Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
766/09.2YRLSB-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
HERANÇA
ARRENDAMENTO
CABEÇA DE CASAL
HERDEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - A circunstância de um herdeiro ter sido condenado a abster-se de privar os demais de aceder a um imóvel pertença da herança e a desocupa-lo, não impede que o mesmo, tendo sido designado cabeça de casal da herança, o dê de arrendamento a terceiro, na medida em que pertence ao cabeça de casal, nos termos do art 2079º do CC, a administração da herança até à sua liquidação e partilha, e a realização de contrato de arrendamento pode constituir uma forma pertinente de fazer frutificar o imóvel.
II - Ponto é que, ao fazê-lo, esteja a agir no interesse da herança e não no seu interesse próprio ou/e no interesse do terceiro a quem por via do arrendamento transmite, em princípio validamente, a detenção do imóvel.
III - A fase introdutória dos embargos de terceiro tem por finalidade a emissão pelo tribunal de um juízo de admissibilidade, e abarca o despacho liminar e a fase da produção de prova, seguida do recebimento ou rejeição dos embargos.
IV- A Reforma de 95/96 preferiu deixar de referir como motivo de rejeição, “um qualquer susceptível de comprometer o êxito dos embargos”, passando a falar, de haver, ou não, “probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
V - E fê-lo adequadamente, pois que o que caracteriza o juízo proferido na fase introdutória dos embargos de terceiro, é a circunstância de o mesmo, tal como hoje decorre explicitamente do art 355º CPC, não fazer caso julgado material.
VI - A similitude do juízo a emitir na fase introdutória dos embargos de terceiro com o juízo próprio da providência cautelar, justificou que o legislador adoptasse no art 354º a mesma fórmula que utilizou para as providências cautelares no art 387º/1.
VII- A prova produzida nestes autos, é de molde a levar a concluir, em termos de probabilidade, que o contrato de arrendamento em que a embargante sustenta a sua oposição à diligência de entrega do imóvel, foi produzido, de comum acordo, por ela e pelo cabeça de casal, para obstarem à desocupação coersiva desta do imóvel.
VIII- Assim sendo, deverá manter-se a rejeição dos embargos, o que não impede a embargante de propor acção contra o requerente da diligência judicial, para o convencer da existência do seu direito com base naquele contrato de arrendamento, visto que não há caso julgado material que a tanto a impeça.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – B...., por apenso aos autos de procedimento cautelar, que M... move a C..., veio deduzir oposição mediante embargos de terceiro, pretendendo fazer valer, a título preventivo, o direito de arrendamento sobre o  imóvel que naqueles autos  foi objecto de ordem judicial de desocupação, alegando que através de contrato celebrado em 26/5/08 o tomou de arrendamento à herança de J....
Tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas pela embargante, foi proferido despacho que não recebeu os embargos, por entender não haver probabilidade séria da existência do direito invocado pela embargante.
II - Do assim decidido, agravou a embargante, que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
1- A decisão de não recebimento dos embargos fundamentou-se em duas asserções: (i) falta de poderes de gozo do imóvel por parte de C..., cabeça-de-casal à data, para poder dar o mesmo de arrendamento, o que implicaria na nulidade do contrato respectivo; e (ii) caducidade desse mesmo contrato de arrendamento, caso fosse válido, no momento em que a embargante teve conhecimento de uma ordem judicial de desocupação do imóvel arrendado, proferida no âmbito da providência cautelar apensa aos autos de inventário.
2- Nos termos do disposto no art° 2079° do Código Civil, a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, cabe ao cabeça-de-casal, sendo-lhe reconhecida a posse dos bens que deve administrar (art 2088°).
3- No âmbito desses poderes de administração, é de considerar todos os de administração ordinária, abrangendo não só os necessários a evitar a perda ou deterioração dos bens da herança, mas também os de praticar actos e negócios jurídicos para fazer frutificar os bens da herança.
4- Assim e nomeadamente, pode o cabeça-de-casal dar de arrendamento bens da herança.
5- No caso em apreço e à data da celebração do contrato, o bem dado de arrendamento à Embargante integrava a herança aberta por óbito de J... e era cabeça-de-casal C..., pelo este que dispunha dos poderes necessários e suficientes para o fazer.
6- A circunstância de o mesmo C..., enquanto herdeiro, ter sido judicialmente condenado a desocupar o imóvel e abster-se de privar os demais herdeiros de o fazer, não constituiu sanção, mas apenas a declaração do âmbito dos direitos dos herdeiros relativamente aos outros, pois que a todos assiste o direito de utilizar os bens que integram a herança e nenhum o pode fazer com exclusão de todos ou algum dos demais.
7- Essa declaração não é de forma alguma incompatível com os poderes de -administração ordinária do cabeça-­de-casal, ou seja, em qualquer circunstância, os herdeiros estão impedidos de usar em exclusivo bens da herança e o cabeça-de-casal pode sempre dar esses bens de arrendamento a terceiros.
8- A afirmação de que o cabeça-de-casal C..., por força do arrendamento, impediria os demais herdeiros de usar o bem arrendado é falha de qualquer acerto, pois o arrendamento, que é sempre permitido ao cabeça­-de-casal, tem sempre por efeito afastar os herdeiros, todos eles, do uso do bem arrendado.
9- Do mesmo modo, o impedimento de o cabeça-de-­casal C.... habitar o imóvel, não belisca a possibilidade de ele o dar de arrendamento, pois que o cabeça-de-casal nunca tem a faculdade de habitar os bens das herança por o ser e o direito ao arrendamento não é transmitido, mas constituído.
10- O que o C... estava e continua a estar impedido é de ocupar o imóvel ­pois que o cabeça-de-casal também o está - e de utilizar em benefício próprio e com exclusão dos demais - o que o cabeça-de-casal também está.
11- Quanto à declarada caducidade do contrato de arrendamento por força do conhecimento pela embargante da existência de uma ordem judicial de desocupação, diga-se apenas que a homologação da partilha, enquanto acontecimento futuro e incerto, é uma condição e, extinguindo os efeitos jurídicos em produção, é uma condição resolutiva (art° 270° do Código Civil).
12- A homologação da partilha ainda não ocorreu, pelo que a condição resolutiva ainda não se verificou e, em consequência, o contrato está em vigor e deve continuar a produzir normalmente os seus efeitos jurídicos.
13-A caducidade verifica-se necessariamente com o decurso de um prazo (arts 298° e 328° do Código civil) e só é do conhecimento oficioso se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes (art 333°/1 e 2, e 303° do Código Civil), o que aqui não se verifica, pelo que a Meritíssima Juiz a quo não podia dela ter tomado conhecimento.
14- Por outro lado, a ordem de desocupação não teve, nem tem, por efeito, antecipar a verificação da condição, tanto mais que essa providência não foi decretada, nem requerida.
15-Acresce que da decisão consta que "A data da celebração do acordo referido, C.... e B.... tinham conhecimento de que por decisão judicial C.... fora condenado na desocupação do imóvel”, pelo que esse conhecimento nunca poderia ser extintivo do direito constituído contemporaneamente.
16- Aliás, em boa verdade, o raciocínio que leva a considerar a caduco o contrato de arrendamento por força do sobredito conhecimento é a todos os títulos ininteligível e insondável, pois que a providência cautelar de desocupação foi proferida no âmbito de um processo de inventário e precisamente porque este está ainda pendente é que o cabeça-de-casal tem poderes de administração que incluem o de arrendar o imóvel e também precisamente por isso é que a vigência do arrendamento terá sido definida por referência à data em que o cabeçalato se extinguirá e o bem terá um proprietário diferente do conjunto dos herdeiros: a data da homologação da partilha.
17- A sentença recorrida violou o disposto nos arts 2700º, 298°, 328°, 333°/ 1 e 2, 2079° e 2088° do Código Civil.
18- Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao agravo e a sentença recorrida revogada e substituída por decisão que admita os embargos e ordene o prosseguimento dos autos até final.
Não foram produzidas contra-alegações.
III -Colhidos os vistos cumpre decidir, tendo presente a seguinte matéria de facto:
1 - Por acórdão do Tribunal da Relação de 13/5/03, transitado em 11/1/04, proferido nos autos de Providência Cautelar ......, apensos ao Inventário por óbito de J...., C.... condenado a "a) abster-se de privar os demais contitulares ( ... ) de aceder ao imóvel dos autos; e b) desocupar o mesmo" (cfr, fls. 257 e ss. da Providência).
2- Em cumprimento da ordem judicial de desocupação do imóvel, C... deixou de viver no imóvel referido, situado na CL, da freguesia da Foz do Douro, descrito na CRP sob o nº .... e inscrito  na matriz urbana respectiva sob os arts .... e .....
3- B...., que vivia em união de facto com C...., continuou a residir no imóvel.
4 - Em 4/5/06, veio C.... apresentar requerimento no âmbito de providência cautelar, alegando que" ... à data da interposição da presente providência cautelar, habitava já consigo no imóvel em causa a Senhora D. B...., o que era do conhecimento do Requerente ( ... ) O Requerido não dispõe de quaisquer meios, de facto ou de direito, para obrigar a Senhora D. B.... a desocupar o imóvel e não lhe é exigível que a remova à força para cumprimento da decisão judicial ... " (cfr. fls. 825 da Providência).
5- Por requerimento de 18/5/08, C...., em requerimento apresentado nos autos de Providência invocou que " ... a Senhora D. B.... não é requerida na presente providência cautelar, pelo que contra ela não pode formular, nestes autos, pedidos de entrega do imóvel e contra ela não pode aqui obter uma decisão nesse sentido, tanto mais que, à data da interposição da presente providência cautelar, habitava já com o Requerente a Senhora D. B.... ... " (fls. 834 da Providência).
6- Por escrito particular datado de 26/5/08, C..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de J...., e B.... celebraram um acordo que designaram de "Contrato de Arrendamento", mediante o qual declararam que " ... o Primeiro Contraente dá de arrendamento à Segunda Contraente, e esta toma de arrendamento àqueles, o prédio ... " situado na CL, no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .....
7 - De acordo com a cláusula II, 1, do acordo acima referido, "O contrato de arrendamento será de duração indeterminada, tendo o seu início nesta data e termo na data da homologação da partilha ou da venda a terceiros do prédio arrendado.".
8- Nos termos da cláusula III do referido acordo, "A renda acordada é de € 6.000,00 (seis mil euros) anuais ... ".
9- De acordo com a cláusula IV, "O local arrendado destina-se exclusivamente ao uso pela Segunda Contraente, não sendo permitido outro que não seja a sua habitação, com expressa exclusão de qualquer outro fim.".
10- À data da celebração do acordo referido, C..... e B.... tinham conhecimento de que por decisão judicial C.... fora condenado na desocupação do imóvel.
11- B.... habita o locado com os seus dois filhos, K..., de 20 anos, e X..., de sete anos, filho de C.....
12- B.... e os filhos não têm presentemente outra habitação onde residir.
, -             IV – Resulta do despacho recorrido e das conclusões das alegações, estar em causa no recurso, saber se o contrato de arrendamento que a embargante invoca ter celebrado com C...., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de J...., era válido, porque, ao contrário do que decorre daquele despacho, a circunstância do referido C.... ter sido condenado a desocupar tal imóvel não lhe retirou poderes para o dar de arrendamento; e, se, sendo válido tal contrato, não poderá entender-se ter o mesmo caducado desde o momento em que a embargante teve conhecimento da ordem judicial de desocupação do imóvel proferida no âmbito da providência cautelar, como se decidiu nesse mesmo despacho.
            Iniciar-se-á a apreciação destes fundamentos do recurso, por este último, e consequentemente, partir-se-á do princípio de que o contrato de arrendamento é válido, questão que, verdadeiramente, apenas de  seguida será apreciada.
            O fundamento em causa não merece muitas considerações.
Sendo verdade que, tal como a agravante o evidencia, não se mostra fácil compreender o raciocínio que presidiu à prolação do despacho recorrido no que respeita à cessação dos efeitos do contrato em virtude do conhecimento que teria advindo para a embargante da ordem judicial de desocupação do imóvel, na medida em que, constitui matéria de facto dada como provada, a de que,  à data da celebração desse contrato, o cabeça de casal da herança integrada pelo imóvel em referência (que era o referido C....) e a embargante  tinham (já) conhecimento de que por decisão judicial aquele C... fora condenado na desocupação do imóvel, também é verdade que em lado algum desse despacho se refere a extinção desse contrato por caducidade, como o refere abundantemente a agravante no recurso.
De todo o modo, concorda-se com a agravante quando refere, no corpo das alegações, que porque o conhecimento da ordem de desocupação sempre seria contemporâneo da celebração do contrato de arrendamento - sob pena de não fazer sentido dizer que à data da celebração do contrato, o cabeça de casal da herança  e a embargante  tinham conhecimento de que por decisão judicial C.... fora condenado na desocupação do imóvel  - nunca tal conhecimento poderia ter conduzido à cessação deste, mas, quando muito, poderia ter impedido a constituição do direito.
É que, como é sabido, um facto extintivo de um direito tem que se apresentar  necessariamente como subsequente ao nascimento deste, enquanto que um facto impeditivo é contemporâneo relativamente ao facto constitutivo desse mesmo direito, traduzindo-se a sua eficácia em impedir que tal direito, que poderia ter nascido, não haja efectivamente nascido, válida e eficazmente, pois que o facto impeditivo inibe “ab initio” os efeitos do facto constitutivo. È, aliás, desta natureza contemporânea dos factos impeditivos relativamente aos constitutivos, que resulta a dificuldade de distinguir uns dos outros, sendo que apenas a análise da(s) norma(s) jurídica(s) cuja aplicação esteja em causa, permitirá, em última análise, essa distinção, por dela(s) resultar quais são os factos que são bastantes para o nascimento do direito.
Assente assim, que o facto resultante do conhecimento que tanto a embargante como C... tinham, à data da celebração do contrato de arrendamento que esta invoca nos embargos, de que, por decisão judicial, aquele C.... fora condenado na desocupação do imóvel, não pode extinguir  aquele contrato, por ser dele contemporâneo, mas poderá impedir a válida constituição do mesmo, passa-se à análise do primeiro fundamento do recurso.
A respeito do mesmo, cumpre referir que  também não se concorda com o despacho agravado, na medida em que  confunde na pessoa de  C...., a qualidade de co-herdeiro, com a de cabeça de casal, para concluir que o mesmo, na sequência da ordem de desocupação do imóvel, não tinha (não ficou com) poderes de gozo deste para o dar de arrendamento.
Recorde-se que C.... foi condenado por acordão desta Relação – proferido em 13/5/03 e transitado em 11/1/04 - a abster-se de privar os demais contitulares de aceder ao imóvel e a desocupa-lo. Mas essa condenação teve em vista a  sua qualidade de co-herdeiro, pois que nessa posição jurídica não pode usar a coisa comum de modo a privar os outros co-herdeiros do uso a que igualmente têm direito (art 1406º/1) [1].
O facto de assim se ter decidido,  não implica que o mesmo C..., enquanto cabeça de casal na herança aberta por óbito de J.... – cargo em que foi nomeado no inventário apenso, por despacho, ainda não transitado, proferido em 2/11/2007 (fls 874 desses autos de inventário) – viesse a não poder dar aquele mesmo imóvel em arrendamento a um terceiro.
Com efeito, é indiscutível que desde que o contrato de arrendamento se mantenha nos limites de acto de mera administração – isto é, de administração  ordinária, deixando de sê-lo, para passar então a integrar administração extraordinária, quando o prazo de arrendamento exceda os seis anos, como decorre da disciplina do art 1024º/1 CC  - pode ser praticado pelo cabeça de casal relativamente a imóvel que integre a herança, na medida em que pertence ao cabeça de casal, nos termos do art 2079º do CC, a administração desta, até à sua liquidação e partilha. Acresce que, como é usual referir-se nesta matéria [2] , o cabeça  de casal detém mais poderes que o administrador da herança jacente, já que, para além de lhe competir, como a este, evitar a perda ou deterioração dos bens da herança, cumpre ainda fazê-la frutificar, e a realização de contrato de arrendamento de imóvel integrado na herança pode assumir-se como uma forma pertinente de fazer frutificar o imóvel objecto do contrato (cfr a respeito dos frutos civis, art 212º/2 2ª parte).
            Ponto é que, ao fazê-lo - ao dar de arrendamento imóvel integrado na herança – o cabeça de casal esteja verdadeiramente a agir no interesse desta, da sua conservação e frutificação, e não no seu interesse próprio ou/e no interesse do terceiro a quem por via do arrendamento transmite, em princípio validamente, a detenção do imóvel.
Como é sabido, e decorre claramente do art 2086º/1 al b) CC, cabe ao cabeça de casal administrar a herança com prudência e zelo, o que significa que lhe cabe zelar pelos interesses e bens que lhe foram confiados, mas que não lhe pertencem, antes integram o património hereditário, pelo que o seu dever de administrar o património com zelo, visa a protecção dos demais titulares do direito à herança  [3].
Ora, embora não referido nos factos que o Exmo Juiz a quo fez emergir dos autos de providência cautelar para decidir a rejeição dos presentes embargos, mas na sequência dos mesmos e para a compreensão lógica das inúmeras vicissitudes processuais dos mesmos, importa trazer à colação, o facto igualmente advindo desses autos (que para o efeito se consultaram) de que por acordão desta Relação, proferido em 9/10/07, foi revogado o despacho neles proferido, no sentido de que o tribunal não podia determinar a entrega do imóvel contra terceira que não fora parte na providência, determinando a substituição desse despacho por outro, que ordenasse a desocupação coerciva do prédio por parte do agravado (o referido C....) referindo-se nos fundamentos desse acórdão: “(…) os alegados ocupantes do imóvel (ou outros que nele sejam encontrados) só não terão que acatar a decisão proferida nos autos, no caso de se arrogarem a titularidade de um direito que (não) seja invalidado ou reduzido por essa decisão, não relevando para o efeito o prejuízo de facto que, com a desocupação coerciva (do imóvel pelo agravado) venham a sofrer”.
Note-se que esta decisão fora antecedida, pelo requerimento de C...., apresentado em 4/5/08 ( cfr fls 834 dos autos de providência cautelar), destacado na matéria de facto pelo Exmo Juiz a quo, onde o mesmo se expressou, então nestes termos: “ 1-  Esclarecer que, à data da interposição da presente providência cautelar, habitava já consigo no imóvel em causa, a Senhora D. B...., o que era do conhecimento do requerente, pelo que se não a demandou nestes autos e contra ela obteve injunção idêntica à que conseguiu relativamente ao requerido, foi porque não quis; 2- O requerido não dispõe de quaisquer meios, de facto ou de direito, para obrigar a Senhora D. B.... a desocupar o imóvel, e não lhe é exigível que a remova à força para cumprimento da decisão judicial, cujo âmbito se circunscreve apenas a ele mesmo”. E por requerimento de 18/5/08, (cfr 834  da providência cautelar) o mesmo C...., invocou que " ... a Senhora D. B.... não é requerida na presente providência cautelar, pelo que contra ela não pode formular, nestes autos, pedidos de entrega do imóvel e contra ela não pode aqui obter uma decisão nesse sentido, tanto mais que, à data da interposição da presente providência cautelar, habitava já com o Requerente a Senhora D. B....…”
Foi na sequência destes requerimentos que foi decidido na 1ª instância, como acima já se referiu, que “o tribunal não podia determinar a entrega do imóvel contra terceira que não foi parte na providência”, e que foi decidido pela 2ª, consoante igualmente já referido, que, na revogação desse despacho, fosse ordenada a desocupação coerciva do prédio por parte do agravado (o referido C....).
Dos autos de inventário acima referidos  decorre também com algum interesse para a decisão deste recurso, que C...., que como já se referiu, foi neles nomeado cabeça de casal por despacho de 2/11/2007 (de que interpôs recurso o requerente do inventario M....),veio a ser removido desse cargo por despacho proferido a 23/7/2008 (de que o mesmo interpôs recurso).
Nesse despacho de remoção de cabeça de casal refere-se que  R.P..., MF, MA, MC, ML, MS, AP, MD, MV, D..., JA … todos eles interessados nesses autos de inventário, uns, não concordaram com a nomeação de C.... como cabeça de casal, e outros chegaram mesmo a requerer a sua remoção do cargo, invocando razões que acabaram por constituir o fundamento desse despacho: o facto do “cabeça de casal continuar a defender – em nome de terceira pessoa - a ocupação por esta de bem da herança”.
Refere-se no despacho recorrido que, “atendendo a que a embargante vivia em união de facto com C.... no imóvel objecto do contrato, e que C.... foi notificado judicialmente para proceder à desocupação do imóvel, suscitam-se em termos de experiência comum, dúvidas sobre o real móbil de celebração do contrato, designadamente se o mesmo não foi celebrado com vista a obstar, precisamente à desocupação. È certo, porém, que nenhuma prova directa foi produzida nesse sentido e que tal matéria não deve ser apreciada nesta fase, com base numa prova sumária, indicada pela própria embargante”.
Pena foi, no entender deste tribunal, que o despacho recorrido, ao invés de ter entendido que a matéria em causa não podia ser apreciada na fase liminar, não tivesse levado mais longe o raciocínio iniciado.
È sabido que na versão do CPC anterior à Reforma de 95/96, os embargos de terceiro -  que eram conceptualizados como uma verdadeira acção, ao contrário do que hoje sucede, em que, sem embargo de afinal continuarem a apresentar a estrutura pesada de uma acção, o são, como um incidente da instância, sendo classificados entre os de intervenção de terceiros, como incidente de oposição [4] - continham uma norma, a do nº 1 do art 1041º, que referia que “a rejeição pode basear-se em qualquer motivo susceptível de comprometer o êxito dos embargos e designadamente no de a posse do embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se for manifesto, pela data em que o acto foi realizado ou por quaisquer outras circunstâncias que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade”.
O conteúdo dessa norma não transitou para a nova versão dos embargos de terceiros.
Lebre de Freitas [5] refere a este propósito ter ocorrido a sua “supressão”, entendendo-a “ajustada”.
As razões desta supressão, haverão de encontrar-se na circunstância do conteúdo da mesma se mostrar, porventura, excessivo, em face dos requisitos da impugnação pauliana. È que, enquanto no regime da acção pauliana se exige, para a alienação onerosa, cumulativamente a má fé do transmitente e a má fé do adquirente ( art 612º do CPC), aqui, para efeitos de rejeição de embargos de terceiro, fundados em alienação feita pelos embargado com o fim de frustrar a execução, sem se distinguir se a mesma é feita a título oneroso ou gratuito, prescindia-se sempre da má fé do adquirente. Por isso, “dado o desfasamento que o preceito introduzia relativamente ao regime do direito civil”, Lebre de Freitas considera a sua supressão “ajustada”, fazendo-o  na sequência de uma maior simpatia pelo entendimento, na matéria, de Vaz Serra[6] , que defendia mesmo ser de exigir cumulativamente a má fé do adquirente para não se criar um desajustamento, que tinha por injustificável, entre o regime dos embargos de terceiro e o da acção pauliana.
Já Anselmo de Castro [7], tinha a referida diferença como justificada, referindo: “ (…) pode opor-se contra a opinião de Vaz Serra, que ela conduz, inevitavelmente, à consequência de reduzir o âmbito de aplicação da norma a um tão restrito número de casos que ficará praticamente sem aplicação. Com efeito, a má fé do embargante.-adquirente manter-se-á em regra, oculta, pelo cuidado que nunca deixará de pôr na afirmação e prova dos factos a que, por mais graves que sejam as circunstâncias que atestem a má fé do transmitente- executado, resulte que ele próprio procedeu de boa fé (…) Dentro do sistema adoptado tomado na sua exacta perspectiva histórica, onde como vimos sobressai o intuito de acautelar a execução, nenhuma contradição pode ver-se em que o meio de tutela possessório seja negado, mesmo não se apresentando o acto de transmissão claramente impugnável à face da lei civil. Ao interessado ficará sempre livre a defesa dos seus direitos pelo meio petitório onde se restabelecerá a harmonia da lei processual com a lei substantiva” .
Igualmente J. Alberto dos Reis [8], não se mostrava impressionado com a não sintonia acima referida, referindo que “quando o tribunal se convença de que a transmissão obedeceu ao intuito ( de evitar que o credor se fizesse pagar pela penhora e venda do prédio transmitido), deve rejeitar os embargos de terceiro deduzidos pelo adquirente”.
E acrescentava, muito expressivamente para a compreensão do que subjazia a tal norma (e que então correspondia ao & 2 do art 1037º): “Note-se que na base do & 2 do art 1037º não está a ideia de frustrar um acto simulado; a transmissão pode deixar de ser fictícia, pode constituir um acto verdadeiro; mas porque foi praticada com  propósito manifesto de ludibriar o credor, rejeitam-se os embargos que nele se apoiam. A espécie tem afinidades com a chamada acção pauliana (…).
Se se esteve a fazer referência tão detalhada ao conteúdo da norma do anterior nº1 do art 1041º do CPC – a que, nem sequer, como é óbvio, se reconduz a situação  do contrato de arrendamento que a embargante pretende fazer valer, pois que este não se traduz num acto de transmissão - foi apenas para se concluir, que a sua supressão, enquanto explícito motivo de rejeição dos embargos de terceiro na sua  fase introdutória – fase esta que tem por finalidade a emissão pelo tribunal de um juízo de admissibilidade e que abarca o despacho liminar e a fase da produção de prova, seguida do recebimento ou rejeição dos embargos [9]-  não significa que a verificação do  seu conteúdo – pelo menos e seguramente quando a prova liminar permita concluir pela má fé do embargante  - não deva conduzir também actualmente à rejeição dos embargos.
Repare-se que no regime anterior, a alienação feita pelo embargado com o fim de frustrar a diligência judicial, constituía, afinal, apenas, um exemplo paradigmático de um “motivo susceptível de comprometer o êxito dos embargos”.
Muitos outros motivos que não esse, podiam mostrar-se, logo nessa fase processual, como  susceptíveis de comprometerem o êxito dos embargos, e quando assim fosse, o juiz deveria rejeita-los.
A reforma de 95/96 preferiu deixar de referir como motivo de rejeição “um qualquer susceptível de comprometer o êxito dos embargos”, passando a falar de haver ou não, “ probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
E fê-lo muito adequadamente, pois que, tal como anteriormente, também agora, o que verdadeiramente caracteriza o juízo proferido na fase introdutória dos  embargos de terceiro, é a circunstancia de o mesmo, tal como decorre hoje explicitamente do art 355º CPC, não fazer caso julgado material.
 A este respeito escreve Lebre de Freitas [10] [11]: “Contrariamente à sentença de mérito (art 358º) o despacho de recebimento ou rejeição dos embargos não forma caso julgado: a prova que o permite é sumária e o juízo emitido é um juízo de probabilidade, mesmo quando de rejeição (não é seriamente provável a existência do direito ou da posse). Acontece assim com o despacho de recebimento ou rejeição dos embargos algo de semelhante ao que acontece com a decisão proferida no procedimento cautelar (art 383º/4)”.
È esta similitude do juízo a fazer na fase introdutória dos embargos de terceiro com o juízo próprio da providência cautelar que justifica, afinal, a circunstância do art 354º adoptar a mesma formula que o legislador utilizou para as providências cautelares (cfr art 387º/1[12]).
E já essa similitude era colocada em destaque por J. Alberto dos Reis [13] que referia a respeito da fase introdutória dos embargos de terceiro: “ O juízo que se pede ao magistrado nesta altura do processo não é um juízo definitivo, um juízo de certeza, sobre que assente uma decisão final; é um juízo de simples probabilidade ou verosimilhança, destinado a servir de suporte a uma decisão provisória, interina. Quer dizer, o juiz, ao emitir o despacho de recebimento ou rejeição, está colocado num posição semelhante àquela em que se encontra quando tem de deferir ou indeferir o requerimento em que se pede uma providência preventiva ou conservatória”.
Consequentemente, conclui-se: o que importa na fase em questão, é saber se é ou não seriamente provável a existência do direito invocado pelo embargante.
Note-se ainda, que o legislador da Reforma, no art 354º CPC, ao referir que recebidos liminarmente os embargos, se “realizam as diligências probatórias necessárias”, ao invés de referir como anteriormente, que se mandava ouvir as testemunhas, tornou claro que nesta fase do processo são admissíveis todo os meios de prova e não apenas a prova testemunhal..
Lebre de Freitas [14] expressa-se deste modo, a respeito da rejeição dos embargos: “(..)o juiz deve rejeitar os embargos de terceiro, não apenas quando conclua pela caducidade do direito de embargar, ou pela ilegitimidade do embargante, ou pela manifesta improcedência do pedido (cfr art 234º-A/1), mas também, quando, apesar da posse ou o direito invocado seja em abstracto susceptível de fundar os embargos, da prova sumariamente produzida não resulta a séria probabilidade da verificação dos respectivos factos constitutivos, ou resulta, pelo contrário, a séria probabilidade da ocorrência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito dos primeiros”[15].
   Ora, a prova produzida nestes autos, com o concurso legítimo da que advém dos que se lhe mostram apensos de providência cautelar e inventário, é de molde a levar a concluir, em termos de probabilidade – e tanto basta, como já se referiu nesta fase dos embargos -  que o contrato de  arrendamento em que a embargante sustenta a sua oposição à diligência de entrega do imóvel, foi produzido, em 26/5/08, por ela e por C...., de comum acordo, invocando este agir na qualidade de cabeça de casal da herança em que aquele se integra, em função do decidido em 9/10/07 no acordão desta Relação atrás referido, que ordenou a desocupação coerciva do imóvel por parte do referido C.... (na qualidade de co-herdeiro). Tal prova permite concluir, em termos de probabilidade, no sentido daquele contrato de arrendamento ser, no mínimo, [16] um subterfúgio de ambos, para conseguirem a continuação da ora embargante e de seus filhos – o mais novo também filho do referido C.... - no uso e fruição do imóvel.
Deste modo, o agravo não pode ser provido, devendo manter-se a rejeição dos embargos.
E note-se, como acima se deixou entrevisto, que sendo, como são, rejeitados os embargos, não fica, por isso, a embargante inibida de propor acção contra o requerente da diligência judicial, para o convencer da existência do seu direito com base naquele contrato de arrendamento, visto que não há caso julgado material que a tanto a impeça. 
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar não provido o agravo, confirmando o despacho recorrido
Custas pela embargante.
Lisboa, 25 de Junho de 2009
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto

[1] - Dada a natureza da realidade a que se reportam, as normas relativas à compropriedade são aplicáveis a todas as situações de indivisão, designadamente à herança indivisa, por se tratar de um património autónomo indiviso”- Ac STJ 22/5/03 (Salvador da Costa) in www. dgsi. pt
[2] - Capelo e Sousa, “ Lições de Direito das Sucessões”, 2ª ed, II, p 76/77
[3] Cfr Ac STJ 21/5/09 (Maria dos Prazeres Beleza) acessível em www dgsi pt
[4] - Neste sentido Lebre de Freitas, “ A acção Executiva à luz do Código Revisto”, 3ª ed, p 251/252.
[5]- “Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 3ª ed , p 249/250 e CPC anotado em colaboração com João Redinha e Rui Pinto,p 662
[6]- RLJ Ano 92 pags 68 a 73 e 84 a 91, Ano 94 pag 351 e ss , Ano 97 pags 12 e ss
[7]-“A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial”,  1977,  p 347
[8]- “Processos Especiais”, 1987, I, p 444 e ss
[9]- Lebre de Freitas, obra citada, p 249
[10]- Referido CPC anotado,  II, p 623
[11]-No mesmo sentido, Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 7ª ed, p 271
[12] - Onde refere: “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
[13]- Obra citada, p 442
[14]- Referido CPC anotado, p 623
[15] -E Alberto dos Reis, obra citada, p 443, do seguinte modo: “Temos, pois, que o juiz pode rejeitar os embargos não só com o fundamento de não estar feita  a prova da posse ou de estar à vista que o embargante não é terceiro, senão também com qualquer outro fundamento que demonstre a fragilidade do meio possessório empregado pelo embargante”.
[16] - Pois que até pode ter sido um acto simulado