Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17851/20.2T8LSB.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: CLÁUSULA DE PREFERÊNCIA NA TRANSMISSÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
EFICÁCIA REAL DA CLÁUSULA
OPONIBILIDADE A TERCEIROS
REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–A cláusula de preferência na transmissão da participação social prevista no pacto social tem a sua génese em negócios jurídicos e constitui manifestação do exercício da liberdade de contratar e da autonomia na definição do seu conteúdo, precisamente, o oposto da natureza da preferência legal, que é imperativamente modelada pela lei e constitui “[u]ma derrogação excepcional do princípio da liberdade contratual.

II– Das (únicas) normas que no Código das Sociedades Comerciais fazem referência ao direito de preferência na transmissão da participação social (arts. 183º, nº 5, 239º, nº 5, e art. 328º nº 2) resulta que a lei distingue entre transmissão voluntária e transmissão coerciva, e que reserva ou restringe a previsão legal do direito de preferência dos sócios e/ou da sociedade na transmissão de participação social à venda coerciva, restrição que corresponde a opção do legislador e que ao julgador, aplicador do direito, não é lícito sindicar e alterar por discordar da bondade dessa solução.

III– O princípio da tipicidade ou do numerus clausus dos direitos reais previsto pelo art. 1306º do Código Civil e a proibição da analogia que lhe é inerente não permite afirmar a eficácia real da cláusula de preferência estatutária como efeito conatural da preferência estatutária ou como uma inevitabilidade jurídico-legal à margem e independentemente da verificação dos pressupostos legais do art. 413º ex vi art. 421º do Código Civil, pelo que a natureza da eficácia da cláusula estatutária de preferência encontra-se legalmente definida e esgota-se no plano obrigacional.

IV– A questão da natureza real e da oponibilidade da cláusula estatutária de preferência a terceiros remete para o art. 421º do Código Civil que, precisamente, prevê a possibilidade de as partes atribuírem eficácia real ao direito de preferência convencional, remetendo para o art. 413º do CC a definição dos requisitos de forma e de publicidade de que depende o seu reconhecimento, designadamente, declaração/convenção expressa das partes a atribuir eficácia real ao pacto de preferência, e inscrição do facto preferência no registo.

V– Ao registo corresponde uma realidade presuntiva da situação jurídica das entidades sujeitas a registo obrigatório, conferindo aos factos por ele inscritos, e nos termos em que o são, uma aparência de verdade e de validade, assente no princípio da cognoscibilidade da realidade através do que consta inscrito descrito e publicitado no registo.

VI– O contrato de sociedade e o pacto de preferência constam respetivamente previstos nas als. a) e d) do nº 1 do art. 3º do Código de Registo Comercial como factos sujeitos a registos obrigatórios autónomos, e não colhe invocar a circunstância de o pacto integrar o contrato de sociedade e a natureza societária que por isso reveste para o excluir da alçada da al. d) na medida em que:
i)- o contrato de sociedade é objeto de inscrição no registo por transcrição que impõe a extratação unitária de elementos (firma, sociedade, sede, objeto social, capital, quotas ou o valor nominal das participações sociais, administração, fiscalização, forma de obrigar a sociedade, e nomeação dos administradores se constar do título constitutivo da pessoa coletiva), que não incluem a cláusula de preferência que daquele contrato conste;
iii)- o registo do pacto/cláusula de preferência é objeto de procedimento distinto da inscrição do contrato de sociedade e, não sendo pedido, não fica a constar da ficha de registo da sociedade e, consequentemente, da certidão comercial da sociedade que seja emitida a pedido de qualquer interessado para se inteirar da situação jurídica das participações no capital social da sociedade, falhando-lhe assim o requisito da publicidade exigido pelo art. 413º do Código Civil.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa



IRelatório


H, SRL, sociedade comercial de direito italiano com sede em Itália, instaurou a presente ação declarativa comum contra Gi (1º R.), Pl (2º R.), ambos residentes em Cabo Verde, e SI, SGPS, Ldª (3º R.), com os seguintes pedidos:
A. se reconheça à Autora o direito de preferência com eficácia real sobre as quotas melhor identificadas nos presentes autos, com aquisição registada a favor da 2ª Ré pela apresentação por depósito n.º 2044/2020-03-03, 2045/2020-03-03 e 2046/2020- 03-03, substituindo-se a segunda Ré pela Autora na escritura de doação;
B. sejam os réus condenados a entregarem as referidas quotas à Autora, livres e desoneradas;
C. seja a SI condenada a reconhecer a titularidade pela Autora das identificadas quotas;
D. seja o preço a pagar pela Autora ao Réu fixado no valor de € 490.000,00 (tal como declarado na escritura pública de doação);
E.– seja o preço a pagar pela Autora referido na alínea d) reduzido no valor de € 210.125,72, a título de compensação, acrescido dos juros de mora vincendos desde o dia 2.09.2020;
F.– seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2ª Ré, adquirente, haja feito a seu favor em consequência da doação das supra identificadas quotas, designadamente o constante da Apresentação por depósito n.º 2044/2020-03-03, 2045/2020-03-03 e 2046/2020-03-03, e outras que esta venha a fazer, e
G.– seja ordenado o registo a favor da Autora da titularidade das supra identificadas quotas, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
Em fundamento dos pedidos alegou, em síntese, que é sócia fundadora da 3ªR. e titular de duas quotas sociais representativas de 43% do respetivo capital social, e o 1ºR. é titular de três quotas sociais representativas do restante capital social; que o contrato de sociedade prevê direito de preferência dos sócios na transmissão a qualquer título de quotas do capital social da 3ªR. “com o objetivo de manter o intuitu personae da sociedade evitando a entrada de terceiros não desejados no capital social da sociedade e controlando as alterações na estrutura societária.”, prevendo para o efeito o procedimento devido adotar pelo sócio e pela sociedade; que o contrato de sociedade encontra-se registado no registo comercial; que por escritura de 02.03.2020, depositada no registo em 03.03.2020, o 1ºR. dividiu a sua quota no valor nominal de €61.000,00 em duas novas quotas, reservou para si a nova quota no valor nominal de €7.000,00, e doou à 2ª R., sua filha, todas as demais de que era titular na 3ªR.; os 1º e 2ª RR. conhecem os estatutos da 3ºR. e não informaram a autora da intenção de alienação das quotas do 2ºR., nem da sua concretização; que o 1ºR. atribuiu às quotas objeto de cessão o valor total de €490.000,00; que a autora é titular de crédito sobre o 1ºR. que adquiriu em 27.04.2020 a sociedade de seguros italiana, correspondente a crédito de capital de €130.090,15 acrescido de juros calculados desde 01.02.2013 às taxas legais em vigor na Itália que, em 01.09.2020, ascendiam ao montante de €80.035,57; que o 1ºR. doou as quotas para evitar a penhora do único património que lhe é conhecido para satisfação daquele crédito; que aquele crédito deve ser deduzido ao preço a pagar ao 1ºR. pelo direito de preferência exercido nesta ação; que estão preenchidos todos os pressupostos do direito real de preferência da autora e os requisitos para o seu exercício judicial, e que vai proceder ao depósito de €490.000,00, sem prejuízo da dedução do valor do crédito alegado por compensação.
Juntou documento, arrolou uma testemunha e, depois de expedidas as citações dos réus, juntou DUC descritivo de depósito autónomo do montante de €490.000,00 e ordem de transferência do mesmo datada de 15.09.2020, nos termos e para os efeitos do art. 1410º do Código Civil e do ofício circular nº 1 do IGFEJ/DGAJ de 2018.01.03.

2.– Os réus apresentaram contestação conjunta. Por exceção, invocando a caducidade da ação com fundamento no alegado conhecimento da doação pela autora desde a data do respetivo registo comercial, 03.03.2020. Por impugnação, alegando, em síntese, que por carta com aviso de receção de 30.10.2018 que a autora recebeu, o 1ºR. informou-a da intenção de proceder à doação de quotas à sua filha; que esta não pode ser considerada terceira estranha à sociedade nos termos e para os efeitos da cláusula de preferência invocada pela autora porque a mesma foi gerente da 3ªR. e é filha do 1ºR., sócio fundador, nem aquela cláusula pode afastar o disposto no art. 228º, nº 1 do CSC; que a doação em questão não é passível do exercício do direito de preferência por parte de outro sócio porque foi feita por conta da quota disponível exclusivamente por a donatária ser sua filha e herdeira, o que não é possível replicar com qualquer outro adquirente, pelo que na remota hipótese da invalidade da doação por preterição de qualquer formalidade só poderia gerar nulidade da mesma, com consequente regresso das quotas à esfera do doador; que o crédito da autora sobre o 1ºR. era de €137.646,27 e não vencia juros, pelo que o depósito do valor com a dedução feita pela autora sempre teria de considerar-se insuficiente, mais alegando que em 03.09.2021 aquele pagou à autora a sobredita dívida; que o valor das quotas nunca seria o indicado na escritura de doação, que o foi por defeito por tratar-se de doação de pai para filha por conta da quota disponível. Concluíram pela improcedência da ação.
Arrolaram testemunhas e requereram depoimento de parte da autora na pessoa do seu legal representante.

3.–Em resposta a autora: requereu prazo para responder à exceção arguida; requereu a admissão da arguição da falsidade de documento junto com a contestação nos termos e para os efeitos do art. 446º do CPC - correspondente à comunicação datada de 30.10.2018 que alega não ter recebido, correspondendo o aviso de receção junto com a contestação à única comunicação que recebeu do 1ºR. no início de novembro de 2018 – e da prova testemunhal e documental para o efeito requerida; confirmou que o crédito da autora sobre o 1ºR. invocado na petição inicial já foi integralmente liquidado, que para efeitos do exercício do direito de preferência depositou o montante integral de € 490.000,00 correspondente à quantia expressa na escritura pública de doação junta, e requereu que o pedido formulado na alínea e) do petitório – de que o preço a pagar pela Autora de € 490.000,00 seja reduzido no valor de € 210.125,72, a título de compensação, acrescido os respetivos juros de mora vincendos desde o dia 02.09.2020 – seja julgado supervenientemente inútil, com repartição das eventuais custas em partes iguais nos termos do art. 536º, nº1 do CPC; mais requereu o indeferimento do requerido depoimento de parte da autora através do respetivo representante legal.

4.– Por despacho de 25.01.2023 o tribunal recorrido consignou não se mostrar necessária a realização de audiência prévia para discussão das questões debatidas nos articulados e dispor dos elementos necessários para, por referência à posição sobre a questão da eficácia real do direito de preferência convencional fundamento da presente ação, apreciar do mérito da causa, e mais ordenou a notificação das partes para a respeito se pronunciarem.

5.– A autora pronunciou-se reiterando que o artigo 15º dos Estatutos da 3ªR constitui uma cláusula estatutária de preferência com eficácia real, manifestou oposição à apreciação de mérito em sede de saneador-sentença por haver matéria controvertida carecida de produção de prova, atinente com o valor de mercado das quotas em causa nos autos, e requereu a realização da audiência prévia.

6.– O tribunal declarou a extinção da instância relativa ao pedido de compensação deduzido pela autora, consignou que a lei não confere à parte o direito de se opor a que a causa seja decidida de mérito no saneador, reiterou que o processo reúne desde já os elementos necessários com vista à sua decisão, considerou que a autora exerceu plenamente o contraditório quanto à questão suscitada e que a marcação de audiência prévia para efeitos do disposto no art. 591.º, n.º 1, al. b), do C.P.C. consubstanciaria um ato inútil, e conheceu de mérito nos termos do art. 595.º, n.º 1, al. b) do CPC.

7.– Em sede de saneador sentença foram julgadas improcedentes as exceções da caducidade da ação e da falta de depósito do preço arguidas pelos réus e, concluindo pela ausência de eficácia real da cláusula estatutária invocada pela autora em fundamento do exercício judicial do direito de preferência, foi proferida a seguinte decisão:
Nestes termos, o Tribunal julga a ação, totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, decide:
- absolver os réus dos pedidos contra si deduzido pela autora H SRL;
- condenar a autora nas custas do processo.
Valor da ação: € 490.000,00 – art. 301.º e 306.º do C.P.C..

8.– Inconformada a autora recorreu da sentença requerendo a sua revogação e substituição por outra que declare integralmente procedente a ação e o que nela vem peticionado. Apresentou alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:
1.- Vem interposto o presente recurso de apelação da douta sentença recorrida que julgou integralmente improcedente a ação de preferência instaurada pela Autora com base no argumento segundo o qual a cláusula estatutária de preferência prevista nos Estatutos (devidamente registados) da SI (3.ª Ré) não teria eficácia real;
2.- Todavia, e salvo melhor opinião, a douta sentença em crise não tem qualquer fundamento de facto e de Direito, contrariando, inclusivamente, o facto de que os Réus – ora Recorridos – não colocaram em causa, em sede de contestação, a eficácia real da cláusula estatutária de preferência prevista nos Estatutos (devidamente registados) da SI (3.ª Ré);
3.- Antes de mais, REQUER-SE a V.as Ex.as se dignem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aditar o seguinte ponto à matéria de facto dada como assente: “O contrato de sociedade da SI, SGPS, Lda. – onde se encontra inserida no artigo 15.º a cláusula de preferência – encontra-se registado no registo comercial”;
4.- Efetivamente, os Réus jamais colocaram em causa a factualidade vertida nos artigos 29.º a 31.º da petição inicial, segundo a qual os Estatutos da 3.ª Ré se encontram registados no registo comercial, estatutos esses que incluem a cláusula de preferência vertida no artigo 15.º;
5.- De resto, o próprio Tribunal a quo reconhece – cabalmente – que a cláusula estatutária de preferência em causa nos autos se encontra inserida nos Estatutos da 3.ª Ré, os quais foram objeto de registo;
6.- Em segundo lugar, a douta sentença recorrida violou a força confessória da aceitação por parte dos Réus da eficácia real da cláusula estatutária de preferência vertida no artigo 15.º dos Estatutos, na medida em que, na respetiva contestação, os Réus admitiram que acláusula estatutária de preferência vertida no artigo 15.º dos Estatutos da SI possui eficácia real;
7.- Assim, e dado que os Réus jamais colocaram em causa a eficácia real da cláusula estatutária de preferência vertida no artigo 15.º dos Estatutos da SI, não se compreende, salvo o devido respeito, por que razão o Tribunal a quo ignorou esta circunstância e decidiu – erradamente – que a cláusula em questão não teria eficácia real;
8.- Deste modo, ao decidir que a cláusula estatutária de preferência vertida no artigo 15.º dos Estatutos da SI não teria eficácia real, o Tribunal a quo violou o valor de prova plena da declaração confessória, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil, pelo que a douta sentença recorrida ser revogada;
9.- Em terceiro lugar, e sem prejuízo do supra exposto, a verdade é que, em qualquer caso, ao contrário do que foi decidido pela sentença recorrida, a cláusula estatutária de preferência vertida no artigo 15.º dos Estatutos da SI tem eficácia real;
10.- Desde logo, as cláusulas estatutárias de preferência (inseridas, naturalmente, nos Estatutos) não podem – nem devem – ser confundidas com os meros pactos de preferência acordados fora do pacto social de uma sociedade, isto é, à margem da sociedade;
11.- Efetivamente, as cláusulas estatutárias de preferência encontram-se mais próximas das preferências legais do que as preferências convencionais, razão pela qual a diferente natureza das cláusulas estatutárias de preferência (designadamente, relativamente aos meros pactos de preferência) faz com que o respetivo regime deva ser analisado à luz do direito das sociedades comerciais, sendo que o regime civil apenas deverá intervir a título subsidiário;
12.- Acresce que, e por força da já acima explicitada diferente natureza das cláusulas estatutárias de preferência (designadamente, relativamente aos meros pactos de preferência), resulta que a respetiva eficácia deve ser analisada à luz do direito das sociedades comerciais e que o artigo 421.º do Código Civil constitui uma simples norma de direito privado comum concebida para os pactos de preferência (mas não para as cláusulas estatutárias de preferência);
13.- Por outro lado, a finalidade (a razão de ser) das cláusulas estatutárias de preferência é a de, basicamente, proteger a sociedade – daí que fiquem exaradas expressamente nos estatutos da sociedade – contra a perturbação suscetível de ser causada pela entrada de estranhos, tutelando, assim, o caráter personalista das sociedades por quotas;
14.- Ademais, as cláusulas estatutárias de preferência para poderem cumprir a sua já referida finalidade social (proteção do respetivo caráter personalista) – prevista estatutariamente – precisam de valer, por natureza, relativamente aos potenciais cessionários «irregulares», razão pela qual têm, naturalmente, eficácia real;
15.- Em suma, e salvo melhor opinião, não há a menor dúvida de que as cláusulas estatutárias de preferência em matéria de sociedades por quotas – como é o caso do artigo 15.º dos Estatutos da Ré SI – possuem eficácia real por natureza, não sendo necessário (e muito menos exigível) a utilização da expressão “eficácia real” para que uma cláusula estatutária assuma a eficácia que, por natureza, já possui;
16.- Tanto mais que a Ré Pl, beneficiária da doação em causa nos presentes autos, foi Gerente da Ré SI durante vários anos, pelo que não pode alegar - nem alegou na contestação - desconhecer a existência e o alcance de eficácia real da preferência estabelecida no Artigo 15.º dos Estatutos da Ré SI;
17.- Em quarto lugar, e salvo o devido respeito, que é muito, os argumentos expendidos na douta sentença recorrida não logram convencer, na medida em que: ¾ As cláusulas estatutárias de preferência têm um efeito conatural de eficácia real, não se revelando necessário que as partes utilizem – de forma específica – a expressão “eficácia real”; ¾ O Tribunal a quo confunde cláusulas estatutárias de preferência com meros pactos de preferência, visto que as cláusulas estatutárias de preferência – embora não decorram da lei – apresentam uma maior analogia com as preferências legais do que com os meros pactos de preferência; e ¾ Ao contrário do que sufraga o Tribunal a quo, a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Comercial não altera a conclusão de que a cláusula estatutária de preferência em causa nos presentes autos tem eficácia real.
18.- Efetivamente, as cláusulas estatutárias de preferência encontram-se, desde logo, registadas por força do registo dos próprios estatutos no registo comercial, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código de Registo Comercial.
19.- Em face do supra exposto, e ao contrário do que sufraga o Tribunal a quo, a cláusula estatutária de preferência prevista no artigo 15.º dos Estatutos da SI tem eficácia real, razão pela qual a Autora tem legitimidade para recorrer à ação de preferência prevista no artigo 1410.º do Código Civil, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que julgue integralmente procedente a ação instaurada pela Autora.
NORMAS VIOLADAS: artigos 5.º, 7.º e 18.º do Código das Sociedades Comerciais, alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código de Registo Comercial e artigos 358.º, 405.º, 414.º, 421.º, 423.º e 1410.º do Código Civil.

9.– Em contra-alegações os réus concluíram pela improcedência do recurso e apresentaram três documentos, correspondentes a notificações da Autoridade Tributária datadas de 14.04.2022 endereçadas à recorrida Pl para comunicação de projetos de avaliação das participações sociais objeto da presente ação. Justificaram a apresentação dos documentos com as alegações com o facto de serem supervenientes à contestação por eles deduzida nos autos (ponto 24 das contra-alegações).

10.A recorrente apresentou novo requerimento pelo qual, além do mais, requereu: a não admissão dos documentos juntos com as contra-alegações, a junção de parecer de jurisconsulto, que foi liminarmente admitido por despacho da relatora, e a condenação dos recorridos como litigantes de má fé, pedido relativamente ao qual foi ordenado o contraditório, sem resposta.

II–Objeto do recurso

Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta e, no âmbito deste, pelo teor das conclusões do recorrente, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa, bem como conhecer de questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação, não estando o tribunal adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto.
Assim, considerando o teor da decisão recorrida, conforme conclusões enunciadas pela recorrente e sem prejuízo da prévia apreciação da admissibilidade dos documentos e de outras questões que sejam de conhecimento oficioso, pelo presente recurso vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
A)–Ampliação da decisão de facto.
B)–Erro de julgamento de direito na qualificação da eficácia da cláusula estatutária da 3ª R. que estabelece o direito de preferência dos sócios na transmissão das quotas sociais da 3ª R. a não sócios.
C)–Litigância de má fé dos recorridos no âmbito da apelação.

III–Dos documentos juntos com as contra-alegações
Com a resposta ao recurso os recorridos juntaram notificações da Autoridade Tributária endereçadas à recorrida Pl datadas de 14.04.2022 e atinentes com a avaliação das quotas sociais objeto da presente ação. Justificou a sua junção em sede de recurso pelo facto de serem posteriores ao termo do prazo para apresentação de contestação.
Sob a epigrafe Junção de documentos e de pareceres prevê o art. 651º do CPC que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez prevê o artigo 425º do CPC que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
No caso não se verifica a superveniência dos documentos em qualquer uma das modalidades: nem pelo critério da necessidade decorrente do julgamento proferido na primeira instância porque aqueles reportam a questão de facto que o tribunal a quo não apreciou por prejudicada pela apreciação de mérito no saneador sentença; nem pelo critério da superveniência objetiva e subjetiva dos documentos posto tratarem-se de documentos cronologicamente anteriores à notificação do despacho de 25.01.2023 pelo qual o tribunal a quo se propôs conhecer do mérito do pedido sem prévia instrução da causa, notificação a partir da qual estava na disposição dos recorridos diligenciar pela junção dos documentos ora apresentados.
Nestes termos, e de acordo com os critérios previstos pelo citado art. 651º, nº 1 do CPC, por intempestivos carecem de fundamento legal a junção dos documentos apresentados com a resposta ao recurso, motivo pelo qual vão rejeitados.

IV–Fundamentação de Facto

O tribunal recorrido assentou os seguintes factos, que não foram impugnados pela recorrente:
1)-A SI, SGPS, LDA. foi constituída em 23.11.2007, que tem por objeto gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta de exercício de atividades económicas.
2)-O capital social da SI (€ 700.000,00) encontra-se, atualmente, dividido em 7 quotas com os seguintes valores: - € 240.000,00; - € 61.000,00; - € 3.920,00; - € 240.000,00; - € 94.080,00; - € 54.000,00; - € 7.000,00.
3)-A autora é sócia fundadora da SI, detendo duas quotas no respetivo capital social, respetivamente no valor nominal de € 240.000,00 e € 61.000,00, correspondente a 43% do capital social da 3.º ré
4)-O 1.º réu era inicialmente detentor das restantes quotas no capital social da SI:
- Quota no valor nominal de € 240.000,00,
- Quota no valor nominal de € 94.080,00, e
- Quota no valor nominal de € 61.000,00.
5)-O 1.º réu, por escritura pública outorgada no dia 2 de março de 2020, dividiu a sua quota na SI, no valor nominal de € 61.000,00, em duas novas quotas, uma no valor nominal de € 54.000,00 e outra no valor nominal € 7.000,00.
6)-O 1.º réu reservou para si a referida nova quota no valor nominal de € 7.000,00, e doou à sua filha, Pl, aqui 2.ª Ré, as duas quotas no valor nominal de € 240.000,00 e de € 94.080,00, bem como a nova quota de € 54.000,00, resultante da divisão em duas quotas autónomas da quota no valor nominal de € 61.000,00.
7)- O contrato de sociedade da SI estabelece no seu artigo 15.º o seguinte:
1.- Os sócios são livres de transmitir entre si as quotas que detenham na sociedade, não dependendo a transmissão do consentimento da sociedade.
2.-Na transmissão a terceiros, a qualquer título, de quotas detidas na sociedade, os sócios gozam de direito de preferência, nos termos das regras seguintes.
a)- O sócio que pretender transmitir quotas detidas na sociedade deverá comunicar a esta, por carta registada com aviso de recepção, essa sua vontade.
b)- Tal comunicação deve identificar o transmissário, as quotas a transmitir, o preço pretendido, os critérios utilizados na determinação do preço e as condições de pagamento, ou o valor atribuído tratando-se de transmissão a título gratuito.
c)- Nos oito dias subsequentes à comunicação prevista na alínea b) supra, a sociedade comunicará aos restantes sócios, por carta registada com aviso de recepção, a vontade e os termos do negócio que lhe foram comunicados.
d)- Nos trinta dias subsequentes à recepção da comunicação feita pela sociedade, os sócios comunicarão à sociedade, por carta registada com aviso de recepção, se pretendem ou não exercer os respectivos direitos de preferência.
e)- Nos oito dias subsequentes à comunicação prevista na alínea d) supra, a sociedade informará o sócio que manifestou a vontade de transmitir a sua quota, e por carta registada com aviso de recepção, do conteúdo das respostas dos restantes sócios.
f)- Caso haja mais do que um sócio preferente, as quotas serão divididos entre eles na proporção das respectivas participações no capital social.
g)- Sendo a transmissão gratuita, ou no caso de ser onerosa mas o preço indicado pelo sócio transmitente, para a transmissão da quota seja manifestamente superior ao valor praticado no mercado para a transação daquele bem, o valor ou o preço a atribuir será determinado por um revisor oficial de contas (ou uma sociedade de revisores oficiais de contas) escolhido pelas partes. Na falta de acordo, a fixação do preço será realizada por três árbitros, ao abrigo da Lei número 31/86, de 29 de agosto ("Arbitragem Voluntária"). Um árbitro será escolhido pelo vendedor, o outro árbitro pelo comprador, e o terceiro árbitro por comum acordo dos árbitros entretanto designados pelo vendedor e comprador”.
3.-A sociedade não reconhecerá, para efeitos alguns, as transmissões de quotas efetuadas sem a observância do disposto no presente artigo."

8)-A 2.ª ré nunca foi sócia da 3.ª ré.

9)-A 2.ª ré foi designada gerente da Ré SI em 18 de outubro de 2018, tendo renunciado à gerência em 2 de julho de 2019.

V–Fundamentos do recurso

A)-Ampliação da matéria de facto

Apesar de reconhecer que na apreciação que fez a sentença recorrida referiu e ponderou o facto de os estatutos da ré sociedade terem sido objeto de registo, no ensejo de ver reconhecida a eficácia real que reclama para a cláusula de preferência neles prevista a autora requer que aos factos assentes seja aditado o seguinte:
“O contrato de sociedade da SI, SGPS, Lda. – onde se encontra inserida no artigo 15.º a cláusula de preferência – encontra-se registado no registo comercial”.
Efetivamente, a este respeito, para além da descrição do teor da cláusula em questão (ponto 7), na decisão de facto apenas se assentou que “A SI, SGPS, LDA. foi constituída em 23.11.2007 (…).” (ponto 1). Apesar de não constar expressa e literalmente que o contrato de sociedade foi objeto de registo, não surpreende que em sede de enquadramento jurídico o tribunal assim o tenha assumido e considerado na medida em que a constituição de uma sociedade pressupõe a sua matrícula no registo comercial, que ocorre através da entrega, na Conservatória do Registo Comercial, do documento suporte do contrato ou negócio social[1] que, como é sabido, integra simultaneamente os respetivos estatutos, isto é, o conjunto de menções – umas impostas pela lei societária, outras facultativas mas convencionadas pelas partes -, reguladoras de aspetos relativos à organização e funcionamento da sociedade, designadamente, direitos e deveres dos sócios ou acionistas para com a sociedade, relações da sociedade com terceiros, etc., que são inicialmente estabelecidas naquele ato jurídico e que são passíveis de alteração ao longo da vida da sociedade, elas próprias também sujeitas a registo[2].
Daqui decorre que, em rigor, afirmar a constituição de uma sociedade corresponde ou integra matéria de direito que encontra suporte factual no registo do contrato de sociedade que dá origem à matrícula da sociedade no Registo Comercial, pelo que são estes os elementos que cumpre conduzir à decisão de facto.
Em conformidade, no âmbito da apreciação da ampliação requerida pela recorrente e no cumprimento da oficiosidade prevista pelo art. 662º, nº 1 do CPC, procede-se à alteração da decisão de facto através de alteração ao teor do ponto 1) da decisão de facto, considerando para o efeito a certidão permanente da sociedade ré apresentada com a petição inicial e a certidão do contrato de sociedade objeto do pedido de inscrição no registo apresentado em resposta a despacho liminar da relatora.
Assim, o ponto 1 da decisão de facto passa a constar nos seguintes termos:
1)-O contrato de sociedade da ré SI, SGPS, Ldª foi outorgado em 23.11.2007 com reconhecimento notarial de assinaturas e, na mesma data, foi requerido o registo da constituição da sociedade ré e da designação dos membros dos respetivos órgãos sociais, pedido que foi acompanhado da apresentação daquele contrato na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, e registo que foi cumprido através da seguinte inscrição:
Insc.1 AP. 115 15:57:05 UTC - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ORGÃO(S) SOCIAL(AIS)
FIRMA: SI, SGPS, LDA NIPC: 50…NATUREZA JURÍDICA: SOCIEDADE POR QUOTAS
SEDE: Rua…
OBJECTO: gestão e de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas
CAPITAL: 480.000,00 Euros
Data de encerramento das contas do exercício: 31 de Dezembro
SÓCIOS E QUOTAS: QUOTA : 240.000,00 Euros
TITULAR: H S.P.A.
(…)
QUOTA: 240.000,00 Euros
TITULAR: Gi
(…)
FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS:
Forma de obrigar: com a assinatura de um só gerente
CONSERVATÓRIA DA SEDE:
Distrito: Lisboa Concelho: Lisboa Conservatoria: CRComercial Lisboa
ORGÃO(S) DESIGNADO(S):
GERÊNCIA:
Gi
FREDO
(…)
Data da deliberação: 2007.11.23

B)–DE DIREITO
Através da presente ação a autora arroga-se ao direito de exercer o direito de preferência na transmissão das quotas da sociedade ré operada pelo sócio Gi em benefício da filha deste, nos termos previstos pelo art. 1410º do CC. Como causa de pedir invoca a sua qualidade de sócia, a cláusula do pacto social que prevê o direito de preferência dos sócios na transmissão a terceiros, e a inscrição do pacto social no registo, factos que constam documentados e não são objeto de discussão.
O dissenso centra-se na natureza desta cláusula. A recorrente imputa-lhe eficácia real, que suporta no facto de o pacto social em que se integra a cláusula de preferência ter sido objeto de registo. Em sede de recurso acrescenta que na contestação os réus não colocaram em causa a eficácia real da cláusula estatutária e que como tal se impõe considerar por eles confessada. Na senda dos fundamentos da sentença recorrida os recorridos imputam-lhe natureza meramente obrigacional com fundamento na ausência de declaração expressa de atribuição de eficácia real à referida cláusula, nos termos dos arts. 421º e 413º do CC, e mais recusam valor de confissão à respetiva contestação.
1.–Da invocada confissão da eficácia real da cláusula de preferência
Revertendo aos fundamentos do recurso, defende a recorrente que na contestação os réus não colocaram em causa a eficácia real da cláusula estatutária e que, ao ter decidido que a cláusula estatutária de preferência não tem eficácia real, a sentença recorrida violou a força confessória da aceitação por parte dos Réus da eficácia real da cláusula estatutária de preferência prevista pelo art. 358º, nº 1 do Código Civil.
Falha razão à recorrente no pressuposto e em qualquer um dos segmentos do que alega.
Em primeiro lugar, não é razoável afirmar, nem o teor da defesa aduzida na contestação permite concluir, que por esta os réus aceitaram a eficácia real que a autora reclama para a cláusula de preferência em questão. Aceitação que não se extrai do facto de os réus terem procurado obter a (imediata) absolvição do pedido através da arguição da caducidade e da preclusão do direito de a autora exercer o direito de preferência com fundamento nos requisitos do prazo e do depósito do preço previstos pelo art. 1410º do Código Civil, norma que a autora invocou em sede de fundamentação do direito de ação (art. 67º da petição). Na tese peregrina que a autora defende, à improcedência da defesa por exceção corresponderia então a aceitação dos fundamentos da ação e, assim, à procedência da mesma, o que é manifestamente desprovido de suporte jurídico, processual ou material. De resto, seja por exceção seja por impugnação, todo o alegado na contestação mais não consubstancia do que o exercício legítimo da defesa e de manifesta oposição ao direito de preferência a que a autora se arroga que, além do mais, nos arts. 54º[3] e 73º[4] daquela peça os recorrentes expressamente alegaram não existir.
Por outro lado, à ausência de impugnação dos factos que constituem a causa de pedir – especificada ou considerada no conjunto da defesa – a lei faz corresponder admissão dos factos por acordo que, como tal, impõe sejam dados por assentes na sentença nos termos dos arts. 574º do CPC e 607º, nº 4 enquanto efeito processual legal corolário dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação independentemente de qualquer prova, convicção ou demonstração da realidade do facto. Efeito, por omissão, que não se confunde com a confissão, por declaração, prevista e regulada nos arts. 352º a 361º do Código Civil, que constitui uma modalidade ou meio de prova que, como tal, tem por função demonstrar a realidade dos factos (cfr. art. 341º do CC e 410º do CPC), função que é prescindida no efeito legal da admissão dos factos por ausência de impugnação.
Finalmente, independentemente da aludida distinção, que aqui não releva justificar, é pacífico que quer a admissão por acordo quer a confissão incidem sobre factos e não sobre matéria de direito, e que o direito não pode ser objeto de prova, cabendo ao juiz proceder à sua determinação, interpretação e aplicação (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC). Nas palavras de Alberto dos Reis «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.” Ainda que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos que integram a causa de pedir se qualifiquem como factos jurídicos - na medida em que só relevam enquanto concretizam elementos das normas aplicáveis ao caso -, nem por isso se confundem com os efeitos jurídicos que deles se impõe extrair e que ao tribunal cumpre declarar em função do resultado da aplicação do direito aos factos.
Assim, não sendo passível de admissão por acordo ou de confissão, a eficácia real da cláusula de preferência inserida no pacto social da sociedade ré constitui efeito jurídico que, se for o caso, cumpre reconhecer judicialmente em função da aplicação das normas legais - e da interpretação que o julgador delas faça - aos factos relevantes já assentes por documento; no caso, o teor da cláusula e a inscrição do pacto social no registo.

2.–Da invocada eficácia real da cláusula de preferência
2.1.- Ancorada em doutrina reconhecida avalizada, na qual se inclui o douto parecer que juntou, aos fundamentos da sentença recorrida a recorrente opõe, em síntese, que as cláusulas de preferência estatutárias têm natureza societária e não se confundem com os pactos de preferência externos ao pacto social; que pela sua natureza (social) são mais próximas das preferências legais do que das preferências convencionais; que a finalidade (social) por elas visada (proteção da sociedade de perturbações causada pela entrada de estranhos) só é assegurada se forem oponíveis aos cessionários ‘irregulares’; que a eficácia das cláusulas de preferência estatutárias deve ser analisada à luz do direito das sociedades e não do regime jurídico do Código Civil previsto pelo art. 421º e concebido para os pactos de preferência. Com esses fundamentos conclui pela eficácia real como efeito conatural das cláusulas estatutárias de preferência.
Apreciando dir-se-á antes de mais que a apreciação de qualquer litígio impõe a determinação das normas legais que o mesmo convoca.
No caso a discussão move-se no âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre sócios e por causa dessa qualidade pelo que, por princípio, a sua apreciação convoca a aplicação do Código das Sociedades Comerciais (CSC[5]). Percorrido o CSC, as únicas referências ao direito de preferência na transmissão de participação social constam previstas: a propósito da transmissão coerciva no âmbito de execução instaurada contra o sócio titular - nos termos do art. 183º, nº 5[6] no âmbito das sociedades em nome coletivo, e nos termos do art. 239º, nº 5[7] no âmbito das sociedades por quotas; e a propósito das limitações à transmissão de ações, previsto no âmbito das sociedades anónimas pelo art. 328º nº 2 nos seguintes termos: O contrato de sociedade pode: (…) b) Estabelecer um direito de preferência dos outros accionistas e as condições do respectivo exercício, no caso de alienação de acções nominativas.
Destas normas o que desde logo resulta é que relativamente às sociedades em nome coletivo e por quotas a lei distingue entre transmissão voluntária e transmissão coerciva para reservar ou restringir a previsão legal do direito de preferência dos sócios e/ou da sociedade na transmissão de participação social à venda coerciva (no âmbito de execução singular ou universal instaurada contra sócio de sociedade). Mais resulta que não há restrição legal a que no pacto social seja estabelecido direito de preferência a favor dos sócios ou da sociedade na transmissão, a qualquer título, da participação social; que essa previsão e regulação estatutária do direito de preferência na transmissão voluntária de quota social cai no âmbito da autonomia da vontade privada que o art. 405º do Código Civil consagra [d]entro dos limites da lei; e, no que aqui releva, que o CSC não prevê os requisitos, as condições de exercício, nem sequer os efeitos da cláusula de preferência estatutária sobre terceiros (os cessionários que a recorrente qualifica de ‘irregulares’); e que, por isso, a apreciação judicial das questões emergentes da cláusula de preferência impõe o recurso ao direito subsidiário previsto pelo art. 2º do CSC, nos termos do qual Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptado.
Ora, do antes exposto temos como demonstrada a ausência de casos análogos previstos pelo CSC por não se nos afigurar juridicamente coerente considerar como ‘análogo’ o direito de preferência legalmente previsto para a transmissão da quota em sede de execução. Em primeiro lugar, porque o art. 9º, nº 2[8] e 3[9] do CC não abona a tese defendida pela recorrente na medida em que, se essa fosse a vontade do legislador - estender o direito de preferência legal às transmissões voluntárias -, através de uma regra geral ou não discriminativa facilmente poderia prever o direito de preferência dos sócios em todas as situações de transmissão de partes ou quotas sociais, sendo que optou por restringir esse direito à venda coerciva e a natureza óbvia das coisas não permite colocar a hipótese de que assim fez por não ter equacionado a possibilidade de as participações sociais serem objeto de transmissões voluntárias. Tal restrição corresponde a opção do legislador, que ao julgador, aplicador do direito, não é lícito sindicar e alterar por discordar da bondade dessa solução[10]. Em segundo lugar, à parte o efeito translativo, o circunstancialismo da venda coerciva não se equipara à venda voluntária, desde logo, na iniciativa e vontade do respetivo titular em ceder ou não ceder a sua quota, na medida em que fica sujeito à conversão da sua quota em dinheiro para dar satisfação aos respetivos credores[11], sujeição legal que torna inoperante o consentimento da sociedade previsto pelo art. 228º, nº 1 do CSC como requisito de eficácia da cessão de quotas, conforme expressamente se prevê no nº 2 do art. 239º, a justificar, neste caso – o único contemplado pelo legislador -, a tutela legal da sociedade por outra vias – direito de preferência legal dos sócios e, sucessivamente, da sociedade, que, tal como aquele, também se apresenta com caráter supletivo (se o contrato de sociedade não atribuir à sociedade o direito de amortizar a quota penhorada ou, prevendo-o, não exerça essa faculdade, cfr. nº 2 do art. 239º do CSC).
Por referência ao regime legal do contrato de sociedade, a transmissão de quotas a terceiros limita-se a exigir o consentimento de todos os sócios e a forma exigida para a transmissão dos bens da sociedade (art. 995º do CC). Nada se prevê sobre cláusulas e direitos de preferência, pelo que a sua regulação “dentro dos limites da lei” que, nos termos do art. 405º do CC, limitam a liberdade e autonomia privadas, convoca o regime geral dos pactos de preferência previsto nos arts. 414º e ss. do Código Civil aos quais, pela sua origem contratual, o pacto social mais se aproxima. Com efeito, antes de ser estatuto societário é um contrato que, por natureza, só pela vontade de todos os que nele outorgam é celebrado, sendo que o é nos termos e com o conteúdo que, dentro dos limites da lei, lhe entendam conferir, numa verdadeira manifestação daqueles princípios. 
Com isto concluímos que a preferência estipulada nos estatutos segue o regime geral da lei civil[12].
2.2.- À parte a natural referência a ‘convenção’ que integra a definição legal do pacto de preferência prevista no art. 414º do CC, os demais elementos do direito de preferência convencional são comuns ao direito de preferência legal: existe um sujeito que tem o direito de preferir a qualquer outra pessoa na celebração de determinado negócio se e quando o obrigado à preferência se propuser e prestar à sua celebração; e existe outro sujeito que fica obrigado a dar essa preferência. Para o preferente gera uma faculdade, de celebrar ou de não celebrar o contrato; para o obrigado à preferência não gera a obrigação de celebrar o negócio, que se mantém na sua disponibilidade, mas apenas a obrigação de dar preferência ao preferente caso decida pela sua celebração.
Para além das especificidades de forma e de prazos que as partes têm a liberdade de estabelecer para o exercício do direito de preferência convencional, a essencial divergência ocorre em sede de incumprimento da obrigação de preferência: tratando-se de direito legal de preferência, o seu titular tem a faculdade de o exercer judicialmente através da instauração da ação (de preferência) prevista pelo art. 1410º do Código Civil, pedindo a sua colocação na posição jurídica ocupada por terceiro no negócio celebrado através de sentença judicial que o declare; tratando-se de direito de preferência convencional, ao preferente assiste apenas o direito de responsabilizar o obrigado à preferência, exceto se gozar de eficácia real nos termos previstos pelo já citado art. 421º do CC que, tal como sucede no direito de preferência legal, lhe confere o direito a exercer judicialmente o direito de preferência.
A questão em discussão – da natureza real ou obrigacional da cláusula estatutária de preferência ou da sua (in)oponibilidade a terceiros – remete assim para o art. 421º do Código Civil, norma que precisamente prevê a possibilidade de as partes atribuírem eficácia real ao direito de preferência convencional (por oposição aos direitos de preferência especificamente previstos na lei), remetendo para o art. 413º do CC a definição dos requisitos de forma e de publicidade de que depende o seu reconhecimento. A saber: formalização do pacto de preferência por escritura publica, por documento autenticado ou, quando a lei não exija essa forma para a transmissão do objeto da preferência, por documento particular com reconhecimento de assinatura dos outorgantes; declaração expressa das partes a atribuir eficácia real ao pacto de preferência; e inscrição do facto preferência no registo. 
2.3.- Não está em causa, nem os recorridos suscitaram, a questão da forma legalmente exigida pelo art. 413º do CC já que o contrato de sociedade da ré foi celebrado com respeito pela forma legal prevista pelo art. 7º do CSC, por documento particular com reconhecimento de assinaturas dos outorgantes.
A questão coloca-se pela ausência de declaração expressa das partes a atribuir eficácia real à cláusula de preferência já que, conforme doutrina contemporânea ao diploma legal de 1986 que aditou este requisito aos demais que já constavam do art. 413º do CC, “[e]xclui-se, portanto, a possibilidade de uma declaração tácita (cfr. o art. 217º, nº 1), mesmo que os factos reveladores da vontade das partes constem do documento exigido no nº 2.[13]  
Na tese da recorrente e do douto parecer que junta, esta exigência ou requisito legal constitui uma ‘não questão’ por força da ‘aproximação’ da preferência estatutária a uma preferência legal que defendem; aproximação que, no efeito - real – que é pretendido ver reconhecido, redundaria em verdadeira transposição do regime legal previsto pelo art. 1410º do Código Civil para uma realidade por ele não prevista, e sem uma norma legal que para ele remeta, como sucede na regulação dos direitos de preferência legais[14].
A aplicação de uma norma ou figura jurídica a uma realidade por ela não prevista só encontra fundamento jurídico na aplicação por analogia. Sob a epigrafe Integração das lacunas da lei prevê-se no art. 10º do CC: 1.- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.//2.- Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.//3.- Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. A analogia consiste na aplicação a uma situação de facto de regulamentação jurídica prevista para outra não regulada pela lei mas que, por serem juridicamente semelhantes, justifica a intervenção ‘criadora’ do julgador no sentido de regular uma situação nos termos em que o legislador o teria feito se a tivesse previsto, por referência aos fundamentos materiais da regulação que uma dada norma prevê. A aplicação analógica da lei justifica-se e é orientada e delimitada por princípios de coerência normativa e de justiça relativa emergentes do princípio maior da igualdade/semelhança jurídica dos factos: factos de igual natureza devem ter igual tratamento jurídico.
A aplicação analógica da lei pressupõe antes de mais que a situação a dirimir não é regulada por outro normativo, e que a situação para a qual é reclamada encontra paralelismo com situação juridicamente semelhante regulada pelo ordenamento jurídico. No caso pressuporia ausência, por omissão involuntária do legislador, de norma ou regime legal que defina a natureza da eficácia jurídica de cláusula de preferência (na transmissão da quota) prevista no pacto social, pressuposto que não se reconhece.
Reportando aos argumentos aduzidos em defesa desta ‘aproximação’/equiparação, sem dúvida: que a cláusula de preferência estatutária, como qualquer outra cláusula que integre o pacto social, tem inevitável natureza societária na medida em que “é conteúdo próprio dos estatutos da sociedade, dispõe sobre interesses, organização e funcionamento societários[15], e só pode ser alterada ou suprimida nos termos em que o próprio CSC admita a sua alteração que, considerando a compressão do direito de preferência sobre o poder de disposição do titular da quota[16], se nos afigura ser nos mesmos termos em que é celebrado o pacto social, isto é, por acordo de todos os sócios nos termos do art. 229º, nº 4; que a cláusula de preferência estatutária não se confunde com os pactos de preferência externos[17] ao pacto social na medida em que estes apenas vinculam os sócios que os celebram e se extinguem quando estes perdem tal qualidade, ao passo que aquelas perduram e vinculam quem quer que a cada momento seja investido na qualidade de sócio; que, por referência à referida natureza societária e aos interesses por elas visados tutelar, ao menos por princípio, a cláusula de preferência estatutária está para a ordenação jurídica da “propriedade corporativa - “para prosseguir finalidades de índole societária” -, como a preferência legal dos comproprietários está para a ordenação jurídica da propriedade e, nessa perspetiva, mais próxima das preferências legais do que das preferências convencionais; e que, por princípio, a proteção da sociedade que por ela seja visada só é assegurada se forem oponíveis aos cessionários ‘irregulares’[18]. Visão que, no essencial, pode dizer-se comum à doutrina mais avalizada na matéria; sem esgotar, Raúl Ventura[19], Soveral Martins[20], Calvão da Silva[21], Almeida Costa e Evaristo Mendes[22] e, como consta do parecer junto aos autos, Coutinho de Abreu.
Da aceitação e adesão a esses argumentos não decorrem nem resultam fundamentos que à luz do direito constituído permitam afirmar a eficácia real da cláusula de preferência estatutária como uma inevitabilidade jurídico-legal, à margem e independentemente da verificação dos pressupostos legais do art. 413º ex vi art. 421º do CC, como de resto é defendido por alguns dos autores acima citados. Assim, Raúl Ventura[23], mas também e ainda Soveral Martins, que primeiramente manifestou que “[p]ela nossa parte tendemos a aceitar a admissibilidade de cláusulas de preferência com eficácia real contidas no contrato de sociedade por quotas quanto à cessão de quotas, pelo menos quando fica clausulada expressamente essa eficácia real no próprio contrato de sociedade, que será registado.”[24]; posição que veio a mitigar pela aceitação de “uma convenção tácita a atribuir a eficácia real ao direito de preferência quanto à cessão de quotas[25] no pressuposto - que os elementos histórico e literal dos arts. 413º, nº 1 e 421º, nº 1 do CC não consentem[26] - de que esta ultima norma não exige ‘convenção expressa’, sendo certo que em todo o caso não prescinde de declaração no pacto que a atribua (ainda que tácita), o que afasta o seu posicionamento do reconhecimento da eficácia real como efeito conatural da preferência estatutária.
Nem os critérios legais da aplicação por analogia consentem que assim se afirme, nem o impõe o art. 423º do CC - na transmissão da quota por doação, em que não existe o elemento “tanto por tanto[27] pressuposto para a aquisição através do exercício da preferência, sempre se colocaria a questão da determinação da contrapartida a pagar pelo preferente, circunstância que, por princípio, suscita a sua regulação, o que, novamente, acentua a dimensão convencional da cláusula estatutária de preferência -, nem o impõe a reconhecida oponibilidade pela sociedade a terceiros dos factos societários objeto de registo prevista pelo art. 168º, nº 4 do CSC norma que, além do mais, serve a tutela de terceiros nas relações jurídicas destes com a sociedade (plano externo), e não, como aqui se trata, das relações jurídicas entre sócios, destes com a sociedade ou da sociedade em si mesma (plano interno). Acresce que a natureza da eficácia – real ou obrigacional – de qualquer negócio ou facto jurídico haverá de depender exclusivamente da verificação de requisitos objetivos, carecendo de suporte legal o seu reconhecimento num ou outro sentido em função das particulares qualidades ou condições do terceiro contra o qual se invoca; no caso, o facto de a cessionária das quotas ter sido gerente da sociedade quando muito e em abstrato poderia suscitar a sua eventual responsabilização pelo incumprimento da preferência por quem a ela estaria obrigado[28], mas nunca o reconhecimento de eficácia real ao direito violado.
Como se tem vindo a dizer, a cláusula de preferência estatutária tem a sua génese em negócios jurídicos que, sobretudo, são manifestação do exercício da liberdade de contratar e da autonomia na definição do seu conteúdo; precisamente, o oposto da natureza da preferência legal, que é imperativamente modelada pela lei e constitui “[u]ma derrogação excepcional do princípio da liberdade contratual. (…)//Por isso, nas situações mais delicadas e duvidosas, o clássico “favor rei” do “in dúbio…” deve ser concedido, não a quem invoca a “excepção” que um tal direito constitui, mas a quem se situa na “regra geral” da liberdade contratual e do direito de livre disposição (artigos 405º e 1305º do C.C.).[29] Neste contexto ‘gestacional’, na ausência de lei expressa em sentido contrário, a natureza da eficácia da cláusula estatutária de preferência encontra-se legalmente definida, e esgota-se no plano obrigacional. Como tal, tem como efeito conatural a eficácia obrigacional e não a eficácia real. Mas que lhe pode ser atribuída, novamente, no exercício da autonomia privada, se (todos) os sócios (fundadores ou não), assim o entenderem, cumprindo os requisitos para o efeito previstos e postos pelo legislador à sua disposição.[30] [31] Nas palavras de Raúl Ventura,a realização dos objectivos prosseguidos (sociais e particulares) consegue-se, em geral, através de «mecanismos próprios do direito civil» e, referindo-se à eficácia real, “depende de estipulação acessória ou específica, nos termos dos artigos 421º e 413º do CC[32]
O que tudo se concilia com o princípio do numerus clausus dos direitos reais sedimentado[33] no art. 1306º do CC – a constituição, com caráter real, de restrições ao direito de propriedade, só é permitida nas condições previstas na lei; fora dos quadros previstos na lei, apenas subsistem direitos de natureza obrigacional, com eficácia relativa entre os sujeitos ativo e passivo da relação. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[34], “A letra e o espírito o nº 1 afastam inequivocamente a possibilidade de se admitirem, por integração analógica, figuras que não tenham regulamentação legal[35].Vigora o princípio da tipicidade dos direitos reais, princípio que [v]ale não apenas quanto às figuras dos direitos reais, como em relação aos negócios através dos quais se pode operar a sua constituição ou transferência.[36] Assim, se a lei prevê que determinado tipo de direito real nasce da iniciativa e autonomia privadas, a sua existência, reconhecimento e eficácia na ordem jurídica como tal impõe que derive de negócio jurídico (típico ou inominado) que cumpra as condições prescritas na lei. A constituição de direito real à margem do encontro de declarações negociais nesse sentido, impõe que exista norma legal expressa nesse sentido. Nas palavras de Oliveira Ascensão, [o] princípio da tipicidade não implica qualquer limitação do legislador. Este tem sempre as mãos livres para criar novos direitos reais. Apenas parece exigir, por aplicação dos princípios gerais sobre legiferação, que essa criação se faça através de lei em sentido formal[37]. Com efeito, apesar das divergências interpretativas e críticas à redação conferida ao art. 1306º do CC, imputando-lhe uma excessiva preocupação de segurança, Oliveira de Ascensão manifestou que de iure constituendo seria preferível um sistema aberto dos direitos reais, mas que o direito constituído é aquele e que dele resulta a inadmissibilidade do uso da analogia para qualificar como real um direito, mesmo que venha previsto na lei, ou para lhe aplicar o regime real previsto a propósito de outro direito. O direito em causa tem de constar da norma como real – e se assim não acontecer nenhuma analogia o poderá fazer franquear a fronteira da tipicidade.[38] Mais reconhece que, a par com a coexistência da tipologia legal de direitos reais com a atipicidade dos respetivos factos constitutivos, a ausência de limitação da autonomia privada em matéria de negócios reais (desde que por qualquer forma contratual lícita) não impede “que por vezes os factos constitutivos de um determinado real também sejam tipificados”, e que a referência à ‘constituição’ no art. 1306º, nº 1 do CC tem a virtualidade de “demonstrar que a lei teve primacialmente em vista a actuação dos particulares”, o que é confirmado pela imputação de natureza obrigacional a toda a restrição ao direito de propriedade que resulte de negócio jurídico que não esteja ou cumpra as condições normativas legalmente previstas e que, por isso, não é suscetível de desencadear a sua aplicação.[39]
Assim, “]h]avendo tipicidade normativa, não há lugar à analogia. Com efeito, a analogia pressupõe sempre uma situação carecida de regulação mas que, concretamente, não esteja regulada (caso omisso). Ora havendo numerus clausus, qualquer realidade que não tenha norma aplicável não é relevante, para o sector considerado: não tem nem devia ter.”//(…)//Perante uma tipicidade normativa, o ordenamento está, implícita mas eficazmente, a retirar ao juiz a capacidade para compor novas normas de decisão ou para enquadrar situações praeter legem: essa será, apenas, uma tarefa do legislador.”[40] Com igual alcance, Elsa Sequeira Santos: «Entendemos, assim, que a existência da tipicidade não tem qualquer consequência a nível do recurso à analogia na descoberta de novos tipos reais, de entre os direitos que o legislador apresenta. […] A liberdade de qualificação pelo intérprete de figuras como reais reporta-se apenas às figuras resultantes da lei, não às nascidas de negócio jurídico. Quanto a estas, apenas pode o intérprete ajuizar da sua correspondência a um dos direitos reais tipificados»[41].
Termos em que se confirma o acerto da decisão recorrida no afastamento da ‘aproximação’ da cláusula de preferência estatutária a preferência legal para fundamentar a eficácia real pressuposta pelo recurso à ação do art. 1410º do CC, e, por referência aos pressupostos previstos pelos arts. 421º e 413º do CC, ao considerar a ausência de declaração expressa de atribuição de eficácia real à cláusula de preferência que integra os estatutos da sociedade ré.
2.4.- Mais se confirma a não verificação da publicidade assegurada pelo registo que, como o tribunal recorrido concluiu, não é cumprido pela inscrição/matrícula do contrato de sociedade no registo enquanto requisito constitutivo da sociedade nos termos e para os efeitos dos arts. 3º, nº 1, al. a) do Código do Registo Predial (CRC) e 5º do CSC. Isso mesmo o comprova o objeto dos pedidos de registo que a sociedade ré formulou com a apresentação do contrato de sociedade - circunscrito à constituição da sociedade ré e à designação dos membros dos respetivos órgãos sociais, sem qualquer menção à cláusula de preferência -, bem como o teor dos registos que em cumprimento dos mesmos foram realizados: para além das menções obrigatórias atinentes com o capital, sede, quotas e identificação dos sócios, aqueles factos – constituição da sociedade e designação de órgãos sociais - correspondem aos únicos extratados e inscritos na ficha comercial da sociedade ré e, assim, aos únicos que do teor do contrato ficam acessíveis e passíveis de conhecer pela consulta da certidão comercial da sociedade ré, cujo teor se presume corresponder à situação jurídica da sociedade e das participações sociais representativas do respetivo capital.  
Com efeito, o contrato de sociedade e o pacto de preferência constam respetivamente previstos nas als. a) e d) do nº 1 do art. 3º do CRC como factos sujeitos a registo obrigatório, e não colhe invocar a natureza societária e a circunstância de aquele pacto integrar o contrato de sociedade para o excluir da alçada da al. d). Como acima se disse, antes de a cláusula de preferência, assim como o contrato de sociedade, se assumirem interna e externamente com natureza societária subordinada ao regime do CSC, correspondem a encontro ou reunião e emissão de declarações negociais privadas e, como tal e até que seja objeto de registo, apresenta-se com as características, natureza e efeitos de um pacto/convenção/contrato, como decorre dos arts. 37º, 40º e 41º[42] do CRC.
De resto, as regras e procedimentos de registo não acolhem a unidade do registo da constituição da sociedade e do pacto/cláusula de preferência a que apela a tese da recorrente e a doutrina que invoca.
O registo comercial reconduz-se à publicitação da situação jurídica das entidades elencadas no art. 1º do Código de Registo Comercial (CRC) com o objetivo de garantir a segurança do comércio jurídico. Nesse desiderato, no essencial o registo comercial rege-se pelos princípios da instância ou do pedido (art. 28º CRC), da tipicidade dos factos objeto de registo (arts. 2º a 10º do CRC), da legalidade ou qualificação dos factos (art. 47º CRC), da prioridade (arts. 12º do CRC e 242º-C do CSC), da presunção da verdade ou da fé publica registal (art. 11º CRC), da eficácia do facto (art. 13º, nº 2) e da oponibilidade a terceiros (art. 14º, nº 1 do CRC e 168º, nº 2 e 4 do CSC).
Nos termos do art. 11º do CRC o princípio da fé registal é reservado ao registo comercial por transcrição e tem como pressuposto a exatidão e integralidade da publicitação do ato registado, fundamento da presunção, até prova em contrário, de que a situação jurídica que dele resulta existe nos termos por ele definidos ou descritos. Ou seja, ao registo corresponde uma realidade presuntiva da situação jurídica das entidades sujeitas a registo obrigatório, conferindo aos factos por ele inscritos, e nos termos em que o são, uma aparência de verdade e de validade cognoscível por todos os interessados, de que a realidade registal coincide com a realidade substancial. Assente no princípio da cognoscibilidade da realidade através do que consta inscrito descrito e publicitado no registo, ficciona-se que a aparência por ele criada corresponde à realidade, correspondendo esta à realidade juridicamente relevante, que inclui ficcionar que o que não consta do registo não existe. Da eficácia declarativa positiva (ou legitimadora) da publicidade (geradora de presunção de verdade) do registo decorre a oponibilidade a terceiros dos factos dele objeto, com a consequente vinculação das partes ou sujeitos do facto registado; nas relações com terceiros, vinculação aos termos em que o mesmo consta exarado no registo (sendo terceiro para efeitos de registo comercial aquele que é estranho ao facto sujeito a registo).
Os registos são efetuados por transcrição ou por depósito (art. 53ºA, nº 1 CRC). O registo por transcrição compreende a matrícula das entidades sujeitas a registo, bem como as inscrições, os averbamentos e as anotações (art. 55, nº 1 do CRC), e consiste na extratação dos elementos que definem a situação jurídica das entidades, constantes dos documentos apresentados (art. 53º-A, nº 2 e 63º), que são obrigatoriamente arquivados (art. 59º, nº 1 CRC), sendo que o registo definitivo pressupõe o controlo da legalidade e da verdade da ocorrência do facto jurídico sujeito a registo (cfr. art. 47º do CRC). Diversamente, o registo por depósito consiste no mero arquivamento dos documentos que titulam os factos sujeitos a registo e na menção do facto na ficha de registo e, porque estes não são objeto de controlo da legalidade, não dá aso a fé publica (cfr. art. 53º-A, nº 3 do CRC).
Nos termos dos arts. 53º-A, nº 1 e 62º a matrícula é objeto de registo por transcrição, simultâneo com a inscrição do contrato de sociedade, e destina-se à identificação da entidade sujeita a registo. O extrato da matrícula deve conter as menções discriminadas no art. 8º do Regulamento do Registo Comercial (RRC, aprovado por Portaria n.º 657-A/2006), em síntese, nomes, NIPC, sede, objeto social, capital, forma de obrigar, administração e respetivos mandatos, códigos CAE. O extrato da inscrição do contrato de sociedade deve conter a firma, sociedade, sede, objeto social, capital, as quotas ou o valor nominal, administração, fiscalização forma de obrigar a sociedade. Mais inclui o registo da nomeação dos gerentes feita no título constitutivo da pessoa coletiva, que não tem inscrição autónoma da inscrição do contrato, vigorando aqui a unidade de inscrição (art. 66º, nº 2 do RRC).
O pacto/cláusula de preferência é, mediante pedido, registado por depósito dos documentos que o titula, depósito que é mencionado na ficha de registo com indicação do facto a registar (cfr. art. 53º-A, nº 5, al. a) do CRC). Daqui resulta que o registo do pacto/cláusula de preferência é objeto de procedimento distinto e autónomo da matrícula e simultânea inscrição do contrato de sociedade e que, não sendo pedido, da ficha de registo da sociedade não fica a constar qualquer menção a pacto ou cláusula de preferência. Não constando da ficha do registo, também não consta da certidão comercial da sociedade que seja emitida a pedido de qualquer interessado para se inteirar da respetiva situação já que que os elementos que nela são reproduzidos são os registos realizados (todos ou os em vigor) e os pedidos de registo pendentes (cfr. art. 78º do RRC)[43].
Termos em que, para além de todo o exposto, sempre falharia o elemento registo para devida publicitação exigido para atribuição de eficácia real à cláusula de preferência prevista no pacto social da sociedade ré.

C)– Da condenação da recorrente como litigante de má fé
Notificada das contra-alegações a recorrente suscitou incidente de litigância de má fé e requereu a condenação dos recorridos no pagamento de multa não inferior a 10 UC´s e indemnização à recorrente em montante não inferior a €8.000,00.
Em fundamento alegou que nas contra-alegações os recorridos alteraram a verdade dos factos e omitiram factos relevantes que não podiam desconhecer, a saber, alegaram: que o tribunal deu como assente que em 30.10.2018 o recorrido Gi enviou carta registada com aviso de receção à recorrente para comunicação da cessão de quotas que pretendia fazer à recorrida Pl, sua filha, e que a recorrente a recebeu, sendo que a referida carta foi objeto de arguição de falsidade pela recorrente, não contestada pelos recorridos; e que na petição inicial a recorrente invocou crédito que já tinha sido liquidado pelo recorrido, quando essa liquidação ocorreu apenas em 2021.
De harmonia com o disposto no art. 542º, nº 2, al. c) do CPC, Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)- Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)- Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)- Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)- Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má fé corresponde a conduta processual ilícita por assunção de condutas ou uso indevido de procedimentos judiciais, abrange condutas praticadas com dolo ou negligência grave, e pressupõe a responsabilidade subjetiva da parte, isto é, um juízo de culpa. Coloca-se em duas vertentes: a má fé material ou substancial, que respeita ao conteúdo da relação jurídica material e ao mérito da causa, à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. a) e b), e a má fé instrumental, que concerne à relação jurídica processual, e à qual reportam os fundamentos previstos pelas als. c) e d).
A tutela do instituto da litigância de má fé incide sobre a atuação processual da parte, isto é, sobre atos praticados ou omitidos no processo. Nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta, e L. Sousa (com subl. nosso), “Através da litigância de má-fé, a lei sanciona a instrumentalização do direito processual em diversas vertentes, quer ela se apresente como uma forma de conseguir um objetivo considerado ilegítimo pelo direito substantivo, quer ainda como forma de emperrar ainda mais a máquina judiciária, com a colocação de obstáculos ou com a promoção de expedientes meramente dilatórios.[44]
Na base da má fé está um requisito essencial: a consciente e, por isso, censurável ausência de razão ou desconformidade do procedimento/atuação adotada com a lei (processual e/ou material) e que, na sua forma mais empírica, ocorre quando se tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.[45]
Atentando nos fundamentos do incidente, contrariamente ao que a recorrente alega, os recorridos não alegaram que na petição inicial a recorrente se arrogou a crédito sobre o recorrido Giannino que já tinha sido liquidado, mas sim que esse pagamento foi realizado em 03.09.2021, portanto, posteriormente à instauração da ação, sendo que o demais alegado na contestação a respeito do referido crédito respeita à discussão sobre o respetivo montante, questão de facto que, de resto, sequer é abordada em sede de contra-alegações, nada vindo alegado a esse respeito (nem razões para tanto considerando que na sequência da aceitação do alegado pagamento pela recorrente foi declarada extinta a instância quanto ao pedido de compensação deduzido pela recorrente sobre os recorridos com fundamento no aludido crédito).
O que demais vem alegado pela recorrente não corresponde senão à alegação da respetiva versão dos factos quanto ao alegado cumprimento da preferência pelo recorrido Gi, versão que é contrária à que, nessa matéria, foi alegada pela recorrente na petição inicial, sendo que esta atividade não faz pender a verdade dos factos para o lado da recorrente, nem permite imputar aos recorridos uma qualquer desconformidade do por eles alegado com a realidade por eles conhecida uma vez que os autos não prosseguiram para instrução. A atividade processual desenvolvida nos autos e pelos recorridos apenas permite constatar versões distintas sobre a mesma questão de facto, o que, por si só, não implica conduta suscetível de enquadrar a má fé pressuposta pelo instituto sanção em apreço.
Sem necessidade de outras considerações, por desnecessárias, conclui-se que destes autos de recurso não resulta que a recorrente alterou a verdade dos factos por ela conhecida nem outra conduta suscetível de enquadrar na litigância de má fé.

VI–Das custas
Nos termos dos arts. 527º, nº 1 e 539º, nº 1 do CPC e 7º, nº 2 e 4 do RCP, cabe proferir condenação da recorrente nas custas do recurso determinada pelo seu decaimento em ambas as instâncias, e, bem assim, do incidente de litigância de má fé.

VII–DECISÃO:

Por todo o exposto, os juízes desta secção acordam em:
Julgar a apelação improcedente, com consequente manutenção da sentença recorrida.
Julgar o incidente de litigância de má fé improcedente, com consequente absolvição dos recorridos.

Vencida na ação, na apelação, e no incidente de litigância de má fé, as custas são a cargo da recorrente, com taxa de justiça de uma UC pelo incidente.



Lisboa, 28.11.2023



Amélia Sofia Rebelo
Pedro Brighton
Fátima Reis Silva



[1]Cfr. arts. 5º, 18º, nº 5 e 166º do CSC e art. 3º, nº 1 al. a) e 45º do Código Registo Comercial (CRC).
[2]Cfr. arts. 53.º-A, nºs 1 e 3, 57.º, 59.º, n.º 2 do CRC
[3]Assim sendo, jamais poderia considerar-se um negócio passível do exercício do direito de preferência (a existir…) por parte de qualquer outro sócio.
[4]Embora, evidentemente, nunca tenha tido tal direito.
[5]Diploma a que reportam as normas aqui indicadas sem referência a diploma legal.
[6]Sob a epígrafe Execução sobre a parte do sócio estabelece que Na venda ou adjudicação dos direitos referidos no número anterior gozam do direito de preferência os outros sócios e, quando mais de um o desejar exercer, ser-lhe-ão atribuídos na proporção do valor das respectivas partes sociais.
[7]Sob a epígrafe Execução da quota estabelece que Na venda ou na adjudicação judicial terão preferência em primeiro lugar os sócios e, depois, a sociedade ou uma pessoa por esta designada. No nº 4 mais se prevê que O direito de preferência conferido por este artigo só pode ser limitado ou suprimido em conformidade com o disposto no artigo 460.º
[8]Estabelece que Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
[9]Estabelece que Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
[10]Sem prejuízo da aferição da constitucionalidade da norma, que a sua natureza e efeitos não suscita.
[11]E sem que goze da faculdade de sindicar ou ‘escolher’ o comprador.
[12]Nesse sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Almedina, 2ª ed. p. 236.
[13]Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª ed. revista e atualizada com a colaboração de M Henrique Mesquita, p. 388.
[14]Assim com os direitos de preferência do arrendatário previsto pelo art. 1091º do CC, do proprietário confinante previsto pelo art. 1380º do CC, do proprietário do solo previsto pelo art. 1535º, do proprietário de prédio encravado previsto pelo art. 1555º, do herdeiro (na venda de quinhão hereditário) previsto pelo art. 2130º, cujas normas preveem a aplicação do art. 1410º (e dos arts. 416º a 418) do CC.
[15]Coutinho de Abreu, Parecer junto pela recorrente.
[16]Condicionado desde logo pelo procedimento destinado ao cumprimento da obrigação de dar preferência e, sendo exercida a faculdade que esta concede ao seu titular, pela ausência de liberdade de celebração do contrato com contraparte por si captada ou selecionada.
[17]Ou, ainda que formalmente inseridos no pacto social, reportem expressamente a uma ou mais quotas em concreto, ou a um ou mais sócios em particular.
[18]Expressão empregue pela recorrente para referir os cessionários não titulares de direito de preferência.
[19]“Sociedade por Quotas”, vol. I, p. 613.
[20]“Cessão de Quotas, Alguns Problemas”, Almedina, 2007, p. 72 e ss. e CSC em Comentário, Coordenação de Coutinho de Abreu, Vol. III, p. 509-510.
[21]“Âmbito de aplicação e eficácia real de cláusula estatutária de preferência”, em Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 143º, novembro-dezembro de 2013, pp. 106 e ss. - anotação ao acórdão do STJ de 12.09.2013, no qual se entendeu que “do disposto nos artigos 421º e 413º surge cristalino que não basta convencionar o direito de preferência, é ainda necessário convencionar que tal direito tem eficácia real.”, aduzindo, entre outros fundamentos, que “não é (…) correcto afirmar-se que a cláusula ficaria esvaziada de conteúdo se não lhe fosse atribuída eficácia real.” porque  “levaria a retirar qualquer conteúdo à preferência com eficácia meramente obrigacional.
[22]Em “Preferências estatutárias na cessão de quotas. Algumas questões”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 140.º, n.º 3964, pág. 15 e 16.
[23]Ob. cit., p. 614 e em “Cessão de Quotas”, p. 73.
[24]Ob. cit., p. 74.
[25]CSC em Comentário, Coordenação de Coutinho de Abreu, Vol. III, p. 511.
[26]Através da alteração da redação dada pelo Dec. Lei nº 379/86 de 11.11 ao art. 421º o legislador pretendeu harmonizar os requisitos da eficácia real do pacto de preferência com os requisitos da eficácia real da promessa prevista no art. 413º do CC que, dúvida não há, exige declaração expressa dos outorgantes.
[27]Expressão utilizada por Soveral Martins em anotação ao art. 229º do CSC a respeito das cláusulas de preferência, em CSC em Comentário, Coordenação de Coutinho de Abreu, Vol. III, p. 508.
[28]Com fundamento no instituto geral do abuso de direito ou na doutrina do efeito externo das obrigações,
[29]Américo Joaquim Marcelino, Da Preferência, Livraria Petrony, Ldª, 1996, p. 11.
[30]Nesse sentido, Pedro Pais de Vasconcelos (ob. cit.): “Pode ser-lhe convencionada com eficácia meramente obrigacional ou com eficácia real. (…). Se forem respeitados os requisitos do artigo 421º do Código Civil, à preferência pode ser atribuída eficácia real.”
[31]No mesmo sentido, acórdão da RE de 26.05.2022.
[32]Ob. cit.
[33]Não cabe aqui fazer referência à discussão doutrinária personalizada por Oliveira Ascenção e Antunes Varela sobre a correspondência da letra da lei com o âmbito que para a mesma era ou deveria ter sido pretendido (vd. Oliveira de Ascenção em “Direito Civil, Reais”, Coimbra Editora, 5ª ed. revista e ampliada, pp. 153 e ss., e Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art. 1306º, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed. revista e atualizada, pp. 96 e ss.).
[34]Ob. cit.
[35]Na jurisprudência, entre outros, acórdão do STJ de 27.09.2011, revista nº 360/005.7TBODM.E1.S1, disponível na página da dgsi.
[36]Henrique Mesquita, em Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra, 1967, p. 49.
[37]Direito Civil, Reais, Coimbra Editora, 5ª ed., p. 161.
[38]Ob. cit., p. 287.
[39]Ob. cit., pp. 286-287.
[40]Menezes Cordeiro, “A tipicidade dos direitos reais”, em Revista de Direito Civil, Ano XI (2021), nº 3/4, p. 513
[41]“Analogia e Tipicidade em Direitos Reais”, pág. 490, apud Henrique Sousa Antunes, em Revisitando o princípio da tipicidade dos direitos reais”.
[42]Normas que regulam as relações entre os sócios, entre a sociedade e terceiros, e a invalidade do contrato antes do seu registo do contrato, remetendo esta ultima para as disposições aplicáveis as negócios jurídicos nulos ou anuláveis.
[43]Relativamente às ações, o art. 328º, nº 4 do CSC mais exige a transcrição da cláusula de preferência no título ou nas contas de registo das ações.  
[44]CPC Anotado, I Vol., 2ª ed., p. 617.
[45]Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, páginas 355 a 358.