Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ GOMES | ||
Descritores: | INJUNÇÃO CAUSA DE PEDIR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/03/2009 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERAR A DECISÃO | ||
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Sumário: | Ineptidão do requerimento de injunção por falta de indicação da causa de pedir. Noção e função da causa de pedir e a sua conjugação com o requisito da expo- sição sucinta dos factos que servem de fundamento à pretensão. Viabilidade de suprimento do vício de ineptidão, findos os articulados, no pro-cedimento de injunção. Conhecimento da excepção dilatória com fundamento em ineptidão do reque-rimento de injunção em sede de sentença. 1. O requisito da exposição sucinta dos factos no requerimento de injunção não deve prejudicar o ónus que recai sobre o requerente de indicar os factos estruturantes da causa de pedir como garantia que é do exercício do contradi-tório e da delimitação objectiva do julgado. 2. O ónus de alegação da causa de pedir constitui uma garantia postulada pelos princípios constitucionais do processo equitativo e da tutela efectiva em relação a ambas as partes, pelo que a simplificação destinada a facilitar a aces-so à tutela do direito de quem demanda não deve ser interpretada a ponto de sacrificar a tutela de defesa de quem é demandado. 3. O grau de densidade da exposição sucinta dos factos que servem de funda-mento à pretensão deve ser aferido em função da simplicidade ou complexidade de cada caso, atendendo às garantias conferidas à causa de pedir. 4. No procedimento de injunção, dada a sua natureza menos solene, afigura-se, contudo, viável o aperfeiçoamento do requerimento injuntório, nomeadamen-te pela junção de documento essencial que o complemente, na modalidade de re-missão para tal documento, dando-se ao requerido nova oportunidade de con-traditório, de forma a conciliar as exigências de celeridade com as garantias de defesa, mas já não será admissível tal suprimento após o julgamento da causa. 5. No procedimento de injunção, dado que não comporta despacho saneador, incumbe ao juiz conhecer, concretamente, em sede de sentença, da excepção dilatória com fundamento em ineptidão do requerimento inicial e, concluindo pela sua procedência, decretar a absolvição do réu da instância. 6. Se o juiz o não fizer, ocorre violação do dever de pronúncia e a consequente nulidade da sentença. (sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | I – Relatório 1. J, apresentou ao Secretário de Justiça do Banco Nacional de Injunções, junto do Tribunal, requerimento de injunção contra a sociedade B Ldª, a pedir que esta fosse notificada para lhe pagar a quantia de € 7.354,07, acrescida de juros de mora, à taxa de 11,07%, desde 1/11/ 2008, pretensamente com base num contrato de fornecimento de bens e serviços, de 26/6/2007, respeitante ao período decorrido entre 26-6-2007 e 31-10-2008. Fundamenta essa pretensão na alegação genérica de que o requerente prestou à requerida os serviços constantes de várias facturas, cujos números e datas indica, e de que as apresentara a esta sem que ela as tivesse pago. 2. A requerida deduziu oposição, alegando, no essencial, que: - a excepção de ineptidão da petição inicial com fundamento em falta de causa de pedir por não terem sido devidamente identificados, no reque-rimento de injunção, os bens e serviços prestados nem discriminados os respectivos valores, o que não garante o pleno uso do contraditório por par-te da requerida; - não pode também invocar a prescrição por não saber a que serviços se refere o requerente; - embora não se conheçam as dívidas peticionadas nem qualquer ou-tro contrato de prestação de serviço e/ou aquisição de bens, o que impugna por desconhecimento, presume que, a ter existido alguma transacção co-mercial entre as partes, todos os serviços estão pagos. Conclui pedindo a absolvição da requerida da instância ou, caso assim não se entenda, a sua absolvição do pedido. 3. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, em que estive-ram presentes o A. e seu mandatário, mas a que faltaram a R. e o respectivo mandatário, conforme acta de fls. 10 a 15. 4. Logo no ádito da audiência, o Exmº mandatário do A. pediu a pa-lavra e, no uso dela, requereu a junção de prova documental e arrolou duas testemunhas, o que foi de imediato admitido pela Mmª Juíza a quo, sem que da acta (fls. 10) conste qualquer menção identificativa dos documentos apresentados nem indicação dos factos que com eles o requerente pretendia provar, sendo que foram juntas ao processo, a seguir a acta, as 34 facturas de fls. 16 a 49, bem como os documentos de fls. 50 a 57, supondo-se assim que sejam os documentos então apresentados, embora irregularmente jun-tos, uma vez que deviam ter sido juntos antes da referida acta. 5. Foram inquiridas as duas testemunhas arroladas pelo requerente, cujos depoimentos se encontravam gravados, seguindo-se de imediato a prolação da sentença, que ficou consignada em acta fls. 11 a 15, a conde-nar a R. a pagar ao A. a quantia peticionada. De notar que, da enunciação dos factos provados, em sede da fundamentação da sentença ou em qual-quer outra parte da mesma, não constam quaisquer indicações dos números, datas e valores das aludidas facturas nem sequer a remissão para as que foram juntas aos autos, lapso este bem patenteado no ponto 2 daquela fun-damentação. 6. Inconformada com a referida decisão, veio a R. apelar dela, for-mulando as seguintes conclusões: 1ª - A sentença recorrida enferma da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art.º 668º do C.P.C., dado não se ter pronunciado sobre a questão fundamental da excepção da ineptidão da causa de pedir; 2ª A R., através de oposição ao requerimento de injunção apre-sentado pelo A., à data requerente, defendeu-se por excepção, ale-gando factos que obstavam à apreciação do mérito da acção, no-meadamente a excepção de ineptidão da petição inicial, devido à falta de indicação da causa de pedir, tendo sido arguido o artigo 193º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil; 3ª - O tribunal “a quo” deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, sendo que tal omissão determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 668º, n.º 1, d), do CPC; 4ª - O A., no requerimento de injunção, alega que prestou ser-viços à R., sem especificar que géneros de serviços eram esses; 5ª - Indubitavelmente, a invocação genérica de um fornecimento de bens e serviços que não estão devidamente identificados é mani-festamente insuficiente para garantir o pleno uso do contraditório pela R.; 6ª - Além de que, embora o A. tenha mencionado os números das facturas em causa, o mesmo não cuidou da discriminação dos res-pectivos valores nem do que supostamente foi adquirido pela R., nem da indicação que permita concluir a que momento se refere a data constante do requerimento de injunção, isto é, se é referente à emissão ou ao vencimento das ditas facturas; 7ª - Resulta claramente da exposição dos factos do requerimento de injunção apresentado pelo A. a inexistência de uma menção aos factos concretos integradores da causa de pedir; 8ª – É referido expressamente, na sentença proferida pelo tribu-nal “a quo”, que "não se apurou em concreto qual a data em que os serviços foram prestados"; 9ª - "A data em que os serviços foram prestados" constitui um facto jurídico essencial a integrar a causa de pedir; 10ª - Assim, outra não pode ser a ilação a retirar do que a efectiva falta da causa de pedir; 11ª - No art. 10º, nº 2, al. d), do "Regime dos Procedimentos a que se refere o art. 1º do Diploma Preambular" (DL nº 269/98), dispõe-se, expressamente, que, no requerimento deve o requerente "expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão", o que quer dizer que, também neste tipo de processos, à semelhança do que sucede no processo comum - Cfr. art. 467º, nº1, al. d) -, o requerente não está dispensado de indicar a causa de pedir; 12ª - A causa de pedir, que juntamente com o pedido constitui o elemento objectivo da instância, define-se, nos termos do artigo 498º, nº 4, do C.P.C., como o facto jurídico concreto de que pro-cede a pretensão deduzida em juízo (teoria da substanciação), consistindo, pois, na alegação da relação material de onde o de-mandante faz derivar o direito invocado e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos concretos que suportam o pedido; 13ª - No sistema jurídico processual português, vigora o princípio do dispositivo, pelo que é ao autor, que invoca a titularidade de um determinado direito, que cabe fazer a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência desse direito (artigo 264º do C.P.C.); 14º - É evidente que o tribunal "a quo" não se pronunciou da excepção alegada em sede de oposição; 15ª - Desta forma, foi violado um dos princípios basilares do sistema judicial português: o principio do contraditório, pois o R. viu-se impedido de exercer o seu direito de defesa por não ter co-nhecimento do que o A. alegou; 16ª - Tratou-se de uma "decisão surpresa", sem que lhe tenha sido dada oportunidade de previamente se pronunciar sobre tal questão e de se defender em relação a ela, em clara violação, além do mais, do disposto nos artigos 3º, nº 3, e n.º 3º -A do CPC; 17ª - A falta da causa de pedir determina a ineptidão da petição inicial, conforme o art. 193º, n.º 2, alínea a), do C.P.C., que por sua vez, determina a nulidade de todo o processo, nos termos do art. 193º, nº 1, do C.P.C., e esta nulidade, consubstancia, uma excepção dilatória, prevista no art. 494º, b), do C.P.C.; 18ª - Decorrendo do art. 660º, nº 1, do C.P.C a necessidade de conhecimento prioritário em sentença das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, sem prejuízo, embora, do disposto no n.º 3 do art. 288º do C.P.C.; 19ª - A procedência da excepção dilatória arguida na oposição pela R. dá lugar à absolvição da instância, nos termos do art. 288º, nº 1, alínea e); 20ª - A falta da causa de pedir não foi, nem podia ser, sanada, nem se pode considerar aplicável o nº 3 do art. 288º do C.P.C. ao caso concreto, por não ter sido a decisão favorável à R.; 21ª - A vinculação do tribunal “a quo” à resolução de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, decorre, mais não seja, do art. 660º, nº 2, do C.P.C.; 22ª - Pelo que deve a sentença ser considerada nula por omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas pelo juiz, nos termos do art. 668º, nº 1, alínea d), do C.P.C.. Pede o apelante que se julgue procedente a apelação e se declare nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas pelo juiz, nos termos do art. 668º, nº 1, alínea d), do C.P.C.. 7. O recorrido apresentou contra-alegações, em que conclui o seguin-te: 1ª - A sentença recorrida não enferma de qualquer vício em geral e muito particularmente, não está ferida da nulidade prevista no arti-go 668°/1-d) do CPC, por não se ter pronunciado sobre a questão fundamental da excepção da ineptidão da causa de pedir; 2ª - O tribunal pronunciou-se quando o devia fazer sobre a questão levantada pelo recorrente nas suas alegações de recurso, fê-lo no saneamento do processo, decidindo da questão suscitada; 3ª - A presente situação não pode ser desconhecida da R., até porque lhe foi notificada, pelo que sempre haverá de retirar as con-clusões necessárias com a presente apresentação de recurso, o que ficará ao são critério de quem terá de decidir; 4ª - Assim, sempre há-de manter-se a decisão proferida pela pri-meira Instância, que não enferma de qualquer vício, nem se encontra ferida de qualquer nulidade, nem violou qualquer norma jurídica e, consequentemente, negar-se provimento ao presente recurso; Pede que se julgue improcedente a apelação. Cumpre apreciar e decidir. II – Delimitação do objecto do recurso Face ao teor das conclusões do recorrente, em função do qual se tra-ça o objecto do recurso, as questões a decidir consistem em ajuizar sobre: a) - em primeira linha, a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quanto à suscitada questão da ineptidão da petição ini-cial; b) - em segundo lugar, no caso de procedência da questão antece-dente, a verificação da referida excepção dilatória. III - Fundamentação 1. Quanto à questão da nulidade da sentença por omissão de pro-núncia Sustenta a apelante que a sentença recorrida deixou de se pronunciar sobre a excepção de ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta de causa de pedir, por si arguida no articulado de oposição, o que determi-naria a nulidade da referida sentença. Por sua vez, a apelada defende que não se verifica tal nulidade, já que o tribunal “a quo” o fez no saneamento do processo. Vejamos. A nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC pressupõe, no que aqui releva, a ocorrência de omissão de pronúncia do tribunal relativamente às questões de que devia conhecer, o que consti-tui a sanção legal para a violação, nessa parte, do dever de pronúncia esta-tuído no artigo 660º do citado código. Assim, o nº 1 do sobredito normativo prescreve que: Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 288º, a sentença conhe-ce, em primeiro lugar, das questões processuais que possam deter-minar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. Ora, da conjugação dos artigos 288º, nº 1, alínea b), 493º, nº 2, 494º, alínea b), e 495º do CPC decorre que a nulidade de todo o processo cons-titui excepção dilatória determinativa da absolvição do réu da instância, a qual é de conhecimento oficioso. Por sua vez, segundo o artigo 193º, nº 1 e 2, alínea a), do mesmo Código, a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da peti-ção inicial e conduz à nulidade de todo o processo, a qual, nos termos do nº 2 do artigo 206º daquele diploma, deve ser apreciada no despacho sanea-dor ou, não havendo lugar a ele, até à sentença final, ressalvando-se, no entanto, a hipótese de a mesma se encontrar suprida, como sucede quando o réu conteste e, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido, ouvido o autor, se verifi-que que aquele interpretou convenientemente a petição inicial (art. 193º, nº 3, do CPC). De resto, o nº 3 do artigo 288º do CPC consigna também que as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregu-laridade não for sanada. Antes de mais, importa reter que estamos no domínio de um procedi-mento especial simplificado, de natureza declarativa - o procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, incluindo o procedimento de injunção -, a que são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns e a disciplina do processo declarativo comum do processo civil, nos termos consignados no nº 1 do artigo 463º do CPC. No caso dos autos, a R. arguiu, no seu articulado de oposição, a ineptidão do requerimento de injunção com fundamento na falta de causa de pedir, sendo que a presente espécie processual não comporta despacho saneador, como se alcança claramente do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2, aplicável por via da norma remissiva contida no nº 1 do artigo 17º do diplo-ma anexo ao Dec.-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, na redacção actual, que regula o sobredito procedimento. E nem sequer obsta a este entendimento o facto de o nº 1 do citado artigo 3º permitir, a título meramente eventual, que o juiz, findos os articulados, julgue de imediato procedente alguma ex-cepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decida do mérito da causa, porquanto, nestas hipóteses, não estamos no âmbito de uma fase interlocutória de saneamento, que importe a prolação de despacho sanea-dor, mas apenas numa situação que permite pôr logo termo ao processo mediante julgamento antecipado de forma ou de mérito, sem necessidade de instrução e audiência final. Quando assim não aconteça, o processo segue da fase dos articulados imediatamente para a fase da discussão e julgamento, pelo que se impõe ao juiz, em sede de sentença, assegurar-se da inexistência das questões prévias referidas no nº 1 do artigo 660º do CPC e, se for o caso, conhecer delas. Assim sendo, verificando o juiz que ocorre alguma excepção dilató-ria que seja de conhecimento oficioso, conhecerá dela proferindo sentença a absolver o réu da instância. De igual modo, conhecerá das excepções di-latórias não supridas que tenham sido arguidas pelo réu, ainda que seja para as considerar não procedentes. E cumpre fazê-lo mediante uma apreciação concreta susceptível de constituir caso julgado formal, nos termos dos arti-gos 672º, nº 1, e 675º, nº 2, do CPC, não bastando para tal efeito uma mera declaração genérica de que não existem excepções dilatórias ou nulidades que afectem todo o processo, já que, como é sabido, uma afirmação nestes moldes jamais formaria caso julgado. Sucede que, no caso dos autos, não houve qualquer pronunciamento concreto sobre a excepção de ineptidão da petição inicial deduzida pela R. no articulado de oposição, limitando-se o tribunal “a quo” a afirmar gene-ricamente, no capítulo de saneamento da sentença, que “… não há quais-quer nulidades ou questões prévias de que importe conhecer ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa”, afirmação esta destituí-da de qualquer apreço pelo que a mesma R. alegara em sua defesa. Acresce que nem tão pouco se poderia considerar suprida aquela excepção pela atitude que o réu assumira na oposição, uma vez que, ao lon-go desse articulado, ela sempre afirmou estar impossibilitada de exercer o contraditório por não se encontrarem identificados os créditos a que respei-tava o montante total peticionado, ficando-se, no mais, por uma defesa gé-nerica. Mas mesmo que assim fosse, cumpria então ao tribunal a quo pro-nunciar-se sobre tal questão. Não o tendo feito, o tribunal recorrido violou o dever de pronúncia preceituado nos artigos 206º, nº 2, e 660º, nº 1, do CPC, pelo que a senten-ça enferma da nulidade cominada na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do mesmo Código. Termos em que é nula a sentença recorrida, competindo a este tribunal de recurso conhecer daquela excepção, ao abrigo do disposto no artigo 715º do CPC, tanto mais que esta constitui também objecto do próprio recurso. 2. Da questão da ineptidão da petição inicial Como já foi referido, a R. arguiu a ineptidão do requerimento de in-junção com fundamento na falta de causa de pedir, sustentando que o A. não alegou factos concretos que consubstanciassem a fonte da obrigação a que respeita a quantia peticionada. Ora, a alínea d) do nº 1 do artigo 10º do diploma anexo ao Dec.-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, exige que o requerente exponha sucintamente, no requerimento de injunção, os factos que fundamentam a pretensão. Tais factos reconduzem-se, necessariamente, à causa de pedir tal como se en-contra definida no nº 4 do artigo 498º do CPC. Com efeito, a causa de pedir consiste na alegação de uma factuali-dade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido. Não se trata, como por vezes se tem ouvido, de um conceito formal, legalista, quase despiciendo, mas, bem pelo contrário, de uma categoria processual com função de garantia postulada pelos princípios constitucionais do pro-cesso equitativo e da tutela efectiva do direito, proclamados nos nº 4 e 5 do artigo 20º da Constituição, tanto sob o ponto de vista de quem demanda, para que possa confinar ao seu interesse concreto o âmbito preciso da tutela judicial pretendida, como na perspectiva do demandado, para que possa organizar a sua defesa de forma esclarecida e sustentada, ou ainda sob o prisma do interesse público de modo a delimitar o alcance objectivo do ca-so julgado, evitando assim a repetição de causas. Na verdade, a causa de pedir, como factor delimitativo que é da pre-tensão, tanto exerce uma função endoprocessual na configuração do objecto da causa e no que lhe está associado, como uma função extrapro-cessual de definição objectiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das acções declarativas, permitindo ainda que a execução da sen-tença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 814º do CPC. Será pois à luz desse entendimento que terá de se aferir qual a densi-dade factual da causa de pedir reclamada pelas funções que desempenha dentro e fora do processo. Quer isto dizer que os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado. Neste sentido, é bem elucidativo o doutrinado no douto acórdão desta Relação, de 12/4/1984, que não obstante a sua data se mantém bem actual, ao afirmar que “a referência vaga à venda de diverso material da actividade comercial do autor para a actividade comercial da ré não satisfaz a necessidade de indicação concreta da causa de pedir …, pois não se faz referência à qualidade, quantidade e natureza ou data dos fornecimentos e preços”” …“a causa de pedir tem de ser concretamente definida para evitar repetições de julgamento da mesma causa” …só assim a decisão pode ser respeitada em outro processo como caso julgado”[1]. No caso vertente, o A. pretende a condenação da R. numa quantia respeitante a créditos emergentes de um aludido contrato de fornecimento de diversos bens e serviços, contrato esse cujo início situa numa data certa com extensão a determinado período temporal, sem que tenha, no entanto, indicado quais os bens ou serviços prestados, em que quantidades, preços e datas de fornecimento. Desconhece-se mesmo se acaso se trata de um con-trato de fornecimento ou de prestação de serviço com prestações sucessi-vas, previamente acordadas, ou de uma série de transacções comerciais, ao longo do tempo, integrada por vários contratos parcelares ou avulsos a que corresponderão créditos autónomos. É certo que, no requerimento de injunção, o A. indicou os números e as datas de diversas facturas, mas nem estas nem aquelas indicações consti-tuem alegação de factos concretos respeitantes aos aludidos serviços, dei-xando assim a R. impossibilitada de tomar posição definida sobre cada ser-viço pretensamente prestado, nos termos requeridos pelo artigo 490º, nº 1, do CPC, como também seria inviável com base em tais elementos deter-minar o alcance objectivo do julgado. De resto, se porventura se trata de vários créditos autónomos, à R. assistiria o direito de os impugnar ou quiçá de invocar a prescrição em relação a cada um ou a alguns deles, como parece que pretendia, sem que o pudesse ter feito dada a falta da respectiva alegação concreta. É sabido que essa alegação poderia ter sido deduzida mediante a apresentação oportuna das facturas, na modalidade comummente aceite de alegação por remissão para documento, que tivesse sido junto em momento adequado a permitir à R. exercer o contraditório. Só que tal não foi feito. De facto, as facturas só foram apresentadas como meros elementos de prova na própria audiência de discussão e julgamento, que não como complemento alegatório na fase dos articulados. E terá sido com base nessa apresentação que se fez a produção de prova, sem a presença da R., de factos que afinal não constavam, como foi dito, do requerimento de injun-ção. Poderia ser-se tentado a dizer que a ausência da R. ao julgamento lhe é imputável, mas tal facto não lhe retire o direito a conhecer previamente os factos fundamento da acção para que pudesse oportunamente defender-se quanto a eles em articulado próprio. Outro argumento que não colhe é o da exigência da exposição sucin-ta dos factos no requerimento de injunção. Com efeito, exposição sucinta não significa falta de alegação dos factos estruturantes da causa de pedir, sob pena de se aniquilar o princípio do contraditório num procedimento que afinal é declarativo. Sucinto significa tão só sintético e mesmo aqui o grau de síntese terá de ser aquilatado em função de cada situação concreta, à luz do princípio da economia formal dos actos processuais consagrado no nº 1 do artigo 138º do CPC. Numa interpretação avisada, como manda o nº 3 do artigo 9º do CC, não se pode pretender pautar pela mesma bitola a densi-dade factual requerida por uma simples transacção comercial com a reclamada por uma série de transacções ou por um contrato de feição com-plexa, como, por exemplo, um contrato de empreitada. Nunca as exigências de simplificação processual poderão ser enten-didas com um alcance que sacrifique os princípios básicos e estruturantes do processo. Se aquelas são um modo legítimo de facilitar o acesso à tutela judicial de quem demanda, jamais deverão chegar ao ponto de imolar, no altar do puro pragmatismo, as garantias de defesa, não menos legítimas, de quem é demandado, sob pena de se subverter o princípio do processo equi-tativo e os princípios, que dele defluem, do contraditório e da igualdade substancial das partes afirmados, além do mais, nos artigos 3º e 3º-A do CPC. O imperativo da tutela efectiva tanto vale para o autor como para o réu. Assim, haverá que adequar a exigência de simplificação da exposi-ção dos factos no requerimento de injunção à envergadura de cada caso, de forma a que fiquem ao menos garantidos o exercício do contraditório e a exigência da delimitação objectiva do julgado, tanto mais que este passa a estar dotado de uma exequibilidade reforçada, mormente em virtude da oponibilidade restrita a que está sujeito em sede de execução, nos termos do artigo 814º do CPC. Não se fica aqui insensível à frustração da expectativa do A. provo-cada por uma absolvição da R. da instância depois de todo o iter processual percorrido, como também não se poderia ficar impassível a uma condena-ção da R. com desprezo pelos seus direitos de defesa. Mas se atentarmos bem no desenvolvimento da instância, verificamos que a R. fez o que esta-va ao seu alcance e lhe era exigível para proporcionar um julgamento equi-tativo, suscitando, em devida altura, o que lhe era possível exercer em sede de contraditório, enquanto que o A. embarcou no facilitismo de aligeirar, subestimando, o ónus de alegação dos factos no requerimento de injunção, reservando-se a apresentar as facturas só à boca do julgamento, o que, diga--se de passagem, lhe era permitido fazer em sede de prova, mas não lhe era lícito enquanto complemento nuclear da alegação da causa de pedir. Afinal, tal comportamento levaria a que a R. fosse surpreendida na audiência com factos concretos sobre os quais não lhe fora dada oportunidade de organizar a sua defesa. Também não se pode deixar passar em claro o facto de o tribunal “a quo” não ter providenciado, quando findos os articulados e recebidos os autos, pelo aperfeiçoamento do requerimento de injunção, ao abrigo do dis-posto no nº 3 do artigo 17º diploma anexo ao Dec.Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, convidando o A. a juntar as aludidas facturas como comple-mento essencial desse requerimento e dando nova oportunidade de contra-ditório à R., o que, não obstante a gravidade do vício em causa, tendo em conta que estamos numa espécie de procedimento menos solene, se afigu-raria ainda assim viável num entendimento flexível e aberto da adequação do processo, por forma a conciliar as exigências de celeridade com as garantias de defesa; tanto mais que o procedimento em causa só comporta dois articulados e o prazo de oposição é apenas de 15 dias (art. 12º, nº 1, do mencionado diploma anexo). Porém, uma vez chegados ao presente momento processual, já tal suprimento não se mostra legalmente admissível, não restando outra alter-nativa que não seja a absolvição da R. da instância, o que não prejudica a instauração de uma nova acção sobre o mesmo objecto com eventual apro-veitamento retroactivo dos efeitos civis derivados da propositura do presente procedimento e da respectiva notificação da R. para deduzir opo-sição, aliás em conformidade com o disposto no artigo 289º do CPC. Em suma, não se vê que seja a R. o interveniente processualmente responsável pela situação a que se chegou e que, por isso, deva suportar as respectivas consequências. Pelo que fica dito, conclui-se que, no caso em apreço, se verifica uma manifesta falta de causa de pedir, o que torna o requerimento de injun-ção inepto, determinando à nulidade de todo o processo e a consequente absolvição da R. da instância nos termos dos dispositivos legais a este propósito acima citados. Termos em que se conclui pela total procedência da apelação. III – Decisão Destarte e por todo o exposto, decide-se dar provimento integral ao recurso e consequentemente: a) - anular a sentença recorrida; b) - e, na sequência disso, conhecer da excepção dilatória da ineptidão do requerimento de injunção, julgando a mesma pro-cedente e nulo todo o processo, absolvendo a R. da instância. Custas da acção e do recurso ficam a cargo do apelado. Lisboa, 3 de Dezembro de 2009 O Juiz Relator Manuel Tomé Soares Gomes ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] In CJ Ano IX, Tomo 2º, pags. 129-130. |