Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9615/2008-6
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: INVENTÁRIO
CONTA BANCÁRIA
SOLIDARIEDADE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. É lícito a um dos interessados, co-titular de conta bancária solidária com o de cujus, proceder ao levantamento da totalidade do saldo cerca de cinco meses antes do óbito do de cujus.
2. Não existindo qualquer saldo à data do óbito do de cujus, a quantia que corresponderia à quota-parte do de cujus não tem de ser relacionada no inventário.
3. Apenas existirá um crédito da herança sobre o interessado que procedeu ao levantamento da totalidade do saldo se for alegado e provado que tal levantamento foi feito contra a vontade do de cujus, cabendo o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tal quantia.
4. Não é lícito o recurso a presunções naturais para determinar o destino das quantias levantadas, pois, nada tendo sido alegado a esse respeito, não existe qualquer base segura para alicerçar a presunção.
5.O conceito de «bens» para efeito de sonegação nos termos do artigo 2096º CC tem o mesmo alcance do que os bens que devem constar da relação de bens, não existindo fundamento legal ou material bastante para excluir os créditos.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
1.Relatório
Em processo de inventário a correr termos no Tribunal Judicial da Amadora, em que é inventariado M e cabeça-de-casal J, foi proferido, a fls. 355 e ss., despacho considerando que o conceito de sonegação subjacente ao artigo 2096º, nº 1, CC, apenas abrange activos corpóreos (bens) e não créditos, e ordenando o relacionamento como crédito da herança sobre o interessado M o equivalente a 1/3 das quantias levantadas cerca de cinco meses antes da morte do de cujus de uma conta solidária de que este era co-titular com o inventariado e com o interessado J, e condenou estes dois interessados como litigantes de má fé em € 1.500,00 cada.

Inconformados, agravaram a cabeça-de-casal, do segmento relativo à sonegação de bens, e os interessados M e J na parte relativa ao relacionamento do crédito e à condenação como litigantes de má fé.

A cabeça-de-casal apresentou alegações com as seguintes conclusões:
«1ª- O Tribunal "a quo" na parte recorrida do seu douto despacho, violou o art° 2096°, designadamente o seu n.° 1, do C. Civil;
2ª- Os interessados M e J, ocultaram, dolosamente, a existência dos bens que são os constantes dos documentos de fls. 218 a 224;
3ª- Em consequência, deverão os mesmos interessados ser sancionados nos termos do disposto no n.° 1 do art° 2096° do C.Civil, relativamente aos bens que sonegaram;
4ª - E, também, em consequência, deferida a pretensão da ora agravante consubstanciada designadamente, na alínea b) do seu requerimento de 10 de Janeiro de 2005, fls. 234 a 237, ou seja, que os ora agravados sejam sancionados nos termos do disposto no art° 2096° do C.Civil, relativamente aos bens que sonegaram, que são os constantes dos documentos de fls. 218 a 224, igualmente, com todas as legais consequências;
5ª – Deve, assim, este agravo ser julgado procedente e, consequentemente, revogado o douto despacho agravado, na parte ora em recurso».
E os interessados concluíram as suas alegações pela forma seguinte:
«1. A Decisão de relacionar como direito de crédito da herança quantia que esteve depositada em conta bancária conjunta de que eram titulares os Interessados Recorrentes e o Inventariado e que dessa conta foi levantada pelo Interessado M dos Santos Teixeira, em plena vida, seis meses antes da morte do Inventariado, é nula por violadora das regras da sucessão hereditária e designadamente o disposto nos artigos 2027.°, 2133.° e seguintes, 2156.° e seguintes, 2024.°, 2031°, 2069.°, 2050.°, todos do Código Civil e 1345.° e seguintes, do Código do Processo Civil.
2. Sendo igualmente nula a Decisão que ordenou que a Caixa Geral de Depósitos fornecesse extractos a abranger o período compreendido entre 01.01.2000 a 14.06.2001 da conta bancária em causa.
Até porque, para obter os extractos em causa, a Cabeça de Casal alega, falsamente, que as contas foram movimentadas pelos Recorrentes depois da morte do Inventariado (vidé Ponto 7, do Requerimento de fls. 29/30).
Porquanto, por um lado, nenhum fundamento apresentou a Cabeça de Casal que justificasse tal pedido e fornecimento (vidé Auto de fls. 21 e 22).

Por outro, porque não é legítimo, não é legal, obter elementos sobre movimentos bancários anteriores à data do óbito, e, em especial, é ilegal por se tratar de conta conjunta, portanto, conta que tinha outros co-titulares, violando-se, assim, o disposto nos artigos 78.° e 79.°, do Decreto-Lei n.° 298/92, no artigo 80.°, do Código Civil e no 26.° da Constituição da República Portuguesa.
3. A Decisão de relacionamento é nula e assim deve ser declarada, porque a conta bancária estava saldada desde 17.01.2001 após levantamentos efectuados por um dos titulares da conta, o Interessado M, sobrinho do Inventariado, sendo que o falecimento só ocorre seis meses depois, em 14.06.2001.
Tais movimentos, efectuados em 04.01.2001 e 17.01.2001, foram feitos dentro da solidariedade activa que caracteriza o tipo de conta bancária em causa e na plena liberdade e legitimidade que assiste aos contitulares, conforme é jurisprudência pacífica sobre a matéria (Acs. STJ de 25.02.1981, in BMJ, 304, 444 e de 19.06.1980, BMJ, 298/343 e Ac. RL de 03.06.1982, A.P.C., Col. Jurisp., Ano VII, T.3, p. 115).
4. Assim, a quantia reclamada e agora decidida relacionar como direito de crédito da herança, não integrava o património do falecido M à data da sua morte, por a conta bancária ter sido saldada em 17.01.2001 e isso era do conhecimento da Cabeça de Casal (fls. 22, 29, 30, 46, 47 e dos Autos fls. 214 a 224, documentos consignados no Despacho de que se recorre).
5. E, como resulta claro do disposto nos artigos 2031.° e 2050.°, do Código Civil e no artigo 1345.°, do Código do Processo Civil, a transmissão de bens dá-se no momento da morte, e os bens transmitidos são, obviamente, os que nessa data existiam. Sendo que a titularidade dos respectivos direitos tem de ser determinada à data da abertura da herança, ou seja, à data do falecimento do autor dela (artigos 2024.°, 2069.°, 2050.° e 2031.º).
6. E, sem mais, os Recorrentes, titulares da Conta 120, como se mostra assente, não têm que justificar ou explicar aos restantes Interessados os movimentos e as relações que detinham com o autor da herança, antes da morte deste.
7. Ou seja, a Cabeça de Casal e os restantes Interessados são totalmente alheios às relações existentes entre três conjuntamente titulares da conta bancária em causa e, por conseguinte, não têm legitimidade para requerer extractos de movimentos bancários, anteriores à data da morte.

Nem tinham legitimidade para requerer as informações que requereram, vidé fls. 46 e 47, já que a conta 120 é conjunta com os Interessados J e M, aqui Recorrentes.
8. E, consequentemente, não tem que ser relacionado qualquer direito de crédito da herança, respeitante a qualquer saldo que a conta em causa tivesse tido, fosse em que momento fosse, em data anterior à data da morte do Inventariado. E, no caso, estamos a falar de movimentos feitos seis meses antes e não no dia anterior!
9. Também não tem qualquer aplicação a incursão que a Decisão recorrida faz sobre a Colação. Porquanto, por um lado, como já referido, nada foi fundamentado, quer quanto ao relacionamento de qualquer quantia que tivesse existido seis meses antes do falecimento em conta bancária, quer sobre eventual doação dessa quantia. E, sempre se dirá que os Interessados Recorrentes não são descendentes do Inventariado, mas antes sobrinhos (vidé fls. 9, 10 e 11 e 21 e 22). Ou seja, no caso, não há descendentes nem ascendentes, nem cônjuge de entre os Interessados, mas tendo, aqui aplicação, o disposto no n.° 1, do artigo 2104.°, do Código Civil.
10. Face ao acima concluído, não pode deixar de se ter como igualmente nula a Decisão que condena os Recorrentes como litigantes de má-fé, por notória falta de fundamentação para tal sanção.
11. Na verdade, a fls. 153 limitaram-se a dizer que só eram titulares em conjunto com o falecido, da conta 0159076763400, aqui simplificadamente designada de 400. E, com isto quiseram apenas dizer que à data da morte do Inventariado, apenas eram titulares, com ele, daquela conta. O que é verdade, já que a conta 120 estava saldada (e legitimamente saldada) desde 17 de Janeiro de 2001.
12. Os Recorrentes não podiam dar outra resposta, pois, era e é seu entendimento que para os autos, só as contas que se encontravam em vigor à data do falecimento seriam relacionáveis. É o que se retira do disposto nos artigos 2024.°, 2031.°, 2032.°, 2033.°, 2050.° e 2069.°, todos do Código Civil e no artigo 1345.°, do Código do Processo Civil.
Só assim não sendo, se fossem carreados para os autos quaisquer fundamentos que levassem a presumir, com segurança, uma movimentação ilegal das contas bancárias de que o de cujus fizera parte. O que, manifestamente, nunca foi o caso. E, por isso, não podiam, nunca, ser condenados como litigantes de má-fé, pois limitaram-se a dizer a verdade, já que, à data de 14.06.2001 não eram titulares com o Inventariado, de qualquer outra conta bancária, para além da 400. Por outro lado, não movimentaram qualquer conta depois da morte do Inventariado.
13. Deveria, isso sim, ter sido proferida decisão a condenar a Cabeça de Casal por afirmar no seu Requerimento de fls. 29/30 que os Interessados, aqui Recorrentes, tinham movimentado as contas após a morte do Inventariado (vidé fls. 2 daquele Requerimento, seu ponto 7).
Termos em que, dando-se provimento ao presente Recurso e, em consequência, mandando substituir as Decisões Impugnadas por outras que determinem o não relacionamento da quantia em causa, por um lado, e o não sancionamento da actuação dos Recorrentes como litigantes de má-fé, por outro, se fará a costumada
JUSTIÇA!»

Não houve contra-alegações.

2. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- 1º agravo: se o conceito de sonegação subjacente ao artigo 2096º, nº 1, CC, apenas abrange activos corpóreos, e não créditos; e se os interessados M e J ocultaram bens da herança;
- 2º agravo: a) se deve ser relacionado como crédito da herança sobre o interessado M equivalente a 1/3 das quantias levantadas cerca de cinco meses antes da morte do de cujus de uma conta solidária de que este era co-titular com o inventariado e com o interessado J;
b) condenação dos interessados como litigantes de má fé, «atento o que disseram a fls. 153».

Começaremos pelo segundo agravo, por razões de ordem lógica, uma vez que a questão da sonegação está intimamente ligada à do relacionamento do crédito e à da litigância de má fé.

2.1. Do relacionamento como crédito da herança da quantia equivalente a 1/3 das quantias levantadas pelo interessado M, cerca de cinco meses antes da morte do de cujus de uma conta solidária de que este era co-titular com o inventariado e com o interessado J
São os seguintes os factos a considerar para apreciação desta questão:
1. A fls. 135 e 136 os interessados, na sequência de despacho de fls. 120, juntaram cópia de cadernetas bancárias relativas a quantias depositadas na Caixa.
2. A cabeça-de-casal pronunciou-se a fls. 148 dizendo, no que ao caso interessa, que a cópia apresentada não era fidedigna.
3. Na sequência, a fls. 153, vieram os interessados J e M dizer, designadamente:
- Só eram titulares em conjunto da conta n.° da C. com o falecido;
- Não se entende onde faltam as quantias de 26.000.000$00, 5.000.000$00 e 10.000.000$00, que quantias são estas e de que conta desapareceram pois não constam da conta de que os interessados eram titulares com o falecido, nem de qualquer documento de que os ora interessados tenham conhecimento.
4. Respondeu a cabeça-de-casal a fls. 162 dizendo que os interessados J e M eram titulares, juntamente com o inventariado, também da conta, que esta conta foi movimentada cinco meses antes do óbito, ficando saldada de depósitos que perfaziam o valor global de 41.000.000$00;
5. Por despacho de fls. 166, foi decidido se solicitasse à Caixa informação relativa aos titulares das contas n.°s (infra designadas abreviadamente conta 120 e conta 400), bem como extracto integral de cada uma destas desde a abertura até 14 de Junho de 2001.
6. Os interessados J e M a fls. 194 e seguintes juntaram cópia certificada da caderneta relativa à conta 400.
7. A fls. 214 a 224 e seguintes juntou a Caixa documentação relativa às contas 120 e 400, designadamente identificação dos respectivos titulares e extractos integrados e documentação relativa a movimentações.
8. Na sequência dos elementos bancários a fls. 214 a 224, o Mmº Juiz a quo considerou os seguintes factos:
- O Inventariado M e os interessados M e J eram titulares de duas contas bancárias na Caixa, uma à ordem (conta 400) e outra a prazo (conta 120);
- A conta 120 apresentava um saldo em 3-1-2001 de 41.000.000$00, tendo sido levantados 31.000.000$00 a 4/1, e 10.000.000$00 a 17/1, ficando saldada nessa data;
- A movimentação bancária foi efectuada pelo interessado Manuel dos Santos Teixeira e é desconhecido o destino dado a tais quantias.
9. O inventariado M faleceu a 14/6/2001.

Apreciando:
Antes de abordar a questão do relacionamento do alegado crédito sobre o interessado M, importa esclarecer que a movimentação da conta em causa ocorreu cerca de cinco – e não seis – meses antes do óbito do inventariado.
E que a nulidade da decisão que ordenou que a Caixa que fornecesse extractos da conta em causa no período compreendido entre 2000.01.01 e 2001.06.14 (conclusão 2ª) não pode ser apreciada neste recurso por ter transitado em julgado, em virtude de não ter sido oportunamente impugnada através do competente recurso (artigo 677º CPC).

Finalmente, a questão da colação é de todo irrelevante. Sendo certo que ninguém suscitou a questão, que não existem nos autos elementos que apontem para uma doação da quantia em causa, e que os interessados não são descendentes, mas sobrinhos do inventariado (cfr. artigo 2104º CC), nenhuma consequência extraiu o Mmº Juiz a quo dos considerandos que teceu a esse respeito. São absolutamente inócuos, em nada prejudicando os recorrentes.

Passando agora à questão do relacionamento de 1/3 das quantias levantadas pelo interessado Manuel dos Santos Teixeira cerca de cinco meses antes do óbito do inventariado, face à factualidade supra enunciada, ponderou o Mmº Juiz a quo que, nada tendo a cabeça-de-casal alegado relativamente à titularidade das quantias depositadas pelos contitulares interessados e pelo inventariado, e que tendo as quantias haviam sido levantadas da conta bancária em momento anterior ao óbito, tribunal teria que recorrer a presunções naturais e jurídicas.

Conclui que o saldo da conta bancária 120 não pode ser relacionado, como tal, pela simples razão que não existir à data do óbito, por ter sido saldada. E que poderia, eventualmente, ser titular de um direito de crédito relativo a quantias que haviam estado depositadas em conta de que era contitular.
Apelando ao regime estabelecido nos artigos 1403º, nº 2, CC, ex vi artigo 1404º CC, aplicável quando o direito em causa seja de natureza creditória, como é a hipótese do direito dos depositantes sobre o Banco precisamente no caso das contas bancárias conjuntas (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III - 2.ª ed., pgs. 350-351), conclui o Mmº Juiz a quo que, não tendo a cabeça de casal afastado a presunção e provado o contrário (que o dinheiro pertencia exclusivamente ao inventariado), apenas pode considera-se que este era titular de crédito sobre a entidade bancária equivalente a 1/3 das quantias depositadas.

Relativamente à movimentação efectuada antes da morte do inventariado, depois de discorrer que nada nos autos indicia tratar-se de doação, nem que o inventariado tenha dissipado tais quantias, e considerando que a quantia equivalente a 1 /3 (que integrava o património do falecido) foi levantada, com a totalidade da conta, meses antes do falecimento, pelo interessado Manuel, recorreu a presunções naturais para concluir que tais importâncias foram depositadas em conta pessoal do interessado (ou simplesmente por este despendidas).

Assim, considerando que, este direito, na falta de prova adicional, assenta em enriquecimento sem causa do património pessoal do interessado em detrimento do património hereditário, ordenou que se relacionasse como direito de crédito da herança sobre o interessado Manuel, o equivalente a 1/3 de €204.507,14, i.e. €68.169,05, adicionando frutos civis à taxa legal desde a data da movimentação até a da partilha.

É contra esta decisão que se insurgem os recorrentes.
O artigo 2024º CC define sucessão como o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das situações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.
E de acordo com o nº 1 do artigo 2025º CC que não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei, acrescentando o nº 2 que podem, porém, extinguir-se por morte do titular e por vontade deste os direitos disponíveis.

Nas palavras de Lopes Cardoso, Partilha Judiciais, Almedina, vol. I, pgs. 426-7, «no acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão».

E o momento a atender é o da abertura da sucessão, ou seja, da morte do seu autor (artigo 2031º CC).
Assim sendo, e como ponderou o Mmº Juiz a quo, estando saldada a conta bancária em causa, não pode ser relacionado qualquer crédito sobre a entidade bancária (saldo).

Resta determinar se a herança é titular de algum crédito sobre o interessado Manuel dos Santos Teixeira que, cerca de cinco meses antes da morte, procedeu ao levantamento da totalidade do saldo.

As contas bancárias podem ser singulares ou colectivas, consoante o número de titulares, e conjuntas ou solidárias, conforme o modo de movimentação.

Enquanto as contas conjuntas ou indivisas apenas podem ser movimentadas com a intervenção de todos os titulares, as denominadas contas solidárias podem ser movimentadas a débito por qualquer dos seus titulares. Como refere José Maria Pires, Direito Bancário, Rei dos Livros, vol. II, pg. 150, «qualquer dos co-titulares tem a faculdade de exigir do banco depositário o saldo por inteiro ou em parte; o cumprimento efectuado pelo banco a qualquer dos co-titulares libera-o perante os restantes».

É, aliás, o que decorre do artigo 512º, nº 1, CC: «a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles».

Como tem sido sustentado na doutrina e na jurisprudência, designadamente no acórdão do STJ, de 2005.10.11, Lucas Coelho, www.dgsi.pt.jstj, proc.04B1464, «a natureza solidária da conta releva apenas nas relações externas entre os seus titulares e o banco, quanto à legitimidade da sua movimentação a débito, e nada tem a ver com a propriedade das quantias depositadas».

Nos termos do artigo 533º CC, «o credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre credores, tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum».

E o artigo 516º CC estabelece que «nas relações entre si presume-se que os credores ou devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existentes não resultem que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito».

Estas normas funcionam relativamente a saldos bancários existentes à data do óbito.

Diversamente se passam as coisas quando as contas estão saldadas à data do óbito do inventariado. Nessas situações, não existe obviamente saldo bancário a relacionar.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 2007.12.19, Granja da Fonseca, Adjunto neste recurso, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 9020/2007, «deixa de ter qualquer relevância essa indagação [sobre a propriedade do dinheiro] se, como se verificou, à data da abertura da sucessão o saldo do depósito é nulo. Como qualquer das contitulares tinham uma ilimitada liberdade recíproca de movimentação da conta, sendo certo que nenhum movimento se operou depois da morte do de cujus, é irrelevante tentar saber se o capital depositado era da exclusiva pertença da inventariada»

Refira-se que a cabeça-de-casal, no ponto 7 do requerimento de fls. 107-8 alegou que chegou ao seu conhecimento que o inventariado Manuel Teixeira tinha e teve até à data da sua morte, contas bancárias na ordem dos milhares de euros em que os interessados Manuel dos Santos Teixeira e José dos Santos Teixeira eram co-titulares, tendo movimentado tais contas após a morte do inventariado.

E no requerimento de fls. 119-22 pede que seja apurado junto da CGD quem movimentou a conta em causa deixando-a saldada, para habilitar o tribunal a decidir a efectivação da repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.

Recorde-se que a conta solidária pressupõe uma relação de confiança entre os co-titulares, na medida em que aceitam que a conta possa ser movimentada por qualquer dos titulares.

Ora, a movimentação, atento o regime da conta bancária, foi lícita, nada tendo sido alegado que sugira o contrário.

Por essa razão, relativamente às quantias levantadas antes do óbito, não basta apelar à presunção da propriedade dessas quantias: só é legítima a utilização das movimentações anteriores ao óbito do de cujus em caso de fundadas suspeitas de apropriação ilegítima por parte de um dos co-titulares da conta em detrimento do inventariado.

O acórdão da Relação do Porto, de 2001.04.26, Leonel Serôdio, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0130447, abordou esta problemática no âmbito de uma acção de prestação de contas: relativamente a uma conta solidária, de que eram titulares a mãe e duas filhas, entendeu aquele tribunal que o facto de uma das filhas ter procedido ao levantamento da totalidade do depósito antes do óbito da mãe não podia ser considerado, sem mais, anormal, e que para que houvesse obrigação de prestar contas relativamente a essas quantias seria necessário provar que esse levantamento foi feito sem o consentimento e a vontade do de cujus.

Revertendo ao caso dos autos, apenas relevariam os levantamentos efectuados antes do óbito do de cujus se a cabeça-de-casal tivesse alegado e provado que os levantamentos efectuados pelo interessado Manuel dos Santos Teixeira o tinham sido contra a vontade do de cujus, cabendo àquele que pretende prevalecer-se de tal facto o ónus de alegação e prova.

Ora, nada foi alegado pela cabeça-de-casal a este propósito. Acresce que a falta de alegação de factos que permitissem concluir pela ilegitimidade dos movimentos bancários não pode ser colmatada pelo recurso a presunções naturais.

O Mmº Juiz a quo, após ponderar que nada nos autos aponta para uma doação, nem para a dissipação pelo inventariado, recorrendo a presunções naturais, concluiu que tais importâncias foram depositadas em conta pessoal do interessado ou por ele dispendidas.

Não se afigura legítimo o recurso às presunções judiciais no caso vertente.

A prova por presunção encontra-se regulada nos artigos 349º e ss. CC.

Nos termos do artigo 349º CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, esclarecendo o artigo 351º CC que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.

Integram a estrutura jurídica da presunção a base da presunção, constituída pelo facto ou factos conhecidos, ou seja, provados através de outros meios de prova; a actividade lógico-experencial de indução, que os tem por objecto; e o facto ou factos presumidos mediante estas operações intelectuais (acórdão do STJ, de 04.03.25, Lucas Coelho, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03B4354).

Alerta este acórdão para a necessidade imperativa de que a base da presunção esteja provada, que os factos dela integradores sejam conhecidos, possuindo o julgador acerca deles o grau de ciência que as provas devem proporcionar, concluindo que se trata de uma exigência garantística elementar, sem a qual a actividade jurisdicional se converteria em puro arbítrio.

Nas palavras do acórdão da Relação de Lisboa, de 03.12.16, Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8877/2003-7, «As decisões judiciais não podem assentar em meras especulações, antes devem encontrar raízes na realidade objectivada por factos.
Mesmo quando legitimamente se admite o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas da integração nas regras da experiência de factos instrumentais, indiciários, probatórios ou circunstanciais».

O Mmº Juiz a quo não dispunha de elementos que lhe permitissem concluir que as importâncias levantadas foram depositadas em conta pessoal do interessado ou por ele dispendidas. Face ao total desconhecimento do destino dado ao dinheiro, não é lícito tecer conjecturas sem qualquer substrato. Com efeito, também podiam tais quantias ter sido entregues ao de cujus, a terceiros para satisfazer dívidas do de cujus, podiam ter sido doadas. Ou terem tido qualquer outro destino.

Concluímos, pois, que as quantias movimentadas em conta bancária solidária por um dos interessados antes do óbito do de cujus não relevam, em princípio, para determinação do acervo hereditário.

Entendimento diverso, de que as quantias levantadas de contas solidárias antes do óbito do de cujus devem ser sempre ser consideradas no âmbito do inventário, na proporção da quota do de cujus, implicaria a total devassa das contas bancárias do de cujus e da sua vida. No limite, poderiam ser «escrutinados» movimentos efectuados ao longo de dezenas de anos !

Se a conta em causa, em vez de ter sido saldada, tivesse um saldo, ainda que irrisório, seria esse saldo a ser relacionado, irrelevando, em princípio, todas as movimentações anteriores.

Por todo o exposto, não há que relacionar 1/3 da quantia levantada por um dos interessados antes do óbito do de cujus de conta solidária de que era co-titular, por tal quantia não integrar o património hereditário.

Ressalva-se, no entanto, o direito às acções competentes, nos termos do artigo 1336º, nº 1, in fine CPC.
*
O agravo subiu em separado, no momento em que se convocou a conferência de interessados, e com efeito meramente devolutivo (artigos 733º, 734º, 737º n° 1, 740º, n° 1, a contrario, e 1396º, n° , CPC).

O prosseguimento dos termos da causa na 1ª instância por força do efeito meramente devolutivo importa a inutilização de actos praticados após o despacho sob recurso. Nessa conformidade, o provimento do agravo implica a reforma do inventário no que for estritamente necessário para o cumprimento do acórdão (cfr. artigo 1385º, nº 2, CPC).

2.2. Da litigância de má fé
Após transcrever o artigo 456º CPC, escreveu o Mmº Juiz a quo :

«No caso dos autos, face ao que disseram os interessados a fls. 153, como acima referido, é manifesto que alteraram deliberadamente a verdade dos factos, actuando claramente de má-fé.
Esta falsidade tem que se considerar dolosa.
Os interessados, notificados, já tiveram oportunidade de se pronunciar,
(cfr. Doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional de 1998.05.12, DR, 2ª Série, n.° 162/98).
Assim sendo, deverão ser condenados como litigantes de má-fé».

A fls. 153, como consta da decisão (ponto 3 da matéria de facto), afirmaram os interessados:
«- Só eram titulares em conjunto da conta n.° da C. com o falecido;
- Não se entende onde faltam as quantias de 26.000.000$00, 5.000.000$00 e 10.000.000$00, que quantias são estas e de que conta desapareceram pois não constam da conta de que os interessados eram titulares com o falecido, nem de qualquer documento de que os ora interessados tenham conhecimento».

A conduta processual dos recorrentes não merece censura.

A questão é que afirmaram não ser titulares da conta em causa neste recurso (a nº 0035-0159/076763/120), como efectivamente não eram, em virtude de a mesma ter sido saldada cerca de cinco meses antes do óbito do inventariado.

E as quantias em causa não constam da conta de que eram titulares à data do óbito (a nº 0159/076763/400), como efectivamente não constam.

Recorda-se mais uma vez que a própria cabeça-de-casal, no ponto 7 do requerimento de fls. 107-8, alegou que chegou ao seu conhecimento que o inventariado Manuel tinha e teve até à data da sua morte, contas bancárias na ordem dos milhares de euros em que os interessados Manuel e J eram co-titulares com o de cujus, tendo movimentado tais contas após a morte do inventariado.

Ou seja, a cabeça-de-casal começou por equacionar movimentos após a morte do de cujus, o que pressupunha a existência da conta bancária em causa, o que não correspondia à realidade.

A resposta dos interessados em nada falta à verdade, não se considerando justificada a sua condenação como litigantes de má fé, por não se enquadrar em nenhuma das alíneas do artigo 456º, nº 2, CPC, que dispõe que diz-se de má-fé quem, com dolo ou negligência grave :
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

A condenação dos recorrentes não é, pois, de manter.

Termos em que o segundo agravo merece provimento em toda a sua extensão.

2.3. Da sonegação de bens
Passando agora ao conhecimento do 1º agravo, importa determinar o alcance do conceito de sonegação de bens.

É o seguinte o teor da decisão sob recurso:
«Quanto à invocada sonegação de bens entende o tribunal que o preceito do art. 2096° n.°1 deve ser interpretado em sentido restrito/literal i.e., incluindo apenas activos corpóreos (bens) e não todas as situações patrimoniais activas (incluindo créditos).
Tal, face ao supra decidido, determina se conclua que inexiste situação de sonegação de bens».

Dispõe o artigo 2096º, nº 1, CC, que aquele que sonegar bens de herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis.

Não se vislumbra qualquer fundamento que justifique a interpretação restritiva acolhida pelo Mmº Juiz a quo.

Os bens referidos no artigo 2096º, nº 1, CC, são obviamente os bens integrados no acervo hereditário.

Nesta matéria assume especial relevo o artigo 1345º CPC, relativo à relação de bens, que nos permite apreender o conceito de «bens» para efeito de inventário.

Assim, nos termos do nº 1 deste artigo, os bens que integram a herança são especificados na relação por meio de verbas, sujeitas a uma só numeração, pela ordem seguinte: direitos de créditos, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro, prata e pedras preciosas, e semelhantes, outras coisas móveis e bens imóveis.

E o nº 4 do artigo 1349º CPC dispõe que a existência de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando provada, a sanção civil que se mostre adequada, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1336º.

O conceito de «bens» para efeito de sonegação nos termos do artigo 2096º CC tem o mesmo alcance que os bens que devem constar da relação de bens, não existindo fundamento legal ou material bastante para excluir os créditos.

Destinando-se a punição da sonegação a reprimir a violação intencional da verdade na declaração dos bens que constituem a herança (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. VI, pg. 156), não faria sentido que a lei restringisse o conceito de «bens» para efeito de sonegação aos «activos corpóreos», deixando de fora os direitos de crédito que podem atingir valores elevados (v.g., saldos bancários).

Nessa medida, assiste razão à recorrente.

Daqui não resulta, porém, que os interessados Manuel e J devam ser sujeitos à sanção prevista no artigo 2096º CC.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., 157,
«Trata-se, em primeiro lugar, de um fenómeno de ocultação de bens - o qual pressupõe, obviamente, um facto negativo, (a omissão de uma declaração, cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar por parte do omitente). (…)
A segunda nota que, no conceito legal de sonegação de bens da herança, importa destacar é a de que só há verdadeira sonegação quando a omissão (ou mesmo ocultação) seja dolosa».
De tudo quanto ficou dito supra quer quanto ao relacionamento das quantias levantadas, quer quanto à condenação dos interessados Manuel dos Santos Teixeira e José dos Santos Teixeira, é evidente que não ficou demonstrada qualquer situação de sonegação de bens.

Este agravo não merece, pois, provimento.

3. Decisão
Termos em, negando provimento ao 1º agravo e concedendo provimento ao 2º, decide-se revogar o despacho recorrido na parte em que ordenou o relacionamento como direito de crédito da herança sobre o interessado Manuel da quantia de € 68.169,05 acrescida de juros desde a data da movimentação até à da partilha, ressalvado o direito às acções competentes, nos termos do artigo 1336º, nº 1, in fine CPC, revogando-se igualmente o segmento em que condenou os interessados Manuel e J como litigantes de má fé, mantendo-se a sentença no demais, ainda que com diverso fundamento.

Deverá proceder-se à reforma do inventário no que for estritamente necessário para o cumprimento do acórdão
Custas pela recorrente cabeça-de-casal.
Lisboa, 2009.04.30
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca