Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2041/14.1T8LRS.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
CONDENAÇÃO GENÉRICA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A condenação no que vier a ser liquidado em execução de sentença, nos termos do artigo 661º nº 2 do C.P.C. destina-se à concretização do objecto da condenação genérica proferida, com respeito do caso julgado ali formado.

II – Se na acção declarativa é formulado pedido de compensação do sofrimento físico e psíquico da autora em consequência do acidente, e a condenação da ré em indemnização a liquidar em execução de sentença, porquanto não se encontra ainda curada, e não se sabe até quando se prolongará o seu sofrimento físico e psíquico, estão em causa unicamente danos de índole não patrimonial.

III – Consequentemente, se a sentença condenatória arbitra uma indemnização a este título, e relega para execução de sentença o excesso, no incidente de liquidação posteriormente deduzido não é possível englobar as despesas médicas e medicamentosas, sob pena de extravasar os limites da condenação proferida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

IC deduziu incidente de liquidação contra a ZURICH – Companhia de Seguros, S.A., formulando pedido de liquidação das despesas com tratamentos, medicamentosas e com tratamentos de psicoterapêutica, acrescido de um pedido de indemnização por dano futuro e um pedido de indemnização por danos não patrimoniais, no seguimento da sentença proferida em 18.06.1998 que condenou, na parte relevante, a seguradora a pagar «a quantia de 1.500.000$00 e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença até integral pagamento».

Findos os articulados, foi elaborado saneador que julgou procedente a exceção do caso julgado formal suscitada pela ré, na oposição à liquidação, com o seguinte dispositivo:

«Nestes termos, em face do caso julgado formado pela sentença já proferida nos autos, indefiro o presente incidente no que se refere aos montantes peticionados pela autora a fls. 278 sob I. a V.
Custas pela autora, na proporção do decaimento, ou seja, na proporção de 77 %.»
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Não se conformando, a autora apresentou recurso de agravo em que pretende a revogação do despacho na parte em que indeferiu a liquidação de parte dos danos peticionados. O recurso foi admitido com subida diferida, nos termos dos artigos 733º e 735º do C.P.C. na versão então aplicável, tendo subido após ser proferida a sentença condenatória na liquidação.
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A recorrente formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:

«A) A Recorrente não podia estar mais em desacordo com o teor do despacho supra referenciado, por entender que esta não peticionou quaisquer danos patrimoniais, tendo peticionado apenas uma indemnização por danos morais.
B) Na Petição Inicial pediram os autores que a ré fosse condenada a pagar a Autora, a quantia de 2.000,000$00, referente ao sofrimento físico e psíquico sofrido por ela desde a data do acidente (29/09/1989) até à data da interposição da acção (20/02/1992), e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, uma vez que se desconhece quando será à data da cura.
C) Como foi supra referido, e salvo o devido respeito, e melhor entendimento, a Sentença não é coerente, sendo contraditória.
D) Começa a Sentença por referir que a Recorrente “sofreu danos não patrimoniais consideráveis, traduzidos em sofrimentos físicos e psíquicos, bem expressos nas diversas intervenções cirúrgicas que tem sofrido e na circunstância de ficar deformada para sempre.
Estes danos fixam-se em 1.5000.000$00.”
E) Portanto, começa, por restringir os danos indemnizáveis aos danos não patrimoniais.
F) Posteriormente, determina que dado que a Autora, ora Recorrente, ainda não se encontra curada “se relegue para execução de sentença a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psicológico”, alargando, portanto, o leque dos danos susceptíveis de serem indemnizados, não os restringindo aos danos de natureza não patrimonial.
G) Entende a ora Recorrente, que na Sentença ao terem sido relegados para execução de sentença “a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psíquico”, estão acautelados não só os danos não patrimoniais mas também os danos patrimoniais.
H) Efectivamente, os danos derivados do seu sofrimento físico têm um duplo conteúdo, ou seja, apresentam um conteúdo patrimonial (despesas com tratamentos médicos e medicamentosos para curar as lesões e as consequências que essas lesões têm na sua vida pessoal e profissional) e um conteúdo não patrimonial (as dores provocadas por essas mesmas lesões), tendo, pelo contrário, os danos derivados do seu sofrimento psíquico um conteúdo exclusivamente não patrimonial.
I) Sem prescindir,
Ainda que se venha a considerar – o que não se concede – que a Recorrente não peticionou quaisquer danos patrimoniais, relativos a despesas médicas e medicamentosas, sempre as referidas despesas peticionadas deverão ser tidas em consideração na determinação da compensação devida, pois, trata-se de um dano moral que se repercutiu no património da Recorrente e como tal tem de ser ressarcido.
J) Apenas com a realização do exame pericial será aferido em concreto e de forma objectiva, se a incapacidade permanente atribuída, impediu a Recorrente de exercer toda e qualquer actividade profissional ou apenas a impede de exercer algumas actividades profissionais, ou, eventualmente, lhe permite exercer a sua actividade profissional, mas com esforço.
K) Pelo que, mesmo que se entendendo que a Recorrente não peticionou quaisquer danos patrimoniais, não é de excluir à partida a indemnização do dano emergente da IPP, pois só após os resultados da perícia se determinará se a mesma implicou para a Recorrente uma perda da sua capacidade de ganho ou se, pelo contrário, implica apenas esforços acrescidos na realização da sua actividade profissional.
L) Sendo que neste último caso, tratando-se de uma incapacidade permanente parcial é de a qualificar como um dano não patrimonial.
M) Mas, mesmo nessa hipótese, segundo o entendimento seguido pelo STJ é de atribuir uma indemnização autónoma à compensação atribuída a título de danos morais.
Nestes termos e nos demais de Direito deverá ser julgado procedente o presente Recurso de Agravo e, em consequência, revogado o douto despacho recorrido na parte em que indeferiu o Incidente de Liquidação no que se refere aos montantes peticionados pela Recorrente a fls. 278 sob I. a V, e a Ré condenada ao pagamento dos referidos montantes.
JUSTIÇA. !»
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão e improcedência do recurso, com as seguintes conclusões:

1. Entende a Recorrida que não assiste qualquer razão à Recorrente e que bem andou a meritíssima juíza a quo ao indeferir o incidente de liquidação quanto aos montantes peticionados pela Autora a fls. 278 sob I. a V..
2. Na petição inicial - artigo 35º - a autora reclamou “Pelo sofrimento físico e psíquico que tem tido desde o acidente … ser indemnizada, a título de danos morais, na quantia de Esc: 2.000.000$00 (dois milhões de escudos)” (sublinhado nosso).
3. E no artigo 37º da mesma peça mais invocou que “Tal quantia, aliás, poderá vir a ser maior, uma vez que se desconhece quando será a data da cura, pelo que se liquida para já tal montante, sendo a restante, a liquidar em execução de sentença”.
4. Dispõe o Artigo 661º nº 1 do C.P.Civil que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
5. Assim sendo, uma vez que ela própria não peticionou mais do que danos morais, consubstanciados no sofrimento físico e psíquico por si sofrido, nunca poderia a sentença proferida condenar em mais do que indemnização por danos morais.
6. E tanto assim foi que na douta sentença se diz, claramente, a fls. 231 dos autos: “Destes factos infere-se que a segunda autora sofreu danos não patrimoniais consideráveis, traduzidos em sofrimentos físicos e psíquicos, bem expressos nas diversas intervenções cirúrgicas que tem sofrido e na circunstância de ficar deformada para sempre.
Estes danos fixam-se em 1.500.000$00.
Além disso, a autora ainda não se encontra curada, pelo que se justifica que se relegue para execução de sentença a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psicológico (art. 564º, nº 2 do Código Civil).”
7. E não se diga, como o faz agora a Recorrente em “desespero de causa”, que a douta sentença de fls. 222 não é coerente, sendo contraditória, porquanto a douta sentença em causa há muito transitou em julgado e não é agora o momento para a pôr em crise!
8. O incidente de liquidação tem, pois, de restringir-se ao apuramento dos danos de índole não patrimonial sofridos pela autora e consubstanciados no sofrimento físico e psíquico ocorrido entre a data da douta sentença de fls. 222 (18 de junho de 1998) e a data em que a autora atingiu a cura clínica.
9. A douta decisão recorrida deve, pois, ser inteiramente confirmada, como é de inteira JUSTIÇA.»
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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa apreciar as seguintes questões:

a). Se a decisão recorrida não atendeu, por erro de julgamento, que ao relegar-se para execução de sentença “a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psíquico”, estão acautelados não só os danos não patrimoniais mas também os danos patrimoniais?

b). Caso assim não se entenda, e se venha a considerar que a Recorrente não peticionou quaisquer danos patrimoniais, relativos a despesas médicas e medicamentosas, sempre as referidas despesas peticionadas deverão ser tidas em consideração na determinação da compensação devida, pois, trata-se de um dano moral que se repercutiu no património da Recorrente e como tal tem de ser ressarcido?
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade processualmente adquirida com relevo é a seguinte:

1. Em 29.09.1989, a autora então menor de idade sofreu um acidente de viação, quando seguia como passageira do automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula JP, tendo sofrido como consequência necessária e direta lesões em ambos os olhos e por todo o rosto que ficou deformado.
2. A mãe da autora, em representação desta, intentou acção declarativa com forma de processo sumário contra a Companhia de Seguros Metrópole, S.A. formulando pedido de condenação a pagar a quantia de dois milhões de escudos, a título de danos morais, como forma de compensar o sofrimento físico e psíquico sofrido pela então menor, desde o acidente de viação analisado nos autos, e o excesso que se viesse a liquidar em execução de sentença, porquanto não se encontrava ainda a menor curada, não se sabendo até quando se prolongaria o seu sofrimento psíquico e físico adveniente de acidente em causa, tudo acrescido de juros legais a contar da citação até integral pagamento.
3. Por sentença proferida em 18.06.1998, a seguradora foi condenada a pagar «a quantia de 1.500.000$00 e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença até integral pagamento».
4. Na sentença, foi julgado provado que, como consequência do embate, Idalina ficou ferida, com lesões em ambos os olhos, e por todo o rosto que ficou deformado, ficou com graves lesões na vista e em todo o rosto, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e ainda não se encontra curada, tem tido sofrimentos físicos derivados do acidente e das operações e sofrimentos psíquicos derivados das deformações do rosto, e ficará deformada para sempre.
5. No requerimento de liquidação posteriormente apresentado, a autora formula pedido de liquidação das despesas com tratamentos, medicamentosas e com tratamentos de psicoterapêutica, acrescido de um pedido de indemnização por dano futuro e um pedido de indemnização por danos não patrimoniais, conforme pontos I. a V.
6. O despacho recorrido é do seguinte teor:

«O incidente de liquidação, no contexto do qual se situa o recurso de apelação em presença, é no essencial uma exigência que emerge da regra de que só a obrigação líquida pode ser coercivamente efectivada em juízo (artigo 802.º do Código de Processo Civil).
Em particular, no que à sentença condenatória respeita, e porque se admite a condenação genérica, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ela constituirá título executivo mas, naquele caso, apenas após a respectiva liquidação no processo declarativo (artigos 46º, nº 1, alínea a), e 47º, nº 5, do Código de Processo Civil).
E assim chegamos ao incidente da instância em causa.
Distintamente do que antes sucedia, deixou a sentença de condenação genérica de condenar “no que se liquidar em execução de sentença” (artigo 661.º, n.º 2, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), para agora condenar “no que vier a ser liquidado” (artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na sua redacção actual).
No regime actual o legislador fez deslocar a liquidação obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação.
Desta feita, com o novo regime – que é o da reformada acção executiva – passou o incidente de liquidação, com o âmbito definido no artigo 378.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a ser o único meio para liquidar, exceptuado o mero cálculo aritmético, a obrigação em cujo cumprimento o devedor tenha sido condenado.
Criou-se, então, uma espécie de incidente da instância posterior ou subsequente à decisão judicial de condenação, enxertado no processo declaratório que nela culminou, e que tem até a virtualidade de determinar a renovação da respectiva instância, já extinta.
À tramitação desta modalidade incidental são aplicáveis, na sua fase liminar, as disposições gerais referentes aos incidentes da instância (artigo 302.º do Código de Processo Civil). Assim o incidente, requerido nos termos do artigo 379.º, será sempre objecto de um despacho liminar que se pronuncie sobre a respectiva admissibilidade; e, caso seja admitido, a instância declaratória extinta considerar-se-á renovada (artigo 378º, nº 2, “in fine”).
Tal despacho liminar mostra-se proferido a fls. 348.
Ora, produzida a sentença que tenha condenado no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação, nos termos do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a sua liquidação destinar-se-á tão só à concretização do objecto da condenação que contenha, com respeito do caso julgado ali formado, não sendo permitido às partes tomar uma posição diferente ou mais favorável do que a já assumida na acção declarativa (neste sentido, cfr, acórdão da Relação de Lisboa, de 19/10/2010, disponível em www.dgsi.pt).
É contudo essencial, na acção declarativa precedente, que seja provada a existência dos danos que poderão, até, ser futuros, ficando apenas dispensada aí a prova do respectivo valor, justificada por não existirem, no momento, os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo; mas relegada para o ajustado incidente de liquidação, onde previsivelmente serão apurados e carreados esses elementos.
Tem de estar provado o prejuízo, e apenas não determinado o quantum debeatur, não se estando a facultar ao autor uma nova oportunidade para provar os danos ou percas, se o não logrou fazer na acção declarativa.
A liquidação destina-se, por isso, a uma mera quantificação.
Ora, analisada a sentença que nos autos se mostra proferida de fls. 222 a 233, é possível constatar que na mesma, foi proferida a seguinte decisão:
“Por todo o exposto, e decidindo, julga-se a acção parcialmente procedente, pelo que:
- Condena-se a ré Metrópole a pagar à primeira autora, MC, a quantia de 150.000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento;
- Condena-se a ré Metrópole a pagar à segunda autora, IC, a quantia de 1.500.000$00 e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento…”.
Ora, no que se refere à autora IC, a condenação proferida nos termos acima descritos foi feita na sequência do peticionado por sua mãe em sua representação, uma vez que à data da interposição da acção a mesma era menor de idade.
Assim, a mãe da autora IC peticionou, em sua representação, a condenação da COMPANHIA DE SEGUROS METRÓPOLE, S.A., no pagamento àquela de uma indemnização por danos morais, no montante de 2.000.000$00, como forma de compensar o sofrimento físico e psíquico sofrido pela, então, menor desde o acidente de viação analisado nos autos (cfr. fls. 5 verso).
Mais, peticionou a condenação da ré em indemnização a liquidar em execução de sentença, porquanto não se encontrava a autora IC ainda curada, não se sabendo até quando se prolongaria o seu sofrimento psíquico e físico adveniente do acidente em causa.
Em face do que fica exposto, constata-se assim que a sentença proferida não poderia, atento nomeadamente o disposto no artigo 661.º do Código de Processo Civil, ter condenado a ré a pagar nada mais à autora IC que não o fosse a título de danos morais, ou seja, não patrimoniais.
Assim, ao relegar para execução de sentença a liquidação do excesso que viesse a apurar-se para além dos já fixados 1.500.000$00, a sentença proferida nos autos mais não se referia do que a danos não patrimoniais.
Nestes termos, importa constatar que, efectivamente, ao vir agora requerer incidente de liquidação no âmbito do qual a autora requer a liquidação de danos de índole patrimonial, como o faz no que se refere às despesas com tratamentos e outras que peticiona, a autora extravasa os limites da condenação proferida, impondo-se concluir pela improcedência do peticionado pela mesma a esse título.
Trata-se apenas aqui de liquidar o montante correspondente aos danos de índole não patrimonial sofridos pela autora devido ao sofrimento físico e psíquico provocado pelo acidente de viação dos autos.
Nestes termos, em face do caso julgado formado pela sentença já proferida nos autos, indefiro o presente incidente no que se refere aos montantes peticionados pela autora a fls. 278 sob I. a V..
Custas pela autora, na proporção do decaimento, ou seja, na proporção de 77 %.»
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a). Se a decisão recorrida não atendeu, por erro de julgamento, que ao relegar-se para execução de sentença “a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psíquico”, estão acautelados não só os danos não patrimoniais mas também os danos patrimoniais?

Entende a apelante que a decisão proferida não respeitou os limites da condenação proferida, com o seguinte argumentação que se passa a transcrever:

«34. Como já foi supra exposto, na Petição Inicial pediram os autores que a ré fosse condenada a pagar a Autora, a quantia de 2.000,000$00, referente ao sofrimento físico e psíquico sofrido por ela desde a data do acidente (29/09/1989) até à data da interposição da acção (20/02/1992), e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, uma vez que se desconhece quando será à data da cura.
35. Num momento inicial, a Sentença por referir que a Recorrente “sofreu danos não patrimoniais consideráveis, traduzidos em sofrimentos físicos e psíquicos, bem expressos nas diversas intervenções cirúrgicas que tem sofrido e na circunstância de ficar deformada para sempre. Estes danos fixam-se em 1.5000.000$00.”
36. Ou seja, começa, por restringir os danos indemnizáveis aos danos não patrimoniais.
37. Posteriormente, determina que dado que a Autora, ora Recorrente, ainda não se encontra curada “se relegue para execução de sentença a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psicológico”.
38. Verifica-se, portanto, que a Sentença, deixa de restringir os danos indemnizáveis aos de natureza não patrimonial, não qualificando qual o tipo de dano que resulta nem do “sofrimento físico” nem do “sofrimento psicológico”, o que nos leva a concluir que devem ser ressarcidos não só os danos patrimoniais futuros, mas também os danos não patrimoniais futuros.
39. Salvo o devido respeito, e melhor entendimento, a Sentença não é clara, pelo que carece de ser interpretada.
40. Não há dúvidas de que os danos derivados do sofrimento psicológico têm uma natureza não patrimonial, tratando-se, portanto, de um dano moral.
41. A grande questão reside na interpretação da expressão “sofrimento físico”, ou seja, determinar se os danos decorrentes do sofrimento físico têm natureza patrimonial ou não patrimonial.
42. Importa, desde já, referir que a expressão “sofrimento físico” utilizada na Sentença, não é a mais feliz, uma vez que não é clara nem explícita.
43. Todavia, dada a idade da ora Recorrente à data da Sentença, e o facto de esta ainda não se encontrar curada, e desconhecendo-se qual seria a data da sua cura clínica, não era possível, mesmo através de um juízo de prognose determinar de forma concreta e exacta todas as lesões derivadas do acidente e o reflexo das mesmas na esfera jurídica da ora Recorrente, parece que foi de forma propositada e justificada que o julgador utilizou um conceito tão amplo como meio de acautelar todos os danos.
44. Entende a Recorrente que a expressão “sofrimento físico”, refere-se não só a dor, ao sofrimento em sentido estrito, aos danos estéticos, ao prejuízo para a afirmação pessoal, que a Recorrente sentiu em consequência das lesões de que ficou a padecer, acautelando, neste sentido, os danos não patrimoniais, mas também os danos patrimoniais decorrentes dos tratamentos médicos e medicamentosos a que a Recorrente teve de ser sujeita, uma vez que estes foram prescritos à Recorrente como meio imprescindível para a diminuição do seu sofrimento físico.
45. Ou seja, o dano derivado do sofrimento físico tem um duplo conteúdo, isto é, tem não só um conteúdo não patrimonial mas também um conteúdo patrimonial, tendo, consequentemente, a Recorrente direito não só a uma compensação devida pelo seu sofrimento, dor e desgosto
mas também, direito a uma indemnização pelas despesas dos tratamentos médicos e medicamentosos.»


Ora, tal como é assinalado nas contra-alegações, a sentença proferida em 18.06.1998 transitou em julgado, e as «incoerências» ou «contradições» assinaladas são absolutamente irrelevantes, por não terem sido suscitadas no momento próprio. Consequentemente, não é possível interpretar ou modificar o conteúdo da decisão condenatória que não foi objecto de recurso ordinário ou de reclamação, conforme se estatui no artigo 628º do C.P.C.

A sentença condenou a ré a pagar à segunda autora, «IC, a quantia de 1.500.000$00 e o excesso que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento…».

Esta decisão apreciou o pedido então formulado por IC, representada por sua mãe, de pagamento de uma indemnização por danos morais, no montante de dois milhões de escudos, como forma de compensar o sofrimento físico e psíquico da mesma desde o acidente de viação objecto dos autos e de condenação da ré em indemnização a liquidar em execução de sentença, porquanto não se encontrava a autora ainda curada, não se sabendo até quando se prolongaria o seu sofrimento psíquico e físico adveniente do acidente em causa.

O pedido formulado pela recorrente (então menor de idade) circunscreve-se claramente à indemnização a título de danos morais, quer se atenda à parte líquida, como à parte em que peticiona condenação «no que vier a ser liquidado».

Tal como é equacionado no despacho recorrido, o atual Código de Processo Civil dispõe que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, em que se prevê a possibilidade de condenação no que vier a ser liquidado, quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Conforme síntese elaborada no Acórdão do S.T.J. de 25.03.2010, a jurisprudência tem entendido «que deve ser relegada para ulterior liquidação a fixação do quantum dos prejuízos, quando embora tenha sido formulado um pedido específico, a circunstância de não ter sido apurada a dimensão dos mesmos não implica a improcedência do aludido pedido, uma vez que a falta de elementos reporta-se à quantificação e não à ocorrência do dano, já que só no caso de se não ter provado a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objeto, impeditivo, então, de nova prova do facto em posterior incidente de liquidação» (disponível no sítio da internet do IGFEJ).


Os pedidos genéricos são possíveis nos casos contemplados no artigo 556º nº 1 do C.P.C. – a) quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito; - b) quando não seja possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569º do Código Civil; - c) quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelos réus.

Por seu turno, o artigo 569º do C.C. estatui que quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da ação, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.

Os pedidos formulados são genéricos, por se enquadrarem na previsão do citado artigo 556º nº 1 alínea b) do C.P.C. (correspondente ao anterior artigo 472º), mas estão estritamente confinados aos danos de natureza não patrimonial, como é inculcado pela denominação de «danos morais», e pela alegação feita de que não se encontrava a autora ainda curada, não se sabendo até quando se prolongaria o seu sofrimento psíquico e físico adveniente do acidente em causa.

Nesta sequência, a factualidade controvertida e julgada provada na sentença de condenação genérica é atinente às lesões físicas determinadas na pessoa da autora, em consequência do acidente, e aos sofrimentos físicos e psíquicos derivados dessas sequelas físicas, conforme se retira e de modo inequívoco do trecho que se transcreve:

«Com interesse para a fixação desta indemnização, apuraram-se os seguintes factos:
- Como consequência do embate, a autora Idalina ficou ferida, com lesões em ambos os olhos, e por todo o rosto que ficou deformado;
- Ficou com graves lesões na vista e em todo o rosto;
- Foi na altura transportada ao hospital;
- Foi examinada nos serviços do Ministério Público deste Tribunal por 8 vezes, sendo a última em 17.09.91, não se encontrando ainda curada nessa data;
- Já foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e ainda não se encontra curada;
- Tem tido sofrimentos físicos derivados do acidente e das operações e sofrimentos psíquicos derivados das deformações do rosto;
- Ficará deformada para sempre.
Destes factos infere-se que a segunda autora sofreu danos não patrimoniais consideráveis, traduzidos em sofrimentos físicos e psíquicos, bem expressos nas diversas intervenções cirúrgicas que tem sofrido e na circunstância de ficar deformada para sempre. Estes danos fixam-se em 1.500.000$00.
Além disso, a autora ainda não se encontra curada, pelo que se justifica que se relegue para execução de sentença a determinação dos danos futuros provocados pelo sofrimento físico e psicológico (art. 564º, nº 2 do Código Civil).»

Destarte, a única conclusão possível é que a decisão apreciou e reconheceu a obrigação de indemnização formulada a título de danos não patrimoniais já provados e relegou para posterior liquidação os danos futuros que eventualmente viessem a apurar-se, dada a circunstância de não existirem elementos, pois a autora ainda não se encontrava curada.

Conforme estatui o artigo 580º nº 1 do C.P.C., as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção de caso julgado. Segundo dispõe o artigo 581º do C.P.C., repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto: aos sujeitos (isto é quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica); ao pedido (isto é, quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, isto é, do mesmo princípio gerador do direito, da mesma sua causa eficiente).

Quer a exceção da litispendência, quer a exceção de caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer, ou de reproduzir, uma decisão anterior (nº 2 do artigo 580º do C.P.C.).

Compreende-se, por isso, a afirmação de que, para se aferir da repetição  – ou não – da ação, deve atender-se «não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação), fixado e desenvolvido no art. 498º [atual, artigo 581º], mas também à diretriz substancial  traçada no nº 2, do art. 497º [atual, 580º], onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a de caso julgado), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J.M. Bezerra, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2ª edição, p. 302).

No mesmo sentido se afirma que a «razão de ser da litispendência [bem como do caso julgado], permite que ela se verifique mesmo que as ações tenham processo diferente ou ainda que uma seja declarativa e outra seja executiva (Acórdão do S.T.J. de 06.06.2000, Processo nº 00A327, disponível no sítio da internet do IGFEJ).

Importa ainda precisar os efeitos e alcance da figura jurídico processual do caso julgado, tendo presente que, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados nos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º (artigo 619º nº 1 do C.P.C.) e a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (artigo 621º do C.P.C.).

Com efeito, partindo sempre do pressuposto da prévia existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida apreciada, ou que versou sobre a relação processual constituída, pretende-se evitar que essa mesma questão venha mais tarde a ser validamente definida, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal, nem sempre se torna claro precisar o concreto alcance do caso julgado formado (Acórdãos do S.T.J, de 20.06.2012, de 15.11.2012, de 21.03.2012, no mesmo sítio).

Impõe-se, por consequência, distinguir entre a exceção dilatória de caso julgado – pressupondo o confronto de duas ações (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas já descrita (de sujeitos, de causa de pedir e de pedido) -, que visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, por forma a evitar a repetição de causas. E a força e autoridade de caso julgado – decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo sobre a matéria em discussão -, que se prende com a sua força vinculativa, visando o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, e que pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela exceção. Pressupõe apenas que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, pois é «entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado» (Acórdão do S.T.J. de 21.03.2012, já citado). 

Neste segundo caso (de força e autoridade do caso julgado) «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 579).

Por exemplo, se «numa ação de condenação o réu for condenado a entregar certa coisa ao autor, a sentença proferida, uma vez transitada, obstará a que, em nova ação proposta pelo vencedor para obter a indemnização do dano proveniente da falta de cumprimento da obrigação de entrega, o réu volte a levantar a questão da existência desta obrigação. Essa questão prejudicial está definitivamente julgada» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J.M. Bezerra, obra citada, p.309, em nota).

Consequentemente, adere-se na íntegra ao entendimento plasmado na decisão recorrida:

«Ora, no que se refere à autora IC, a condenação proferida nos termos acima descritos foi feita na sequência do peticionado por sua mãe em sua representação, uma vez que à data da interposição da acção a mesma era menor de idade.
Assim, a mãe da autora IC peticionou, em sua representação, a condenação da COMPANHIA DE SEGUROS METRÓPOLE, S.A., no pagamento àquela de uma indemnização por danos morais, no montante de 2.000.000$00, como forma de compensar o sofrimento físico e psíquico sofrido pela, então, menor desde o acidente de viação analisado nos autos (cfr. fls. 5 verso).
Mais, peticionou a condenação da ré em indemnização a liquidar em execução de sentença, porquanto não se encontrava a autora IC ainda curada, não se sabendo até quando se prolongaria o seu sofrimento psíquico e físico adveniente do acidente em causa.
Em face do que fica exposto, constata-se assim que a sentença proferida não poderia, atento nomeadamente o disposto no artigo 661.º do Código de Processo Civil, ter condenado a ré a pagar nada mais à autora IC que não o fosse a título de danos morais, ou seja, não patrimoniais.
Assim, ao relegar para execução de sentença a liquidação do excesso que viesse a apurar-se para além dos já fixados 1.500.000$00, a sentença proferida nos autos mais não se referia do que a danos não patrimoniais.
Nestes termos, importa constatar que, efectivamente, ao vir agora requerer incidente de liquidação no âmbito do qual a autora requer a liquidação de danos de índole patrimonial, como o faz no que se refere às despesas com tratamentos e outras que peticiona, a autora extravasa os limites da condenação proferida, impondo-se concluir pela improcedência do peticionado pela mesma a esse título.
Trata-se apenas aqui de liquidar o montante correspondente aos danos de índole não patrimonial sofridos pela autora devido ao sofrimento físico e psíquico provocado pelo acidente de viação dos autos.
Nestes termos, em face do caso julgado formado pela sentença já proferida nos autos, indefiro o presente incidente no que se refere aos montantes peticionados pela autora a fls. 278 sob I. a V.»


b). Caso assim não se entenda, e se venha a considerar que a Recorrente não peticionou quaisquer danos patrimoniais, relativos a despesas médicas e medicamentosas, sempre as referidas despesas peticionadas deverão ser tidas em consideração na determinação da compensação devida, pois, trata-se de um dano moral que se repercutiu no património da Recorrente e como tal tem de ser ressarcido?

Por último, e na eventualidade de se concluir que apenas devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais derivados do “sofrimento físico” e do “sofrimento psicológico”, alega a apelante que «sempre as referidas despesas peticionadas deverão ser tidas em consideração na determinação da indemnização devida, pois, o “sofrimento físico”, ainda que se entenda que é um dano que atinge apenas valores ou interesses não patrimoniais, foi a causa directa das referidas despesas tendo-se reflectido no património do lesado.
58. Estamos perante um dano patrimonial indirecto, isto é, de um dano moral que se repercutiu no património da Recorrente, e como tal têm de ser ressarcidas as despesas supra referenciadas porque resultaram do “sofrimento físico” da Recorrente, e foram prescritas como forma imprescindível para minimizar esse seu sofrimento.
59. As despesas médicas e medicamentosas peticionadas pela Recorrente são “danos patrimoniais indirectos, que são aqueles que derivam da ofensa de bens não patrimoniais: a vida, a saúde, a liberdade, a honra, etc. Sendo os danos patrimoniais directos aqueles que derivam da ofensa de bens patrimoniais”, in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2010, proferido no âmbito do Processo n.º 355/2002.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. (sublinhado nosso)».

Além disso, continua a apelante:

«60. Acresce ainda, que foi requerido nos presentes autos a realização de exame pericial, com o objectivo de determinar o coeficiente concreto da IPP que afecta a ora Recorrente, quais as sequelas que a mesma ficou a padecer e o seu reflexo na sua capacidade de ganho.
61. Apenas com a realização do exame pericial será aferido em concreto e de forma objectiva, se a incapacidade permanente atribuída, impediu a Recorrente de exercer toda e qualquer actividade profissional ou apenas a impede de exercer algumas actividades profissionais, ou, eventualmente, lhe permite exercer a sua actividade profissional, mas com esforço.
62. Ou seja, não se sabe se a Incapacidade permanente é parcial ou total.
63. Pelo que, mesmo que se entenda que a Recorrente não peticionou quaisquer danos patrimoniais, não é de excluir à partida a indemnização do dano emergente da IPP.
64. Pois, só após a realização do referido exame pericial é que será determinado se a incapacidade importa, uma real e efectiva perda da capacidade de ganho futuro ou, se, pelo contrário, importa apenas um acréscimo significativo de esforço (esforços físicos, dores, necessidade de interrupção da actividade profissional, etc.), uma maior penosidade na execução das tarefas profissionais.
65. Neste último caso, o dano decorrente da incapacidade permanente parcial é um dano tipicamente não patrimonial, não tendo, nesta perspectiva nada o lesado a receber como indemnização a título de danos patrimoniais.
66. Assim, se os resultados da referida perícia determinarem que da IPP de 44% que afecta a Recorrente, não resulta uma perda efectiva de ganho, mas, antes de mais a exigência de esforços no desenvolvimento da sua actividade profissional, estaremos na presença de um dano moral ou não patrimonial.»
               
Em síntese, a apelante entende que o dano decorrente da incapacidade permanente parcial é um dano tipicamente não patrimonial e que as despesas médicas e medicamentosas peticionadas foram causadas pelo sofrimento físico suportado.

Com o devido respeito, não está em causa determinar se existe um nexo de causalidade entre as despesas médico/medicamentosas efectuadas pela apelante e as sequelas físicas suportadas como consequência necessária e direta do acidente, mas sim aferir se as mesmas devem ou não ser consideradas em incidente de liquidação destinado à concretização do objecto da condenação genérica proferida, e com respeito do caso julgado ali formado, nos termos do artigo 661º nº 2 do C.P.C. e artigo 569º do C.C.

E, em sintonia com a anterior conclusão, é manifesto que a sentença de condenação proferida relegou para execução de sentença a liquidação do excesso que viesse a apurar-se para além do montante já fixado, relativamente aos danos de índole não patrimonial, precisamente, porque a lesada não se encontrava ainda clinicamente curada, pelo que o exame médico-pericial determinado, bem como as demais diligências de prova ordenadas, destinaram-se a obter os elementos necessários para a avaliação de todas as consequências psíquicas e físicas que viessem a afetar a lesada até à denominada consolidação das lesões.

Na determinação da compensação dos danos não patrimoniais há que atender a diversos critérios, estabelecidos no artigo 496º nº 2 do C.C., tendo-se reconhecido a existência de várias subcategorias (cf. Acórdão do S.T.J. de 12.03.2015, disponível no sítio da internet citado) consoante o aspeto da vida ou da personalidade que ficou afetada: (a) o dano existencial (afecta toda a vida relacional da pessoa lesada com a sua família e a esfera íntima da pessoa); (b) o dano estético (afeta o aspeto físico e a beleza corporal, envolvendo a avaliação personalizada da imagem em relação a própria pessoa e perante os outros); (c) o dano biológico (traduz-se na diminuição psicossomática da pessoa, compreendendo fatores suscetíveis de afetar as atividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, assumindo um caráter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências na mensuração do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial); (d) o dano de perda de autonomia (afeta a livre iniciativa, a autorrealização e a autoestima); (e) o dano da perda da alegria de viver (altera a forma como a pessoa vê e sente o mundo no seu quotidiano); (f) o dano da afirmação pessoal (altera a forma como a pessoa se insere no mundo e se sente a si mesma perante os outros).

Na situação vertente, a decisão proferida em 1998 fixou a compensação devida na vertente do «dano estético». As demais subcategorias deste dano não patrimonial são objecto de concretização, em sede de liquidação, incluindo o denominado «dano biológico», com a inerente repercussão permanente nas actividades de lazer e temporária na actividade profissional parcial entre a data em que foi proferida a sentença e a data da consolidação das lesões.

No entanto, as despesas médicas e medicamentosas não foram objecto de pedido no momento próprio, isto é, na petição inicial que a apelante (então menor) apresentou, e não podem ser engobadas no remanescente que foi relegado para execução de sentença, a título de danos morais, porque não se incluem nas diversas subcategorias deste tipo de danos, conforme já se assinalou.

Por conseguinte, é forçoso concluir que as pretensões da apelante não merecem qualquer acolhimento.
*

DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Lisboa, 07.06.2018,

Ana Paula Albarran Carvalho

Maria Manuela Gomes

Gilberto Jorge