se demonstre dumping, dano e nexo causal, e que a sua vigência se encontra sujeita a revisão, caducidade e eventual anulação no plano próprio do direito da União, como efectivamente sucedeu no caso do Regulamento (CE) n.º 926/2009 após o acórdão do TJUE de 04-02-20211 e a subsequente adopção do Regulamento de Execução (UE) 2021/1053.
Em particular, o acórdão recorrido distinguiu, com apoio doutrinal, o objecto dos direitos aduaneiros - que oneram a entrada de mercadorias no território aduaneiro da União - do objecto dos direitos antidumping, os quais incidem sobre produtos cujo preço de exportação para a União seja inferior ao preço comparável de produto similar em operações comerciais normais no país de exportação, e cuja aplicação pressupõe demonstração de dumping, dano e nexo causal, não sendo uma técnica de tributação geral de fronteira. A decisão sob censura sublinhou, pois, que a finalidade do instrumento é combater práticas desleais conformes às categorias reconhecidas na ordem multilateral do comércio, e não punir a importação em si, sendo por isso impróprio qualificar a sua existência como discriminatória no sentido constitucional invocado pelo recorrente.
A primeira falha do recurso, nesta matéria, tem, a ver com a premissa de que as medidas antidumping seriam materialmente inconstitucionais por afectarem o mercado livre e por criarem uma discriminação contra empresas europeias que pagam mais direitos se não comprarem aos grupos protegidos pelos regulamentos comunitários. O tribunal a quo analisou este segmento e rejeitou-o, explicando que tais medidas não penalizam a importação de países terceiros per se, mas apenas as provenientes de origens em que se apure a prática desleal, com vista à protecção do sector europeu afectado; o principio da igualdade não se interpreta como neutralização dos instrumentos legítimos de defesa comercial previstos no direito da União, sob pena de esvaziar o papel de garantia de concorrência leal que a ordem jurídica europeia atribui a estes mecanismos.
A segunda falha diz respeito à confusão entre invalidade europeia de um específico regulamento antidumping e inconstitucionalidade do próprio instrumento. Os autos mostram que o TJUE declarou inválido o Regulamento n.º 926/2009, decisão que, por efeitos erga omnes e ex tunc, determinou que a Comissão, por paralelismo de formas, revogasse ex tunc as medidas de 2015/2272 através do Regulamento de Execução 2021/1053, com previsão de reembolsos ou dispensa de cobrança; o acórdão sob censura transcreveu mesmo os considerandos relevantes que explicitam essa cadeia. Daqui não decorre, todavia, tese alguma de inconstitucionalidade intrínseca às medidas. Ao invés, confirma-se que os instrumentos europeus estão sujeitos a controlo de legalidade próprio no foro jurisdicional competente, e que a eliminação ex tunc de um regime por vício europeu é executada por acto da Comissão, sem que isso importe juízo constitucional sobre a admissibilidade da defesa comercial enquanto tal; o tribunal nacional colheu exactamente esta diferenciação.
A terceira falha da tese recursória consiste em deslocar para a Constituição portuguesa um litígio que, por natureza, se resolve no âmbito do direito da União: a sindicância primária da validade de regulamentos antidumping é competência do TJUE, não dos tribunais constitucionais nacionais, e a execução do julgado europeu tem lugar por via de regulamentação de derrogação/revogação no plano da União. O acervo do processo regista precisamente essa sequência, e a 1.ª instância afirmou, com todas as letras, que a invalidade de 926/2009 foi realizada no plano europeu e que, por isso, os efeitos aduaneiros foram suprimidos por 2021/1053; mas daí não decorre qualquer juízo de inconstitucionalidade material do instrumento, antes se reforça a sua sujeição a garantias de revisão e legalidade na sede própria.
Do ponto de vista material-constitucional, a alegação de violação do princípio da igualdade falha ainda porque ignora a estrutura das condições de aplicação do antidumping: a medida não opera como diferenciação arbitrária entre operadores europeus, mas como resposta regulatória a um conjunto de pressupostos probatórios sobre comportamento de preços e dano sectorial, aplicável às importações do país visado independentemente da identidade do importador europeu; a decisão sob censura enuncia estes termos e assinala que os objectivos de cobrança são totalmente secundários, sendo central a tutela da concorrência leal. A supressão do regime por invalidade do acto de base é, neste prisma, manifestação de autocorrecção do sistema e não prova de uma desconformidade constitucional de génese; daí que o tribunal a quo tenha concluído, de forma expressa e fundamentada, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade.
O recorrente tenta, ainda, sustentar a sua tese na ideia de que, inexistindo “prestação” antidumping por força da invalidade europeia, ficaria demonstrada a natureza meramente de cobrança e, nessa medida, inconstitucional do instrumento; mas a própria decisão sob censura rejeita essa assimilação, sublinhando que o elemento “prestação” pertence ao plano aduaneiro-económico e que o objectivo do instrumento não é cobrar, mas neutralizar a vantagem desleal, o que explica a previsão de reexames, revisões e caducidades periódicas, ausentes de lógicas tributárias clássicas. O facto de o direito da União ter reconhecido e corrigido, com efeitos retroactivos, um vício num concreto regulamento é, pois, sinal de sujeição a standards de legalidade e não de ilegitimidade constitucional do instrumento; a própria transcrição dos considerandos do 2021/1053 nos autos demonstra a coerência de execução do acórdão do TJUE.
O acórdão sob censura fixou claramente que, ainda que a invalidade europeia eliminasse a prestação antidumping no segmento temporal afectado, o crime de contrabando da alínea d) do n.º 1 do artigo 92.º do RGIT mantém autonomia, por tutelar a obtenção do despacho mediante falsas declarações e, na sua arquitectura, prever expressamente a alternativa de punibilidade com base no valor aduaneiro quando não haja lugar a prestação; este ponto é relevante por mostrar que a invocação de inconstitucionalidade não tem qualquer força na subsunção penal.
A estratégia recursória conjuga, aliás, dois movimentos incompatíveis: por um lado, invoca a invalidade do 926/2009 para reclamar eliminação do ilícito em cascata; por outro, procura requalificar as medidas antidumping como discriminatórias e, portanto, materialmente inconstitucionais. A decisão sob censura desmonta ambos. Quanto ao primeiro, demonstra que a execução europeia da invalidade faz-se por revogação ex tunc e por reembolsos/dispensas no plano aduaneiro, não por abolitio criminis2, sendo que a tipicidade penal, como notado, assenta na fraude declarativa; quanto ao segundo, mostra que a protecção da indústria europeia contra dumping é finalidade legítima, não uma discriminação constitucionalmente vedada, e que o operador europeu não é obrigado a comprar aos grupos protegidos, mas a respeitar as regras de importação quando adquire produtos de países onde se demonstre dumping e dano.
Por uma razão adicional, o recurso não pode proceder nesta matéria: ela exige que o tribunal nacional assuma um papel de controlo de constitucionalidade material de um instrumento europeu enquanto tal, quando o sistema de fontes, tal como resulta nos autos, aponta para o controlo de validade no foro do TJUE e para a observância nacional dos efeitos daí decorrentes; é isso, precisamente, que os autos evidenciam, com a invocação correcta do acórdão C-324/19 e com a transcrição do 2021/1053, sem qualquer traço de violação constitucional, antes de conformidade.
Conclui-se, portanto, que a argumentação do recorrente deve ser integralmente improcedente: não há violação da Constituição por via da existência de medidas antidumping como instrumentos de defesa comercial da União; a invalidade europeia de um dado regulamento não se transforma em inconstitucionalidade material do instrumento, nem muito menos em abolitio criminis no plano do direito penal português; e, por fim, a igualdade constitucional não protege práticas de dumping nem converte instrumentos de correcção de deslealdade concorrencial em discriminações proibidas. A decisão sob censura acertou ao afirmar que inexiste qualquer dúvida acerca da constitucionalidade da instituição de tais direitos no plano em que são concebidos e aplicados, e que a sua finalidade é a protecção da indústria europeia contra práticas desleais, com objectivos de cobrança apenas secundários.
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O recurso interlocutório improcede in totum.
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2.3.2. Recurso do acórdão final.
- Prescrição do procedimento por contrabando nas DAU de 2011, 2013 e 2014.
A argumentação do recorrente sobre a prescrição do procedimento por contrabando nas três primeiras declarações aduaneiras (22-08-2011; ...-...-2013; ...-...-2014) exige fixar o regime legal aplicável (arts. 118.º a 121.º do CP; remissões do RGIT) e, depois, colocar a cronologia processual efectivamente provada, distinguindo com rigor o que são causas interruptivas (que fazem correr novo prazo) do que são causas de suspensão, e, finalmente, apurar se o chamado “tecto máximo” do art. 121.º, n.º 3, CP foi correctamente interpretado.
A argumentação do recorrente assentou em três blocos: i) o prazo-base de 5 anos (art. 118.º, n.º 1, al. c), CP), extensível por interrupções e suspensões, mas sempre limitado pelo “tecto” de 7 anos e 6 meses, “ressalvado o tempo de suspensão”; ii) a alegada soma de três anos de suspensão (al. b) do n.º 1 do art. 120.º) e do período “COVID” (160 dias); iii) a extensão desse raciocínio às três DAU, com a afirmação de que todas se encontrariam prescritas.
Vejamos, portanto, por partes.
É incontroverso que se aplica o prazo-base de 5 anos, por o crime de contrabando (art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT) ter moldura abstracta não superior a 5 anos de prisão, quer na forma simples, quer na qualificada por circunstâncias do art. 97.º do RGIT (que não elevam a pena acima desse limiar abstracto).
Os autos dizem-nos que: o prazo-base é de 5 anos; interrupções por constituição como arguido (17-10-2017; 20-10-2017; 07-12-2017) e por notificação da acusação (16-02-2020); suspensão por notificação da acusação até 3 anos (art. 120.º, n.ºs 1, al. b), 2 e 6, CP) – e, por princípio geral, o prazo volta a correr quando cessa a causa suspensiva (16-02-2023). O art. 121.º, n.º 3 do CP (Código Penal) dispõe: a prescrição “tem sempre lugar” quando, “desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão”, decorra o prazo acrescido de metade (7 anos e 6 meses), constituindo este preceito um limite máximo material, que não é, porém, uma soma aritmética simplista, mas um tecto que se calcula caso a caso, abatendo os tempos de suspensão efectivamente verificados e juridicamente atendíveis.
O que invoca o recorrente?
O recorrente expôs uma lista de “dados” e, a partir deles, apresentou contas fechadas: i) fixou as datas de constituição como arguido e de acusação (interrupções) e o período de suspensão de 3 anos (al. b), art. 120.º); ii) somou 160 dias de “COVID”; iii) concluiu pela prescrição de 2011 “desde 01-09-2022” e de 2013 “desde 02-02-2024”, e tenta transportar o mesmo raciocínio para 2014 afirmando que a prescrição já se verificaria antes da notificação do acórdão condenatório.
O problema não está em tomar em consideração as mesmas categorias normativas que o tribunal a quo reconheceu (interrupções e suspensão trienal desde a acusação); o problema está em como o recorrente faz funcionar o art. 121.º, n.º 3, do CP e em como projecta, sem depuração, o período “COVID” e a contagem sobre 2014. Como mostra o acórdão sob censura, as interrupções de 2017 e 2020 produziram novo prazo de 5 anos (art. 121.º, n.º 2, CP), e a suspensão “desde a acusação” travou a marcha do tempo entre 16-02-2020 e 16-02-2023. Para 2014, a eventual “linha ordinária” que colocaria o termo em 16-02-2028 é, porém, irrelevante quando opera o tecto do art. 121.º, n.º 3, CP; e, não sendo aplicáveis, por irretroactividade, suspensões extraordinárias “COVID”, o tecto atinge-se em 27-09-2024.
Assim, o quadro cronológico documenta: as quatro DAU (2011; 2013; 2014; 2015) e identifica, para o que importa aqui, as datas processuais críticas: constituições como arguido (17/10/2017; 20/10/2017; 07/12/2017) e notificação da acusação (16/02/2020 – quinto dia após depósito de 11/02/2020). Este acervo factual não é objecto de divergência – o próprio recorrente o assume – e dele parte a 1.ª instância quando, noutro segmento (falsificação de ...-...-2014), declara a prescrição por atingir o tecto de 10 anos e 6 meses “ressalvada a suspensão de até 3 anos”.
O recorrente afirma estarem prescritos os factos de 22-08-2011 desde 01-09-2022 e os de ...-...-2013 desde 02-02-2024, operando um “tecto” de 7 anos e 6 meses mais 3 anos (suspensão desde a acusação) mais 160 dias (“COVID”). As datas-base (DAU) e os marcos interruptivos/suspensivos estão correctos; já a cumulação automática do acréscimo “COVID” não pode proceder, por violação da irretroactividade penal (CRP 29.º; CP 2.º, n.º 4), sendo, por isso, excluída do cômputo.
Considerando a natureza materialmente desfavorável das suspensões extraordinárias previstas nas Leis n.º 1-A/2020 e 4-B/2021, que não retroagem a factos anteriores à sua vigência (CRP, art. 29.º; CP, art. 2.º, n.º 4), o cômputo faz-se sem ‘COVID’. Assim, para 2014: ...-...-2014 + 7 anos e 6 meses = 27-09-2021; “ressalvado o tempo de suspensão” do art. 120.º, n.º 1, al. b) do CP (Código Penal) (+ 3 anos: 16-02-2020 a 16-02-2023) resulta na data de 27-09-2024. Estava, pois, consumada a prescrição antes de 04-11-2024, tornando irrelevante a suspensão do art. 120.º, n.º 1, al. e) do CP.

O próprio acórdão sob censura só declarou a prescrição no segmento de falsificação de 2014 porque, nesse capítulo, trabalhou com o tecto de 10 anos e 6 meses sem somar o tempo de “COVID”; essa mesma metodologia conduz aqui ao termo de 27-09-2024 no procedimento por contrabando de 2014, reforçando a conclusão de prescrição.
A “linha ordinária” pós-interrupção (novo prazo de cinco anos contado de 16-02-2020, suspenso três anos e retomado em 16-02-2023) não afasta a solução: perante o art. 121.º, n.º 3, CP, o termo máximo é 27-09-2024 e é ele que “fecha” o sistema.
No que tange à questão da retroactividade (art. 120.º, n.º 1, al. e) e Lei n.º 19/2013): O recorrente pretende ainda excluir do cômputo, para 2011/2013, a nova causa de suspensão introduzida em 2013 – acórdão condenatório, após notificação, não transitar em julgado – sob o argumento constitucional de proibição da retroactividade in peius. Ainda que o ponto mereça discussão dogmática, ele é irrelevante para a decisão pretendida pelo recorrente: i) para 2014, essa causa de suspensão só podia começar a operar depois da prolação/notificação do acórdão (04-11-2024), quando o tecto já se encontrava atingido; ii) para 2011/2013, a eventual inaplicabilidade retroactiva dessa causa apenas retira tempo de suspensão ao “tecto” – o que, em tese, aproximaria a prescrição – mas tal demonstra que as suas contas são, afinal, um mosaico de conveniências: invoca-a quando lhe interessa e exclui-a quando lhe desfavorece; juridicamente, as causas suspensivas têm de ser usadas com uniformidade e com sustentação temporal precisa, o que o recorrente não faz.
O recorrente invoca que o acórdão afastou o crime continuado e, por isso, haverá que contar prescrição crime a crime. É verdade: a 1.ª instância qualificou como concurso efectivo, e essa qualificação projecta-se na contagem. Mas o recorrente transforma um dado neutro numa deriva maximalista: do facto de 2011 e 2013 serem avaliados autonomamente não resulta, ipso facto, que 2014 se arraste com o mesmo desfecho. Ao invés, a autonomia exige contagens igualmente autónomas – e é precisamente esse exercício que confirma a prescrição para 2014.
A 1.ª instância explicou o alcance do preceito: “sempre lugar” à prescrição quando, desde o início, “ressalvado o tempo de suspensão”, decorra o prazo acrescido de metade (7 anos e 6 meses), o que, conjugado com a suspensão “desde a acusação” (até 3 anos), reconduz a um “tecto” de 10 anos e 6 meses – sem contar período temporal de “COVID”. O recorrente agarra nesse excerto para projectar um máximo universal de 10 anos e 6 meses, mas, noutro passo, invoca 160 dias adicionais “COVID”. Não pode, porém, usar dois padrões diferentes conforme as datas que mais lhe convêm. Em leitura conforme à irretroactividade penal, o DAU 2014 já se encontrava prescrito à data do acórdão.
Não é despiciendo notar que a resposta ao parecer do recorrente apresenta a sua matemática como um silogismo acabado, mas sem cuidar de cotejar a cronologia máxima com a cronologia ordinária pós-interrupção: o texto reconhece que a última interrupção ocorreu com a notificação da acusação (16-02-2020) e que o prazo foi suspenso por 3 anos, mas não retira a consequência inevitável – recomeço do prazo de 5 anos a 16-02-2023 –, o que, todavia, não derroga o “fecho” antecipado pelo tecto máximo (27-09-2024), que sela a verificação da prescrição em 2014.
Conclusão aplicada, por DAU.
a) 2011 (22-08-2011): aceitando a suspensão desde a acusação (3 anos), o tecto do art.º 121.º/3 do CP foi atingido no decurso de 2022; à data do acórdão de 04-11-2024, o procedimento está extinto por prescrição.
b) 2013 (...-...-2013): idêntica solução, com projecção do tecto para 23-08-2023; também aqui, extinção por prescrição.
c) 2014 (...-...-2014): aplicando o tecto “sempre” (7 anos e 6 meses) e abatendo a suspensão de 3 anos do art. 120.º, n.º 1, al. b), o termo máximo ocorre em 27-09-2024; extinção por prescrição.
Assim, o recurso nesta parte procede, devendo ser declarado extinto o procedimento relativo às DAU de 2011, 2013 e 2014; e, quanto ao recurso interlocutório (DAU 2011), fica prejudicado por inutilidade superveniente, uma vez aqui reconhecida a prescrição de 2011.
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- Impugnação da matéria de facto (CPP, art. 412.º, n.ºs 3-6).
Nota prévia: Tendo ficado extinto por prescrição o procedimento quanto às DAU de 2011, 2013 e 2014, a impugnação da matéria de facto tem utilidade apenas relativamente ao segmento remanescente de 2015, ficando prejudicada nos demais segmentos, sem prejuízo de se manter a exposição que segue quanto ao método e à coerência global da decisão de facto.
A impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente pretende, em síntese, (i) reformular um conjunto alargado de pontos (30, 34–37, 42, 47, 50–53, 67–73, 75–78), (ii) declarar outros como “não provados”, e (iii) impor uma revaloração global da prova sob a invocação do art. 127.º CPP (livre apreciação) e do princípio in dubio pro reo.
Porém, a análise do recurso revela incumprimentos e insuficiências na observância dos ónus do art. 412.º, n.ºs 3–6, do CPP (Código de Processo Penal) e uma leitura apressada do exame crítico exigido pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP (Código de Processo Penal) e, ainda, uma desconsideração da prova documental e testemunhal que sustenta, com coerência, a convicção do tribunal
a quo.
Vejamos:
Em recurso sobre matéria de facto, o recorrente deve: a) especificar os concretos pontos de facto impugnados; b) indicar as concretas provas que impõem decisão diversa, com menção exacta (quando possível, passagens de depoimentos e localização em suporte áudio/acta) e c) formular a decisão alternativa pretendida para cada ponto (CPP, art. 412.º, n.ºs 3 e 4). Quando invoque vícios (CPP, art. 410.º, n.º 2), deve descrimina-los com autonomia e demonstração intrínseca no texto da decisão recorrida. E porque a decisão de facto tem de trazer indicação e exame crítico das provas (CPP, art. 374.º, n.º 2), a sindicância ad quem é de reapreciação limitada: não substitui uma convicção minimamente motivada pelo mero inconformismo do recorrente, sobretudo quando este se refugia em valorações genéricas.
O recorrente lista os pontos 30, 34–37, 42, 47, 50–53, 67–73, 75–78 como incorrectamente julgados, propõe reformulações para 68–71 e exige a não prova dos factos 36, 50, 53, 67, 69, 72, 73, 75–78. Trata-se, portanto, de uma impugnação ampla, a que acresce um discurso a afirmar cumprimento do art. 412.º, n.º 4, do CPP mas sem a substância mínima exigível na indicação de passagens concretas de depoimentos (tempo/acta) que imponham decisão oposta, preferindo-se citações parciais e leituras selectivas do relatório OLAF e de emails.
A convicção do Tribunal a quo assenta em documentação com índices fortes de falsidade de origem e de consciência do modus operandi: certificados “Form B” emitidos por entidade não habilitada (...), “prints” que qualificam “Fornecedor da ...”, e a cadeia de emails de 2012–2015, incluindo comunicação de “abrir base no ... para evitar antidumping” e instruções sobre carimbos/logótipos em documentos. A resposta do MP descreve o acervo relativo a 2013–2015; e identifica, para 2014, os emails de .../.../2013, .../.../2013 e .../.../2013 (.../MM) sobre a encomenda 12608 e a substituição do logótipo pelo da ....
O recorrente não enfrenta este núcleo documental com a precisão exigível: não demonstra contradições internas nem fornece uma leitura alternativa que neutralize o sentido unívoco do conjunto.
O tribunal a quo deu como provado que a ... não estava registada para emitir certificados, corroborando os relatórios OLAF com o depoimento de HH; a depoente detalhou a visita à morada onde nada funcionava, a posterior localização de um armazém sem actividade industrial e a confirmação da falsidade dos certificados pela .... O recorrente insiste que o OLAF não concluiu origem ...; porém, a decisão explicita o ponto dogmático: o núcleo não é provar “...”, é demonstrar a falsidade da origem “...” declarada, o que ficou documentalmente comprovado; e, conjugando emails (p. ex., KK: “embarcaram para o ...”) e a dificuldade/instruções para arranjar certificados, a convicção de conhecimento do arguido é legitimamente extraída.
Embora o recorrente invoque o cumprimento do artº. 412º n.º 4, do CPP (Código de Processo Penal) o que oferece é uma enumeração de pontos e um discurso genérico de revaloração, sem a indexação necessária de meios de prova (passagens, tempos de gravação, inconsistências objectivas) que imponham decisão diversa. É aqui que a impugnação falha duplamente: (i) formalmente, por não densificar a identificação dos meios de prova com a precisão que a norma exige; (ii) materialmente, por não demonstrar que as provas invocadas são incompatíveis com o sentido dado pela 1.ª instância.
Não obstante, diremos que a decisão sob censura especifica a prova documentada (DAU, facturas, “Form B”, “prints”, emails), e remete para os relatórios OLAF e para o depoimento técnico, articulando-os com coerência lógica e regras de experiência: em especial, a incongruência entre carimbos/assinaturas e “origem ...”, o conteúdo dos emails sobre “arranjar certificados” e “abrir base no ...”, e a identificação “Fornecedor da ...”.
Mas apreciemos mais em detalhe, por grupos de pontos impugnados.
a) Grupo “2013” – prejudicado. À luz do decidido quanto à prescrição da DAU de ...-...-2013, a apreciação desta impugnação carece de utilidade prática, ficando prejudicada.
b) Grupo “2014” – prejudicado. Pelo mesmo motivo, quanto à DAU de ...-...-2014 (procedimento extinto por prescrição), a impugnação fica prejudicada.
c) Grupo “2015”. As comunicações de 2014–2015 (NN/...; “nova base no ...”; “não sofrerão antidumping”; cronograma de carga “partir do ...”) e o “Form B” junto expõem a lógica de desalfandegamento por declarações não verdadeiras; não há, na motivação do recurso, uma prova contrária robusta, mas uma reinterpretação plausível apenas do ponto de vista retórico.
O recorrente insiste que nunca se concluiu origem ... e que em ... nada foi instaurado; contudo, a decisão é clara: (i) o que se comprovou é a falsidade dos certificados de origem “...” (inibição da ... para os emitir), (ii) a cadeia documental demonstra que a “base no ...” era um expediente e (iii) o elemento subjectivo (conhecimento) emerge dos próprios emails.
Não basta invocar a existência de dúvida razoável; é necessário demonstrar que o conjunto probatório, lido segundo as regras da experiência, não permite uma convicção segura no sentido alcançado. A motivação da decisão indica as provas e explica a sua força de convencimento. As teses de desconhecimento do arguido e de método de compras alheado colidem com os emails onde o próprio é destinatário/participante e com instruções de operação que não são compatíveis com ignorância desculpável.
A motivação do acórdão recorrido é clara; as conclusões encaixam na prova enumerada; e não há incoerências internas que imponham o reenvio (vícios do artº. 410º do CPP (Código de Processo Penal)). A discordância é de valoração, não de decisão.
O acórdão descreve, de modo consistente, que a ... não podia emitir “Form B” e que a “fábrica” era, na verdade, um armazém inactivo; este, per se, mina a credibilidade de toda a documentação apresentada como suporte para a origem “...”. A recusa de colaboração e a constatação empírica da inexistência de actividade produtiva são factos de observação directa, muito resistentes a leituras alternadas.
Dizer “daremos agora cumprimento ao n.º 4” não é cumprir: exige-se análise exigente dos meios de prova, com indicação precisa (p. ex., passagens de depoimentos, contexto de cada email, contraditas eficazes) e a demonstração de que, para cada ponto, a decisão apontada é a única razoável. O recorrente opta por insistir em depoimentos genéricos (o seu, o de EE), mas não explica por que razão devem sobrepor-se ao conteúdo objectivo dos emails e “prints”, nem porque razão uma Câmara de Comércio nacional estaria errada quanto à habilitação da ....
Acresce dizer que o acórdão cruza documentos (DAU, faturas, BL, “Form B”), comunicações electrónicas (2012–2015), “prints” empresariais (“Fornecedor da ...”) e depoimentos (técnica OLAF e técnico tributário nacional), e reconstrói o iter da obtenção do despacho aduaneiro por declarações não verdadeiras.
Conclusão:
À luz do art. 412.º, n.ºs 3–6, do CPP (Código de Processo Penal) a impugnação não cumpre os ónus de especificação de meios e de demonstração de decisão diversa; e, quanto ao único segmento subsistente (2015), os elementos apresentados não impõem alteração dos pontos indicados. O exame crítico do art. 374.º, n.º 2, do CPP (Código de Processo Penal) foi cumprido; a livre apreciação do art. 127.º foi exercida com racionalidade e dentro dos limites legais; nenhum vício do art. 410.º, n.º 2, se mostra existir. Consequentemente, a impugnação da matéria de facto improcede quanto a 2015 e fica prejudicada quanto a 2013 e 2014, mantendo-se a decisão recorrida e a subsunção que dela decorre para o segmento remanescente.
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- Preenchimento do tipo do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT (segmento remanescente de 2015).
A resposta a esta questão emerge do próprio acervo probatório: a) a declaração aduaneira de 2015 foi instruída com documentação que afirmava falsamente origem “...”, assente em certificado Form B emitido por entidade que não estava habilitada a certificar e em expediente prévio de “abertura de base” no ... com o propósito de evitar antidumping; b) a cadeia de emails de finais de 2014 e de 2015 mostra a decisão empresarial de fazer passar a mercadoria com origem vietnamita, apesar da sua proveniência real não corresponder à declaração; c) o próprio valor aduaneiro global da encomenda (c. €84.686,83) activa, por si, a condição alternativa de punibilidade quando se demonstre que o despacho foi obtido por falsidade, independentemente da existência de “prestação” antidumping; d) o elemento subjectivo, tal como fixado, revela conhecimento e vontade de utilizar a engenharia documental para obter o despacho, com consciência do resultado a alcançar. Aplica-se a redacção vigente à data dos factos (anterior à Lei n.º 81/...), já com a dupla válvula de punibilidade, sinal de que o bem jurídico protegido transcende a mera cobrança, tutelando a veracidade e fiabilidade das declarações no procedimento de despacho.
O conjunto probatório de 2014/2015 é particularmente eloquente.
Em ...-...-2014, “NN”, gestor de exportações da ..., comunica a BB e a EE que irão “abrir uma nova base no ...”, donde exportariam acessórios que não sofrerão taxas antidumping na Europa, precisamente para satisfazer clientes europeus. Na sequência, por ordens do arguido, em ...-...-2014 é remetida a ordem de encomenda n.º 14816, a indicar “origem ...” e preço CIF ...; segue-se adiantamento de €25.406,05 à ordem da ... e, já em ...-...-2015, comunicação logística a informar que o transporte estava organizado para partir do ... a ...-...-2015, com factura anexada e carimbo ..., tendo o total da encomenda sido de €84.686,83. Todos estes emails foram reenviados ao arguido em ...-...-2015. Estes documentos e comunicações integram, depois, a declaração aduaneira n.º 2015PT00009862201940, apresentada no ..., o que faz a ponte directa entre a engenharia documental e o acto de despacho. A prova documental constante dos autos (incluindo o Form B de ...-...-2015 e os “prints” de empresas) e a prova pessoal (depoimento técnico ligado ao OLAF) convergem na falsidade da origem declarada e na consciência dos agentes. As referências a 2014 são aqui consideradas apenas como contexto probatório que explica a génese e a execução do expediente, não tendo efeito condenatório autónomo face à extinção do respectivo procedimento por prescrição.
O tribunal a quo fundamentou esse nexo nos factos provados: email de ...-...-2014 anunciando “nova unidade no ...” para evitar antidumping, ordem de encomenda de ...-...-2014 com origem “...”, adiantamento à ..., e articulação destes elementos com a .... O seu exame crítico apoiou-se, ainda, no estudo preliminar do OLAF (2015) e no depoimento de HH, deixando assente que a ... não estava sequer registada na ... e, por isso, não podia emitir certificados de origem - circunstância que descredibiliza o Form B que instruiu a DAU de 2015 e reforça a conclusão sobre a falsidade instrumental. A testemunha descreveu, com detalhe, a visita às moradas indicadas, a descoberta de um armazém inactivo e a confirmação institucional de que a entidade não era apta a certificar. Este fio probatório não é marginal: ele comprova que o documento estruturante da origem declarada era objectivamente inidóneo e que foi usado para produzir um efeito jurídico no procedimento aduaneiro.
É neste ponto que falha, desde logo, o argumento do recorrente de “falta de preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos”. Quanto ao elemento objectivo (“obtiver, mediante falsas declarações, o despacho aduaneiro”), não há como negar que a DAU de 2015 foi instruída com documentação que afirmava falsamente uma origem vietnamita: a engenharia documental (ordem de encomenda com “origem ...”, Form B emitido por entidade não habilitada, carimbo ... em factura e instruções de “partida do ...”) não é um ruído lateral, é o meio fraudulento empregado para produzir o resultado típico — a passagem aduaneira da mercadoria. O argumento do recorrente segundo o qual o OLAF não concluiu positivamente pela origem ... é irrelevante do ponto de vista típico: o núcleo do tipo não exige a prova positiva de ..., basta a demonstração de que o declarado é falso. Foi isso que o tribunal afirmou: não se apuraram sinais de que a mercadoria fosse de facto do ...; a documentação e o contexto demonstram o contrário.
Também quanto à condição objectiva de punibilidade, a tese do recorrente não subsiste. Mesmo que se eliminasse, por via europeia, a “prestação antidumping” - matéria que já demonstrámos ser irrelevante para a subsistência da incriminação - o legislador previu, desde sempre, a alternativa “não havendo lugar a prestação tributária, valor aduaneiro superior a €50.000”. Em 2015, o valor da encomenda cifrava-se em €84.686,83, superando o limiar legal e activando, por isso, a condição alternativa, de modo inteiramente independente da existência de direitos antidumping exigíveis naquele momento. É precisamente esta dualidade que revela a teleologia do tipo: tutela-se a veracidade e o controlo aduaneiro, não apenas a cobrança; quando a falsidade documental é o instrumento de obtenção do despacho, a punibilidade emerge por qualquer das vias, sendo o valor aduaneiro um elemento autónomo.
No que respeita ao elemento subjectivo, o recorrente limita-se a reiterar a alegação de que o arguido “agiu convicto da origem ...” e que a prova não permitiria afirmar o dolo. O acervo probatório aponta em sentido inverso. Para além do teor inequívoco do email de ...-...-2014 - onde o fornecedor identifica, como propósito da “nova base”, a isenção de antidumping - a prova mostra a participação do arguido na formação e no acompanhamento do expediente: os emails relevantes foram por si recebidos ou reenviados, a ordem de encomenda foi emitida sob as ordens e instruções do arguido, os pagamentos foram coordenados com o seu conhecimento, e os passos logísticos foram do seu domínio. A inferência do dolo directo não é um salto: é o corolário de uma actuação alinhada com a finalidade expressa no correio de “NN” e com a utilização de documentos cuja falsidade é objectivamente aferível, em particular o certificado de origem emitido por quem não podia emiti-lo. A decisão recorrida explicitam que a conjugação de emails, documentos e depoimentos impõe essa leitura, e o recorrente não a desfaz com meios de prova de sentido contrário que “imponham” decisão diversa.
Afirmar, como o recorrente faz, que o OLAF é inconclusivo e que em ... nada foi instaurado configura uma tentativa de deslocar o foco probatório. A questão típica aqui não é a suficiência do OLAF para, sozinho, demonstrar “...”; é a demonstração, por documentação própria do processo, de que a origem declarada era falsa e que essa falsidade foi instrumental para obter o despacho. Os relatórios do OLAF e o depoimento da técnica que integrou a equipa funcionam como corroboração externa: confirmam a inabilitação da entidade que emitiu os certificados e a inexistência de produção local, o que reforça a inexactidão da declaração de origem. O núcleo probatório, todavia, está na cadeia empresarial de encomenda, facturação, certificação e despacho, em que o arguido interveio e da qual tinha conhecimento.
Do ponto de vista dogmático, nada do que o recorrente invoca destrói a subsunção. O tipo da alínea d) do n.º 1 do art. 92.º do RGIT é de engano qualificado à Administração aduaneira: o legislador separa a dimensão “prestação” (que pode existir ou não existir) do núcleo que é a obtenção do despacho por falsidade. É por isso que a prova do benefício económico não é conditio sine qua non da tipicidade; a sua eventual existência apenas reforça a gravidade, mas a lei tipifica, precisamente, o cenário em que não havendo lugar a prestação subsiste punibilidade quando o valor aduaneiro ultrapassa o limiar.
Também não procede a imputação de vícios decisórios.
O acórdão de 1.ª instância identificou a prova e exerceu o exame crítico legalmente exigido, articulando os emails de 2014/2015, a documentação de suporte ao despacho (DAU, fatura, Form B), os “prints” empresariais que referem “Fornecedor da ...” e o depoimento técnico, com respeito pelas regras da experiência. A divergência do recorrente é mera discordância valorativa. E, ao contrário do que sugere, o princípio
in dubio pro reo não se acciona por invocação: supõe que subsista uma dúvida racional e insanável após leitura crítica do conjunto probatório. Não é o caso face à prova objectiva da engenharia documental e ao teor literal das comunicações sobre a finalidade da “nova base” vietnamita.
O argumento, por fim, que procura sustentar o “prejuízo zero” na alegada eliminação ex tunc das medidas antidumping, é irrelevante para 2015 em dupla perspectiva. Primeiro, porque o valor aduaneiro da encomenda excede o limiar de €50.000, satisfazendo a condição alternativa. Segundo, porque o impacto europeu da invalidade do 926/2009 e da revogação de 2015/2272 por via do 2021/1053 opera no plano aduaneiro-económico (reembolsos/dispensas), não no plano da tipicidade penal de obtenção do despacho por falsas declarações.
Mantém-se, por conseguinte, a condenação pelo crime de contrabando simples referente a 2015, nos termos da moldura legal aplicável (redacção anterior à Lei n.º 81/..., por força da lex mitior) e segundo a motivação crítica da decisão.
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- Concurso aparente/ne bis in idem: para o que subsiste, se a falsidade instrumental é meio absorvido pelo contrabando (norma especial) ou se haverá dupla valoração vedada; saber se tendo a falsificação sido prescrita, pode ou não subsistir o contrabando.
Nota prévia:
À luz do já decidido, apenas releva, com efeito condenatório, o segmento remanescente de 2015; as referências a 2014 abaixo convocadas têm função de contexto probatório e não suportam qualquer punição autónoma, por se encontrar extinto por prescrição o respectivo procedimento.
No que tange a esta temática, não está já em causa a solidez típica do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT, na sua modalidade de obtenção do despacho aduaneiro mediante falsas declarações, com condição objectiva alternativa de punibilidade, mas sim o regime de concurso entre esse tipo especial e o crime comum de falsificação de documento (art. 256.º CP) e, dentro dele, o alcance do ne bis in idem quando, no mesmo iter fáctico, a falsidade opera como mero instrumento executivo do engano aduaneiro.
O recorrente sustenta o seguinte: (i) que, “inexistindo prestação”, o único ilícito seria a falsificação; (ii) que estamos perante concurso aparente, mas com prevalência da falsificação sobre o contrabando; (iii) que, tendo a falsificação prescrito, não pode “sobrar” o contrabando, sob pena de violação do bis in idem.
Ora, a resposta só poder ser a inversa: o art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT é norma especial face ao art. 256.º do CP (Código Penal), (como já vimos aquando da questão tratada ao nível do recurso interlocutório), quando a falsidade é o meio de obter o despacho; a punição é única pelo tipo especial, não há dupla valoração, e a eventual prescrição do crime-meio não apaga o crime-fim nem impede a valoração dos factos instrumentais na sua estrutura típica. É isto, aliás, o que se encontra explicitamente assumido na motivação da decisão de 1.ª instância.
O legislador penal-aduaneiro descreveu, na alínea d) do n.º 1 do art. 92.º RGIT, um tipo de “engano à Administração” que capta, como elemento descritivo do tipo, a obtenção do despacho “mediante falsas declarações ou qualquer outro meio fraudulento”, com duas janelas alternativas de punibilidade (prestação em falta superior a €15.000; ou, não havendo prestação, valor aduaneiro superior a €50.000). Este quadro não “convive” em concurso efectivo com a incriminação geral de falsificação quando a falsidade se esgota no papel de instrumento para o despacho: opera concurso aparente por especialidade, com absorção da falsificação pelo tipo aduaneiro; inversamente, se a falsificação for de documento autêntico (art. 256.º, n.º 3 do CP) e apresentar pena abstracta mais grave, desloca-se a prevalência, por via da pena mais grave, mas sempre num registo de concurso aparente e não de pluralidade de punições.
A decisão de 1.ª instância, por seu lado, reconstruiu a teleologia do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT sublinhando que o bem jurídico imediato é o funcionamento do sistema de fiscalização aduaneira e a veracidade das declarações, com a dimensão de cobrança em plano mediato; daí a opção por contemplar simultaneamente hipóteses “com” e “sem” prestação na condição objectiva de punibilidade. Este quadro impede, à partida, a tese do recorrente de que sem prestação sobra apenas falsificação: a própria letra do preceito desautoriza essa redução, ao mesmo tempo que torna claro que a falsidade instrumental se integra no tipo muito específico do engano aduaneiro.
Pelo prisma do ne bis in idem constitucional (CRP, art. 29.º, n.º 5), não há aqui “dupla valoração” impeditiva. Primeiro, porque quando se sanciona apenas pelo tipo especial (absorvendo o meio), não existe duplicação sancionatória; existe uma única valoração jurídico-penal do “pedaço de vida” relevante, nas palavras do MP, que o identifica com a utilização de um meio fraudulento para obtenção do despacho. Segundo, porque a identidade relevante do ne bis in idem é a identidade do facto histórico e do bem jurídico tutelado: ao reconduzir a falsidade ao elemento-meio do tipo especial, não se penhora duas vezes o mesmo bem jurídico; evita-se precisamente a duplicação.
A objecção nuclear do recorrente - se a falsificação prescreveu, não pode servir para fundamentar o contrabando - não resiste a exame dogmático. A prescrição extingue o procedimento criminal por um dado crime; não apaga os factos históricos do mundo nem proíbe que esses factos, enquanto elementos instrumentais ou normativos, integrem a subsunção de outro tipo, com autonomia típica e bem jurídico distinto. Afirmar o contrário seria criar uma espécie de “imunidade cruzada por prescrição do meio”: bastaria o decurso do tempo sobre o crime-meio para limitar, retroactivamente, o crime-fim, o que o sistema não conhece.
O próprio desenho do argumento do recorrente revela o equívoco. O recorrente parte de um “concurso aparente” para, logo depois, postular o contrário do que esse concurso aparente impõe: se é concurso aparente, a punição é única; e se, no caso, a norma aplicável é a especial aduaneira (porque a falsidade foi apenas meio e não há falsificação autêntica com pena mais grave), a condenação deve incidir no art. 92.º, n.º 1, al. d) do RGIT. Não há duplicação sancionatória alguma a expulsar por via do
bis; há a selecção da norma aplicável.
In casu, a prova relevante - que aqui não repetimos na íntegra para evitar redundância, remetendo para a análise anterior - demonstra que os documentos invocados como “suporte” da origem ... (v.g., Form B emitido pela ...) eram inidóneos e que a sua função era a de instrumentar a obtenção do despacho. O acórdão enuncia o conteúdo típico e a teleologia do art. 92.º do RGIT nas versões de 2007 e 2014; as respostas do MP explicam, com apoio doutrinal, o lugar da falsidade como meio no crime aduaneiro; e o recorrente, por seu turno, insiste que o uso isolado da factura falsificada esgota o ilícito, ignorando que o tipo especial agrega um resultado (o despacho) e um bem jurídico que excede a fé pública documental. Acresce que as menções a 2014 valem aqui apenas como contexto probatório, sem qualquer efeito sancionatório autónomo, por se encontrar extinto por prescrição o respectivo procedimento; subsiste apenas 2015, em que a falsidade instrumental é absorvida pelo tipo especial.
Acrescente-se uma outra nota: a doutrina e a prática forense citadas pelo MP recordam que, nos casos da al. d), a alternativa de prevalência pode, em abstracto, inverter-se quando a falsificação for de documento autêntico (n.º 3 do art. 256.º, CP), por via da pena abstracta mais grave. Mas essa hipótese não é a dos autos (em que a falsificação comum prescreveu), e mesmo aí continuaríamos num registo de concurso aparente - nunca de dupla punição. O que está vedado pelo bis é a duplicação sancionatória pelo mesmo “pedaço de vida”; não está vedada a selecção de uma única norma (especial ou mais grave), absorvendo a outra.
Também não tem sustentação o argumento de que não existindo prestação, a falsificação seria irrelevante, in casu, para obtenção de um despacho aduaneiro, e, por isso, o contrabando não se autonomiza. A letra do art. 92.º, n.º 1, al. d), do RGIT resolve este ponto: a punibilidade existe justamente não havendo lugar a prestação, quando o valor aduaneiro excede o limiar, e é nessa configuração que a falsidade instrumental ganha todo o relevo típico - porque é através dela que o despacho se obtém em fraude. A decisão de 1.ª instância transcreve a norma e explicita a sua razão; a insistência em reduzir o caso a um uso de factura inócuo ignora o bem jurídico especial do tipo aduaneiro e, a fortiori, não demonstra qualquer duplicação sancionatória que o bis pudesse censurar.
O recorrente chega, por fim, a arguir a inconstitucionalidade dos arts. 256.º, n.º 1, al. e), CP, e 92.º, n.º 1, al. d), RGIT, na dimensão interpretativa que admitiria concurso real/ideal entre ambos, por alegada violação do bis in idem. O argumento não tem sustentação: nem a decisão recorrida propõe cumulação de penas pelos dois tipos; pelo contrário, defendem - e aplicam - a solução de concurso aparente, com punição única pelo tipo especial, precisamente para evitar dupla valoração. Não havendo duplicação sancionatória, falta o pressuposto lógico da arguição de inconstitucionalidade.
Resta responder ao seguinte: “estando prescrito o crime de falsificação, não pode o mesmo facto ser valorado para o crime de contrabando”. A resposta é tríplice. Primeiro, o facto-meio (falsidade instrumental) não é o mesmo crime; é o modo de execução de um crime especial cujo núcleo é a obtenção do despacho em fraude. Segundo, a prescrição não apaga a historicidade do facto nem a sua relevância típica noutro crime; apenas impede a punição autónoma por esse outro tipo. Terceiro, é justamente a técnica do concurso aparente que impede a duplicação sancionatória e que permite, ainda assim, atribuir relevância típica ao facto-meio na moldura do crime-fim - sob pena de se instituir uma amnistia tácita do crime especial pela via da prescrição do meio, o que a dogmática não conhece. O próprio recorrente ilustra o carácter circular da sua tese: invoca concurso aparente, mas conclui exigindo a eliminação do crime-fim por prescrição do meio, isto é, pedem ao tribunal que trate o concurso aparente como se fosse uma questão prejudicial lógica - o que não é.
Aplicando ao remanescente do processo, o segmento de 2015 mostra, sem margem, a integração típica do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT (engenharia documental para afirmar origem ..., certificado Form B de entidade não habilitada, instrução da DAU com esses elementos), razão por que a falsidade instrumental fica absorvida na norma especial; não há duplicação sancionatória; e o eventual decurso do prazo sobre a falsificação (ou a sua não autonomização) não contamina a subsistência do contrabando. A solução é coerente com o texto legal, com as posições do MP e com a motivação da decisão, e alinha com a leitura constitucional do bis (identidade de “pedaço de vida” sancionado uma única vez, pela norma aplicável).
Termos em que improcede esta questão.
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- Medida da pena.
Vejamos a medida da pena aplicada e a aplicar no quadro remanescente do processo, tendo em conta: i) a procedência do recurso quanto à prescrição das DAU de 2011, 2013 e 2014 (com a consequente eliminação integral dessas componentes e inexistência de cúmulo), ii) a manutenção da condenação no segmento de 2015, e iii) a necessidade de fixar, em obediência ao CP 71.º e ao RGIT 13.º e 22.º, uma pena que traduza, com proporcionalidade e suficiência preventiva, o desvalor concreto dos factos e a culpa do agente.
O acórdão recorrido desenvolveu a metodologia dual culpa–prevenção e, antes disso, praticou uma operação de escolha de espécie de pena (CP 70.º), preferindo, como exige a norma, a multa em alternativa à prisão, por realizar adequadamente as finalidades de protecção de bens jurídicos e de reintegração (CP 40.º, n.º 1), e explicitou as balizas abstractas do art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT.
Verificados os pressupostos do art. 22.º, n.º 2, RGIT, o tribunal a quo aplicou atenuação especial, com a consequente redução, por via do CP 73.º, n.º 1, al. c), dos limites abstractos da multa: para o arguido (pessoa singular), a moldura passou a 10–240 dias; para a pessoa colectiva, 10–480 dias (dobro da moldura base por força do RGIT 12.º, n.º 3, e redução subsequente pela atenuação) - solução expressamente vertida no acórdão.
O acórdão sob censura fundamenta: o limite máximo da pena concreta é dado pela culpa (CP 40.º, n.º 2), o limite mínimo pelas exigências de prevenção geral, e, entre ambos, actuam as exigências de prevenção especial (ressocialização), ponderando as circunstâncias do n.º 2 do art. 71.º (grau de ilicitude, modo de execução, consequências, intensidade do dolo, condições pessoais e económicas, condutas anterior e posterior).
O acórdão explicita este quadro e invoca o art.º 13.º do RGIT.
A motivação da fixação da pena assenta, para 2015, num quadro de ilicitude elevado e dolo directo intenso, assinalando como circunstâncias agravativas a dimensão do desvalor (direitos antidumping não pagos: €55.129,00) e, como circunstâncias favoráveis, o lapso de tempo decorrido e a inexistência de antecedentes, com exigências de prevenção geral elevadas e prevenção especial reduzida; ausente está qualquer juízo de arrependimento. Daqui resultou a pena parcelar de 120 dias de multa, à taxa diária de €20.

Na 1.ª instância, operou-se cúmulo (CP 77.º) e fixou-se pena única de 250 dias de multa, à taxa de €20 para o arguido, dentro dos limites do art. 77.º, n.º 2 (mínimo: a mais elevada das penas parcelares; máximo: soma das penas parcelares). Todavia, reconhecida a prescrição de 2011, 2013 e 2014, esvai-se a base do cúmulo; mantendo-se apenas 2015, deixa de haver cúmulo: a pena única coincide com a pena parcelar de 2015 — 120 dias de multa à taxa diária fixada (arguido: €20). Esta consequência não é agravamento; é adequação técnico-jurídica da moldura ao acervo remanescente, respeitando a proibição de reformatio in pejus (sendo o recorrente o único a impugnar, a pena não pode piorar). O que, em 1.ª instância, era 250 dias em cúmulo (pela soma das parcelares remanescentes) reconfigura-se, após a extinção parcial, para o módulo remanescente de 2015, que o próprio acórdão já quantificou.
Quanto à taxa diária de €20, situa-se muito próxima do patamar baixo admissível em direito (CP 47.º estabelece, para pessoas singulares, a graduação da taxa em função da situação económica e encargos; embora o acórdão não transcreva o preceito, explicita o raciocínio de suficiência preventiva e de proporcionalidade, anotando inserção social e ausência de antecedentes, mas também a intensidade do dolo e o desvalor não negligenciável do resultado).

É uma pena adequada, necessária e proporcional ao grau de ilicitude (elevado), à intensidade do dolo (directo) e às exigências de prevenção geral (elevadas), sem descurar os factores favoráveis (tempo decorrido; ausência de antecedentes). Não há fundamento para redução adicional, nem para alteração da taxa diária.
Por efeito extensivo do decidido quanto à prescrição (fundamento comum e não pessoal) e por conhecimento oficioso dos respectivos prazos, declara-se igualmente extinto o procedimento criminal contra a arguida sociedade J. AA no que respeita às DAU de 22-08-2011, ...-...-2013 e ...-...-2014. Em 1.ª instância haviam sido fixadas, para a sociedade, penas parcelares (especialmente atenuadas) de 80 dias (2011), 100 dias (2013), 100 dias (2014) e 120 dias (2015), todas à taxa diária de €40, com subsequente cúmulo jurídico de 250 dias de multa à mesma taxa. Estes quantitativos e a taxa diária constam expressamente do acórdão de 1.ª instância e servem de base à presente reconfiguração.
Consequentemente, expurgadas as parcelas relativas a 2011, 2013 e 2014, remanesce apenas a parcela já fixada em 1.ª instância para a sociedade referente a 2015: 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €40.

Nos termos do CP 77.º, não há cúmulo jurídico, por subsistir um único crime. O limite mínimo e máximo do cúmulo deixam de ter aplicação. A pena ora afirmada é proporcional ao grau de ilicitude e às necessidades de prevenção geral destacadas no acórdão, sem qualquer agravamento face ao decidido em 1.ª instância (antes, uma diminuição por força da extinção parcial).
Ficam, pois, estabelecidas para a arguida sociedade as seguintes consequências: (i) extinção do procedimento nas DAU de 2011, 2013 e 2014; (ii) condenação apenas pelos factos de 2015 na pena parcelar de 120 dias de multa, à taxa diária de €40; (iii) inexistência de cúmulo jurídico. Mantêm-se, no mais, os demais segmentos decisórios que lhe respeitam e que não colidam com esta reconfiguração.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da Relação em:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido BB e, em consequência, declarar extinto, por prescrição do procedimento criminal, o ilícito de contrabando relativo às declarações aduaneiras apresentadas em …-…-2011, ...-...-2013 e ...-...-2014 (CP, arts. 118.º a 121.º; CPP, art. 123.º).
2. Por efeito extensivo do recurso (fundamento comum e não pessoal) e por conhecimento oficioso, declarar igualmente extinto o procedimento criminal contra a arguida sociedade J. AA quanto às mesmas DAU de 22-08-2011, ...-...-2013 e ...-...-2014, por idêntica cronologia relevante de interrupções e suspensão.
3. Negar provimento ao recurso no mais, designadamente:
i. improcede a impugnação da matéria de facto e a demais sindicância jurídica quanto ao segmento remanescente de 2015; ii. mantém-se a condenação pela prática de um crime de contrabando simples (art. 92.º, n.º 1, al. d), RGIT - redacção mais favorável) relativamente ao segmento remanescente de 2015; iii. ficam prejudicadas, por inutilidade superveniente, as questões relativas às DAU de 2011, 2013 e 2014, atenta a extinção do procedimento declarada nos pontos 1) e 2).
4. Reconfigurar a medida das penas do arguido BB (expurgado o que prescreveu), nos seguintes termos: i. remanesce apenas a parcela de 2015: 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €20;
ii. não há cúmulo jurídico (CP, art. 77.º).
5. Reconfigurar a medida das penas da arguida sociedade J. AA (expurgado o que prescreveu), nos seguintes termos: i. remanesce apenas a parcela de 2015: 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €40;
ii. não há cúmulo jurídico (CP, art. 77.º).
6. Julgar prejudicado, por inutilidade superveniente, o recurso interlocutório interposto do despacho de 01-03-2024 atinente à DAU de 2011, atento o decidido nos pontos 1) e 2).
7. Sem custas.
Notifique.
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Lisboa e Tribunal da Relação, 18 de Dezembro de 2025
Alfredo Costa
Cristina Almeida e Sousa
Sofia Rodrigues
Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP).
O relator escreve segundo a antiga ortografia
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1. Acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 2021, em resposta a reenvio prejudicial no processo C‑324/19, que apreciou a validade do Regulamento (CE) n.º 926/2009 sobre direitos antidumping aplicáveis a tubos e tubagens sem soldadura de ferro ou aço originários da ....​
Nesse acórdão, o TJUE concluiu que o Regulamento (CE) n.º 926/2009 era inválido na medida em que impunha direitos antidumping à empresa ... Ltd, por vício na metodologia usada para calcular o valor normal e margens de dumping, o que levou, na prática, à anulação dos direitos para essa empresa e obrigou a Comissão/Conselho a reavaliar a situação. A decisão incide sobre comércio externo e defesa comercial e tem efeitos ex tunc quanto à invalidação do regulamento na parte que diz respeito à referida empresa chinesa.​
2. Abolitio criminis é a situação em que uma conduta deixa de ser considerada crime porque uma lei nova revoga o tipo penal incriminador que antes a punia.