Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00012048 | ||
Relator: | LOUREIRO DA FONSECA | ||
Descritores: | CASAMENTO SIMULAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RL199304290070212 | ||
Data do Acordão: | 04/29/1993 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Recurso: | N | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR FAM. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART240 N1 ART1577 ART1635 D. | ||
Sumário: | Casamento simulado é aquele em que há falta absoluta de consenso, em que a vontade dos cônjuges não se dirige à criação do vínculo matrimonial com os correspondentes direitos e obrigações. | ||
Decisão Texto Integral: | Acórdam na Relação de Lisboa: (S) propôs acção ordinária contra (M), alegando em síntese que casaram civilmente na Conservatória de Vila do Porto em 19/04/91, mas tal acto foi simulado pois não tinham vontade séria de constituir a comunhão conjugal, e o único objectivo das partes era o de facilitar ao réu a sua emigração para o Canadá. Conclue pedindo a declaração de nulidade do referido casamento. Citado o réu, não contestou. No saneador-sentença foi a acção julgada improcedente. A autora apelou. Nas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: 1 - As partes conluiaram-se para fazer um casamento simulado. 2 - As partes não quiseram as consequências normais e legais do casamento. 3 - Por isto não houve convenção antenupcial, casamento religioso e a noiva ficou no Canadá, fazendo-se representar por procuradora. 4 - O casamento teve como única finalidade permitir a emigração do marido para o Canadá mediante a chamada da esposa. 5 - Os cônjuges nunca viveram como casados, cada um continuando na sua residência. 6 - A esposa, após o casamento, ainda enviou documentos para a Embaixada do Canadá em Lisboa para a emigração do marido, mas cedo se arrependeu e cancelou a chamada. 7 - O marido nunca procurou a esposa nem fez diligências para se lhe juntar. 8 - O casamento é uma mera aparência, sem qualquer realidade subjacente. 9 - O casamento era a maneira mais fácil e segura do marido emigrar para o Canadá. Não houve contra-alegações. Tudo visto, cumpre decidir: Nos termos do art. 1635, d) do Código Civil, o casamento é anulável por falta de vontade, quando tenha sido simulado. A questão fundamental suscitada no recurso consiste na interpretação da expressão "casamento simulado"? Para determinar o sentido dessa expressão, dever-se-á recorrer, como o fez a sentença, ao conceito expresso no art. 240, n. 1 do Código Civil, nos termos do qual "Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado"? E na verdade o art. 1577 do Código Civil define o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida. É portanto um contrato mas um contrato sui generis em que para a sua celebração é essencial que "cada um dos cônjuges queira a plena comunhão de vida com o outro como meio de constituir a família" - cfr. Direito de Família, pag. 169, do Prof. Antunes Varela. Ora, como refere o Prof. Varela, obr. citada, pag. 17, a interpretação da lei, "obriga a uma permanente reconstituição histórico-racional do conflito de interesses"... "subjacentes a cada norma, à inventariação das várias soluções teoricamente possíveis desse conflito e à descoberta das razões determinantes da opção real ou presuntivamente feita na lei". ... "Só através do constante processo dialéctico que a interpretação envolve entre a lei e a vida" ..." se torna possível a determinação do elemento capital da interpretação, que é a chamada ratio legis". A relevância da simulação como fundamento de anulação do casamento começou por não ser considerada admissível em razão da certeza e estabilidade do vínculo matrimonial, alicerçada numa relação orgânica destinada à tutela do interesse familiar, ao qual se deviam subordinar os interesses individuais das partes. Porém, com o advento da guerra de 1939-45 surgiram situações de tal forma críticas que muitas pessoas se serviram, como expediente, do casamento, para se livrarem dos perigos a que se achavam expostas ou para fugirem a providências ou perseguições, institucionalizadas pelos beligerantes, que os ameaçavam (caso de internamentos ou trabalho obrigatório). E então, a jurisprudência e a doutrina, perante tais situações de manifesto estado de necessidade, passaram a admitir que nestes casos o casamento era nulo por falta de consentimento em que o intuito simulatório era indubilitável. Daqui resultou uma orientação generalizada oposta áquela da irrelevância da simulação no casamento. Tal orientação encontra-se consagrada no art. 1635, d) do Código Civil. Considerando, assim, a razão de ser da lei, o sentido da expressão "casamento simulado" não pode ser outro que não seja aquele em que há falta absoluta de consenso, em que a vontade dos cônjuges não se dirigia à criação do vínculo matrimonial, com os correspondentes direitos e obrigações. Ou como refere o Prof. Varela, obr. citada, pag. 257, "a simulação no casamento consiste especialmente no acordo das partes em se não sujeitarem às obrigações e não exercitarem os direitos que, essencialmente, decorrem do matrimónio". Por conseguinte, deste conceito que se perfilha de "casamento simulado", não é elemento essencial o intuito de enganar terceiros. Pelo exposto, dando-se provimento ao recurso, revoga-se o saneador-sentença, devendo a acção prosseguir os seus termos. Custas a fixar a final; adiantando-ae agora a autora. Lisboa, 29 de Abril de 1993. |