Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8347/2005-6
Relator: FÁTIMA GALANTE
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A legitimidade passiva do Administrador nas acções respeitantes às partes comuns do edifício não é extensível à impugnação das deliberações do condomínio onde estão em causa interesses dos condóminos de outra natureza
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
S, S.A., intentou acção declarativa com processo ordinário contra G, LDA, na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Av. República, nº 62, em Lisboa, pedindo seja declarada a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 16.09.04, a saber:
a) substituição da inicial ordem de trabalhos por nova ordem de trabalhos com apenas 3 pontos;
b) os efeitos da aplicação/imputação à S, S.A. da deliberação de pagamento do orçamento extraordinário aprovado, a repartir por todos os condóminos, com base nas respectivas permilagens e liquidação em 3 prestações iguais e sucessivas, em 15 de Outubro, Novembro e Dezembro;
c) rejeição da proposta apresentada pela S, S.A., de introduzir os três primeiros pontos da inicial ordem de trabalhos, no último ponto da nova ordem de trabalhos relativo a outros assuntos de interesse do condomínio.
Alega para tanto que:
- é, ao abrigo de um contrato de locação financeira, celebrado entre com o BCP, Leasing S.A., locatária de uma fracção autónoma designada pela letra B do prédio sito na Av. Da República, nº 62 a 62C, em Lisboa;
- o condomínio através das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 16.09.04, pretende impedir a utilização dessa fracção para o fim pretendido pela autora.
- as deliberações, cuja anulação vem pedida, tomadas a 16 de Setembro de 2004, são anuláveis por violarem disposições legais.

Citada, contestou a administradora arguindo a sua ilegitimidade, invocando, para tanto, uma decisão proferida pelo Mmo Juiz da 3ª Secção da 4ª Vara Cível de Lisboa e impugnando os factos alegados pela requerente.

Conhecendo da excepção, foi proferido despacho que julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, absolveu a Ré da instância.

Inconformada, a A. agravou desta decisão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
A. O Administrador está efectivamente dotado de legitimidade passiva, sendo a R., ora Recorrida, parte legítima na presente acção.
B. A Recorrida, é a entidade que administra o Condomínio, tendo sido nessa qualidade que foi demandada.
C. Ilegitimidade existiria caso tivesse sido intentada a presente acção contra a G, agindo esta em seu nome pessoal.
D. O condomínio, representado pelo seu administrador tem personalidade judiciária, agindo em seu nome pessoal.
E. Resulta directamente do artigo 1437º, n.° 2, do Código Civil que "o administrador também pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício."
F. As deliberações em causa nos presentes autos, tomadas na Assembleia de Condóminos de 16.09.2004, exprimem a vontade do condomínio, do grupo e não dos condóminos individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação.
G. A decisão em crise deve ser revogada e substituída por outra que considere a Ré parte legítima para ser demandada.

A Agravada não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais
Cumpre apreciar e decidir
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil), sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, está em causa saber se o administrador do condomínio tem legitimidade passiva para ser demandado, nessa qualidade, nas acções anulatórias das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos.

II – O DIREITO
Na tese da Agravante, ao contrário do posição assumida na sentença recorrida, o Administrador está dotado de legitimidade passiva, pelo que a Recorrida é parte legítima na presente acção, em que é pedida a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 16.09.04.
Porém, sem razão.

1. Tendo presente o art. 26º nº 1 do CPC, o réu é parte legitima quando tem interesse directo em contradizer, interesse esse que se exprime pelo prejuízo que para ele possa advir da procedência da acção. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Ora, o administrador do condomínio não é sujeito das deliberações cuja anulação se pede, sendo certo que foram tomadas pela assembleia de condóminos, a que o dito administrador terá presidido.
O administrador do condomínio é eleito pela assembleia de condóminos, nos termos do art. 1435º do CC, podendo ser um condómino ou um terceiro. “Sendo um terceiro, nem sequer tem direito de voto, e estranho seria que fosse demandado como sujeito da relação material controvertida (1).
Assim, a sua intervenção só se justifica em relação aos actos de conservação e fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios dos respectivos direitos ou a prestação dos serviços comuns. Compete-lhe a gestão corrente dos bens comuns, estando a sua competência, no entanto, subordinada às deliberações que a assembleia tome a tal respeito, deliberações que, de resto, lhe cumpre executar.
Tem ainda legitimidade para, de acordo com o disposto no art. 1437º do CCivil, praticar actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, para demandar e ser demandado, quando autorizado pela assembleia, em acções relativas a propriedade e posse desses bens.

2. Como decorre do disposto no art. 1431º, nº 6 do CPC, os poderes do administrador, em casos como o dos autos, limitam-se à representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções.
Efectivamente, no que respeita à impugnação das deliberações, o art. 1433º, n.°6 do CC limita-se a estabelecer a representação judiciária dos condóminos pelo administrador, ou pessoa que a assembleia designar para esse efeito, nas acções de anulação das deliberações daquela assembleia. Isto é, no que respeita a impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos não é concedida legitimidade para, na exclusiva qualidade de administrador, demandar e ser demandado, sendo certo que o citado preceito indica contra quem as acções de anulação devem ser propostas – “condóminos contra quem são propostas as acções” (cfr. nº 6 do art. 1433º do CC) - o que significa que os sujeitos passivos dessas acções são os condóminos.
Não pode é pretender confundir-se tal representação com a personalidade judiciária que a lei confere ao condomínio quanto às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (art. 6.°, alínea e) do CPC). “Só quanto a actos de conservação e fruição das coisas comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns, o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade (2).
Por outro lado, também o n.° 3 do art. 1347.° reconhece legitimidade ao administrador quanto às acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, mas só se a assembleia lhe atribuir para o efeito, poderes especiais.
O administrador intervirá no processo, não como réu, mas como representante dos condóminos demandados, que são os verdadeiros réus e na esfera jurídica dos quais se irão produzir os efeitos da procedência da acção. Consequentemente, pretendendo a A. impugnar em juízo deliberações tomadas na assembleia geral, terá de intentar a correspondente acção contra os condóminos, individualmente considerados, os quais serão, assim, os verdadeiros réus na acção. Foi tendo em vista facilitar o desenvolvimento da acção e evitar a intervenção efectiva de todos, que o legislador veio permitir que os réus fossem representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito por deliberação da assembleia. É o que resulta dos citados normativos e, designadamente do nº 6 do art. 1433º do CC (3).
Portanto, a legitimidade passiva do Administrador nas acções respeitantes às partes comuns do edifício não é extensível à impugnação das deliberações do condomínio onde estão em causa interesses dos condóminos de outra natureza (4).

3. Tudo isto para dizer que, como resulta do n.°6 do art. 1433.° do Código Civil, nas acções de impugnação da assembleia dos condóminos, estes são representados pelo administrador, o que implica que devem ser demandados os condóminos e estes, se assim o entenderem, podem deliberar fazer-se representar na acção pelo administrador.
Ora, a presente acção foi intentada contra G, na qualidade de administradora do condomínio e não como representante dos condóminos. Sendo assim, não pode deixar de concluir-se, tal como a sentença recorrida, que a administradora demandada não é parte legitima na acção, porquanto foi demandado como Ré e, para tal efeito citada, sendo certo que os condóminos não foram sequer demandados.
O recurso não merece, pois, provimento.

III – DECISÃO
Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Agravante.
Lisboa, 18 de Outubro de 2006.

(Fátima Galante)
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Ferreira Lopes)



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1.-Ac. STJ de 14.2.1991 (Pereira da Silva), www.dgsi.pt.

2.-Ac. STJ de 2 de Fevereiro de 2006 Moitinho de Almeida, www.dgsi.pt..

3.-Neste sentido também o Ac. STJ de 22-11-90 (Joaquim de Carvalho), www.dgsi.pt..

4.-Ac. do STJ de 14.2.1991, já citado.