Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7437/11.8TBSXL.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DEFEITO DA COISA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Situando-se o incumprimento definitivo do contrato promessa que implicou a respectiva resolução em obrigações exteriores ao sinalagma específico desse contrato - que resulta das obrigações principais e típicas que o integram referentes à celebração da escritura de compra e venda – antes se situando no sinalagma próprio do contrato prometido, as consequências dessa resolução terão de advir do regime geral dos contratos – arts 801º/2, 433º e 289º CC - excluindo-se a aplicabilidade do regime da indemnização pré-definida do art 442º CC.
II – É o que sucede quando o promitente-comprador, após a assinatura do contrato promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos que pela sua gravidade e urgência impediam que o imóvel realizasse os fins a que se destinava e, não obstante ter solicitado do promitente vendedor as reparações necessárias, este não as efectuou, antes ignorou a situação em que aquele se encontrava, quadro em que se configura como objectiva a perda de interesse deste na realização do contrato prometido.
III – Nestas situações entende-se que não se deverá aplicar o regime da compra e venda de coisas defeituosas, mas o regime geral do incumprimento dos contratos.
IV - È que a solução a que conduz o regime dos arts 913º e ss CC, não é o da resolução do contrato, mas o da sua anulabilidade (em última análise, por erro essencial nas qualidades da coisa, ex vi do art 905º, para que remete o 913º, e dos arts 251º e 247º, todos do CC) o que dificilmente se compatibilizaria com a resolução do contrato promessa normalmente pedida neste tipo de acções, além de que dificilmente se poderia aceitar que o promitente-comprador na pendência da “traditio” de imóvel se visse constrangido, perante defeitos deste, aos prazos de denuncia e de caducidade do arts 916º e 917/1ª parte CC.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO:

  I – M. e A., intentaram contra a “S. Sociedade de Construção, Lda”, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a resolução do contrato promessa de compra e venda do imóvel a que os autos se referem e a condenação da R. no pagamento da quantia de € 20.000 a título de restituição do sinal em dobro, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento, e ainda a sua condenação a pagar-lhes € 500 a título de danos não patrimoniais.
Alegam que tendo celebrado com a R. em Março de 2010 um contrato promessa de compra e venda de um imóvel na qualidade de promitentes compradores e a R. na de promitente vendedora, e tendo eles pago a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 10.000,00 €, verificaram logo nesse Inverno que o imóvel, no qual passaram a viver desde o contrato promessa, sofria de graves defeitos provenientes da construção – graves humidade e bolor. Não obstante terem solicitado da R. as necessárias reparações, esta não as efectuou. Contactaram então uma empresa que verificasse os defeitos do imóvel e apresentaram à R. o respectivo relatório, que a R ignorou, nenhuma reparação das solicitadas tendo feito, o que implicou que os AA. viessem a proceder à resolução do contrato promessa por perda de interesse na compra do imóvel. 
A R. contestou, pondo em causa a existência dos defeitos apontados pelos AA., salientando que em face dos mesmos, os AA. teriam, quando muito, direito a exigirem a respectiva reparação, referindo ainda que o que os AA.  pretendiam efectivamente era celebrar outro negocio sem perderem o sinal.

Foi proferido despacho saneador e foi seleccionada a matéria de facto.

Tendo tido lugar o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando resolvido o contrato-promessa de compra e venda, e condenando a R. a pagar aos AA. a quantia de € 20.000, a título de restituição do sinal em dobro (art. 442º/2 do Código Civil), acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral e efectivo pagamento (art. 805º do C.C.) e absolvendo a R. do pedido de condenação a pagar-lhes a quantia de € 500,00 a título de danos não patrimoniais (art. 442.º/4 a  contrario do Código Civil).

II – Do assim decidido, apelou a R., tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1ª- A sentença recorrida condenou a Ré no pagamento aos AA. do sinal em dobro do prestado por estes aquela no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, com tradição da coisa.
2ª -Fundamentou-se tal decisão no facto de entender a Mertª Juiz que se provaram existir defeitos no imóvel objecto do mesmo contrato, que fundamentavam a consideração de que ocorreu incumprimento por parte da Ré.
3ª -Da prova testemunhal e documental junta aos autos decorre que tais defeitos não existiam.
4ª -Existiam sim humidades condensações e bolores, que não se provou serem devidos a má construção por parte da Ré.
5ª - Antes existindo prova no sentido de que existe culpa dos AA. na existência das alegadas patologias, por não procederem à correcta ventilação e arejamento do imóvel.
6ª - O depoimento das testemunhas foi gravado (e feitas as transações em que se baseia este recurso) e pode por isso se reapreciado por esse Venerando Tribunal e alterada a decisão sobre a matéria de facto.
7ª - Por outro lado, não poderia a Mertª Juiz, como fez, aplicar ao caso dos autos o art. 442º do Código Civil, pois que não fazem parte do conteúdo do contrato-promessa as regras do contrato prometido, nomeadamente as de construir e vender um bem com as qualidades, características e aptidões conformes com o contrato.
8ª - Pretendendo os AA. (embora não o especificassem) a anulação do negócio celebrado, a consequência direta (existindo fundamentos para tal) seria a restituição do que havia sido prestado, ou seja, a devolução do sinal em singelo e nunca o sinal em dobro.
9ª - Deveria todavia a Mertª Juiz ter ponderado, face à prova produzida se de facto, as anomalias do imóvel tal como denunciadas justificariam a conclusão pelo incumprimento definitivo.
10ª - Considera a Ré que não. Que a Mertª Juiz deveria ter aplicado as regras a inerentes à venda da coisa defeituosa, apurando se os vícios existentes impediam em definitivo a realização do fim a que a coisa (imóvel) se destinava, ou se pelo contrário seria possível a sua reparação pela R., devendo esta ser condenada a efectuar as reparações que se mostrassem necessário e adequadas.

Os AA. apresentaram contra alegações nelas defendendo o decidido.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Por documento escrito, assinado pelas partes, intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda e Recibo de Sinal”, em 11 de Março de 2010, estas celebraram o acordo que se rege pelas cláusulas constantes do documento junto a fls. 17 a 21 dos autos, respeitante à moradia implantada no lote J/30-B, sita na Avenida das Laranjeiras, Quinta das Laranjeiras;
2. Na data referida na alínea anterior, os Autores entregaram ao Réu a quantia de 10.000,00€, a título de sinal e princípio de pagamento;
3. Os Autores telefonaram uma vez à Ré, antes de Maio de 2011, solicitando a reparação de infiltração na sala de estar;
4. Os Autores enviaram à Ré, que recebeu, a missiva datada de 11 de Maio de 2011, com o seguinte teor: «Assunto: denúncia de defeitos no prédio urbano sito na Rua Mouzinho da Silveira, freguesia de Fernão Ferro, Seixal (…) Como é do vosso conhecimento, no dia 12 de Março de 2010, foi outorgada entre nós contrato promessa de compra e venda da moradia correspondente ao lote J/30-B do prédio urbano sito na Rua Mouzinho da Silveira, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal. A referida moradia foi nos entregue, presumindo nós, legitimamente, na nossa boa fé, que nas devidas e melhores condições, sem quaisquer defeitos de construção e com o escrupuloso cumprimento e observância das normas técnicas gerais e específicas de  construção, bem como das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projecto em causa; Todavia, nos últimos meses no decorrer do uso da referida moradia, denotamos patologias que foram identificadas/confirmadas no relatório de diagnóstico de Humidades executado pela firma I,, Lda; Saliento ainda o facto de presencialmente terem testemunhado a existência dessas patologias  cujo registo fotográfico pode ser consultado no relatório da I., Lda. Em face das conclusões do relatório cuja cópia vos foi entregue no dia 12 de Abril de 2011, solicitei nesse dia a reparação/eliminação dos defeitos detectados conforme delineado no mesmo relatório. Acontece que até à presente data V. Exa. não reparou/eliminou os defeitos verificados nem justificou a sua não reparação. Assim e na finalidade de evitar avançar com diligências judiciais, agradecia que no prazo máximo de 15 dias nos seja apresentado o plano de reparação dos defeitos diagnosticados. (…)»
5. Em anexo à referida missiva seguiu o referido relatório de diagnóstico, de que a Ré teve conhecimento, do qual consta para o que aqui releva, o seguinte: Diagnóstico de anomalias (…) Tectos – graves; Caixilharia exterior – graves; Acções correctivas Tectos: os tectos do 1.º andar apresentam manchas por condensação na generalidade da sua superfície. Verifica-se também que esta patologia acontece maioritariamente por falta de ventilação da habitação, sendo agravada pelo referido no ponto 40. Verificam-se manchas de condensação no tecto da sala. Na sala verifica-se que o estuque do tecto na zona circular passa para o lado de fora (fotos n.º 22, 23, 24, 25, 26); Caixilharia exterior: a caixilharia é de alumínio termolacado sem corte térmico, com portadas interiores fixas da própria caixilharia. As janelas estão fixas diretamente no estuque dos vãos e na face exterior dos mesmos, sendo esta uma solução pouco eficaz agravada pelo facto de o silicone vedante estar a deslocar-se em vários pontos. O sistema de fecho das portadas consiste num furo artesanal efetuado na caixilharia. As pedras da soleira e peitoris não apresentam ressalto para o interior do fogo e por serem uma peça única funcionam como ponte térmica para o interior o que agrava mais as patologias referidas em 37 e 38. A janela da i.s. do r/chão apresenta maior incidência de manchas de humidade junto às ferragens. A janela da sacada da sala que está coberta pela varanda do quarto 3 não apresenta as mesmas patologias das restantes. As cantarias dos aros das janelas não estão bem isoladas, apresentando as juntas abertas entre peças. No estuque em volta das janelas há manchas provocadas pela condensação. A janela pequena do quarto 1 estava molhada, apresentando gotículas de água (fotos n.º 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44).
Acção correctiva: O problema pode ser remediado recuando a janela para dentro do vão, criando duas zonas distintas: entre o interior e o exterior. Essas zonas distintas podem ser feitas removendo a caixilharia e colocada uma pedas ou madeira no lado interior do vão. Deve ser colocada um cordão no sítio onde se fixará a caixilharia e colocada uma pedra ou madeira no lado interior do vão. Deve ser previsto um ressalto no sitio da janela para a água não passar por baixo. Em solução obriga a colocar uma caixilharia nova. Outra solução, menos eficaz, em vez da colocação da pedra é o reboco do lado exterior e o estuque do lado interior, com o objetivo de economizar, mantendo as mesmas janelas. Neste caso deve ser garantido um tratamento para exterior e um bom isolamento do aro da janela que impeça qualquer infiltração e deve ser efectuada uma separação física dos dois materiais (interior e exterior). Devem ser isoladas as juntas das pedras que se encontram abertas. Quadro de medições: Humidade/temperatura ambiente exterior: - sótão: 69,7%; - quarto 1: 81,57%; - quarto 2 (casal): 81,2%; - quarto 3: 79,1%; - escritório: 79,1%; - sala: 69,1%; - cozinha: 71,7%
Conclusões: Após análise das patologias verificadas no local pode concluir-se que a causa das mesmas está sobretudo na caixilharia e tratamento dos vãos exteriores, onde se incluem as pedras de guarnição (frentes), os revestimentos aplicados, a localização das janelas e no défice de ventilação conferido à habitação. O facto de as janelas estarem colocadas no lado exterior do vão, não sendo a solução ideal não significa que o problema apareça desde que os materiais estejam bem aplicados, isolados e apresentem qualidade e características que o permitam fazer, minimizando as pontes térmicas e infiltração de água para o interior. Nas mediações do grau de humidade efetuadas no interior da habitação verificam-se valores superiores a 80%, como se pode verificar no quadro de medições. A ventilação deve ser feita com a abertura de pelo menos dois vãos em fachadas diferentes para permitir uma ventilação transversal, fazendo desta forma o ar circular, secando o mesmo. A ventilação deve ser feita desde que as condições exteriores o permitam. Assim, é conveniente efetuar as reparações sugeridas para os vãos, onde se incluem paredes, pedras e caixilharias para posteriormente reparar e pintar com tinta anti-fungos as paredes e tectos da habitação. Data da vistoria: 17 de Março de 2011.
6. A Ré, por carta datada de 13 de Maio de 2011, respondeu à acima referida missiva dos Autores nos seguintes termos: (…) A moradia apresentada por V. Exa. não apresente defeitos graves provenientes da construção. Todo o prédio foi vistoriado pelos serviços competentes da CM do Seixal. Entidade que, por considerar que o prédio tinha sido construído em obediências às regras técnicas e camarárias aplicáveis, para   mesmo emitiu a correspondente certidão de conformidade. Como V. Exa. bem sabe todas as anomalias pontuais detetadas na moradia foram sempre pronta e devidamente retificadas por pessoal técnico especializado da nossa empresa. Para efetuar qualquer eliminação de defeitos, necessário se torna que V. Exa. nos indique, de forma precisa e autonomizada, cada um dos defeitos que constatou no imóvel, bem como a data em que tomou conhecimento de cada um. A nossa empresa está disponível, como sempre esteve, para proceder às reparações exigíveis e que se contenham dentro dos limites legais, das obrigações do construtor de imóvel e, neste caso, promitente vendedor .Tal como referido no relatório do I. chamamos a atenção de V. Exa. para a necessidade de arejamento frequente do imóvel, de modo a evitar as inevitáveis condensações no interior da habitação.
7. Os Autores enviaram à Ré, que recebeu, a carta datada de 11 de Julho de 2011, com o seguinte teor, para o que aqui releva: (…) Sucede que por não ter havido cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado devido às anomalias no imóvel, nomeadamente, na caixilharia, nos vãos exteriores, onde incluem as pedras das guarnições (frentes), nos revestimentos aplicados e ainda a situação de défice de ventilação conferido à habitação, situação esta que determina um grau de humidade na habitação superior a 80%. Estas anomalias determinaram enorme desconforto e mau estar na habitação para os promitentes compradores bem como para os seus filhos. Apesar das diversas interpelações para resolução das referidas anomalias quer via telefone, quer pessoalmente, quer via carta, v. Exas. Nada fizeram. Face ao exposto verificou-se perda total de interesse na aquisição do imóvel supra referido. (…) vimos pelo presente resolver o contrato promessa de copra e venda celebrado com V. Exa. Datado de 11 Março de 2010, nos termos do disposto no art. 432.º/1 do Código Civil, sendo enviadas as respectivas chaves através do correio para morada de v. Exa. Em consequência, nos termos do art. 442.º/2 do Código Civil, deverá ser restituído à promitente compradora o sinal em dobro, no montante de € 20.000 (vinte mil euros), uma vez que aquela já havíamos entregue a quantia de € 10.000, a título de sinal. (…)”.
8. Na data da assinatura do contrato referido em 1), os AA entraram na posse dos imóveis prometidos vender e passaram a usá-los e habitá-los;
9. Encontra-se inscrita a aquisição pelos Autores, pela apresentação n.º 2357 de 3/8/2011, da moradia que constitui a fração B do prédio urbano descrito sob o número 3214/20110113 da freguesia de Fernão Ferro na Conservatória do Registo Predial do Seixal;
10. Na moradia referida na alínea 1) existe deterioração do estuque, por absorção de água no quarto 3 do 1º andar, junto à janela de sacada e na sala por baixo de dois vãos  pequenos;
11. A absorção da água dá-se por infiltração nas juntas das pedras de moldura das janelas e pelas juntas da pedra de soleira do quarto, a qual é depois absorvida por capilaridade;
12. Verifica-se fissuração nas paredes no interior dos vão;
13. Existem dois buracos nas ilhargas das janelas pequenas da sala;
14. Verifica-se forte condensação junto das janelas da moradia;
15. As paredes encontram-se empoladas da pintura e com eflorescências;
16. Existem níveis de humidade excessiva nos rodapés do hall de entrada;
17. Os tectos do 1º andar apresentam manchas provocadas por condensação na generalidade da sua superfície;
18. Na sala, o estuque do tecto na zona circular passa para o lado de fora;
19. As caixilharias são de alumínio termo-lacado sem corte térmico;
20. O silicone vedante está a deslocar-se, em vários pontos;
21. Existem humidades junto às ferragens das janelas;
22. As cantarias dos aros das janelas não estão bem isoladas, apresentando as juntas abertas entre as peças;
23. No estuque junto às janelas há manchas provocadas pela condensação;
24. Num dos quartos (onde dorme a filha dos AA), a janela apresenta-se molhada e com gotículas;
25. A moradia apresenta um défice de ventilação, que confere um grau de humidade na habitação superior a 80%, sendo de: 69,7% no sótão, de 81,5% no quarto 1, de 81,2% no quarto 2, de 79,90% no quarto 3, de 79,1% no escritório, de 69,1% na sala e de 71,7% na cozinha;
26. A causa das situações referidas nos artigos 1º a 16º tem a sua origem na caixilharia, no tratamento dos vãos exteriores, nas pedras de guarnição (frentes), nos revestimentos aplicados, na localização das janelas e no défice de ventilação;
27. Para além do referido na alínea 3), entre Dezembro de 2010 e 11 de Maio de 2011, os Autores contactaram a Ré diversas vezes, e por telefone, solicitando-lhe a  realização de obras com vista à resolução das situações referidas nos artigos 1º a 16º, obras que a Ré jamais realizou;
28. Entre Dezembro de 2010 e Fevereiro de 2011 os Autores começaram a detectar as situações acima referidas nos artigos 1º a 16º;
29. A humidade e bolores existentes na habitação causaram ao Autor um agravamento da bronquite asmática de que padece, causando crises constantes;
30. Na sequência do contacto referido na alínea 3), os Autores queixaram-se de infiltrações na sala de estar, e a Ré deslocou-se à moradia, onde constatou a deterioração do estuque debaixo da janela da sala;
31. A Ré efectuou a reparação do que vem referido no artigo anterior, tendo o estuque sido picado até ao tijolo, colocado novo estuque e pintada a parede;
32. Na ocasião acima referida, os Autores queixaram-se do aparecimento de gotícula junto aos alumínios das janelas.

IV – De acordo com as conclusões das alegações – que definem o objecto do recurso – está em causa saber se deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;  se as anomalias verificadas no imóvel não justificavam a resolução do contrato promessa, devendo a R. ser condenada apenas a efectuar as reparações que se mostrassem necessárias e adequadas; e quando assim não se entenda e se afirme a legitimidade da resolução do contrato promessa se, ao invés de ser aplicado ao incumprimento definitivo a disciplina do art 442º do CC, o deveria ter sido a referente à venda de coisas defeituosas.

O recurso sobre a decisão da matéria de facto tem manifestamente de ser rejeitado, pois que, não obstante o recurso que a apelante fez a vários depoimentos testemunhais, não cumpriu adequadamente os ónus a que se refere o art 640º CPC. 
Com efeito, se é verdade que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto …se a prova produzida… impuser decisão diversa», como decorre do nº 1 do art 662º CPC – aqui aplicável, posto que a sentença foi proferida depois da entrada em vigor deste novo diploma processual – caberá sempre a quem pretende essa alteração mostrar concludentemente porque é que a mesma se impõe. Por isso, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria  de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» - art 640/1.
Não basta, assim, «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» como se refere na al a) do nº 2 dessa norma, pois que tal comportamento sem a prévia delimitação das questões de facto impugnadas, configurar-se-á, por definição, como inconclusivo, não permitindo ao julgador – e à contraparte, cfr al b) do nº 2 da mesma norma – saber o que está concretamente em causa alterar do ponto de vista do recorrente. Na alteração da decisão da matéria de facto pela Relação, sobretudo quando essa alteração haja de ser feita em função de meios probatórios gravados, tem este tribunal que ter conhecimento claro dos «concretos pontos de facto» que o recorrente  considera incorrectamente julgados – quer dizer, o que há a alterar  -  «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria  de facto impugnados diversa da recorrida» - porque é que se deve alterar -  e finalmente, «a  decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto que impugnou» – isto é, em que sentido deve ser feita tal alteração.
Ora a aqui apelante em vez de enunciar os pontos concretos de facto cujas respostas pretendia fossem alteradas, por referência, naturalmente aos artigos da base instrutória - que a presente acção, iniciada antes do NCPC, ainda comportava -  limitou-se a referir, e as mais das vezes através de conclusões fácticas e jurídicas, a matéria que o tribunal deveria ter tida como provada.
Assim, veja-se, refere que, «tendo em conta a reapreciação da prova gravada, deveria ter sido dado como provado: «a) Que o aparecimento de gotículas junto aos alumínios das janelas deve-se unicamente à condensação causada pelo choque térmico face à diferença de temperatura entre as temperaturas mais baixas no exterior e as temperaturas mais altas no interior da moradia (artº 24º da Base Instrutória); b) Que a moradia dos autos foi construída pela Ré em 2005, não sendo uma construção recente à data da celebração do contrato-promessa sub-judice (2010); c) Que a falta de arejamento da moradia e o sobreaquecimento no seu interior pelos AA. pode explicar a existência das patologias (humidades, bolores, fungos) alegadas; d) Não sendo pois as mesmas devidas a má construção por parte da Ré».
Donde se conclui, sem esforço, que não procedeu a qualquer delimitação das questões de facto impugnadas.
A rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto impõe-se, pois, sem necessidade de mais ou melhores considerações.

Mantendo-se os factos que o tribunal da 1ª instância deu como provados, importa saber, em última análise, se o contrato promessa em causa nos autos se deve ter por legitimamente resolvido por perda de interesse dos AA. na compra do imóvel,  ou se se deve manter vigente, e no primeiro caso, se o incumprimento que está na base dessa resolução se deverá valorar à luz do regime decorrente do art 442º CC, com a inerente consequência da condenação da R. a pagar aos AA. o dobro do sinal como foi decidido em 1ª instância, ou antes, em função do  regime da venda de coisas defeituosas, caso em que a R., na verificação das necessários pressupostos, deveria restituir aos AA. o sinal em singelo.
 
O tribunal da 1ª instância enveredou pelo primeiro daqueles entendimentos,  sustentando que os factos provados justificavam a perda objectiva de interesse dos AA. na realização  do contrato prometido e, consequentemente, o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da R., pelo que tinha sido legítimo o exercício do direito à respectiva resolução, e aplicou as consequências previstas no art. 442º/2 do CC, condenando a R. na restituição aos AA. do sinal em dobro.

Entende-se que facilitará a decisão das questões assinaladas atentar nos três diferentes acordos implicados na situação fáctica dos autos.
Desde logo e como é evidente, o contrato promessa bilateral de compra e venda de imóvel, com as consequentes e recíprocas obrigações de prestação de facto - a futura emissão da declaração negocial de venda por parte da R., e a de compra por parte dos AA. – gerando, pois, como é próprio do contrato promessa, efeitos meramente obrigacionais.
Por outro lado, o contrato prometido – a futura compra e venda daquele imóvel, com o consequente futuro efeito real da transmissão da respectiva propriedade para a esfera jurídica dos AA.   
Mas, também o acordo em que se traduz a “tradicio”, pois que ficou convencionado no contrato promessa – respectiva cláusula 3ª/2 al b) - que com cada prestação mensal de 172,00 € para pagamento do preço (vencendo-se a primeira na data da outorga do contrato promessa e as seguintes no mesmo dia de cada um dos meses seguintes), os promitentes compradores, aqui AA, «a titulo de contrapartida pelo  uso e habitação dos imóveis objecto do contrato promessa», entregariam à promitente vendedora a quantia de  130,00 € (a actualizar por indexação a taxa Euribor a 6 meses e com esta periodicidade), sendo que a quantia remanescente referente ao  preço total de compra e venda, de € 2000.000,00, deduzida a quantia de  10.000,00 entregue a titulo de sinal e principio de pagamento, bem como as referentes àquelas prestações mensais de 172,00 €, seria  paga na integra e de uma só vez no acto da outorga da escritura de compra e venda do imóvel.
Como se vê do assim clausulado, a R., com o contrato promessa, autorizou os AA. a habitarem no imóvel objecto deste e em contrapartida desse uso e habitação, estes obrigaram-se a pagarem-lhe  a quantia mensal de € 302, da qual seria abatida ao preço do imóvel apenas a de € 172, por cada mês de ocupação.
Efectivamente, os AA. passaram a habitar o  imóvel em questão, actuando sobre ele de forma correspondente ao direito de propriedade – direito este em que apenas seriam investidos quando realizado o contrato definitivo – fazendo-o pois, e como em regra sucede com a traditio [1],  sem intenção de agirem como beneficiários desse direito, mas à imagem desse direito, comportando-se como detentores precários  do mesmo – cfr art 1253ºal a) do CC.
Mas, o que importa aqui acentuar, não é particularmente esta mera relação de facto com a coisa mas, acima de tudo, a ligação deste acordo, autónomo, em que se traduz a “traditio”, com o contrato promessa, e mesmo com o contrato prometido.
Importa ter presente que a “traditio” constitui um acordo negocial conexo com a promessa de venda e assenta na pressuposição e expectativa de que será cumprido o contrato definitivo.
 Em função dela, e estando em causa contrato promessa de compra e venda, o promitente vendedor admite que o promitente comprador fique colocado antecipadamente na posição de proprietário, ainda que ambos estejam bem cientes de que este o não é. Nas palavras de Antunes Varela [2] «...O promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa».

A conexão entre um e outro desses acordos traduz-se numa união de contratos.
A propósito da união de contratos - e pretendendo distingui-la dos contratos mistos - reflecte Galvão Telles [3]: «Aqui os contratos mantêm-se diferenciados, conservando a sua individualidade: cumulam-se, não se fundem». E distingue três espécies na união de contratos, aqui apenas nos interessando o que designa por «união com dependência», referindo a seu respeito: «Neste caso a ligação dos contratos é mais estreita (do que na união extrínseca) porque se estabelece entre eles um laço de dependência. Os contratos são também distintos, mas já não autónomos. As partes querem-nos como um conjunto económico que envolve um nexo funcional. A dependência pode aliás ser bilateral ou unilateral: bilateral se os contratos dependem, reciprocamente, uns dos outros, unilateral se só algum ou alguns dependem dos demais. O vínculo de dependência significa que a validade e a vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro ou outros. Um contrato só será válido se os restantes o forem; e desaparecidos estes, aquele desaparecerá também. Mas em tudo o mais  aplicam-se a cada contrato as suas regras próprias».
Ora a “traditio” constitui um contrato unilateralmente dependente do contrato promessa. Os dois acordos negociais estão conectados, a “traditio” existe em função da outorga do contrato promessa pois, naturalmente, o promitente vendedor só a admite  atenta a  vinculação do promitente comprador à compra desse imóvel, sendo esse nexo funcional que a justifica.

Feitas estas referências, estar-se-á, porventura, em melhores condições para perceber os reflexos na economia do contrato promessa dos defeitos que o promitente comprador encontre na coisa em cujo uso e fruição foi antecipadamente investido pelo promitente vendedor pela “traditio”, sem que se esqueça que a coisa em causa constitui objecto mediato do contrato promessa [4
É corrente ver-se assinalado na jurisprudência [5] que o pressuposto da resolução do contrato promessa é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, e que esta é  a realização do contrato prometido, a obrigação «caracterizadora do contrato como sinalagmático».
E que, «quando não esteja em causa o incumprimento da obrigação principal, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato», sendo frequente citar Ana Prata quando refere que, «a par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou "desvinculadas" da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que encerram efeitos antecipados do contrato prometido [6].
«Tais obrigações não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, razão por que só devem considerar-se fundamento de resolução quando se detecte um vínculo funcional entre o cumprimento dessas prestações e as demais obrigações emergentes do contrato, designadamente a prestar pela contraparte, em termos tais que o incumprimento de umas justifica o ulterior incumprimento das outras» [7].
«Numa palavra, só deverão admitir-se como causa legal de resolução os inadimplementos em que se verifique um nexo de instrumentalidade entre as prestações que afecte a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objectivo final»
Ora este tipo de considerações, atenta a evidenciada conexão/união da “traditio” relativamente ao contrato promessa de compra e venda, não pode deixar de justificar a resolução do contrato promessa em situações como as dos autos, em que, não estando em causa incumprimento que se situe no sinalagma específico do contrato promessa, se venha a considerar, não obstante, que existe um incumprimento, ainda que exterior a esse sinalagma, que é tal que afecta «a evolução da execução contratual pondo em crise a viabilização do seu objectivo final»
Concretamente, justificar que a circunstância do promitente vendedor não proceder à eliminação dos defeitos do imóvel, quando esses defeitos sejam de molde a impedir a coisa de realizar o fim a que é destinada, possa vir a constituir causa legitima da recusa do promitente comprador em celebrar o contrato definitivo[8], e possa mesmo, antes e em vez dessa recusa, implicar a perda objectiva do interesse daquele na  realização do contrato definitivo e, consequentemente, a resolução do contrato promessa.

No aspecto em apreciação haverá que remeter no essencial para as  considerações feitas a seu propósito na sentença.

Diz-se na sentença recorrida com pertinência para a questão em apreço:
«Apurou-se que, após a celebração do contrato-promessa, em Março de 2010, os Autores passaram a residir na moradia aqui em causa, com carácter permanente e duradoiro. E, (…), nesse mesmo inverno (de 2010) foram surpreendidos com as anomalias descritas na factualidade apurada, que se traduziam em deterioração de estuque junto às janelas das várias assoalhadas que compunham a habitação, absorção da água por infiltrações nas juntas das janelas dos quartos, fissuras nas paredes do interior dos vãos, existência de condensação junto das janelas da moradia, paredes empoladas da pintura e com eflorescências, manchas nos tectos e deficiente nível de ventilação da moradia (…) Os AA., confrontados com estas sérias e graves anomalias na residência em que habitavam, recorreram a uma empresa especialista que, de forma minuciosa e descritiva, identificou os defeitos em causa, particularizando a incidência e localização concreta dos mesmos e propondo até as soluções a implementar com vista à sua resolução. Sucede que, a R., confrontada com a carta descrita em 4) da factualidade assente e com o teor do relatório acima mencionado (descrito em 5) dos factos provados) – no qual, repete-se, se individualizam, de forma pormenorizada, clara e detalhada os defeitos cuja resolução se pretendia – respondeu aos AA. negando a existência de quaisquer defeitos e “convidando” os AA. a individualizar e especificar os alegados defeitos. Ora, se os referidos defeitos constavam específica e detalhadamente enunciados na missiva remetida pelos Autores à Ré, acompanhada inclusive de um relatório de uma empresa terceira, que descrevia detalhadamente os mesmos e tinha até concluído pela existência de graus de humidade na moradia superiores a 80%, não pode deixar de se concluir que a resposta da Ré consistiu na assumpção de comportamentos concludentes quanto à sua intenção de não cumprir, de acordo com os ditâmes da boa fé e do cumprimento integral dos contratos, o prometido com os Autores. Isto é, afigura-se que, em face da resposta da R. aos AA. (ou melhor dito, perante a indisponibilidade da R. para sequer reconhecer um descritivo de defeitos que os Autores cuidadosamente lhe fizeram) e a eminência de mais um Inverno, não era razoável exigir aos Autores que se mantivessem naquela habitação nas condições que apresentava, não podendo, repete-se, deixar de convocar que na referida habitação viviam crianças e um adulto que padecia de bronquite asmática. Aliás, a questão que se coloca é a seguinte: que outras diligências de comunicação dos AA. à R. a propósito dos defeitos enunciados é que lhes competia diligenciar? Pois se já os identificavam minuciosamente, com recurso a um relatório de um terceiro, acompanhado de reportagem fotográfica, o que mais lhes era exigível que não a comunicação dos mesmos e a fixação de um prazo à Ré para os reparar, sob pena de resolução do contrato, como efectivamente fizeram? Note-se que, após a remessa da missiva dos AA., ainda decorreram dois meses até que estes tenham procedido à resolução do contrato-promessa celebrado com a R. A solução do presente dissenso poderia ser distinta se a R. tivesse manifestado disponibilidade para proceder à reparação – mais ou menos demorada – dos defeitos que detalhadamente os AA. lhe transmitiram de que a vivenda padecia. Todavia, a negação genérica  de tais defeitos e o “convite” aos AA. para que procedessem à comunicação dos mesmos de forma detalhada (e com datas) quando era isso mesmo que os AA. haviam acabado de fazer (juntando para isso documentação bastante, inclusive fotográfica) permite reputar a sua postura como dilatória e atentatória dos ditâmes da boa fé e do cumprimento integral e pontual dos contratos nas condições acordadas (art.ºs 227.º e 406.º/1, ambos do Código Civil), que não se compadece com a urgência dos defeitos reportados, os quais – repete-se – respeitavam à residência habitual de um agregado familiar composto por adultos e crianças».

Como é evidente, constitui expectativa justa de quem pretende comprar um imóvel para nele habitar com a sua família, que o mesmo não sofra de um grau inadmissível de humidade, como decorre para o imóvel dos autos das circunstancias referidas no relatório da empresa a que os AA. recorreram. È certo que tais humidades seriam susceptíveis de reparação, ou de minimização, tornando as condições de habitabilidade do mesmo, porventura, adequadas. Mas, o que se verifica é que a R. nada fez no sentido de reparar aquelas graves humidades de que foi inteirada circunstanciadamente em função do referido relatório, colocando-se, efectivamente, numa posição de recusa implícita de com honestidade vir a colaborar no sentido de reparar o que houvesse a reparar.
Da carta que enviou aos AA. apenas resulta, como o relevou a sentença recorrida, a vontade e determinação de protelar as reparações em causa, não podendo este comportamento da R., de desconsideração dos legítimos e urgentes interesses dos promitentes compradores, deixar de gerar legitima desconfiança relativamente a uma futura actuação da promitente vendedora na correcção daquelas especificas anomalias, mas também nas que porventura o imóvel viesse a acusar futuramente,  justificando-se, objectivamente a perda de interesse no cumprimento.
Nas palavras do Acórdão do STJ de 15/3/2012[, «a perda do interesse do accipiens terá que resultar, objectivamente, das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo “programa obrigacional”».
Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que, estando a R. em mora relativamente às reparações implicadas no dito relatório – que lhe foi entregue em  12/4/2011 – os AA., por carta de 11/5/2011, estabelecerem-lhe um prazo razoável – 15 dias – para que a mesma lhes apresentasse «o plano de reparação dos defeitos diagnosticados», e a mesma respondeu-lhes por carta de 13/5/2011 negando «a existência de defeitos graves provenientes da construção», e solicitando-lhes - como se os AA. não o tivessem já feito adequadamente e suportando o necessário custo – a indicação precisa e autonomizada daqueles defeitos.
 Com  a referida  actuação sempre se haverá de entender que os AA. converteram o incumprimento temporário em definitivo.

Deste modo, é de concluir que, quer porque se entenda que houve da parte da R um comportamento suficientemente inequívoco da vontade de não vir a proceder às reparações necessárias, quer porque se entenda que encontrando-se a R. em mora relativamente a tais reparações, esta resultou convertida em incumprimento definitivo pela não assunção da realização daquelas reparações dentro do prazo razoável que lhes foi fixado pelos AA., quer porque, como se afigurará mais simples e curial, os AA. perderam em função da não reparação pela R. dos graves e urgentes defeitos do imóvel o interesse na aquisição do mesmo, o facto é que sempre resulta – art 808º/1 CC -  legitimada a resolução do contrato promessa. [9]
Resta saber qual a sanção para a R. em função do seu incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa.
 Ora, relativamente a essa questão – que se apresenta, porventura, como o núcleo do recurso – entende-se que o regime previsto no art 442º CC, mais gravoso para o promitente vendedor que haja incumprido o contrato promessa  (definitivamente, como parece ser entendimento largamente dominante) do que resultante da disposição geral do art 433º, aplicável ex vi do art 801º/2 CC, só deverá reclamar aplicação quando estejam em causa incumprimentos directamente referentes às obrigações principais, típicas que integra o contrato promessa e que, consoante já salientado, se referem à celebração da escritura de compra e venda a que ambas as partes se obrigaram.
Situando-se o incumprimento definitivo do contrato promessa que implicou a respectiva resolução em obrigações exteriores a esse sinalagma específico - como é o caso, da obrigação violada que, em rigor, se situa no sinalagma do contrato prometido - as consequências dessa resolução terão de advir do regime geral dos contratos e, consequentemente, do disposto no art 433º CC, excluindo-se, por conseguinte, a aplicabilidade do regime da indemnização pré definida  do art 442º CC [10] .
Com o que se vem de dizer, embora sem consequências diferentes ao nível indemnizatório, afasta-se o entendimento da apelante no sentido de que à situação dos autos – e quando este tribunal concluísse, como concluiu, pela resolução legitima do contrato promessa – se deveria aplicar o regime da compra e venda das coisas defeituosas.
Conhece-se efectivamente jurisprudência [11] no sentido de que se impõe para o promitente comprador reagir através do regime da venda de coisas defeituosas contra os defeitos que encontre na coisa que em antecipação do cumprimento da obrigação decorrente do contrato de compra e venda o promitente vendedor lhe entregou.
Salvo o devido respeito, tem-se dificuldade em compreender a aceitar tal  entendimento.
É que a solução a que conduz o regime dos arts 913º e ss CC, não é o da resolução do contrato, mas o da sua anulabilidade (em última análise por erro essencial nas qualidades da coisa, ex vi do art 905º para que remete o 913º e dos arts 251º e 247º todos do CC) – o que dificilmente se compatibilizaria com a resolução do contrato promessa  normalmente pedida neste tipo de acções (a anulabilidade teria de se referir, naturalmente, ao contrato promessa e não ao contrato prometido, que por definição, estava por celebrar).
A estranheza que num contexto como o dos autos implicaria um pedido de anulação do contrato promessa – único pedido compatível e coerente com a aplicabilidade do regime da venda de coisas defeituosas [12]–logo denuncia, a nosso ver,a inaplicabilidade deste regime, impondo-se antes a aplicabilidade das regras genéricas relativas ao não cumprimento das obrigações, até porque dificilmente se poderia aceitar que o promitente comprador em situação como a dos autos, e consequentemente, na pendência da “traditio” de imóvel, se visse constrangido, perante defeitos deste, aos prazos de denuncia e de caducidade do arts 916º e 917/1ª parte CC. 
A rejeição daquele entendimento advirá também de se perspectivar o princípio da equiparação decorrente do nº 1 do art 410º - segundo o qual «ao contrato promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa» – de modo algo diverso do que é feito naquela jurisprudência.
Galvão Teles mostra-se, aliás muito critico relativamente a esta disposição referindo [13]: «A fórmula a meu ver, é infeliz. O contrato promessa e o contrato prometido são distintos e com efeitos diversos e estão, por isso, sujeitos a regimes diferentes, salvas as disposições comuns aos contratos em geral. O que se pretende significar com aquela maneira de dizer inadequada são duas coisas que deveriam exprimir-se de modo diverso. A primeira é que no contrato promessa se tem de definir o conteúdo do contrato prometido nos mesmos termos em que haveria que fazê-lo se se estivesse já a celebrar este. O conteúdo do contrato prometido deve ficar logo convenientemente precisado, de maneira a que não se tornem necessárias subsequentes negociações. È mister, sob pena de nulidade do contrato promessa, que este se apresente exequível por si, sem necessidade de completar a definição dos termos do contrato futuro a celebrar. A segunda coisa é que, se se prometer um contrato que, atentos as disposições legais aplicáveis ao caso, for inválido (por uma razão de ordem objectiva e não apenas respeitante à pessoa do promitente) será nulo o contrato promessa». Mas acrescenta: «…mas isto decorre dos princípios gerais sobre impossibilidade da prestação e sobre o objecto do negócio jurídico. Quem promete um contrato inválido obriga-se a uma prestação impossível – a celebração desse contrato -  e tanto basta para que a promessa seja nula – arts 401º/1 e 3» .
Mas, mesmo aceitando-se que o referido princípio da equiparação, não distinguindo «na sua aplicação, entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio» [14], possa implicar, num primeiro momento, a ideia da aplicabilidade ao contrato promessa das regras que na compra e venda se referem à venda de coisa defeituosa, sempre haverá, num segundo momento, já «no capitulo dos efeitos da promessa», que verificar se há «disposições reguladoras do contrato prometido   (sobretudo nos contratos de alienação de coisa determinada) que pelo seu fundamento não são extensivas à simples promessa», crendo-se estar nessa situação, justamente, as disposições relativas à venda de coisas defeituosas em situações como a dos autos.[15]
Porém, como resulta evidente, o que releva no presente recurso é a rejeição que já se fez relativamente à aplicabilidade do regime específico de incumprimento decorrente do funcionamento do sinal constante do art 442º CC, nada se alterando no plano indemnizatório em função da não aplicabilidade à situação dos autos do regime da venda de coisa defeituosa tal como o mesmo está previsto nos arts 913º e ss  (a chamada garantia edilicia), mas antes as regras genéricas referentes ao cumprimento defeituoso da prestação devida, pois que a esse nível a  consequência da anulação equivale-se à da resolução, sempre se impondo, nos  termos do art 289º CC – aplicável directamente ou por remissão do art 433º do mesmo diploma -  a restituição aos AA, apenas em singelo, da quantia entregue a titulo de sinal[16], com a consequente revogação da sentença a este nível.

V - Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando parcialmente a sentença recorrida, condenar a R., em função da legítima resolução pelos AA. do contrato promessa em causa nos autos, a restituir-lhes a quantia de € 10.000 (dez mil euros), acrescida de juros consoante nessa sentença se decidiu.
Custas na 1ª instância e nesta por ambas as partes, na proporção da sucumbência.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015 
                                        
Maria Teresa Albuquerque                                          
José Maria Sousa Pinto                                             
Jorge Vilaça

[1] - A “traditio” representa a passagem da coisa da esfera de domínio de uma pessoa para outra pessoa, deixando a coisa de estar sob o domínio da primeira e passando a estar sob o domínio da segunda, domínio este que corresponde ao corpus possessório referente a determinado direito.
Como o assinalam Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 6, e Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, pág. 348, «o contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário».
2- RLJ, Ano 128, pág. 126 e ss
[3] - «Direito das Obrigações, 2ª ed, p 78
[4] - Objecto imediato do contrato promessa é o contrato prometido, objecto  imediato do contrato prometido é o bem a que o mesmo se refere, e este configura-se como objecto mediato do contrato promessa. Neste sentido, Ac STJ 27/11/2007, Alves Velho, in www.dgsi.pt
[5]- Por todos, referido Ac STJ 27/5/2003, Alves Velho, que  repete as mesmas considerações  no Ac 27/11/2007 e no Ac 13/9/2011, sendo desses acórdãos as citações subsequentes.
[6] -  «O Contrato-promessa e o seu Regime Civil», p 632 e 797
[7] - Citando-se aqui os Ac. STJ de 16/12/93 e 12/7/001, CJ I-III-185 e IX-III-30
[8] - Neste sentido AC STJ 25/3/2004 (Azevedo Ramos) 
[9] - «A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta a justifica-lo “um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas” e a sua correspondência à “realidade das coisas”» - Ac STJ 27/5/2003 , Alves Velho
[10] - Cfr Ac STJ 2/12/2013 (Mª dos Prazeres Beleza) que refere: «Com a definição do montante indemnizatório nos termos do art 442º CC dispensa-se tanto a prova de que o promitente não faltoso sofreu efectivamente prejuízos, como se exclui ainda o ressarcimento de prejuízos que excedam a indemnização encontrada»
[11] - Cfr Ac STJ 3/6/2003 (Alves Velho), 29/6/2010 (Garcia Calejo),2/12/2013 (Mª dos Trazeres Beleza), à frente melhor referidos, todos acessíveis em www.dgsi.pt 
[12]  - O que se vem de dizer, não exclui, naturalmente, que não possam ocorrer neste tipo de acções pedidos de anulação do contrato promessa - como sucede no âmbito  do Ac STJ 3/6/2003 (Alves Velho) em que a promitente vendedora, sem informar o promitente comprador e estando em causa contrato promessa feito apenas à vista da planta, inseriu no interior da fracção objecto desse contrato, uma caixa de acesso à descarga do fundo da cisterna do edifício e de cuja existência o promitente comprador apenas se veio a aperceber quando tentou revender  a fracção. Aqui, sim, há erro sobre o objecto do negócio, que se mostra essencial, pois que o promitente-comprador se tivesse sabido da existência dessa caixa não teria celebrado o contrato promessa, pelo menos com aquele preço. E por assim ser, faz sentido a anulação do contrato promessa, como vinha pedido subsidiariamente e como foi decidido. Mas, salvo melhor opinião e com o devido respeito, sem necessidade de se recorrer ao regime da venda de coisa defeituosa, mas por mera aplicação dos princípios gerais do erro sobre o objecto do negócio. 
[13] - Obra citada, p 92/93
[14] - Antunes Varela, «Direito das Obrigações», 4ª ed, p 276
[15] O Ac STJ de 29/6/2010 (Garcia Calejo) pronuncia-se, ao contrário do que se vem de defender,  pela aplicabilidade numa situação de facto essencialmente idêntica à dos presentes autos, pela aplicabilidade do regime da venda de coisa defeituosa, sustentando estar em causa por parte do promitente comprador um erro na base do negócio tal como é perspectivado no art  252º/2 CC justificativo da anulabilidade do negócio à luz do art 905º, para que remete o art 913º. No sumário desse acórdão diz-se, entre o mais: «Se o promitente comprador, após a assinatura do contrato promessa, passou a residir no prédio urbano prometido vender, vindo a constatar que o mesmo apresentava defeitos (existência de humidades e infiltrações) deve aplicar-se à situação as regras atinentes á venda de coisa defeituosa … Deve ser reconhecido ao comprador, em primeira linha, o direito de exigir do devedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela – art 914º CC . Para além deste direito, deve-se reconhecer ao mesmo o direito de anulação do contrato, de redução do preço e da indemnização (pelo interesse contratual negativo»).
Já o Ac STJ de 2/12/2013 (Mª dos Prazeres Beleza) perante situação de facto essencialmente idêntica, sendo peremptório no afastamento da aplicação do regime previsto no art 442º CC, mostra-se, porventura, pouco conclusivo no sentido de acolher a aplicação das regras atinentes à venda de coisa defeituosa, ou ao regime geral do incumprimento defeituoso da prestação devida, parecendo no entanto preferir  a primeira solução, ao mesmo tempo que remete para o acima assinalado Ac STJ de 29/6/2010
[16] - E não das demais quantias que estes pagaram mensalmente à R., porque estas se configuram, e também a parte que era abatida ao preço final, como a contrapartida do uso e habitação dos AA. no imóvel em questão.