Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1331/2008-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
POSSE
USUCAPIÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I – O contrato-promessa só confere, em regra, um direito de crédito ao promitente-comprador – o direito à celebração do contrato prometido e definitivo – e que, ainda que haja tradição da coisa para o mesmo, este não passa de um “detentor ou possuidor precário” nos termos e para os efeitos do artigo 1290.º, convindo conjugar esta norma com as contidas nos artigos 1253.º, que define aquele conceito e 1265.º (inversão do título da posse, que no caso dos autos não ocorreu), todos do mesmo texto legal, o que é impeditivo, em tese geral, da prescrição aquisitiva da mencionada coisa.
II – Um crescente número de situações anómalas ou invulgares, que tem vindo a ser julgado pelos nossos tribunais, obrigou, contudo, a uma inflexão nessa posição de princípio, por se revelar, cada vez mais, redutora, inadequada e injusta para com os direitos do promitente-comprador.
III – Importa distinguir o contrato-promessa, que só tem a virtualidade de produzir efeitos jurídicos de natureza creditícia, do acto de entrega do imóvel ao promitente-comprador, que se reconduz a um acordo jurídico diverso daquele negócio, apesar de, muitas vezes, coincidente temporalmente com o mesmo.
IV – É juridicamente possível e admissível que, no âmbito de um contrato-promessa, em que houve, paralelamente, tradição da coisa e desde que verificadas determinadas circunstâncias, que indiciem, suficientemente, esse propósito e realidade, o promitente-comprador exerça poderes de facto sobre o bem em causa (“corpus”) com o “animus” correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real menor (que se presume, nos termos do artigo 1268.º, número1 do Código Civil), posse essa, em nome próprio, que, desde que desenvolvida pública, pacificamente e pelo período de tempo legalmente imposto, é susceptível de consubstanciar a prescrição aquisitiva da coisa possuída, passando o respectivo possuidor ou os seus sucessores a serem titulares, em termos originários, do direito real em questão.
V – Logo, face ao disposto no artigo 351.º do Código de Processo Civil e pretendendo a Autora invocar um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, nada impede o recurso aos presente embargos de terceiro para afirmar esse direito, convindo recordar que o seu reconhecimento e declaração se retroage ao momento em que a posse em nome próprio sobre o bem móvel ou imóvel começou a ser exercida (artigo 1288.º do Código Civil).
(JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE M, representada pelo cabeça de casal L, Instaurou, em 9/08/2004 e por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que a primeira Embargada instaurou, no ano de 1993, contra o segundo Embargado e onde promoveu e foi realizada a penhora do imóvel abaixo identificado, os presentes embargos de terceiro contra SOCIEDADE F, SA., com sede em Lisboa e J, residente na Amadora, pedindo, em síntese, o seguinte:
I – Que seja reconhecido o direito de propriedade da embargante sobre a fracção autónoma correspondente ao 6.º Dto., do prédio urbano sito em Paço de Arcos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º…;
II – Que seja reconhecido à embargante o direito de retenção sobre a tal fracção autónoma, o qual resulta do direito à execução específica do contrato promessa de compra e venda;
III – Que seja levantada a penhora sobre a mencionada fracção.
*
A Embargante, alega, para tanto e em síntese, o seguinte:
1) A fracção penhorada, em 20/02/03, nos autos de execução, foi objecto de um contrato promessa de compra e venda de 26/11/74 nos termos do qual J prometeu vender a mesma a M e este prometeu comprar pelo preço de Esc. 375.000$00. Nesta data este entregou àquele a quantia de Esc. 300.000$00 a título de sinal;
2) Nos termos da Cláusula 5.ª do mencionado contrato incumbia ao promitente-vendedor marcar data da escritura e comunicar ao promitente-comprador;
3) J entregou a fracção a M que passou a habitá-la e fê-lo até à data do seu falecimento, em 03/12/89;
4) Depois deste momento um dos seus herdeiros continuou a viver na mesma fracção;
5) Nunca foi realizada a escritura de compra e venda da fracção, o que é imputável ao promitente vendedor;
6) O promitente-comprador tem direito a requerer a execução específica do contrato promessa;
7) Assiste-lhe o direito de retenção sobre tal bem de molde a salvaguardar e garantir o crédito à prestação de facto que consiste a execução específica do contrato promessa;
8) A posse do falecido e seus herdeiros existe há mais de 30 anos;
9) Uma vez que a mesma é pública, pacífica, contínua e de boa fé a propriedade foi adquirida por usucapião;
10) A embargante é terceira nos autos de execução e a penhora ofende a sua posse e direito;
11) A embargante apenas teve conhecimento da penhora em 12/06/04, quando um solicitador comunicou ao cabeça de casal que, ao deslocar-se à Conservatória do Registo Predial de Oeiras, constatou o registo da mesma.
*
Os Embargados nesta acção foram notificados, tendo a SOCIEDADE F, SA vindo contestar os embargos nos moldes constantes de fls. 59 e seguintes:
a) A provar-se a existência do contrato promessa e o seu incumprimento pelo 2.º Executado, ou não se mostra ainda exercido o direito da alegada promitente compradora à execução especifica ou não é o mesmo oponível a terceiro porque não registado;
b) Com efeito, o direito de execução específica apenas pode ser exercido através de acção cujo registo é obrigatório;
c) Acresce que o direito de retenção invocado não é, de modo algum, o meio idóneo à garantia da execução específica;
d) Com efeito, do disposto no art. 755.º, alínea f) do Código Civil, tal direito apenas pode ser exercido para garantia do crédito resultante do incumprimento nos termos do art. 442.º do Código Civil;
e) Por outro lado, a traditio do imóvel não confere à embargante a possibilidade de aquisição do direito de propriedade sobre o bem uma vez que a mesma apenas tem uma posse precária sobre o mesmo;
Termina pedindo a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução.
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Veio então a ser proferida saneador-sentença que consta de fls. 100 e seguintes, onde foram julgados improcedentes por não provados os presentes embargos de terceiro.
A Embargante interpôs recurso de apelação (fls. 109), que tendo sido admitido (fls. 116) e seguidos os seus trâmites normais, veio a dar origem ao Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 224 e seguintes que, proferido em 24/01/2006, revogou o saneador-sentença impugnado e determinou o prosseguimento dos autos, com a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
(…)
Foi então proferida a sentença de fls. 331 e seguintes, datada de 3/10/2007, onde foram julgados improcedentes por não provados os presentes embargos de terceiro e mantida a penhora sobre o bem imóvel dos autos.
*
A Embargante veio, a fls. 344 e em 19/10/2007, interpor recurso de apelação dessa sentença judicial.
O juiz do processo admitiu, a fls. 348, o recurso de apelação interposto, tendo determinado a sua subida imediata, nos próprios autos e fixado o efeito meramente devolutivo.
(…)
Notificados exequente e executado para reponderem, querendo, a tais alegações, só a Embargada S, SA veio a fazê-lo dentro do prazo legal, tendo pugnado pela manutenção da decisão recorrida, conforme ressalta de fls. 374 e seguintes.
(…)
II – OS FACTOS

1. Nos autos de execução, em 20/02/03, foi efectuada a penhora do prédio urbano sito em Paço de Arcos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … (A));
2. Em 03/12/89, faleceu M, tendo deixado como herdeiros L e M (Doc. de fls. 21 a 24) (B));
3. Em 26/11/74, o embargado J prometeu vender a M a fracção autónoma referida no ponto 1 (A)), tendo sido outorgado contrato de promessa de compra e venda (cf. Doc. de fls. 17 a 19), mediante o qual J prometeu vender e M prometeu comprar pelo preço de Esc. 375.000$00, uma fracção autónoma sita em Paço de Arcos, correspondente ao 6.º andar Dto. (1°);
4. O promitente-comprador, M, entregou a J, na data da celebração do contrato promessa (26/11/74) a quantia de Esc. 300.000$00 a título de sinal (2.º);
5. Ficou convencionado na cláusula 5.ª do contrato de promessa de compra e venda que a escritura definitiva será celebrada logo que o promitente vendedor o comunique ao promitente-comprador (3.º);
6. Na data da celebração do contrato referido nos pontos anteriores e porque M lhe entregou mais de metade do preço o embargado J entregou a M a fracção autónoma prometida vender referida no ponto 3 (4.º);
7. Os herdeiros de M não procederam à partilha dos bens e direitos que fazem parte da herança ilíquida e indivisa por óbito de M (5.º);
8. Desde 26/11/74 e até à data do seu óbito, que ocorreu em 03/12/89, M viveu na fracção autónoma que lhe foi prometida vender por J referida no ponto 3 (6.º);
9. Nela dormindo, comendo e fazendo a sua higiene pessoal (7.º);
10. E naquela fracção autónoma M organizou a sua vida familiar (8.º);
11. Nela recebendo a sua correspondência e os familiares e amigos que o visitam (9.º);
12. E celebrando em seu nome os contratos de fornecimento de electricidade, água e gás (10.º);
13. E passando a efectuar os pagamentos de água, electricidade, telefone, seguros, condomínio e demais despesas resultantes da normal utilização do andar (11.º);
14. M fez obras e melhoramentos no andar referido no ponto 3, sempre que se mostrou necessário (12.º);
15. A ocupação que M passou a fazer da fracção referida no ponto 3 decorreu sem objecção e com o consentimento por parte do promitente vendedor, J (13.º);
16. E com o conhecimento dos vizinhos e demais pessoas em contacto com a situação (14.º);
17. Após o óbito de M foram os seus herdeiros referidos no ponto 2 que passaram a habitar a fracção referida no ponto 3 e 1 (15.º);
18. O promitente vendedor nunca marcou a data para a realização da escritura, nem fez qualquer comunicação nesse sentido ao promitente-comprador ou a quem lhe sucedeu (16.º);
19. Após o óbito de M os seus herdeiros referidos no ponto 2 passaram a pagar todas as despesas referentes à fracção habitacional referida no ponto 3 e 1, nomeadamente de água, electricidade, gás, seguros e condomínio (17.º);
20. E desde há alguns anos é um filho de M que habita a fracção referida no ponto 1 e 3 (18.º);
21. O embargante teve conhecimento da penhora referida no ponto 1 em 12/07/04 (19.º);
22. Os presentes autos de embargos de terceiro deram entrada em 09/08/04.

III – O DIREITO

A única questão que se suscita no âmbito deste recurso é, tão-somente, a seguinte: a Embargante adquiriu, por força da posse continuada do prédio penhorado desde finais do ano de 1974 e do instituto da usucapião, o direito de propriedade sobre o mesmo?

C1 – EMBARGOS DE TERCEIRO, CONTRATO-PROMESSA E POSSE

A Apelante (HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE M, representada pelo cabeça de casal, L), face à penhora incidente sobre o prédio dos autos e promovida pela exequente S, SA, instaurou os presentes embargos de terceiro, em 9/08/2004, ao abrigo do disposto no artigo 351.º do Código de Processo Civil.
(…)
A causa de pedir invocada pela Autora é complexa e alicerça-se na sua qualidade de promitente-compradora do imóvel em questão, na sequência de um contrato-promessa celebrado, em 26/11/1974, entre o falecido M e o executado J e da posse ininterrupta, pública, pacífica e de boa-fé desde aquela data até à data da instauração dos presentes embargos, dado ter ocorrido a tradição do andar na altura da concretização do referido negócio jurídico, conjunto de factos que, na sua perspectiva, lhe permitem a aquisição da propriedade do mesmo por usucapião.
A primeira dúvida que pode ser colocada é a da possibilidade da Autora, no âmbito de uns autos como os dos embargos de terceiro, vir reclamar o reconhecimento judicial da sua posse jurídica sobre o dito bem imóvel, para efeitos de prescrição aquisitiva e, nessa medida, face ao direito de propriedade assim originalmente declarado e à sua incompatibilidade e oponibilidade à apreensão judicial daquele, lograr a sua procedência e o levantamento da mesma.
Sabendo-se, com efeito, que o contrato-promessa só confere, em regra, um direito de crédito ao promitente-comprador – o direito à celebração do contrato prometido e definitivo – e que, ainda que haja tradição da coisa para o mesmo, este não passa de um “detentor ou possuidor precário” nos termos e para os efeitos do artigo 1290.º (“Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título”), convindo conjugar esta norma com as contidas nos artigos 1253.º, que define aquele conceito e 1265.º (inversão do título da posse, que no caso dos autos não ocorreu), todos do mesmo texto legal, torna-se fácil, em tese geral, defender a impossibilidade da Autora beneficiar da prescrição aquisitiva por eles reclamada nestes autos (cf., neste sentido, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, “Garantias do Cumprimento “, 5.ª Edição, Novembro de 2006, Almedina, páginas 226 e seguintes, muito embora, no último parágrafo da página 233, admita excepções; ver, também, Carlos Ricardo Soares, “Contrato-promessa de compra e venda de fracção autónoma - Guia prático”, 3.ª Edição, Agosto de 2005, Almedina, páginas 159 e seguintes, com referência à inúmera jurisprudência aí elencada e que se encontra dividida, como a nossa doutrina, quanto a estas questões).
Impõe-se, contudo, referir que um crescente número de situações anómalas ou invulgares, que tem vindo a ser julgado pelos nosso tribunais, obrigou a uma inflexão nessa posição de princípio, por se revelar, cada vez mais, redutora, inadequada e injusta para com os direitos do promitente-comprador.
Salvador da Costa em “Os Incidentes da Instância”, Almedina, 1999, páginas 185 e 186, a este propósito, diz o seguinte:
“Há quem entenda que o promitente comprador com direito à execução específica, isto é, o direito correspondente à aquisição da propriedade da coisa, independentemente de haver ou não haver tradição da coisa ou direito de retenção, pode deduzir embargos de terceiro contra o acto de penhora da coisa prometida alienar operado em acção executiva instaurada por quem não disponha de garantia real.
O direito à execução específica é o poder de o promitente-comprador obter decisão que produza a os efeitos da declaração do promitente vendedor em mora, ou vice-versa.
Não concordamos com essa posição, porque o promitente adquirente da coisa que entretanto foi penhorada é mero titular de um direito de crédito que não pode prevalecer sobre o direito real de garantia de cumprimento obrigacional derivado do acto de penhora.
Mas se o promitente-comprador registou a acção tendente a realizar o direito de execução específica antes de o exequente haver registado o acto de penhora, ou se se tratar de contrato promessa com eficácia real, parece que poderá deduzir embargos de terceiro contra aquele acto.
Se o promitente comprador for realmente um possuidor, como é o caso do tradiciário de uma fracção predial que pagou a quase totalidade do preço e requisitou, em seu nome, a ligação da água e da energia eléctrica, agindo como se fosse dono dela, já é defensável que possa embargar de terceiro.
O êxito dos referidos embargos ficaria, porém, condicionado ao facto de o embargado não pedir o reconhecimento do direito de propriedade a que alude o n.º 2 do artigo 357.º, ou de o haver pedido sem êxito.
Mas importa ter presente que da traditio resulta, em regra, para o promitente comprador um direito pessoal de gozo que não comporta o animus domini, pelo que não é um possuidor, salvo se a sua acção em relação à coisa revelar, nos termos do artigo 1265.º do Código Civil, inversão do título de posse.” (sublinhados nossos - cf. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/1996, em CJ, Ano IV, Tomo 3.º, página 109, citado pelo Dr. Salvador da Costa).
Esta posição do Juiz Conselheiro Salvador da Costa parece permitir, ainda que em situações raras e excepcionais, que os promitentes-compradores possam possuir em nome próprio e na convicção de serem titulares do direito real correspondente aos actos de posse pelo mesmo desenvolvidos, o que justifica o recurso ao processo de embargos de terceiro quando existe uma ofensa judicial dessa posse, tese essa que encontra acolhimento em alguns Acórdãos dos nossos tribunais superiores.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/1996, processo n.º 96A362, relator: Fernando Fabião, em www.dgsi.pt e BMJ n.º 461, páginas 457 e seguintes, no seu sumário, atesta o seguinte:

I – Em contrato-promessa de compra e venda de imóvel, a tradição da coisa para o promitente-comprador, acompanhada de factos que traduzam o "animus sibi habendi", transfere a respectiva posse para este, sem necessidade de registo, podendo ele defender a sua posse mediante embargos de terceiro em execução movida contra o promitente-vendedor, ainda que tenha havido penhora registada.
II – Efectivamente, a tradição da coisa para o promitente-comprador, após este ter feito o pagamento integral do respectivo preço, recebido as chaves e ocupado o imóvel em que passou a fazer obras de beneficiação, traduz o "animus sibi habendi" acompanhado do corpus, ainda que, no título inicial do contrato-promessa, se haja estipulado que a posse só seria transmitida após a escritura definitiva de compra e venda.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/03/2004, processo n.º 04B362, relator: Abílio Vasconcelos, em www.dgsi.pt, por seu turno, defende o seguinte (sumário):

I – Na análise do conceito de posse deparam-se dois elementos: o "corpus", consistente no exercício de poderes de facto sobre a coisa e o "animus" que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos poderes exercidos.
II – A tradição da coisa, por via do contrato-promessa de compra e venda, para o promitente-comprador, confere a este o acesso à tutela possessória desde que aquela tradição seja seguida da prática, por aquele, de actos próprios de quem age em nome próprio.

Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/2006, processo n.º 06A1128, relator: Azevedo Ramos, que se pode encontrar no mesmo local, afirma o seguinte (sumário):

(…) V – Todavia, são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche, excepcionalmente, todos os requisitos de uma verdadeira posse.
V – É o caso do promitente comprador, emigrante em França, que se encontra no gozo de um apartamento que lhe foi entregue pelo promitente vendedor, mostrando-se já paga a totalidade do preço e que desfruta desse apartamento em vários períodos do ano, com a família e amigos, aí estabelecendo a sua residência em Portugal, procedendo ao pagamento do respectivo imposto municipal sobre o imóvel, do consumo de electricidade e do condomínio, tendo a coisa sido entregue ao embargante pelo promitente vendedor, há cerca de vinte anos, como se sua fosse já e sendo nesse estado de espírito que o promitente comprador lá estabeleceu a sua residência em Portugal e praticou diversos actos correspondentes ao direito de propriedade, em nome próprio, com a intenção de exercer sobre ele o direito real correspondente.
VI – À relevância da posse do embargante não obsta a nulidade resultante da inobservância da forma legal do contrato promessa de compra e venda, pois um acto jurídico nulo tem o valor de imprimir à posse o seu carácter, sendo por ele que se há-de averiguar qual o animus do adquirente.


(cf., ainda, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/03/1999, em CJSTJ, 1999, Tomo I, páginas 137 e seguintes, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2007, processo n.º 07A3674, relator: Urbano Dias e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/02/2004, processo 6313/2003-2, relatora: Maria José Mouro, em www.dgsi.pt; também Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, Novembro de 2007, 12.ª Edição, Almedina, página 237, Nota 55, Menezes Cordeiro, “A Posse – Perspectivas dogmáticas actuais”, Almedina, 1997, página 77, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, obra citada, último parágrafo da página 233 e Carlos Ricardo Soares, obra citada, páginas 163 e seguintes, quer no que toca admissão de situações de genuína posse por parte do promitente-comprador, como no que se refere a alguma da jurisprudência aí indicada).
Importa talvez referir que alguns Arestos, como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2005, Processo n.º 04A4411, relator: Lopes Pinto, em www.dgsi.pt, distinguem o contrato-promessa, que só tem a virtualidade de produzir efeitos jurídicos de natureza creditícia, do acto de entrega do imóvel ao promitente-comprador, que reconduzem a um acordo jurídico diverso daquele negócio, apesar de, muitas vezes, coincidente temporalmente com o mesmo.
O sumário do Acórdão em questão refere o seguinte, a este respeito:

II – A traditio é uma convenção autónoma, não se confunde com o contrato-promessa, muito embora o acompanhe com bastante frequência. Do contrato-promessa de compra e venda não resulta a transferência do direito de propriedade pelo que a posse decorrente da entrega em que se traduz o acordo de traditio, subsequente e em razão daquele contrato-promessa, não é titulada.
III – Pela traditio os actos materiais que antes, enquanto simples detentor, exercia em nome alheio, como intermediário do possuidor, passaram, presuntivamente, a ser por si praticados por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.

Ouça-se, também, do mesmo tribunal superior, o Aresto de 17/04/2002, processo n.º 07A480, relator: Alves Velho, também em www.dgsi.pt (sumário):

- A eventual posse do promitente-adquirente não emerge do contrato-promessa, alheia que é ao respectivo objecto, mas de um outro acordo negocial e da efectiva entrega do bem pelo promitente-alienante;
- Em regra, o promitente-comprador exercerá sobre o bem um direito pessoal de gozo, semelhante ao do comodatário, mas que lhe não confere a realidade da posse, nem mereceu ainda equiparação legal.
- Sendo embora essa a regra, pode efectivamente haver posse do promitente-adquirente, o que sucederá quando, obtido o corpus pela tradição, a coberto da pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expectativa fundada de que tal se verifique, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse.
- Não é, assim, possível qualificar dogmaticamente como mera posse precária ou como verdadeira posse a detenção exercida pelo promitente-comprador sobre a coisa objecto do contrato prometido em que é beneficiário de traditio, havendo de ser o acordo de tradição e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção.
- (…)

(cf., igualmente e no mesmo local, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/1998, processo n.º 98B709, relator: Sousa Dinis, no mesmo local e de 3/03/2005, processo n.º 05B002, relator: Oliveira Barros, bem como Ana Prata, “ O contrato-promessa e o seu regime civil”, Almedina, Agosto de 2001, páginas 830 a 832 e a doutrina e jurisprudência por essa autora referidas no respectivo ponto – contra, Miguel Mesquita, “Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro”, 2.ª Edição Revista e Aumentada, 2001, páginas 150 e seguintes, com maior relevância para o teor das páginas 177 e seguintes).
Sendo assim nada obstava a que a Autora, nos termos dos artigos 351.º e seguintes do Código de Processo Civil, lançasse mão dos presentes embargos de terceiro com vista a opor a posse que exercia sobre o imóvel apreendido à penhora judicial que incidiu sobre o mesmo.

C2 – CONTRATO-PROMESSA, POSSE E USUCAPIÃO

A Apelante vem ainda questionar a sentença recorrida, defendendo que se verificou a aquisição, por usucapião, do prédio, dado o falecido M ou os seus herdeiros terem tido a posse do mesmo durante mais de 20 anos de uma forma pacífica, pública e de boa fé.
O principal obstáculo a tal tese é o relativo à possibilidade do promitente-comprador, em determinadas condições, já acima referidas e analisadas, poder exercer sobre a coisa, objecto mediato do contrato-promessa, uma posse em nome próprio (“corpus” e “animus”), correspondente ao exercício de um direito real de gozo, questão essa a que, em determinados casos, tem de ser dada resposta afirmativa.
Logo, constatada essa posse (por oposição à mera detenção) e desde que reunidos os demais pressupostos juridicamente reclamados para a aquisição por usucapião, conforme o disposto nos artigos 1251.º, 1263.º, alínea a) e 1258.º a 1262.º do Código Civil, não vislumbramos impedimento legal a que o promitente-comprador possa vir a ser instituído originariamente na titularidade do direito de propriedade ou de outro direito real menor de gozo sobre o bem prometido vender.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/05/2003, processo n.º 03B901, relator: Ferreira Girão, afirma, no seu sumário, de uma forma muito impressiva, isso mesmo:

I – A tradição da coisa em consequência de contrato-promessa de compra e venda, mesmo unilateral, confere a posse quando circunstâncias especiais a revelem, como é o caso da coisa ser entregue ao promitente comprador como se fosse sua e neste estado de espírito ele pratica diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade;
II – A boa fé no instituto da posse é de natureza psicológica, completamente desligada do justo título referido no artigo 476 do Código Civil de 1867, traduzindo-se no desconhecimento de se estar a lesar ou prejudicar terceiros, sendo o momento relevante para disso aquilatar, nos termos do artigo 1260 do Código Civil vigente, o da aquisição da posse;
III – A posse de boa fé, subsistindo por mais de 15 anos, confere a aquisição da coisa por usucapião, nos termos do artigo 1296 do Código Civil, ao promitente comprador, mesmo que este não tenha pedido expressamente, na reconvenção que deduziu para tal efeito, o cancelamento do registo predial da coisa a favor do autor – reconvindo.

(cf. também os dois Arestos do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados, no ponto seguinte).
Pensamos, em suma, que é juridicamente possível e admissível que, no âmbito de um contrato-promessa, em que houve, paralelamente, tradição da coisa e desde que verificadas determinadas circunstâncias, que indiciem, suficientemente, esse propósito e realidade, o promitente-comprador exerça poderes de facto sobre o bem em causa (“corpus”) com o “animus” correspondente ao direito de propriedade ou a outro direito real menor (que se presume, nos termos do artigo 1268.º, número1 do Código Civil), posse essa, em nome próprio, que, desde que desenvolvida pública, pacificamente e pelo período de tempo legalmente imposto, é susceptível de consubstanciar a prescrição aquisitiva da coisa possuída, passando o respectivo possuidor ou os seus sucessores a serem titulares, em termos originários, do direito real em questão.

C3 – EMBARGOS DE TERCEIRO E RECONHECIMENTO DO USUCAPIÃO

Uma última dúvida, de índole adjectiva, que pode ser colocada é a da possibilidade da Autora, no âmbito de uns autos como os dos embargos de terceiro, vir reclamar o reconhecimento judicial da sua titularidade sobre o dito bem imóvel em virtude da prescrição aquisitiva e, nessa medida, face ao direito de propriedade assim originalmente declarado e à sua incompatibilidade e oponibilidade à apreensão judicial daquele, lograr a sua procedência e o levantamento da mesma.
Tendo já sido analisada a possibilidade de um promitente-comprador exercer uma posse em nome próprio sobre o prédio que prometeu comprar e que, reunidos os pressupostos legalmente exigidos, tal imóvel pode ser objecto de aquisição originária, resta saber se tal situação pode ser invocada e declarada em sede de embargos de terceiro.
A este respeito, chamem-se à colação diversos Arestos dos nossos tribunais superiores, como os seguintes:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/07/2003, Processo 4591/2003-2, relator: Silveira Ramos

I – Em embargos de terceiro, averiguados os requisitos da usucapião, deve ser reconhecido como fundamento, a posse que aquela conduz.
II – A posse conferida ao abrigo de contrato-promessa de compra e venda, devidamente formalizado (art. 410,2 C.C.), com tradição da coisa vendida, a que coube direito real de retenção (art. 755,1,f) C.C.), com satisfação da quase totalidade do preço, e a actuação posterior de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (art. 1251 C.C.), faz presumir o “ animus ".

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2004, Processo 1794/2004-2, relator: Tibério da Silva

I – Os embargos de terceiro não se limitam, depois da reforma do Processo Civil de 1995, a um meio possessório, sendo-o também de defesa da propriedade, por exemplo, no caso de este direito ser atingido pela realização de uma penhora.
II – Logrando o embargante provar a aquisição originária do direito de propriedade, por usucapião, não lhe pode ser oposto o registo posterior de uma penhora, sendo de concluir que esta ofende tal direito de propriedade.

(cf., também, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/02/1999, processo n.º 9950036, relator: Paiva Gonçalves, bem como alguma da jurisprudência e doutrina acima indicadas).
Logo, face ao disposto no artigo 351.º do Código de Processo Civil e pretendendo a Autora invocar um direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, nada impede o recurso aos presente embargos de terceiro para afirmar esse direito, convindo recordar que o seu reconhecimento e declaração se retroage ao momento em que a posse em nome próprio sobre o bem móvel ou imóvel começou a ser exercida (artigo 1288.º do Código Civil).

C4 – CONTRATO-PROMESSA DOS AUTOS E AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO

Chegados aqui, resta-nos averiguar se a Autora logrou alegar e provar os factos conducentes a uma posse sobre o andar prometido vender, bem como os restantes requisitos legalmente exigidos para a verificação da aquisição por usucapião do mesmo.
Os artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º e 1263.º do Código Civil, a respeito do instituto da posse, estatuem o seguinte:
(…)
Impõe-se lembrar, por outro lado, os factos dados como provados e relativos à entrega e posterior utilização da fracção prometida vender por M e, posteriormente, pelos seus sucessores, e que são os seguintes:
(…)
A materialidade transcrita, referente ao período de tempo que medeia entre a entrega do bem imóvel e a penhora do mesmo (29 anos e cerca de 3 meses), caracteriza-se da seguinte forma:
- Pagamento de 4/5 do preço acordado (Esc. 300.000$00 no quadro do valor total de Esc. 375.000$00);
- Não marcação pelo executado J da respectiva escritura de compra e venda, apesar de tal marcação ser uma incumbência contratual daquele;
- Não oposição por parte do demandado relativamente à utilização como habitação permanente daquele prédio durante esse espaço de tempo;
- Inexistência de actos e declarações (designadamente, pedido de celebração do contrato-promessa), que indiciem que o de cujus e os seus sucessores sempre actuaram da forma descrita na convicção de que o dito prédio não lhes pertencia mas sim ao executado, sendo eles meros e simples detentores daquele
- Residência fixa e continuada, com o seu uso quotidiano pelas pessoas que nele viveram, com o pagamento dos diversos encargos (água, electricidade, telefone, seguros, condomínio e demais despesas resultantes da normal utilização do andar);
- Obras e melhoramentos sobre o andar em causa.
Tendo em atenção este quadro fáctico resumido (do qual se destaca a prática permanente de actos materiais de utilização e gozo da fracção autónoma prometida vender), o regime legal transcrito – do qual sobressai a presunção da existência de “animus”, ou seja, do exercício da posse por parte daquele ou daqueles que exercem os poderes de facto sobre a coisa, que não se mostra minimamente ilidida pelos embargados, sendo certo que essa prova lhes competia, de acordo com o disposto nos artigos 342.º e seguintes do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil – e a doutrina e a jurisprudência acima transcrita e referida, pensamos que o mesmo indicia suficientemente que M e, posteriormente, os seus sucessores, actuaram na convicção de que a fracção em causa era materialmente deles e de que os actos nela e sobre ela realizados era feitos em nome próprio e como se fossem seus proprietários.
A este respeito, importará ouvir Mota Pinto, “Direitos Reais”, Almedina, 1976, página 191: “O facto de a lei exigir o “corpus” e o “animus” para efeito de haver posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois elementos – um material, um psicológico – para poder, por exemplo, adquirir por usucapião ou lançar mão das acções possessórias.
Ora, esta prova poderá ser muito difícil. Como é que o possuidor prova o “animus”? Pois bem, para lhe facilitar as coisas, a lei estabelece uma presunção. A lei diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto.
Daqui decorre que, sendo necessário o “corpus” e o “animus”, o exercício daquele faz presumir a existência deste” (cf. também, cf. Durval Ferreira, “Posse e Usucapião”, 2.ª Edição, Almedina, páginas 38 e seguintes e demais doutrina aí mencionada).
Está, portanto, demonstrada nos autos, com suficiente nitidez e segurança, que o falecido M (e depois, os seus herdeiros) desenvolveu uma posse em nome próprio, não titulada (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima transcrito, de 25/01/2005, Processo n.º 04A4411, relator: Lopes Pinto), de boa fé, pública, pacífica e sem oposição de ninguém até, pelo menos, a data da penhora dos autos (cf. a este respeito, os artigos 1251.º, 1263.º, alínea a) e 1258.º a 1262.º do Código Civil – cf. Durval Ferreira, obra citada, páginas 272 a 288 e Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, 3.º Edição, 2000, Quid Júris, páginas 263 a 287, relativamente às características da posse).
Importa recordar que, muito embora a nossa doutrina e jurisprudência não exijam que a posse seja desenvolvida de forma ininterrupta, continuada e permanente sobre a coisa, num permanente contacto físico com a mesma, bastando a prática de acto ou actos que a indiciem suficientemente (cf., quanto a esta questão, Durval Ferreira, obra citada, páginas 128 a 141, Carvalho Fernandes, obra citada, páginas 265 a 267 e Mota Pinto, obra citada, páginas 181 e seguintes, acerca do “corpus”), encontra-se demonstrada, nos autos, quanto à situação em análise e ao longo do tempo que mediou entre 1974 e 2003, uma efectiva e constante “prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito” (artigo 1263.º, alínea a) do Código Civil).
Logo, tendo em atenção o disposto nos artigos 1293.º a 1297.º do Código Civil, com especial relevância para o estatuído no artigo 1296.º (“não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé”), afigura-se-nos que a Autora adquiriu, ao fim de 20 anos, ou seja, em 27 de Dezembro de 1994, a propriedade sobre o prédio penhorado, sobrepondo-se esta última à propriedade do Executado J, derivada da aquisição derivada daquele (cf. certidão do registo predial junta a fls. 15 e seguintes) – neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/1999, Processo n.º 98B1127, relator: Noronha do Nascimento, e do Tribunal da Relação do Porto de 21/06/2005, Processo n.º 0522982, relator: Mário Cruz, em www.dgsi.pt).
Sendo assim, pelos fundamentos acima expostos, o presente recurso de apelação tem de ser julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por uma decisão que reconheça, relativamente à Autora, a aquisição originária do direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma e, nessa medida e face ao estatuído nos artigos 351.º, 821.º do Código de Processo Civil e 601.º do Código Civil, dado não ser a embargante responsável pelas dívidas do embargado J e não incidir sobre o prédio qualquer outra garantia real relativa aos créditos da exequente que não a penhora objecto dos presentes embargos, ordene, por ilícita, o levantamento desta última.

C5 – CONTRATO-PROMESSA, DIREITO DE RETENÇÃO E EMBARGOS DE TERCEIRO

Face à decisão tomada quanto à problemática anterior, pensamos que se torna acto inútil apreciar e julgar esta outra questão, relativa ao direito de retenção, igualmente invocada pela embargante, pois mostra-se reconhecido o direito de propriedade por parte da Autora sobre o imóvel penhorado, em virtude do instituto da prescrição aquisitiva e com eficácia retroactiva ao momento da entrega do imóvel ao promitente – comprador, direito esse que é fundamento suficiente para a procedência dos embargos de terceiro e que não só se sobrepõe, em termos de valor e alcance jurídicos, ao direito de retenção, como é contraditório e incompatível com a sua existência e apreciação (só faria sentido analisar esta matéria se não tivesse sido declarado, nos moldes descritos, o direito de propriedade sobre o andar dos autos, estando-se então perante um contrato-promessa de compra e venda sem eficácia real e a eventual aplicação do regime constante dos artigos 442.º e 754.º e seguintes do Código Civil) – cf., a este respeito, o disposto no artigo 660.º, número 2 do Código de Processo Civil.
Logo, pelos motivos expostos, o presente recurso, nesta parte, não irá ser objecto de análise e julgamento por parte deste tribunal de recurso.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos do artigo 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o presente recurso de Apelação interposto pela apelante HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE M, representada pelo cabeça de casal, L e, nessa medida, revogando a sentença recorrida, julgar os presentes embargos procedentes por provados e decidir o seguinte:
I – Reconhecer o direito de propriedade da embargante sobre a fracção autónoma correspondente ao 6.º Dto., do prédio urbano sito em Paço de Arcos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º …;
II – Ordenar o levantamento da penhora sobre a mencionada fracção;
III – Não conhecer do demais pedido pela Embargante (direito de retenção).
*
Custas dos embargos de terceiro e do presente recurso a cargo dos Apelados.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Maio de 2008

(José Eduardo Sapateiro)

(Teresa Soares)

(Carlos Valverde)