Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
950/21.0T8SXL-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: ERRO NA FORMA DE PROCESSO
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - Tendo sido apresentado, na pendência da ação de divórcio, requerimento em que é peticionada a fixação de um regime provisório de utilização da casa de morada de família, com referência (incorreta) ao art. 1407.º, n.º 7, do CPC e indicação de que seria para apensar àquela ação, é fora de dúvida que se está perante a dedução do incidente previsto no art. 931.º, n.º 7, do CPC, não se podendo considerar verificado um erro na forma do processo, nem sequer na qualificação do meio processual, mas tão só uma irregularidade, que é retificável mediante a incorporação de todo o processado por apenso nos autos de divórcio.
II - Pese embora tal retificação apenas tenha sido determinada na decisão final do incidente, quando o tribunal se apercebeu dessa irregularidade, a mesma não gera nenhuma nulidade processual, pois é insuscetível de influir no exame ou na decisão da causa (cf. art. 195.º, n.º 1, do CPC), pela simples razão de que o processado que foi seguido em nada diferiu do que haveria de ter sido observado se logo, no despacho liminar, se tivesse, ao abrigo do disposto no art. 6.º do CPC, feito a correção necessária. Como foi observada uma tramitação que seria adequada à prolação de decisão definitiva sobre a atribuição da casa de morada da família, ainda que se verificasse um erro na forma do processo, jamais conduziria à anulação de todo o processado, que poderia ser aproveitado na íntegra sem qualquer diminuição de garantias do Réu.
III - Tendo o Tribunal, aquando da inquirição das testemunhas, decidido, por despacho exarado em ata, que o Requerido se encontrava devidamente citado, despacho de que ele, ora Apelante, teve conhecimento, tanto assim que até o citou na íntegra na sua alegação de recurso, não interpondo recurso do mesmo, o qual transitou em julgado (cf. art. 620.º do CPC), é inadmissível, no recurso que é interposto unicamente da sentença, julgar verificada uma nulidade processual contrariando o que foi antes decidido e passou em julgado em primeiro lugar (cf. art. 625.º do CPC).
IV - Ainda que assim não fosse, seria de convocar o disposto no art. 189.º do CPC, concluindo-se que, mesmo que existisse uma falta de citação do Requerido, sempre estaria sanada a (eventual) nulidade processual daí resultante, considerando que, conforme consta da respetiva ata, esteve presente na tentativa de conciliação sem arguir então qualquer nulidade por falta de citação, tendo sido explicitamente notificado e advertido de que podia deduzir oposição no prazo de 10 dias, apenas não recebendo na altura cópia do requerimento inicial porque se decidiu ausentar antes de a diligência ter sido declarada encerrada.
V - A invocada “omissão da análise crítica dos meios probatórios produzidos” não constitui a causa de nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, mas, quanto muito, poderia levar a que fosse determinado ao tribunal de 1.ª instância que fundamentasse devidamente a decisão sobre alguns factos essenciais para o julgamento da causa, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (cf. art. 662.º, n.º 2, al. d), do CPC), o que, no caso, não se justifica, face à motivação sucinta constante da decisão recorrida e ao mais que foi explanado no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
PT interpôs o presente recurso de apelação da decisão que julgou procedente o incidente de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido por MT, no âmbito do processo de divórcio em que são partes (Réu e Autora, respetivamente).
O requerimento inicial, foi apresentado em 13-07-2021, constando do seu proémio que a Requerente “vem por apenso à ação de divórcio sem consentimento de outro cônjuge” e, no formulário do Citius, que a finalidade era “Apensar a Processo Existente”. A Requerente veio - invocando (certamente por lapso) o disposto no art. 1407.º, n.º 7, do CPC (a que corresponde o art. 931.º, n.º 7, do atual CPC) - pedir que fosse fixado um regime provisório de utilização da casa de morada de família, alegando, para tanto e em síntese, que:
- Requerente e Requerido casaram a 19 de julho de 1987;
- Ambos vivem na mesma casa, mas dormem em quartos separados e têm vidas económicas separadas;
- O Requerido agrediu a Requerente, tendo esta receio dele;
- O Requerido continua a ameaçá-la e o ambiente é insustentável, não existindo diálogo, apenas discussões permanentes;
- Ambos são proprietários de outra casa, na Cruz de Pau, (um andar), onde o Requerido poderia viver;
- O filho mais velho do casal ainda vive com a Requerente e Requerido, assistindo aos conflitos entre ambos, temendo a Requerente que o filho e o pai se possam envolver fisicamente, criando um mau ambiente que afeta negativamente a relação entre ambos;
- Vive igualmente na casa de família a mãe da Requerente, com 93 anos de idade;
- O Requerido tem vida autónoma e condição económica independente, sendo sócio gerente de uma empresa de viagens.
Foi proferido despacho liminar que convocou a tentativa de conciliação para o dia 21-10-2021, mandando aplicar o disposto no art. 931.º, n.ºs 1 e 5, ex vi do art. 990.º, n.º 2, ambos do CPC.
 Em 19-07-2021, foi enviada carta registada para citação do Requerido, para a morada da sua casa (Rua …, n. …, Amora), a qual veio devolvida em 09-08-2021 pelo motivo de não ter sido reclamada.
No processo de divórcio, após ter sido devolvida, por não ter sido reclamada, a carta para citação do Réu enviada (a 12-05-2021) para tal morada, foi realizada a citação do Réu através de carta registada com a/r enviada para o seu domicílio profissional, a qual foi recebida, conforme a/r junto aos autos a 27-07-2021.
No dia 21-10-2021, realizou-se a tentativa de conciliação, na qual compareceram ambas as partes, fazendo-se constar na respetiva ata que a diligência apenas se iniciou após a chegada do Requerido e ainda que, quanto ao apenso A, pela Requerente foi dito que a casa morada de família é Rua …, n.º …, Amora, tendo o Sr.º Juiz solicitado que clarificasse qual a situação da casa morada de família, ao que foi dito que as partes adquiriram a casa durante o casamento e que, por isso, a casa é bem comum.
Ademais, conforme consta da respetiva ata, “As partes não se entenderam quanto à casa de morada de família.”, tendo, de seguida, sido proferido pelo Sr. Juiz o despacho com o seguinte teor: “Não tendo havido conciliação quanto a casa morada de família notifique o requerido para querendo contestar presente acção nos termos do art.º 990, n.º 2 do CPC, advertindo-se o mesmo que nos termos do art.º 293.º n.º 2, a oposição é apresentada em 10 dias.” Na parte final da ata consta ainda a seguinte menção: “Consigno que quando sai da sala de julgamento para entregar a cópia da PI o réu já não se encontrava presente neste tribunal, tendo inclusive deslocado à portaria, mas sem sinal do mesmo.”
Nessa data realizou-se igualmente tentativa de conciliação no âmbito do processo de divórcio.
Em 25-10-2021, foi expedida carta registada para notificação do Requerido, com cópia do requerimento inicial, mais tendo sido enviada, no processo de divórcio, carta registada para notificação do Requerido, com cópia da Petição Inicial, cartas essas que, em 18-11-2021, vieram devolvidas, por não terem sido reclamadas.
Em 16-11-2021, a Requerente apresentou requerimento defendendo que o Requerido deve ser considerado notificado.
A 17-11-2021, foi proferido despacho que designou o dia 30-11-2021 para prestação de declarações pelas partes e inquirição das testemunhas arroladas; nesse despacho refere-se ainda que, conforme pesquisa efetuada nos CTT, se verificara que a carta enviada para notificação do Requerido já estava em devolução, pelo que se determinou que fosse efetuada a notificação do mesmo por órgão de policial criminal, na morada da PI ou, em alternativa, no local de trabalho, considerando o “A/R que o mesmo assinou no local de trabalho na anterior citação nos autos principais”.
Em 19-11-2021, no processo de divórcio, foi proferido o despacho com o seguinte teor:
“O prazo para a contestação começou a correr desde o dia em que o R. não recebeu a cópia da P.I. porque se quis voluntariamente ausentar, não obstante lhe ter sido claramente explicado que iria no final da diligência receber cópia da PI e que teria 30 dias para contestar; cf. art. 224 n. 2 do CC.
Assim aguarde-se o termo do prazo (+ 3 dias úteis).”
O Réu não deduziu oposição (nem tão pouco apresentou Contestação na ação de divórcio).
Solicitou-se à PSP a notificação do Requerido, a qual não foi possível efetuar, constando na certidão negativa, junta aos autos em 02-12-2021, que o mesmo reside na morada indicada, mas se furta ao contacto policial.
No dia 30-11-2021, o Requerido não compareceu e foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente, tendo previamente sido proferido despacho - exarado em ata - com o seguinte teor:
“Antes de iniciar a diligência consultei no Citius que existe uma certidão negativa da PSP.
Contudo e como já referimos nos autos de divórcio, o requerido foi informado e na tentativa de conciliação de 21 de Outubro de 2021, da existência do pedido de atribuição da casa morada de família e foram-lhe dados 10 dias, para querendo se opor e o mesmo não obstante ter sido advertido de que seria entregue a petição de divórcio e da casa morada de família, optou por se ausentar do tribunal sem aguardar que lhe fossem entregues as cópias, além disso não recebe as cartas, nem se consegue notificar pela entidade policial, sendo que estas últimas tentativas são supérfluas pois o mesmo deve considerar-se regulamente notificado e dizemos supérfluas porque interessa ao tribunal que exista um pleno contraditório que na procura da solução mais justa e equitativa e tal só será cabalmente possível se tivermos a contribuição de todos. O requerido opta por ostensivamente por não contribuir, não havendo dúvidas que o mesmo se deve considerar notificado para deduzir oposição uma vez que só não recebeu a petição por facto que lhe é imputável, tudo conforme já referimos no divórcio, (art.º 224 n. 2 do CC) pelo que a diligência prosseguirá.”
De seguida, em 04-12-2021, foi proferida a decisão (recorrida), da qual consta - além de relatório, saneador tabelar, decisão da matéria de facto e fundamentação de direito - o segmento decisório com o seguinte teor:
“Pelo exposto, atribuo provisoriamente a casa de morada de família ao cônjuge mulher.
Custas pela A. atenta a falta de oposição do R.
Reg., not. e dê baixa.
*
Verifico agora que o presente processo não se trata de ação não provisória para atribuição da casa de morada de família, mas de incidente provisório de atribuição da casa de morada de família. Aquele corre por apenso ao divórcio, nos termos do art. 990. n. 4 do CPC e este corre nos próprios autos nos termos do art. 931, n. 7 do CPC.
Assim sendo, após trânsito, incorpore os presentes autos no divórcio.”
Inconformado com esta decisão, veio o Requerido interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que reproduzimos, salvo passagem que constitui citação do despacho proferido em 30-11-2021):
I. A A. instaurou contra o ora R. incidente de atribuição da casa de morada de família, a qual foi tramitada até á sentença nos termos do art. 990º do CPC.
II. Citação e notificações, foram elaboradas nos termos e para os efeitos do art.º 990.º do CPC.
III. O incidente de atribuição da casa de morada de família previsto no artigo 990º do CPC constitui procedimento distinto daquele que visa regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos previstos no artigo 931º, n.º 2, do CPC.
IV. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr. arts. 193º e 196º, do CPC).
V. O qual deverá ser conhecido no despacho saneador (cfr. art. 595º, n.º 1, al. a), do CPC) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr. art. 200º, n.º 2, do CPC).
VI. Nos autos em apreço não houve lugar a despacho saneador, pelo que, esta nulidade teria de ser apreciada oficiosamente até à sentença final, conforme decorre da lei;
V. E não sanada, como parece ter sido intenção do Tribunal, após a prolação da sentença e em momento subsequente à decisão final.
VI. Considerando o erro na forma de processo e não sendo possível o aproveitamento de qualquer dos actos praticados, ao abrigo do disposto no artigo 193º CPC, impõe-se declará-los anulados e indeferir liminarmente a petição inicial.
VII. Quanto á falta de fundamento da sentença de que se recorre, resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do CPC que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado;
VIII. Por outro lado, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, o que se verifica no caso em apreço;
IX. Não é bastante e suficiente que o juiz decida a questão posta;
X. É indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz a quo.
XI. Assim, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais.
XII. Do teor da decisão recorrida resulta que o Mº Juiz a quo definiu a matéria de facto que considerou relevante para a decisão da causa, mas omitindo por completo a análise crítica do meio probatório produzido, que foi unicamente testemunhal, inexistindo na sentença qualquer alusão ou análise de prova documental.
XIII. O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra-processual, decorre do art. 208º, n.º 1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como na decisão de direito.
XIX. Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu o Mº Juiz a quo a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, única e exclusivamente no art. 931º, n.º 7 do CPC, quando a acção foi por completo tramitada ao abrigo do art. 990º do mesmo diploma legal, concluindo pela procedência da pretensão da autora.
XX. Pelas razões supra aduzidas, deve ser decretada a nulidade da douta sentença recorrida (cfr. art. 615º do CPC).
XXI. Foi ainda o Réu nestes autos citado para a casa de morada de família, sendo a citação devolvida por não reclamada, em 9.08.2021;
XXII. Pelo que e quando da realização das tentativas de conciliação no âmbito dos dois processos (atribuição da casa de morada de família e divórcio sem o consentimento do outro cônjuge) o ora recorrente apenas se encontrava citado para a tentativa de conciliação no âmbito do processo de divórcio sendo esta citação efectuada no domicílio profissional do Réu.
XXIII. Compareceu o Réu para a tentativa de conciliação do divórcio e apenas ciente desta diligência, sendo esta precisamente a natureza jurídica e função da citação.
XXIV. O recorrente compareceu na diligência de tentativa de conciliação no processo de divórcio, sem se encontrar acompanhado de advogado.
XXV. Na diligência encontravam-se presentes o Meritíssimo juiz a quo a mandatária da Autora com poderes especiais e o Réu;
XXVI. Na tentativa de conciliação no processo de divórcio, foi abordada a intenção (ou não) das partes em se divorciar e procurado o acordo, que não foi obtido, quanto ao único aspecto ali em causa – a casa de morada de família – posto que os filhos do casal já são maiores;
XXVII. O Réu chamado aos autos para intervir na diligência referente ao divórcio, e encontrando-se desacompanhado de advogado, terminada a mesma, convenceu-se que, por falta de acordo para a convolação do divórcio em mútuo consentimento (por vontade expressa do réu de não se pretender divorciar) estava terminada a diligência, que seria notificado por não haver acordo e posteriormente haveria o julgamento do divórcio;
XVIII. Em 25.10.2021 foram remetidas duas notificações ao recorrente, uma para contestar a acção de divórcio e outra para contestar o incidente de atribuição da casa de morada de família, ambas enviadas para a casa de morada de família, das quais não teve conhecimento;
XIX. Ambas as notificações foram devolvidas aos autos respectivos em 18.11.2021;
XX. E, estranhamente, ou talvez não, ainda antes da devolução aos autos das frustrações das referidas notificações, mais concretamente em 16.11.2021 a A., certamente com informação privilegiada, entregou nos autos um requerimento, afirmando que o Requerido/recorrente se furta às notificações.
XXI. Ora, face à devolução aos autos da notificação supra referida (respeitante à acção ora em causa) é nesta confluência proferido despacho, em 17.11.2021, ordenando a notificação do ora recorrente através de órgão de polícia criminal, para comparecer na audiência de julgamento no dia 30.11.2021.
XXII. Notificação esta, a efectuar na casa de morada de família OU no local de trabalho;
XXIII. Em 29.11.2021, data designada para a audiência de julgamento na acção de atribuição da casa de morada de família, é junto aos autos ofício da PSP, informando da impossibilidade de notificação do Réu;
XXIV. Em 30.11.2021 realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido o requerido dado como “ausente”, conforme resulta da respectiva Acta;
XXV. E, por despacho, o Meritíssimo Juiz a quo considerou o Réu regularmente notificado, invocando que: (…)
XXVI. Em súmula é claro e evidente que da tramitação processual, resulta à saciedade que o recorrente não foi citado para os termos do processo, não podendo em momento algum falar-se de “notificação”, pelas razões e respectiva cronologia que sobejamente supra se explanou, tendo sido proferida a sentença recorrida à mais absoluta revelia do recorrente, o que consubstancia uma nulidade.
XXVII. Aliás, como facilmente se depreende, o recorrente não foi citado para intervir nos presentes autos, tendo sido coarctada a sua intervenção e apenas tomou conhecimento da existência deste processo com a notificação da sentença recorrida.
XXVIII. Sentença essa remetida para a casa de morada de família e de forma não inocente, assinado o respectivo aviso por “MT”, que é, nem mais nem menos, é a Autora.
XXIX. Por outro lado cumpre ainda, e com relevo, assinalar que, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 607º do CPC “a sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar” e “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” (Sublinhado nosso)
XXX. Analisada a douta sentença recorrida, verifica-se que após a decisão final, e de forma envergonhada em modo de rodapé e tendo a acção seguido a tramitação prevista no art. 990º do CPC, entende o Tribunal fazer uma inflexão de fundo – “Verifico agora que o presente processo não se trata de ação não provisória para atribuição da casa de morada de família, mas de incidente provisório de atribuição da casa de morada de família.
Aquele corre por apenso ao divórcio, nos termos do art. 990. n. 4 do CPC e este corre nos próprios autos nos termos do art. 931, n. 7 do CPC.” (Sublinhado nosso), como se de mera correcção, sem consequências, se tratasse, pelo que, também sob esta perpectiva, e salvo o devido respeito, e que é muito, por opinião contrária, estamos perante uma nulidade da sentença.
XXXI. Em suma, e sob esta perspectiva de análise, por falta de citação é nulo todo o processado posterior à petição inicial apresentada em juízo pela Autora em 13.07.2021 (art. 187º, al. a) do CPC).
XXXII. Resulta dos autos com elevado grau de clareza que o Réu não recebeu a carta de citação para se opor ao incidente contra si proposto, estando ilidida a presunção do art. 225º do CPC.
XXXIII. Na acepção do art. 219º, n.º 1 do CPC: “A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender e emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.”.
XXXIV. A citação é um acto de comunicação do processo a um interessado, e a sua importância advém de ser pressuposto da contraditoriedade (art. 3º, n.º 1 do CPC), encerrando, assim, um duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa, daí que a lei regule cautelosamente a sua tramitação, os seus efeitos e as sanções das irregularidades que quanto a este acto se podem verificar.
XXXV. No caso subjudice, estamos perante a falta de citação, prevista no art. 188º, n.º 1, al. e) do CPP, redundando num claro prejuízo para a defesa do Réu, o que se invoca nos termos do disposto nos arts. 189º e 198º, do mesmo dispositivo legal.
XXXVI. E, assim, é nulo, todo o processado posterior ao requerimento Inicial apresentado pela Autora em 21.04.2021 (art.º 187º, al. a) do CPC).
XXXVII. Deverá ser declarada a falta de citação, e, nessa confluência, anulado todo o processado posterior ao requerimento Inicial apresentado pela Autora em 21.04.2021 (arts. 188º, n.º 1, al. e), 189º, 198º e 187º, al. a) do CPC).
XXXVIII.          Deverá ser declarada a nulidade da sentença por erro na forma do processo, como sobejamente se alega;
XXXIX. Mais deverá ser declarada a nulidade sentença por falta de citação do Réu;
Termina o Apelante pugnando pela procedência da apelação e, consequentemente, “ser declarada a nulidade da sentença prolatada a 04.12.2021, para tanto ser determinado o prosseguimento dos autos segundo a forma de processo que lhe foi atribuída pela autora” e “(S)er ainda determinada a regular citação do apelante, por carta registada com aviso de recepção a enviar para o seu domicílio profissional onde este indubitavelmente é notificado e sem estar sujeito á acção/omissão de terceiros, com ulterior prosseguimento dos autos”.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Foi proferido despacho de admissão do recurso e apreciação das nulidades nos termos do art. 617.º, n.º 1, do CPC, cujo teor é, no que ora importa, o seguinte (dada a extensão do despacho, omitimos algumas passagens que são citações):
«I. Nulidades
1.1. Apreciação das três nulidades invocadas – razão de ordem
Nos termos do art. 617 n. 1 do CPC, se a nulidade for suscitada no recurso, e foi, compete ao juiz apreciá-la no despacho que admite o recurso, sendo que, se não o fizer, subindo o recurso, o relator pode mandar baixar os autos para que o juiz conheça da nulidade, nos termos do art. 617, n. 5 do CPC.
O Réu vem invocar nada menos do que três nulidades:
Nulidade da sentença por erro na forma de processo
Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Nulidade da sentença por falta de citação
Vamos apreciar cada uma, deixando a nulidade por falta de fundamentação para o final por nos parecer ser sequencialmente mais lógica a sua apreciação após as outras duas, pois se se considerasse que a decisão era nula por falta de citação ou por ter sido anulado o processado desde a PI, de nada valeria saber se havia falta de fundamentação.
1.2. Nulidade da sentença por erro na forma de processo
Refere o R. que a A. instaurou contra o ora R. incidente de atribuição da casa de morada de família, que correu toda a sua tramitação (até à sentença) nos termos do art. 990 do CPC. Tal processo previsto no artigo 990º do CPC constitui procedimento distinto daquele que visa regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos previstos no artigo 931 do CPC.
Defende que se está perante erro na forma do processo que consubstancia nulidade que não poderia ser sanada após a sentença, pelo que pugna pela declaração de nulidade. Não sendo possível o aproveitamento dos atos praticados, os quais deverão ser anulados, deverá indeferir-se liminarmente a petição inicial.
Que dizer?
a) O lapso e não o erro
Efetivamente, talvez pelo facto da A. ter instaurado por apenso a sua pretensão e no início da PI, no cabeçalho, destacar que vinha por apenso à ação de divórcio deduzir incidente de “habilitação de atribuição da casa de morada de família”, sem mencionar qualquer provisoriedade, tenhamos sido, tal como a Secção, induzidos em erro sobre a real (e algo incompreensível) pretensão da A.
De facto, não se compreende esta opção da A. em pedir “o menos”, quando pode pedir “o mais”, sendo que aqui nem há inversão do contencioso, sendo efetivamente incompreensível que, após tão complexa tramitação e exaustiva instrução, a decisão aqui proferida vá caducar agora com o trânsito em julgado da sentença de divórcio hoje proferida, obrigando a A. a instaurar nova ação de atribuição da casa de morada de família caso a A. pretenda continuar na casa de morada de família e caso o R. não saia da mesma, nem seja aplicada ao R. medida de coação de afastamento da A. na sequência de eventual inquérito pelo crime de violência doméstica, na sequência da certidão dos autos de divórcio a remeter para o MP (SEIVD), uma vez que, além do relatado pelo filho naqueles autos, a filha concretizou no julgamento do divórcio mais factos, nomeadamente ter presenciado o pai a apertar o pescoço à mãe, à sua frente, e por duas vezes.
O lapso de termos tramitado de uma forma não provisória este incidente obviamente não nos desculpa, sendo um lapso de que nos penitenciamos, e que nos levou a tratar um simples requerimento de atribuição provisória da casa de morada de família nos termos do art. 931, n. 7 do CPC como se fosse uma ação do art. 990 do CPC.
b) Não há erro, pois a forma está correta de acordo com o alegado e pretendido pela A.
Não há qualquer erro na forma do processo, pois “o processo” não entrou por erro com uma forma que, afinal, deveria ser outra.
A A. apesar de ter instaurado por apenso e no cabeçalho nada referir sobre a pretensão de uma decisão provisória, logo no art. 2º do seu requerimento se reporta ao revogado art. 1407, n. 7 do CPC, mas que obviamente pretendia referir-se ao atual art. 931, n. 7 do CPC, pedindo apenas a atribuição provisória da casa de morada de família. Citamos o art. 2º do “requerimento inicial”:
(…) Sendo que a A. termina:
Nestes termos e nos melhores de direito, e com mui douto suprimento, se requere a V. Excia, que se digne fixar, ao abrigo do artº 1407 nº7 do CPC, regime provisório de utilização da casa de morada de família
Ou seja, a A. afinal só queria uma decisão provisória.
Não obstante isto, o processo foi tramitado como se fosse uma ação do art. 990 do CPC que nos diz o seguinte:
(…) Ou seja, a ação do art. 990 do CPC, segue as regras do art. 931, ns. 1, 5 e 6, do CPC, no fundo a tramitação do divórcio, pelo que, mesmo que houvesse erro na forma do processo, nunca poderiam deixar de ser aproveitados todos os atos praticados, sendo que os praticados foram muito mais exigentes e deram muito mais garantias ao R.
Na ação do art. 990 do CPC dá-se um prazo para oposição que não pode ser inferior ao previsto no art. 293 do CPC (cfr. art. 990, n. 2 do CPC), ou seja, de 10 dias, e na fixação da atribuição provisória da casa de família, do art. 931, n. 7 do CPC, que é o que a A. pretende, a audição do R. poderia ter sido a que foi feita na tentativa de conciliação e aí, após tal audição, poderia logo ter sido atribuída provisoriamente a casa de morada de família à A., ou poderia ter sido dado um prazo de 3, 5 ou 8 dias para o R. se opor e depois decidir-se sem necessidade de audição de testemunhas, perante o silêncio do R. e caso se considerassem fundadamente não serem necessárias mais diligências. No regime do art. 990 do CPC, o R. tem garantido sempre um prazo de oposição de 10 dias.
Em conclusão, mesmo que tivesse havido erro na forma do processo, nunca poderia levar à anulação de qualquer ato, pois todos os atos praticados nestes autos erradamente, acreditando-se que se estava perante ação do art. 990 CPC, deram sempre mais garantias ao R. e poderiam ou não ter sido praticados se se tivesse tramitado a pretensão da A. da forma que ela pretendia desde o início.
Relembramos o texto do art. 931, n. 7 do CPC:
(…) Em última análise procederam-se às diligências que se tiveram por necessárias, talvez até exageradas, sendo que se procedeu como se estivéssemos perante uma decisão não provisória.
Não havendo erro na forma do processo, pois no fundo a A. colocou o requerimento/”processo” correto, quanto a causa de pedir e pedido, só erradamente o fez por apenso, mas tal só deveria, como levou, ao despacho (ainda que no final da decisão) a determinar a sua incorporação nos autos principais de divórcio, nunca a erro na forma do processo.
Caso contrário, se se decidisse que havia erro na forma do processo decidir-se-ia que este “processo” deveria ser o “processo” do art. 931, n. 7 do CPC, quando foi isso que a A. fez, deduziu o “processo” do art. 931, n. 7 do CPC.
O que houve foi um lapso do Tribunal que tramitou o requerimento do art. 931, n. 7 do CPC, como se fosse ação muito mais complexa e garantística do art. 990 do CPC, lapso que, ao ser detetado, apenas levou a que se determinasse a incorporação do apenso A. nos autos principais, mantendo-se tudo o que foi processado, pois em parte alguma, por se ter tramitado erradamente o processo que a A. sempre quis, e não errou na sua pretensão inicial, o R. foi minimamente prejudicado.
Pelo que não existe a invocada nulidade por erro na forma do processo.
1.3. Nulidade da sentença por falta de citação
O R. refere que a A. não indicou morada e só se tentou citá-lo para a morada onde habita com a A., a qual está lá todo o dia pois tem lá a mãe de 93 anos “e se encontra sempre em casa, podendo receber a correspondência desta” (esta afirmação não está minimamente demonstrada, pois se é verdade que se apurou que a A. cuida da mãe, também se sabe do depoimento das testemunhas que A. trabalhar na mesma empresa do R. e que os dois também aí se encontram quando estão a trabalhar).
Sobre esta matéria vamos transcrever o que se afirmou na ação de divórcio:
3.1.1. Da citação e notificações do R. – a questão
Nas suas alegações orais o R. colocou grande ênfase na falta ou irregularidade das citações e notificações e, da consulta do apenso A., que já teve sentença a 04.12.2021 foi interposto recurso invocando-se a nulidade da citação.
3.1.2. Da citação e notificações do R. – a tramitação
(…) Na primeira tentativa de conciliação, a 17.06.2021, verificando-se que a segunda citação postal, já com o nome correto do R., se tinha frustrado a A. pediu para se tentar a citação do Réu no seu local de trabalho tendo adiantado o endereço como: Rua …, n. …, Centro Comercial BelSul, loja …, Cruz de Pau, 2845-050 Amora, onde o R. foi citado tendo assinado o AR conforme AR junto a 27.07.2021.
O R. compareceu na tentativa de conciliação e como já se disse acima explicou-se ao Réu, que se opunha ao divórcio, que tinha 30 dias para contestar o divórcio (veja-se a partir de 6:50 da gravação até final), explicando-se mais à frente que precisava de um advogado para o fazer, e que tinha também 10 dias para se opor à atribuição da casa de morada de família. Em concreto, durante 5 minutos e 25 segundos esteve a explicar-se ao requerido que tinha 30 dias para contestar o divórcio e 10 dias para se opor à atribuição da casa de morada de família. O R. foi vivamente aconselhado a procurar advogado.
Porém, o R. ausentou-se do Tribunal tão rapidamente que não foi possível entregar-lhe a PI.
Por iniciativa da secretaria, o R. foi novamente notificado para contestar, tendo a carta sido remetida para o local de trabalho do R., na Rua …, n. …, Centro Comercial BelSul, loja …, Cruz de Pau, 2845-050 Amora, só que desta vez, a carta veio devolvida, carta que foi junta aos autos a 18.11.2021, tendo a indicação de que foi deixado aviso no local de trabalho do R., sendo por isso mais uma vez de lamentar as intenções colocadas nas alegações orais face à atuação dos oficiais de justiça e do Tribunal (o que se aplica mesmo que não se tivesse voltado a insistir na notificação para o local de trabalho, pois naturalmente os funcionários e o juiz não andam a tramitar os processos com intencionalidade sobre quem é notificado ou tudo fazendo para alguém não ser notificado).
Para clarificar que se tratou de louvável iniciativa da Secção proferiu-se o despacho de 19.11.2021:
(…) Curiosamente no apenso A., por iniciativa da secretaria, o R. foi novamente notificado para contestar no apenso A., desta vez para a morada onde habita. Porém, a carta veio devolvida, pois está junta aos autos a 18.11.2021, tendo a indicação de que foi deixado aviso.
Ou seja, o R. nem na morada que habita, nem na loja onde trabalha, depois de receber a primeira citação na loja onde trabalha, passou a receber cartas do Juízo de Família do Seixal.
No apenso A. foram muitas as tentativas para fazer o R. intervir, sendo que no apenso A, depois de se perceber que o R. se furta às notificações, e desaparece do Tribunal antes de ser possível entregar-lhe cópia da PI, quando se designou o julgamento, determinou-se a notificação do R. pela entidade policial, a qual informou no ofício entrado a 30.11.2021 no apenso A o seguinte: (…)
3.1.3. Apreciação da ausência do R. sem esperar pela entrega da PI – a potencial invocação do desconhecimento da lei
Nos termos do art. 6 do Código Civil a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.
Nos termos do art. 931 do CPC (Tentativa de conciliação)
(…) A lei é muito clara, o R., tendo sido advertido de que tinha de contestar em 30 dias, caso o quisesse fazer, seria notificado imediatamente, pelo que não se poderia ausentar para se furtar à notificação. Além de lhe ter sido pessoalmente explicada a necessidade de contestar, caso não concordasse com o divórcio, o R. não pode invocar que desconhecia que era no Tribunal que que era notificado. Não podia ausentar-se desinteressando-se do que se passou e do que se passaria a seguir.
Nos termos do art. 224, n. 2 do CC é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. O mesmo se aplica à notificação que a Sr.ª Oficial de Justiça ia fazer, dando uma cópia da PI. O Réu só não a recebeu e não teve conhecimento da mesma por exclusiva culpa sua.
3.1.4. Apreciação da ausência do R. sem esperar pela entrega da PI – a profissão e qualificações do R.
Como se vê da pesquisa da Segurança Social junta a 18.11.2021, o R. é membro de estatutário da empresa “(…) - AGENCIA DE VIAGENS & TURISMO LDA, aí trabalhando desde 01-04-2000.
Das repetidas audições dos filhos de A. e R. e do referido pela A. nas tentativas de conciliação, os mesmos referiram que o Réu tem uma empresa, agência de viagens, com porta aberta, a qual gere.
O R. não é um artesão iletrado. O R. gere uma empresa que tem de dominar línguas estrangeiras, contatar com todo o tipo de entidades nacionais e internacionais, sendo uma atividade comercial muito diferenciada e especializada.
O R. sabe e tem obrigação de saber que os assuntos judiciais não são para serem tratados com leviandade, sobretudo se o mesmo não tem os conhecimentos bastantes. O R. sabe que tem de se informar e, não sabendo, recorrer a quem sabe. Mesmo que saiba de contabilidade, o R. seguramente recorre a gabinete de contabilidade. E se o R. recebe alguma notificação de uma agência governamental, das finanças que não percebe nem sabe as implicações que possa ter, seguramente recorre a especialista.
Qualquer cidadão que recebe uma notificação do Tribunal para comparecer ao mesmo sabe que existem advogados a quem pode, e diríamos, deve, recorrer, sobretudo se não percebe nada de direito. Quem decide ir a Tribunal sem estar acompanhado de advogado, não pode depois culpar a contraparte, o Tribunal, o legislador ou quem quer que seja de que não ficou a perceber o que se passou nem que tinha um prazo para contestar (além de que, como referimos, o desconhecimento da lei não o isenta do seu cumprimento).
Pelo que não colhe a tese, que nem chegou a ser defendida, de que o R. não sabia que tinha de contestar na sequência da tentativa de conciliação.
3.1.5. Apreciação da ausência do R. sem esperar pela entrega da PI – as longas explicações do Tribunal que de nada serviram.
O juiz poderia ter dito no final: cumpra o art. 931, n. 1, segmento final do CPC.
Mas não.
Houve pedagogia, explicação, disponibilidade para esclarecer as dúvidas relevantes do R.
Se é dito ao longo de muitos minutos pelo juiz que o R. não concordando irá ter de se pronunciar quanto à casa de morada de família e quanto ao divórcio, qual seria a atuação de um cidadão com um mínimo de literacia e diligência: acabada a diligência trataria de cuidar dos seus assuntos e não simplesmente ir-se embora rapidamente sem deixar que a funcionária o alcançasse.
Acresce que o Tribunal teve toda a disponibilidade, como se vê pela audição da gravação, grande paciência, pese embora várias interrupções e questões deslocadas colocadas pelo R. para explicar ao R. ao longo de mais de 5 minutos os prazos para contestar e a necessidade de, caso não concordasse, o fazer.
Salvo o devido respeito, e depois de se ouvirem cerca de 5 minutos a explicar-se ao Réu o que deveria fazer, com muito calma, paciência, e sem se cair em deslocado paternalismo, não se compreende que o R. venha sequer sugerir que não percebeu e não sabia que tinha de contestar.
Na remotíssima hipótese do R. se ter ido embora sem se questionar onde é que estava o papel (a PI) para contestar, então, se realmente o R. queria contestar e não optar por recorrer a "chicana" processual, o Réu tê-lo-ia feito, pelo que o R. só pode queixar-se de si próprio. Nessa remota hipótese foi a sua atitude de negligência e desinteresse por procurar informar-se do conteúdo da lei processual, sendo que o eventual desconhecimento da lei processual não o isenta do seu cumprimento, que levou a que não fizesse valer os seus pontos de vista.
Numa hipótese dessas, tal atitude do Réu sempre seria fortemente sancionada conforme o edifício jurídico que vem sendo contruído com sólidos fundamentos desde o Direito Romano e assim foi perdurando no nosso quadro civilizacional e deu origem, nomeadamente ao instituto da prescrição e como se refere no ac. STJ 22.09.2016 (Cons. António Piçarra) ... a prescrição continua a ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas.
De facto, para os Romanos Dormientibus Non Socurrit Jus!, ou seja, o direito não socorre os que dormem! E assim conseguiram manter um império suportado por institutos jurídicos que davam coesão ao trato social e económico e estavam na base de uma organização da sociedade.
Não progredimos muito desde então, pois nos dias de hoje, é prática comum e é entendimento generalizado nalgumas franjas que a fuga às notificações e às convocatórias isenta o destinatário do cumprimento das suas obrigações.
Realmente, assim, ninguém se entende, e não nos podemos queixar que justiça é lenta e incompreensível, se para os intervenientes tudo vale para tentar levar a bom porto os seus pontos de vista.
Que poderia o Tribunal fazer nestes casos? Em cada tentativa de conciliação pedir para a um segurança da portaria se colocar à porta da sala de audiência para impedir a saída do R. sem a PI para contestar? Contratar oficiais de justiça com mínimos olímpicos para conseguirem correr atrás do R. caso este se ausentasse logo da tentativa de conciliação alcançando-o antes de chegar ao seu automóvel?
3.1.6. Apreciação da ausência do R. sem esperar pela entrega da PI – a atuação processual do R.
As várias cartas remetidas para R. nestes autos e no apenso A. falam por si, bem como o facto do R. ter sido citado no seu local de trabalho a 21.07.2021 (AR junto a 27.07.2022 nos autos principais), comparece na tentativa de conciliação a 21.10.2021 onde é advertido durante mais de 5 minutos que tem 30 dias para contestar o divórcio e 10 dias para se opor à atribuição da casa de morada de família, e no divórcio é obrigatório constituir advogado se quiser contestar e o R. nada faz nos quase dois meses seguintes.
Relembramos: Dormientibus Non Socurrit Jus!,
O Réu só junta procuração no divórcio a 10.12.2021, quase 5 meses após ser pessoalmente citado e quase 2 meses depois de ser advertido presencialmente que tinha 30 dias para contestar e que necessitava de constituir mandatário.
Mas o R. nada fez. E quando interveio, foi essencialmente para se queixar de que não foi notificado...
Acresce, e nunca é demais relembrar, que nem com recurso à polícia se conseguiu notificar o R. como se refere no ofício da PSP entrado a 30.11.2021 no apenso A o seguinte:
(…) Acresce que se tudo isto não é “chicana processual” o R., em julgamento, poderia, como último recurso, ter, lealmente e de boa fé, explicado que se confundiu, se baralhou, que sempre quis intervir, mas pelas razões X e Y (por exemplo, esteve em coma), não o conseguiu fazer e, como tal, juntava provas, sendo que a A. poderia não se opor ou concordar com isso, ou o Tribunal, face ao requerido, e aos argumentos avançados e eventual prova produzida, poderia aceitar a produção de prova. E se o R. estava realmente interessado em contestar o divórcio, mesmo que explicasse e requeresse a produção de prova tardia (e sendo esta uma ação de estado a não contestação não implica a automática confirmação dos factos alegados pela A.) e esta fosse recusada, o R., ainda assim poderia ter requerido declarações de parte, incluindo das suas, onde poderia eventualmente explicar que afinal o casamento estava de saúde e para durar, e poderia juntar prova documental, eventualmente sendo condenado em multa ou esclarecendo da impossibilidade de a juntar antes. Seguramente se juntasse fotografias ou vídeos recentes que demonstrassem inequívoca afetividade, partilha e harmonia conjugal, tal seria seguramente admitido em nome da verdade material, que ambas as partes e o Tribunal devem procurar que prevaleça, em lugar de fomentar ou dar azo ou apoio à “chicana processual”. Mas não, o Réu apenas se queixa de não ter sido notificado, omitindo que se foi embora antes de tempo, sendo certo que, pelo que se disse, além de não poder invocar o desconhecimento da lei, a culpa de não ter levado a PI no final da tentativa de conciliação é exclusivamente sua, e como tal terá de assumir as consequências, em lugar de as atirar para o legislador, para a oficial de justiça, contraparte ou Tribunal.
Se este “processo”, afinal, não é um processo, mas um requerimento que solicita uma decisão provisória na pendência do divórcio, e foi e é essa a pretensão da A., é evidente que a única citação a ter lugar para a obrigatória tentativa de conciliação ocorreria, como ocorreu, no processo de divórcio (cfr. art. 931, n. 7 do CPC).
No entanto, mesmo que se defendesse que, optando-se por lapso por tramitar um pedido de atribuição provisória da casa de família como uma ação do art. 990 do CPC, sempre se teria de seguir tal tramitação, ainda assim não haveria nulidade de citação. De facto, na fórmula mais garantística da ação do art. 990 do CPC para a atribuição não provisória da casa de morada de família, o R. é citado para uma tentativa de conciliação a que se aplica, com as necessárias adaptações, o preceituado nos n.os 1, 5 e 6 do artigo 931.º, sendo, porém, o prazo de oposição o previsto no artigo 293.º..
E foi o que aconteceu e o R. compareceu pessoalmente na tentativa de citação.
Por isso, se houvesse nulidade de citação, a mesma estaria sanada nos termos do art. 189 do CPC, que nos diz que:
Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
Ora, o R. esteve presente na tentativa de conciliação de 21.10.2021, foi claramente advertido de que estava pedida a atribuição da casa de morada de família, tendo referido não concordar com a atribuição à A., e tendo sido enfaticamente advertido, durante 5 minutos e 25 segundos (veja-se a partir de 6:50 da gravação até final), que tinha 10 dias para se opor à atribuição da casa de morada de família, sendo vivamente aconselhado a procurar advogado e o R. nada fez.
Pelo que não estamos perante qualquer nulidade por falta de citação, a qual, a existir, e entendemos que não existe, também estaria sanada.
1.4. Nulidade da sentença por falta de fundamentação
Refere o R. que na sentença o juiz deve fundamentar explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”
E prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do CPC que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
O R. entende que a decisão “omitiu por completo a análise crítica do meio probatório produzido, que foi unicamente testemunhal, e não havendo na sentença qualquer alusão ou análise de prova documental.
Aliás, na “Motivação” da douta sentença recorrida pode ler-se apenas:
(…), sendo que esta matéria se desenvolve mais na parte do Direito.
Pelo que entende que se está perante nulidade.
Que dizer?
Uma coisa era a total falta de fundamentação, outra é a discordância do R. quanto à sua suficiência para se considerar convencido.
Não tendo o R. apresentado oposição, na sequência da tentativa de conciliação, onde o Réu referiu não concordar com a atribuição da casa de morada de família à A., e onde foi advertido durante mais de 5 minutos pelo juiz da necessidade de, mantendo a sua oposição, a expressar nos autos em 10 dias, sendo vivamente aconselhado a procurar advogado, o que nos parece é que a decisão até está fundamentada em excesso, pois nem era preciso tanto, e, para uma decisão provisória, como a dos autos, atento o que se passou na tentativa de conciliação e o alegado pela A. quanto à sua pretensão de atribuição provisória da casa de família e à mera oposição do R. sem concretizar razões de fundo e nada colaborando com a instrução do incidente, tal bastaria para eventualmente se produzir a decisão provisória, prestes a caducar no presente momento, sendo defensável que nem seria necessária a audição das testemunhas.
Na motivação da decisão consta que os factos que se deram como provados pela:
Audição das duas testemunhas (JT e AT) e postura do R. na tentativa de conciliação e na sua intempestiva ausência no termo da diligência, sem aguardar receber as notificações de que foi advertido que iria receber e demais conduta processual no sentido da sua não participação.
E na apreciação do Direito faz uma análise mais detalhada do que resulta da tramitação dos autos:
O R. optou pelo silêncio e pela não participação, não querendo conscientemente saber da pretensão da A. refletida na PI deste incidente, não podendo por isso desconhecer que o Tribunal terá de decidir com os elementos que tem e com os elementos de quem colabora com o Tribunal para que se chegue a uma solução justa e equitativa.
Já da ata do julgamento de 30.11.2021 consta o despacho:
(…) Acresce que a prova testemunhal está gravada e, a nosso ver, num caso tão simples, sem oposição consciente (pois o R. foi expressamente advertido pelo Juiz para a necessidade de se opor em 10 dias caso mantivesse a sua oposição à pretensão da A.) e em que as duas testemunhas no essencial disseram a mesma coisa, não era, nem é necessária mais qualquer concretização.
Pese embora as constantes críticas de que em Portugal os Tribunais não fazem sentenças com duas páginas, como nos países mais evoluídos, ou que não faz sentido que se descreva tudo ao pormenor na motivação quanto à contribuição das testemunhas se a prova está gravada, e pode ser sindicada pelo Tribunal Superior, na remota hipótese de se considerar que não é suficiente a indicação de que os factos provados tiveram em conta a audição das duas testemunhas, segue uma maior concretização, em forma de resumo, pois no essencial, quanto a todos os factos o depoimento das testemunhas foi coerente e coincidente:
A testemunha JT, filho de A. e R., referiu que vive com a mãe, a avó materna e com o pai. O que vivem é numa ansiedade constante, um stress, uma ameaça, pois não sabem muito bem o que esperar pela negativa. É uma guerra fria. O pai faz sempre as coisas para prejudicar a mãe do ponto de vista emocional, fazer com que que a mãe sinta que está a fazer mal. Há um tempo atrás houve um episódio de violência doméstica em que teve de intervir. Houve outros episódios em que era mais novo e não estava em casa.
Um dia normal é a mãe sair para o trabalho e o pai sair para o trabalho, mas não existe qualquer contato ou diálogo, às vezes nem um bom dia.
A casa é um hotel para fazerem as necessidades básicas como comer e tomar banho.
Desde março de 2021 do último episódio de violência doméstica que os pais dormem separados. Foi a mãe quem saiu do quarto. Desde há algum tempo que não existem discussões porque não há comunicação. Antes das conversas terem cessado as mesmas não eram construtivas. O pai vem para casa e volta a sair e leva uma vida paralela à nossa. O modo de vida dele causa transtorno. Tanto no seu crescimento como no da sua irmã esses problemas afetaram-nos. A mãe vive em stress e ansiedade. A mãe tem medo dele e nunca sabemos o que é que ele vai fazer. Ele guarda “remorsos” (sic), tenta ficar por cima, vingar-se. Nunca facilita, nunca quer chegar a um acordo, ele tem de ficar a ganhar. O pai tem sempre uma atitude rancorosa. A mãe não ficou muito magoada na agressão de março porque o depoente acordou e foi-se meter no meio. O pai trata a avó com desdém. Fala para a avó de forma desrespeitosa. O pai tem autonomia financeira e tem uma empresa. Têm outro andar na Cruz de Pau que era onde residiam há 10 anos atrás. O depoente tem dificuldade em seguir com a sua vida, porque tem receio pela sua mãe. Já viu o pai alcoolizado e nesse estado ele fica mais hostil. Quando entrou no quarto (em março 2021) a mãe estava no chão e o pai em cima dela com um cinto na mão e preparado para agredir a mãe. O depoente colocou-se no meio até a mãe se levantar. Empurrou o pai até ter alguma distância e a mãe poder sair do quarto. No dia seguinte o pai disse que não tinha acontecido nada. A mãe passou a dormir no quarto que era o da sua irmã. A mãe é sócia da agência de viagens do pai, mas trabalha como mediadora de seguros no mesmo espaço físico em que o pai trabalha. Pai e mãe saem de casa separados para o trabalho e regressam do trabalho separados.
A testemunha AT, filha de A. e R., referiu que tenta estar presente na casa de família, semanalmente ou quinzenalmente, mas nos últimos tempos não tem ido tanto para se proteger a si própria. Do que vê e presencia (saiu da casa há 3 anos) os seus pais não se falam, não resolvem os seus problemas e isso tem consequências no ambiente familiar. É psicologicamente difícil porque não é normal esta vivência. Fica preocupada com a mãe e pela sua “vivência” (sic) física e psicológica. Sabe que antes havia discussões. O seu irmão e avó relatam violência doméstica. Mas esta não foi a 1ª, nem a 2ª vez, mas não sabe quantas vezes foram. Presenciou algumas e até teve de os separar. Era mais o pai a agarrar a mãe. Normalmente acontecia quando ele chegava a casa alcoolizado e discutiam. Eles tentavam dialogar, mas o pai não mudava de atitude. Para ele estava tudo bem e não tinha acontecido nada. Acredita no que lhe conta a mãe e o irmão face ao que se passa quando não está presente. A partir da agressão de março de 2021 a mãe foi dormir para o seu quarto. Já não era a primeira vez que a mãe tinha ido dormir para outro quarto. A sua mãe está muito cansada a nível emocional. É uma situação difícil a nível psicológico. O pai tenta sempre diminuir a mãe no seu papel de mulher, diz que ela não valia nada, que era maluca. Eles têm duas casas, esta e a da Cruz de Pau. O pai não fala com respeito à avó. Fala com agressividade e desdém para a avó. No espaço em que trabalham os dois há lá uma funcionária, ela está lá sempre. A nível financeiro cada um tem a sua independência económica, mas do que percebe o pai gere mal esta parte. Perguntada se a mãe vive em clima de medo e ansiedade ela disse que a mãe não sabe se o pai vem à meia-noite ou à uma da manhã. O pai vai a casa comer e dormir. A mãe perguntou ao pai se queria o divórcio a bem ou a mal e o pai respondeu a mal. Assistiu a isso.
Como se vê deste breve resumo resulta à evidência que os factos que se deram como provados resultaram do depoimento coerente e objetivo e coincidente destas duas testemunhas, não havendo qualquer razão para o Réu colocar em causa a motivação da decisão, sendo que a indicação de que estes factos se deram como provados com base nestes dois depoimentos é mais do que suficiente pelo que se vê do breve resumo que se fez, sendo certo que o R. só não esteve presente na produção de prova por exclusiva culpa sua e, caso pretendesse ter deduzido oposição, para o que foi expressamente advertido pelo Juiz durante mais de 5 minutos em explicações do Tribunal que vão muito para além do que seria exigível, só se pode queixar de si próprio e, por fim, caso tivesse alguma dúvida não nos parece que basta que diga que é insuficiente a mera indicação das duas testemunhas, quando o depoimento das mesmas abrangeu os factos provados e invoque uma nulidade como se não tivesse havido fundamentação de facto nem nenhuma indicação da motivação dos mesmos, pelo que não se verifica qualquer nulidade.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Se procede a exceção de nulidade de todo o processo, por erro na forma do processo;
2.ª) Se se verifica uma nulidade processual por falta de citação do Requerido;
3.ª) Se a sentença é nula, por falta de especificação dos fundamentos.
1.ª questão – Do erro na forma do processo
Da decisão recorrida consta um saneador tabelar, no qual se refere, além do mais que “Inexistem quaisquer outras nulidades, exceções dilatórias ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”. Ademais, na parte final da decisão recorrida consta o seguinte: “Verifico agora que o presente processo não se trata de ação não provisória para atribuição da casa de morada de família, mas de incidente provisório de atribuição da casa de morada de família. Aquele corre por apenso ao divórcio, nos termos do art. 990. n. 4 do CPC e este corre nos próprios autos nos termos do art. 931, n. 7 do CPC.
Assim sendo, após trânsito, incorpore os presentes autos no divórcio.”
O Apelante defende que deve ser declarada a nulidade da sentença por erro na forma do processo, argumentando, em síntese, que: o incidente de atribuição da casa de morada de família previsto no art. 990.º do CPC constitui procedimento distinto daquele que visa regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos previstos no art. 931.º, n.º 2, do CPC; verifica-se um erro na forma do processo, que consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cf. arts. 193.º e 196.º do CPC), por não ser possível o aproveitamento de qualquer dos atos praticados, impondo-se declará-los anulados e indeferir liminarmente a petição inicial.
Vejamos.
Sobre o erro na forma do processo ou no meio processual preceitua o art. 193.º do CPC que:
“1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”
A nulidade de todo o processo nas situações previstas no citado n.º 2 constitui, como é sabido, uma exceção dilatória de conhecimento oficioso – cf. artigos 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 578.º do CPC.
Preceitua o art. 931.º, n.º 7, do CPC (que corresponde ao art. 1407.º, n.º 7, do anterior CPC), que “(E)m qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”
Trata-se de meio processual de natureza incidental, ao qual se aplicam as regras dos artigos 292.º a 295.º do CPC, destinando-se à obtenção de decisão meramente provisória, para vigorar na pendência do processo de separação judicial ou divórcio que corre termos.
A respeito desta matéria, merece destaque o artigo de Nuno Salter Cid, “Sobre a atribuição judicial provisória do direito de utilizar a casa de morada da família”, publicado na Revista JULGAR n.º 40, Janeiro/Abril 2020, Almedina, págs. 49-72, em que, além do mais, afirma que se está perante incidente a suscitar no âmbito de processo de jurisdição contenciosa e que “(D)e processual o preceito não contém – mas seria útil que contivesse – a indicação da natureza do incidente e/ou da tramitação a que deve submeter-se. E não há consenso quanto à matéria. O legislador terá porventura considerado bastantes os aludidos tons de jurisdição voluntária, que indirectamente remeteriam o intérprete para as regras gerais hoje estabelecidas nos arts. 986.º a 988.º CPC e nos arts. 292.º a 295.º CPC (cf. art. 986.º, nº 1).” (cf. pág. 56).
Não se confunde este incidente com o processo de jurisdição voluntária de atribuição da casa de morada da família regulado no art. 990.º, mas ao qual se aplicam igualmente, por força do disposto no art. 986.º, n.º 1, as disposições dos artigos 292.º a 295.º do CPC.
Ora, no caso em apreço, apesar dos lapsos da Requerente aquando da apresentação do requerimento inicial, ao aludir a preceito do anterior Código de Processo Civil e, sobretudo, ao requerer a apensação nos autos principais de divórcio, não há dúvida alguma que a sua pretensão se reconduz ao incidente previsto no art. 931.º, n.º 7, do CPC.
O requerimento inicial não estava afetado de erro na forma do processo, nem sequer na qualificação do meio processual, que se mostrava correto, verificando-se apenas uma irregularidade que consistiu em ter sido indicado que o incidente devia ser tramitado por apenso, quando, em bom rigor, tal requerimento deveria ter sido incorporado no processo de divórcio, sendo aí processado autonomamente.
Essa irregularidade não gera nenhuma nulidade processual, pois é insuscetível de influir no exame ou na decisão da causa (cf. art. 195.º, n.º 1, do CPC), pela simples razão de que o processado que foi seguido não diferiu do que haveria de ter sido observado se logo, no despacho liminar, se tivesse, ao abrigo do disposto no art. 6.º do CPC, feito a correção necessária, considerando a aplicabilidade das regras dos artigos 292.º a 295.º do CPC.
Aliás, como bem se explica no despacho da 1.ª instância proferido ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, a posição do Réu até ficou mais acautelada, já que foi observada uma tramitação que seria adequada à prolação de decisão definitiva sobre a atribuição da casa de morada da família. Por isso, ainda que se verificasse um erro na forma do processo (o que não é o caso), jamais conduziria à anulação de todo o processado, que poderia ser aproveitado na íntegra sem qualquer diminuição de garantias do Réu (muito pelo contrário).
Nenhuma censura nos merece, pois, neste conspeto, a decisão recorrida, por não ter julgado verificada uma tal exceção dilatória, nos termos conjugados dos artigos 193.º e 577.º, al. b), do CPC, mas tão só determinado a incorporação do processado nos autos principais de divórcio.
2.ª questão – Da nulidade processual por falta de citação
O Apelante defende que estamos perante uma situação de falta de citação prevista no art. 188.º, n.º 1, al. e) do CPP (leia-se, CPC), que considera redundar num claro prejuízo para a defesa do Réu, invocando ser nulo todo o processado posterior ao requerimento inicial, nos termos do disposto nos arts. 187.º, al. a), 189.º e 198.º, do mesmo diploma legal.
De referir, antes de mais, que o Tribunal se pronunciou sobre esta questão por despacho exarado em ata, em 30-11-2021, tendo decidido, como decorre até da referência ao art. 224.º do CC, que o Requerido se encontrava devidamente citado. O Apelante teve conhecimento deste despacho, tanto assim que até o citou na íntegra na sua alegação de recurso (cf. designadamente conclusões XXIV. e XXV). No entanto, o Apelante não interpôs recurso deste despacho, o qual transitou em julgado (cf. art. 620.º do CPC), sendo inadmissível, no recurso que é interposto unicamente da sentença, julgar verificada uma nulidade processual contrariando o que foi antes decidido e passou em julgado em primeiro lugar (cf. art. 625.º do CPC).
Ainda que assim não fosse, sempre se dirá ser descabida a tese do Apelante, face ao teor da ata da diligência de tentativa de conciliação que foi realizada no âmbito do incidente em apreço (ata cuja falsidade não veio arguir) e considerando o disposto no art. 189.º do CPC, nos termos do qual, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação considera-se sanada a nulidade.
Com efeito, o Apelante esteve presente na tentativa de conciliação sem arguir então qualquer nulidade por falta de citação e foi explicitamente notificado e advertido de que podia deduzir oposição no prazo de 10 dias, apenas não tendo recebido cópia do requerimento inicial porque se decidiu ausentar antes de a diligência ter sido declarada encerrada. Portanto, mesmo que existisse uma falta de citação do Requerido, sempre estaria sanada a (eventual) nulidade processual daí resultante.
Assim, sem necessidade de mais considerações, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
3.ª questão – Da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. MT e PT casaram-se sem convenção antenupcial a 19-09-1987.
2. Autora e Réu adquiriram durante o casamento uma casa na Rua …, n.º …, Cruz de Pau, Amora onde ambos vivem depois de saírem de um andar que é de ambos, também na Cruz de Pau, andar que está arrendado por valor não apurado.
3. Além de Autora e Réu vivem na casa da R. da …, n. …, Cruz de Pau, Amora, a mãe da Autora, com 93 anos, de quem a Autora cuida, e o filho de Autora e Réu JT.
4. Autora e Réu discutiam frequentemente.
5. Em março de 2021, o filho JT, apercebendo-se de discussão entre Autora e Réu, interveio em defesa da mãe que se encontrava no chão do quarto de Autora e Réu estando este por cima da Autora em posição agressiva.
6. Desde essa data Autora e Réu passaram a dormir em quartos separados e praticamente deixaram de comunicar um com o outro.
7. O Réu faz as suas refeições e trata da sua roupa e vive de forma independente da Autora, filho e mãe da Autora.
8. O Réu é sócio gerente de uma empresa de viagens.
9. O Réu já tem chegado alcoolizado à casa.
10. A Autora, mãe da Autora e filho de Autora e Réu vivem em constante tensão emocional por causa das atitudes do Réu e têm receio de que o mesmo tenha alguma atitude mais agressiva para com os demais.
Foram considerados não provados os demais factos alegados.
A motivação da decisão da matéria de facto tem o seguinte teor: “Audição das duas testemunhas (JT e AT) e postura do R. na tentativa de conciliação e na sua intempestiva ausência no termo da diligência, sem aguardar receber as notificações de que foi advertido que iria receber e demais conduta processual no sentido da sua não participação.”
Na decisão recorrida, além da decisão da matéria de facto, constam ainda considerações de direito, com o seguinte teor:
“Da matéria facto apurada não restam dúvidas de que existe casa de morada de família, habitada por A. e R.
A A. pede que a mesma lhe seja atribuída. O R. nada disse, não interveio nem colaborou após a tentativa de conciliação.
Nos termos do art. 931, n. 7 do CPC:
7 - Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a (...) à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.
De facto, das diligências efetuadas e dos factos acima descritos, não restam dúvidas de que não é possível, nem aconselhável, que a A., o filho de A. e R. e a mãe da A., de quem esta cuida, vivam na mesma casa (vivenda na Cruz de Pau) com o R. em clima de constante conflito e tensão, sendo que o fator causador da tensão e conflito tem origem no R.
O R. optou pelo silêncio e pela não participação, não querendo conscientemente saber da pretensão da A. refletida na PI deste incidente, não podendo por isso desconhecer que o Tribunal terá de decidir com os elementos que tem e com os elementos de quem colabora com o Tribunal para que se chegue a uma solução justa e equitativa.
De tudo o que se conhece, é manifesto que a pretensão da A. deve ser deferida, tendo esta justificado a necessidade da habitação, para si e para a sua mãe, sendo que também aí vive com o filho, que a protege do pai. Quanto ao R., não só o mesmo tem uma atividade laboral como ainda se sabe que o casal dispõe de outra casa (andar na Cruz de Pau). Mesmo que o R. não possa no imediato ir para o andar na Cruz de Pau, por estar arrendado, não restam dúvidas de que o R. terá pelo menos direito a metade do valor da renda do andar na Cruz de Pau, caso não possa habitar de imediato, sendo que além de ter direito ao uso de tal imóvel ou a perceber pelo menos metade do valor da renda atual, terá ainda os seus rendimentos profissionais, tudo sem prejuízo de, em momento posterior, eventualmente acordar ou discutir com a A. uma compensação pela utilização da sua meação na casa de morada de família (vivenda na Cruz de Pau).
A pretensão da A. procede.”
O Apelante defende, em síntese, que: deve ser decretada a nulidade da sentença recorrida decisão recorrida, porque o “Juiz a quo definiu a matéria de facto que considerou relevante para a decisão da causa, mas omitindo por completo a análise crítica do meio probatório produzido, que foi unicamente testemunhal, inexistindo na sentença qualquer alusão ou análise de prova documental”; e porque subsumiu a factualidade assente ao Direito, “fundamentando juridicamente a decisão em causa, única e exclusivamente no art. 931º, n.º 7 do CPC, quando a acção foi por completo tramitada ao abrigo do art. 990º do mesmo diploma legal”.
Apreciando.
Nos termos da alínea b) do art. 615.º, n.º 1, do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Esta norma constitui uma decorrência e manifestação do dever de fundamentar a decisão consagrado na lei processual civil e na lei fundamental, designadamente no art. 205.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, estatuindo este último que o juiz, na fundamentação da sentença, declara, além do mais, quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
De referir que, como tem sido tradicionalmente defendido na jurisprudência, a nulidade da sentença apenas deve ser declarada quando se verifica uma absoluta falta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito que justificam a decisão, não bastando que a fundamentação ou motivação seja deficiente, insuficiente ou até errada (casos que, em regra, se resolvem nos recursos com a invocação de erro de julgamento). Apenas uma fundamentação de facto ou de direito insuficiente ao ponto de não possibilitar às partes uma compreensão cabal e análise crítica das razões (de facto e de direito) da decisão judicial pode ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade dessa decisão. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 02-03-2011, proferido no processo n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, disponível em www.dgis.pt, conforme se alcança do ponto 1. do respetivo sumário: “À falta de fundamentação de facto e de direito deve ser equiparada a fundamentação que exponha as razões, de facto e de direito, para a decisão de modo incompleto, tornando deste modo a decisão incompreensível e não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação”. E também o acórdão do STJ de 26-02-2019, proferido no processo n.º 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
Analisando a decisão recorrida, em particular a decisão da matéria de facto e as considerações de direito é inevitável concluir que da mesma constam suficientemente especificados os fundamentos de facto e de direito em que assenta. Tanto assim que o próprio Apelante reconhece ter sido definida a matéria de facto considerada relevante para a decisão da causa e a respetiva fundamentação de direito (assente no disposto no art. 931.º, n.º 7, do CPC).
Note-se que a invocada omissão da análise crítica dos meios probatórios produzidos não constitui uma causa de nulidade da sentença, mas, quanto muito, poderia levar a que fosse determinado ao tribunal de 1.ª instância que fundamentasse devidamente a decisão sobre alguns factos essenciais para o julgamento da causa, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, conforme expressamente previsto no art. 662.º, n.º 2, al. d), do CPC. No entanto, não nos parece que tal se justifique, considerando o teor da motivação constante da decisão da matéria de facto e o mais que foi explanado no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à nulidade da sentença.
Diga-se, para terminar, que o Apelante tão pouco defende que exista erro de julgamento de direito no tocante à aplicação ao caso do disposto no art. 931.º, n.º 7, do CPC, antes considera, como vimos, ser esse o enquadramento jurídico do caso.
Destarte, não tendo sido suscitadas pelo Apelante/pelas partes outras questões jurídicas, nem se vislumbrando que se possam verificar quaisquer questões de conhecimento oficioso que ponham em crise a decisão recorrida, impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerações, que improcedem as conclusões da alegação de recurso em apreço, o qual não merece provimento.
Vencido o Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Mais se decide condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 24-03-2022
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira