Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10328/2006-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: NEGLIGÊNCIA MÉDICA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - Aceite que a regra é a da natureza contratual da responsabilidade médica, fazendo recair sobre o médico a prova da conformidade da sua actuação com as leges artis, casos há em que a actuação ilícita do médico, causadora de resultados danosos para o doente, pode configurar uma situação de responsabilidade extracontratual.
II - Por força do disposto no art. 800º, nº 1, do Código Civil, o médico é responsável pelos actos das pessoas que utilizou no cumprimento das suas obrigações como se fossem praticados por si próprio. Daí que se um doente contratar com certo cirurgião a realização de determinada intervenção este é contratualmente responsável pelos actos de todos os elementos da equipa. Delitualmente, existe também uma responsabilidade estrita do comitente, desde que o comissário tenha agido com culpa e sob a autoridade daquele (artigo 500º CCivil).
III - Relativamente aos actos praticados pelo médico anestesista, embora «sem excluir liminarmente a possibilidade de um médico poder actuar como auxiliar de outro médico (art. 800º do Código Civil), de molde a responsabilizá-lo pelos actos que o primeiro pratique, cirurgiões e anestesistas têm áreas bem delimitadas de responsabilidade perante o doente e, por via de regra, nenhum deles controla ou dirige as actividades do outro. Consequentemente, os anestesistas são, em princípio, autónomos e o cirurgião não é responsável pelos actos que os primeiros pratiquem.
IV - Excepcionalmente, a lei, em caso de morte ou de lesão corporal de uma pessoa, concede indemnização aos que podiam exigir alimentos ao lesado que faleceu e àqueles a quem ele já os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (art. 495º, nº 3, do Cód. Civil).
V - A simples previsibilidade futura de que iriam ser exigidos alimentos ao lesado é suficiente para a atribuição deste direito de indemnização, cujos parâmetros serão, neste caso, fixados de acordo com o art. 564º, nº 2, do Cód. Civil, não sendo, portanto, exigível a prova da efectiva necessidade de alimentos.
VI – Se os Autores não se propõem efectivar contra os RR. o direito de indemnização por alimentos conferido pelo cit. art. 495º-3 do Cód. Civil, arrogando-se antes a transmissão, por via sucessória, do direito de indemnização por perda da capacidade aquisitiva de que seria titular a sua filha, uma tal pretensão indemnizatória carece de base legal, se esta era à data estudante, não auferindo ainda quaisquer rendimentos provenientes do seu trabalho, não podendo sustentar-se que ela, antes de falecer, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros derivados da perda de rendimento de trabalho que, por direito sucessório, se transmitiu aos respectivos sucessores, designadamente os pais (art. 2024º do CCivil).
F.G.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa:

Nas Varas Cíveis de Lisboa, V e A intentaram contra J e R acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, peticionando que os RR. fossem solidariamente condenados a pagar-lhes uma indemnização: a) a título de danos morais sofridos por Rute pelo dano morte de € 240 000 e pelo período que antecedeu a morte de € 60 000; b) pelos danos morais sofridos pelos AA. de € 150 000 para cada um; e c) pelos danos patrimoniais causados à Rute pela perda do direito de adquirir de € 150 000.
Para tanto, alegaram, resumidamente:
- que a sua filha Rute se decidiu submeter a uma lipoaspiração;
- que, na sequência de fármacos ministrados pelos RR. para actuação da anestesia local, a Rute sofreu problemas cardíacos, na sequência dos quais veio a falecer;
- que os RR. não dispunham no local dos meios adequados à reanimação;
- que os RR. tardaram em chamar o INEM;
- que o R. J se arroga a qualidade de cirurgião plástico, não o sendo;
- que os actos em causa tiveram lugar num consultório e não numa clínica, como indevidamente o local era designado;
- que a morte sobreveio em consequência destes factores;
- que a Rute sofreu antes de morrer;
- que os próprios sofreram com a perda da filha.

Os RR. contestaram separadamente, impugnando o alegado pelos AA., no tocante à respectiva responsabilidade, considerando, em síntese, poder o R. J praticar os actos para os quais se sentisse habilitado, estar o local devidamente equipado para a intervenção em causa, terem sido observados todos os deveres de cuidado e ter a Rute Francisco falecido em consequência de um choque anafilático.

Requereram ambos a intervenção principal provocada da seguradora “C.ª de Seguros, S.A.”, com fundamento na circunstância de terem transferido para a esta a responsabilidade emergente da prática de actos da sua profissão, o que foi admitido, tendo a interveniente impugnado o aduzido pelos AA. no tocante à responsabilidade dos RR..

O processo foi saneado, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.

Foi interposto recurso do despacho que indeferiu o depoimento de parte do R. R à matéria indicada pelo co-réu J, que foi admitido como de agravo, a subir com o primeiro que depois dele houvesse de subir imediatamente, com efeito devolutivo.

Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 5/6/2006) sentença final que, julgando a acção totalmente improcedente, por não provada, absolveu os RR. e a interveniente do pedido.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da referida sentença, tendo extraído das alegações que apresentaram as seguintes conclusões:
I - O douto Tribunal de lª instância julgou improcedente a acção declarativa sob a forma de processo ordinário intentada pelos Apelantes contra os Apelados com o fundamento de que "... tendo presente os princípios expostos e face à matéria fáctica que foi possível apurar em julgamento, não se pode considerar que a morte de Rute tenha origem em comportamento activo ou omissivo dos R.R";
II - O presente recurso versa sobre matéria de direito, por erro do douto Tribunal de lª instância, na interpretação e aplicação face à matéria de facto dada como provada, das normas jurídicas (artigo 69°, n.° 2, alinea a) do Código de Processo Civil);
III - O douto Tribunal de lª instância deu como provados, entre outros, os seguintes factos:
- Em 9 de Dezembro de 1999, a Rute foi para a sala de operações e sujeita a anestesia local;
- O Hospital de São José emitiu o relatório de fls. 120 e 121 a propósito do internamento da Rute Francisco;
Os serviços de anatomia patológica do Hospital de São José emitiram o relatório aná-tomo patológico de fls. 122 a 125;
IV - A primeira questão que se coloca é apurar-se se estávamos perante uma cirurgia de resultados ou uma cirurgia de meios. A este respeito, o Prof. Esperança Pina, in "Responsabilidade dos Médicos", Editora Lidel é da opinião, sem margem para dúvidas, que neste tipo de intervenção cirúrgica estamos perante uma cirurgia de resultados.
O prof. Esperança Pina, uma das pessoas mais respeitadas nesta matéria, na página 100 da referida publicação diz: "A obrigação de um cirurgião plástico não difere da do cirurgião geral, mas já deve ser feita uma distinção entre cirurgia ética e cirurgia reparadora, parecendo, neste caso, deve haver uma obrigação de meios e, no primeiro caso, uma obrigação de resultados";
V - Com efeito, um paciente que tem de se submeter a uma intervenção cirúrgica sob pena de ver agravado o seu estado de saúde, sujeita-se à intervenção independentemente dos resultados obtidos. O paciente deve submeter-se à intervenção cirúrgica sob pena de perder qualidade de vida ou até de perder a vida.
Situação diferente, como sucedeu no caso em apreço, é a paciente submeter-se à intervenção cirúrgica por uma questão meramente estética, ou seja, para tornar mais bonito o seu aspecto fisico. A paciente visava a parte estética, pelo que estamos perante uma cirurgia de resultados;
VI - A falecida Rute assinou um "consentimento operatório", documento 6 da petição inicial, o qual é bem elucidativo quando diz: "O Médico informou-me que todos os procedimentos técnicos médico-cirúrgicos são com vista a um bom resultado. Fui também informado, apesar disso, de possíveis complicações no pós operatório, nomeadamente hematomas, cicatrizes alargadas, etc... Foi-me garantido todo o acompanhamento pelo médico de forma a obter os melhores resultados" ;
VII - O referido documento apenas alude a pequenas complicações pós-operatórias e que o procedimento médico visava obter "um bom resultado". Neste documento, não se coloca a mínima hipótese da morte da Rute ou de qualquer outra complicação grave;
VIII - O douto Tribunal a quo deu também como provado:
"No período necessário à actuação de anestesia local a Rute bracardizou (retardamento das contracções cardíacas)",
"A Rute sofreu uma paragem cardio-respiratória aquando da ministração da anestesia local com sedação",
"O R. J iniciou a administração da anestesia local", "A Rute bracardizou na sequência da sedação e do início da administração da anestesia local" e
"Aquando da chegada ao local do INEM tomou a responsabilidade pela reanimação, tendo designadamente ministrado atrofia e adrenalina, tendo sido obtida pulsação decorridos 5 minutos e, mediante a ministração de mais fármacos, pulsação e pressão arterial volvidos mais cinco minutos";
IX - A Rute recorreu aos serviços do Réu J para que este lhe prestasse serviços médicos. O Réu J era o cirurgião e o responsável pelo resultado final dos serviços que se propôs prestar;
X - O acto cirúrgico já se tinha iniciado, inclusive com a intervenção do Réu J.
Importa ainda ter em conta que a Rute bracardizou e entrou em assistolia (coração não batia) e foi o médico do INEM, que quando chegou ao local reanimou a Rute, administrando-lhe novos fármacos e usando técnicas de reanimação;
XI - A Rute esteve mais de trinta minutos em assistolia e basta apenas dez minutos para que os danos sejam irreversíveis e o desenlace fatal;
XII - Os Réus, ora Apelados, apesar de todas as evidências, alegaram, nos respectivos articulados da contestação, que a Rute sofreu um "choque anafilático" situações que não se veio a provar porque efectivamente a Rute não veio a falecer na sequência dum choque anafilático (reacção alérgica aos fármacos administrados na anestesia).
XIII - Levados estes factos à base instrutória (artigo 19°), o douto Tribunal deu como não provados. Nesta parte, o ónus da prova incumbia aos Réus, nos termos do artigo 342°, n.° 2 do Código Civil.
XIV - Resulta dos autos que a reacção da Rute não é típica dum choque anafilático, pois não se verificaram quaisquer sinais compatíveis com choque anafilático, nomeadamente de natureza cutânea, respiratória ou circulatória;
XV - Incumbia aos Réus provar, sem margem para dúvidas, que a morte da Rute não resultou de qualquer acto negligente e essa prova não foi feita;
XVI - A Rute recorreu a serviços do Réu J convicta que este era médico cirurgião plástico;
XVII - O douto Tribunal a quo deu como provado: "O R. J não é reconhecido pela Ordem dos Médicos como cirurgião plástico ou como tendo outra especialidade de médica (documento de. Fls. 67)" e
"A Rute recorreu ao R. J na sequência de indicações de amigas de que se tratava de cirurgião plástico e na sequência da convicção gerada por este de que estava habilitada para o efeito";
XVIII - Obviamente que a Rute não tinha recorrido nos serviços do Réu J se tivesse conhecimento que este não era cirurgião plástico. Parece óbvio que os pais da Rute despenderam uma elevada quantia (à data 700.000$00) para suportar a intervenção cirúrgica da Rute e só o faziam com recurso a um cirurgião plástico e não a um eventual candidato a cirurgião plástico;
XIX - O Réu J omitiu intencionalmente que não era médico cirurgião plástico;
XX - A Rute submeteu-se a uma intervenção cirúrgica aos culotes e ia ficar internada durante uma noite.

XXI - O douto Tribunal a quo entende que o consultório do Réu J, à data dos factos, estava devidamente apetrechado, fundamentando a sua posição com base num parecer da Ordem dos Médicos (fls. 194 dos autos).
XXII - Sucede que esse parecer foi elaborado com base numa vistoria ao local, realizada meses depois da data em que tivessem lugar os factos. Essa vistoria e respectivo parecer tinha todo o sentido se tivesse sido efectuada antes da ocorrência dos factos; XXIII - O Réu J, por documento junto a fls. 112 dos autos, informa a Ordem dos Médicos que aquele local está "preparado e equipado não só para a efectivação de consultas, mas também para a realização da intervenção de pequena cirurgia";
XIV - A cirurgia aos culotes intervenção cirúrgica aos culotes não é uma pequena cirurgia como aliás disseram vários especialistas na audiência de julgamento. Acresce que a Rute ia ficar internada naquele local pelo período de 24 horas;
XXV - A Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo relativamente ao Consultório Médico em causa diz: "não possui as condições gerais e específicas, nomeadamente internamente ou sala de recobro...";
XXVI - Outra aspecto a ter em conta e que o douto Tribunal a quo deu como provado "que no prédio onde a Rute foi sujeita a anestesia uma maca normal não cabe no elevador e que a Rute Francisco foi transportada para a ambulância do INEM, pelo elevador, numa maca de vácuo ou moldável, de que o INEM dispõe para estas circunstâncias";
XXVII - O Réu J alegou que infiltrou na Rute uma dose de 500 mg. de lidocaína com adrenalina, o relatório da UUM menciona 800 mg de lidoina com adrenalina e na folha de enfermagem da sala de operações constam urn valor muito superior;
XXVIII - O excesso da dose de lidocaína ou a inadvertida infiltração daquele fármaco provocou a paragem cardíaca;
XXIX - O documento 1 agora junto não tem dúvidas em reconhecer que a causa da morte da Rute tem como consequência directa, nexo de causalidade, a prática de actos médicos negligentes por parte dos Réus;
XXX — Face aos elementos carreados para os autos parece óbvio que o dano não teria ocorrido, ou seja, a morte da Rute não teria ocorrido, se não fosse a conduta ilícita e negligente dos Réus (nexo de causalidade — artigo 563° do Código Civil).
XXXI - Deve, assim, julgar-se procedente o presente recurso de apelação in totum e, em consequência, deve revogar-se a sentença ora recorrida e julgar-se procedente a acção declarativa sob a forma de processo ordinário que os Apelantes intentaram contra os Apelados e, em consequência, os ora Apelados serem solidariamente condenados nos termos formulados no pedido inicial.

O R. J e a interveniente principal AXA contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação dos Autores.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O OBJECTO DOS RECURSOS

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) (3)(4).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelos Autores ora Apelantes que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) Se, desde que a intervenção cirúrgica à qual a falecida Rute se submeteu constitui uma cirurgia de resultados (e não uma cirurgia de meios), incumbia aos Réus provar, sem margem para dúvidas, que a morte da Rute não resultou de qualquer acto negligente por eles praticado, prova essa que não foi feita, por isso que os RR. não lograram demonstrar a sua alegação de que a Rute veio a falecer na sequência dum choque anafilático (reacção alérgica aos fármacos administrados na anestesia): cfr. a resposta negativa dada ao Quesito 19º da Base Instrutória;
2) Se a falecida Rute recorreu aos serviços do Réu J convicta que este era médico cirurgião plástico, sendo que, afinal, o R. J não é reconhecido pela Ordem dos Médicos como cirurgião plástico ou como tendo outra especialidade de médica, facto que ocultou intencionalmente à Rute e aos pais desta (ora Autores);
3) Se, à data dos factos, o Consultório Médico do R. J não possuía as condições gerais e específicas, nomeadamente internamento ou sala de recobro, sendo certo que a intervenção cirúrgica aos culotes à qual a Rute se submeteu não é uma pequena cirurgia, a isto acrescendo que a Rute ia ficar internada naquele local pelo periodo de 24 horas;
4) Se, perante os elementos carreados para os autos (a Rute bracardizou e entrou em assistolia [o coração não batia] e foi o médico do INEM, que quando chegou ao local reanimou a Rute, administrando-lhe novos fármacos e usando técnicas de reanimação; a Rute esteve mais de trinta minutos em assistolia e basta apenas dez minutos para que os danos sejam irreversíveis e o desenlace fatal; o Réu J alegou que infiltrou na Rute uma dose de 500 mg. de lidocaína com adrenalina, mas o relatório da UUM menciona 800 mg de lidocaína com adrenalina e na folha de enfermagem da sala de operações constam um valor muito superior; sendo que foi o excesso da dose de lidocaína ou a inadvertida infiltração daquele fármaco que provocou a paragem cardíaca), parece óbvio que o dano (ou seja, a morte da Rute) não teria ocorrido, se não fosse a conduta ilícita e negligente dos Réus (nexo de causalidade — artigo 563° do Código Civil).
Por sua vez, resulta das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo R. J que o objecto do recurso de agravo por ele interposto do despacho (interlocutório) que indeferiu o depoimento de parte do R. Rui Bouça à matéria indicada pelo co-réu J, está circunscrito a duas únicas questões:
1) Se o despacho recorrido, que indefere o depoimento de parte do 2º R. requerido pelo ora Agravante, contradiz o despacho anteriormente proferido em 10.10.2003, a fls. 301 dos autos, pelo Tribunal a quo, no qual fora admitido esse mesmo depoimento de parte, pelo que viola o caso julgado formal emergente do primeiro despacho proferido, nos termos do arts 672º do CPC, razão pela qual, tendo em conta o disposto no arts 675º, nº 2 do CPC, deverá cumprir-se a decisão transitada em julgado em primeiro lugar;
2) Se, de qualquer modo, não só a lei processual não estabelece tal limitação (Cfr. artº 554º do CPC), como prevê expressamente a faculdade de o juiz determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa (Cfr. artº 552º, nº 1 do CPC), pelo que não é exacto que o tribunal só possa fundamentar respostas à matéria de facto com a confissão dos depoentes e que, em consequência, só revista utilidade prática "a audição das partes a matéria que lhes seja desfavorável";
3) Se, de todo o modo, como os factos para os quais foi requerido o depoimento do 2º R. R (quesitos 15º a 31º, 35º, 36º e 37º da Base Instrutória) constituem uma descrição dos eventos que antecederam a paragem cardíaca de Rute e referência às condições de reanimação existentes no local da intervenção, a matéria supra referida será ou não desfavorável ao 2º R., médico anestesiologista com intervenção nos actos sub judice, dependendo das respostas que forem dadas àqueles quesitos.
MATÉRIA DE FACTO
Factos Considerados Provados na 1ª Instância:

Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1) - Rute nasceu em 24-10-1978 e faleceu em 12-12-1999.
2) - A Rute Francisco era filha dos AA..
3) - A Rute decidiu submeter-se a uma intervenção de lipoaspiração dos culotes, tendo escolhido para realizar a intervenção o R. J.
4) - O R. J é médico.
5) - O R. J licenciou-se em medicina, pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no ano de 1986, tendo realizado o internato geral entre 1987 e 1988 no Hospital de Santa Maria, o internato complementar em cirurgia geral no Hospital de São José em 1989 e o internato em cirurgia cardiotorácica no Hospital de Santa Maria nos anos de 1991 e 1992.
6) - Ao longo de três anos, entre 1993 e 1995, o R. J completou a especialização em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade Católica do Rio de Janeiro, no Brasil, tendo paralelamente frequentado e intervindo nos cursos e conferências referidos no doc. de fls. 52 a 66.
7) – O R. J diz de si próprio ter feito uma especialização em cirurgia plástica numa universidade brasileira.
8) - O R. J não é reconhecido pela Ordem dos Médicos como cirurgião plástico ou como tendo outra especialidade médica (doc. de fls. 67).
9) – O R. J está autorizado a exercer todos os actos médicos para os quais se sinta devidamente habilitado, incluindo actos próprios da especialidade de cirurgia plástica
10) – A Rute recorreu ao R. J na sequência de indicações de amigas de que se tratava de cirurgião plástico e na sequência de convicção gerada por este de que estava habilitada para o efeito.
11) - O R. J enviou à Ordem dos Médicos o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 112, datado de 21-1-1998, em que informa ter o seu consultório na Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, encontrando-se o mesmo preparado e equipado não só para a efectivação de consultas, mas também para a realização de intervenções de pequena cirurgia. Caso V. Exas. entendam eventualmente visitá-lo, encontra-se à vossa disposição.
12) - Em 29 de Dezembro de 1997, o consultório dirigido pelo R. J, denominado “C…, LDA.”, candidatou-se ao Regime de Incentivos às Microempresas (RIME), aprovado pela Resolução de Ministros n.º 154/96 de 17 de Setembro (doc. de fls. 185 a 197).
13) - E foi aprovado pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, do Ministério do Equipamento e da Administração do Território em 23.09.1998.
14) - Na sequência de participação, a Ordem dos Médicos realizou vistoria ao consultório do R. J, não tendo intimado este a proceder a quaisquer alterações.
15) - A Ordem dos Médicos foi de parecer que: “O equipamento é adequado a Anestesia Geral e Manobras de Reanimação”, ou seja, que o equipamento encontrado excede as necessidades das intervenções realizadas no consultório do R. J, nas quais o paciente é submetido a anestesia local (doc. de fls. 194).
16) - Antes da submissão à cirurgia, por indicação do R. J, a Rute realizou exames médicos que não revelaram qualquer contra-indicação à realização da intervenção.
17) - A Rute deu o seu consentimento à operação, cfr. doc. de que se mostra junta cópia a fls. 41, em que assinaladamente se lê o médico informou-me que todos os procedimentos técnicos médico-cirúrgicos são com vista a um bom resultado. Fui também informado, apesar disso, de possíveis complicações no pós operatório, nomeadamente hematomas, cicatrizes alargadas, etc.... Foi-me garantido todo o acompanhamento pelo médico de forma a obter os melhores resultados. Também estou ciente de que o Dr. J estará ocupado com a cirurgia e que a não ser que seja administrada uma anestesia local, a administração e manutenção da anestesia geral são funções da responsabilidade do anestesista e por isso consinto que me sejam administradas tais anestesia ou outras que o anestesista julgue aconselháveis neste caso.
18) - Em 9-12-1999, a Rute foi para a sala de operações e sujeita a anestesia local.
19) - A administração da anestesia foi realizada com a intervenção R. R, médico anestesista.
20) - O R. R é médico com a especialidade de anestesista.
21) – O estado de saúde da Rute não fazia prever qualquer contra-indicação à ministração de anestesia e sedação.
22) - A Rute não tinha nenhuma malformação cardio-respiratória.
23) – O R. J iniciou a administração da anestesia local.
24) - Logo antes, o R. R, como anestesiologista a quem competia fazer uma sedação consciente, para a intervenção cirúrgica ser mais suportável pela doente, devido à duração e ao incómodo do acto, começou a administrar as drogas para fazer a sedação vigil.
25) – A Rute bradicardizou na sequência da sedação e do início da administração da anestesia local.
26) - No período necessário à actuação da anestesia local a Rute bracardizou (retardamento das contracções cardíacas).
27) – A Rute sofreu uma paragem cardio-respiratória aquando da administração da anestesia local, com sedação.
28) – Os RR., perante o referido sob o n.º 27), de imediato administraram fármacos à Rute Francisco, diligenciaram pela sua colocação em decúbito dorsal, já que se encontrava em decúbito ventral (de barriga para baixo), procederam a massagem cardíaca externa (o R. J) e a ventilação manual (o R. R).
29) - Visto que a Rute não recuperava, foi feita uma entubação orotraqueal, e dada continuidade à ventilação manual.
30) - Enquanto se solicitava a presença de uma equipa de urgência do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
31) - O chamamento da equipa do I.N.E.M. impôs-se dado que a reanimação da Rute obrigava à sua transferência para uma Unidade de Cuidados Intensivos.
32) - Aquando da chegada ao local a equipa do INEM tomou a responsabilidade pela reanimação, tendo designadamente ministrado atropia e adrenalina, tendo sido obtida pulsação decorridos 5 minutos e, mediante a ministração de mais fármacos, pulsação e pressão arterial volvidos mais 5 minutos.
33) - Tudo tendo conduzido a que a actividade cardíaca da Rute tivesse recomeçado.
34) - Antes da chegada do INEM os RR. actuaram nas técnicas de ressuscitação da Rute Francisco no intuito de conseguir a sua reanimação, tendo-se mantido disponíveis após a chegada da equipa do INEM.
35) – A equipa do INEM prosseguiu o esforço de reanimação.
36) - A Rute foi transportada por equipa do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o Hospital de S. José, onde veio a falecer em 12-12-1999.
37) – No prédio onde a Rute foi sujeita a anestesia uma maca normal não cabe no elevador e a Rute foi transportada para a ambulância do INEM, pelo elevador, numa maca de vácuo ou moldável de que o INEM dispõe para estas circunstâncias.
38) - No local da intervenção existia, nomeadamente, o seguinte material:
- aparelho de anestesia com debitómetro de oxigénio e respectivos outlets para os sistemas de anestesia;
- sistema de Magill;
- máscaras de vários tamanhos;
- balas de oxigénio;
- CRITIKOM DINAMAP TR PLUS VITAL SIGNS – monitor com traçado electrocardioscópio + oximetria de pulso – frequência cardíaca + tensão arterial;
- desfibrilhador (FUKUDA DIUSHI DPS 20);
- aspirador de alta pressão;
- laringiscópio com várias lâminas;
- AMBU;
- tubos endotraqueais de vários tamanhos;
- fármacos de emergência para uma reanimação cardiorespiratória (além dos fármacos da anestesia): sulfato de atropina, adrenalina, bicarbonato de sódio, cloreto de cálcio, nifedipina, efedrina, lidocaína, trandate, hidrocortisona, cordodopa, amiodarona.
39) - Estes equipamentos e fármacos são os necessários à administração de anestesias locais, onde se incluem todos os equipamentos e fármacos necessários à reanimação.
40) - A intervenção e a ministração das doses referidas no n.º 35 da base instrutória e no doc. de fls. 120 podiam ter lugar no local em condições de segurança.
41) - O choque anafilático pode acontecer a qualquer pessoa que seja exposta a injecção de medicamento.
42) - O choque anafilático é absolutamente imprevisível, mesmo quando as doses anestésicas administradas são as correctas.
43) – À data do falecimento faltavam duas cadeiras para que a Rute Francisco concluísse o bacharelato em contabilidade.
44) - Os AA. sofreram e continuam a sofrer um profundo desgosto com a morte da filha, a quem os unia um profundo amor.
45) - Em 1996, o R. J acordou com a seguradora ALIANÇA UAP a constituição de um seguro de “responsabilidade civil profissional – médicos”, traduzido na apólice n.º 95518, em vigor em 9-12-1999 (doc. de fls. 164 e 165).
46) - Na sequência de uma operação de fusão, a AXA PORTUGAL assumiu os direitos e obrigações emergentes do contrato de seguro.
47) - Nos termos do art.º 1.º das condições especiais do contrato de seguro: “Fica garantida a responsabilidade civil em que possa incorrer o Segurado por danos Patrimoniais e não Patrimoniais causados aos seus clientes e a outros terceiros em consequência de actos ou omissões no exercício da sua profissão, por ocasião de consultas, visitas ou tratamentos, bem como os causados aos doentes em consequência de actos, omissões e erros profissionais cometidos em diagnósticos, prescrições ou aplicações terapêuticas e no decurso de tratamentos ou intervenções cirúrgicas.” (doc. de fls. 166).
48) - Entre o R. R e a Axa Portugal – Companhia de Seguros, S.A. (ex-Aliança UAP, S.A.) foi celebrado um contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil Profissional (Profissões Médicas), nos termos da apólice n.º 932660/05, em vigor em 9-12-1999 (doc. de fls. 203).
49) - Em conformidade com o estabelecido no artigo 1.º das Condições Especiais do Contrato de Seguro, sob a epígrafe Objecto da Garantia, “Fica garantida a responsabilidade civil em que possa incorrer o segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos seus clientes e a outros terceiros em consequência de actos ou omissões no exercício da sua profissão, por ocasião de consultas, visitas ou tratamentos, bem como os causados aos doentes em consequência de actos, omissões e erros profissionais cometidos em diagnósticos, prescrições ou aplicações terapêuticas e no decurso de tratamentos ou intervenções cirúrgicas” (doc. de fls. 204).
50) - Nos termos da al. c) do art.º 8.º das condições particulares do contrato de seguro celebrado entre o R. J e a Axa Portugal – C.ompanhia de Seguros, S.A., entre outros, não estão compreendidos no seguro os danos resultantes do exercício de actividade profissional para a qual o segurado ou os seus auxiliares não tenham a devida autorização legal (doc. de fls. 166);
51) - Nos termos da al. c) do art.º 8.º das condições particulares do contrato de seguro celebrado entre o R. R e a Axa Portugal – C.ompanhia de Seguros, S.A., entre outros, não estão compreendidos no seguro os danos resultantes do exercício de actividade profissional para a qual o segurado ou os seus auxiliares não tenham a devida autorização legal (doc. de fls. 204).
52) - Corre termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Lisboa, um inquérito iniciado no ano de 2000 para apuramento da responsabilidade criminal dos RR. quanto aos factos dos presentes autos, no âmbito do qual os AA. se constituíram assistentes.
53) - O Hospital de S. José emitiu o relatório de fls. 120 e 121 a propósito do internamento da Rute.
54) - Os serviços de anatomia patológica do Hospital de S. José emitiram o relatório anátomo patológico de fls. 122 a 125.

Factos Considerados Não Provados na 1ª Instância.
Dentre os factos controvertidos incluídos na base instrutória, o tribunal a quo considerou não provados os seguintes:
a) que só trinta minutos depois de a Rute ter bracardizado é que os RR. chamaram uma equipa do Instituto de Emergência Médica (INEM); (Quesito 2º)
b) que, em 9-12-1999, o R. J não dispusesse no local de aparelhos de reanimação adequados; (Quesito 4º)
c) que fosse por isso que o R. J teve que chamar uma equipa do INEM; (Quesito 5º)
d) que a Rute tenha bracardizado na sequência de infiltração nas coxas de lidocaína e de adrenalina em excesso; (Quesito 6º)
e) que, se a R estivesse num local devidamente equipado e se o R. J tivesse chamado imediatamente a equipa do INEM, não teria morrido; (Quesito 7º)
f) que a Rute tenha sofrido no período que antecedeu a morte; (Quesito 8º)
g) que o R. R tenha administrado em sequência à Rute o seguinte:
- após toma oral de Atarax de 25 mg, por sua indicação, cerca de 45 minutos antes da entrada daquela para a sala, iniciou-se um soro e administrou-se endovenosamente Droperidol 2,5 mg;
- seguiu-se a administração de Dormicum 1 mg.;
- depois começou um gota a gota de Propofol 10 ml por hora (1 ml = 10 mg), mais bolus SOS de 20 mg.;
- encontrando-se a doente devidamente monitorizada com Dinamap T.M. plus (monitorização de traçado electrocardiográfico, monitorização da T.A. e saturação de oxigénio); (Quesito 17º)
h) que a paragem cardio-respiratória sofrida pela Rute fosse decorrente do choque anafilático (reacção alérgica medicamentosa grave aos fármacos anestésicos); (Quesito 19º)
i) que a equipa do INEM tenha chegado ao local em cerca de 20 minutos; (Quesito 24º)
j) que as doses anestésicas administradas tenham sido as correctas; (Quesito 34º)
l) que a morte da Rute tenha sobrevindo em consequência da malformação artério-venosa do cerebelo aludida no doc. de fls. 124; (Quesito 35º).
O MÉRITO DO AGRAVO

1) SE O DESPACHO RECORRIDO, AO INDEFERIR O DEPOIMENTO DE PARTE DO 2º RÉU REQUERIDO PELO ORA AGRAVANTE, CONTRADIZ O DESPACHO ANTERIORMENTE PROFERIDO EM 10.10.2003 (A FLS. 301 DOS AUTOS), PELO TRIBUNAL A QUO, NO QUAL FORA ADMITIDO ESSE MESMO DEPOIMENTO DE PARTE, PELO QUE VIOLA O CASO JULGADO FORMAL EMERGENTE DO PRIMEIRO DESPACHO PROFERIDO, NOS TERMOS DO ARTS 672º DO CPC, RAZÃO PELA QUAL, TENDO EM CONTA O DISPOSTO NO ARTS 675º, Nº 2 DO CPC, DEVERÁ CUMPRIR-SE A DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO EM PRIMEIRO LUGAR.

Por despacho proferido em 10 de Outubro de 2003 (cfr. fls. 301 dos autos) foi admitido o depoimento de parte requerido pelos Réus a fls. 293 e 269.
Ora, o despacho ora agravado decidiu, afinal, restringir a admissão do depoimento de parte do R. J à matéria dos quesitos 1º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Base Instrutória e, no que concerne ao co-R. R, indeferir a sua audição em depoimento de parte à totalidade da matéria a que ele havia sido indicado pelo co-R. J. Isto porque “o depoimento de parte visa obter a confissão de factos que são desfavoráveis ao depoente (art.° 552.° do C.P.C., com a epígrafe prova por confissão das partes)”, sendo que, no caso dos autos, “os RR. têm a mesma posição nos autos”, pelo que “o despacho de fls. 301 que admitiu in totum os requerimentos de parte pedidos deveu-se, seguramente, a lapso, já que o tribunal só pode fundamentar respostas à matéria de facto com a confissão dos depoentes”. “Logo, só se pode revestir de utilidade prática a audição das partes a matéria que lhes seja desfavorável”.
Sustenta, porém, o ora Agravante que, como não foi recurso do despacho de 10.10.2003, o mesmo tem força de caso julgado formal, sendo que, neste âmbito, o poder jurisdicional se mostra esgotado (cfr. artº 666º, nºs 1 e 3 do CPC). Assim, o despacho recorrido viola o caso julgado formal resultante do despacho de fls. 301, nos termos do artº 672º do CPC.
Consequentemente – conclui o ora Agravante -, em face da contradição existente entre as decisões em apreço e tendo em conta o disposto no arte 675º, nº 2 do CPC (no qual é preconizada a solução prevista no nº 1 do mesmo artigo), deverá cumprir-se a decisão transitada em julgado em primeiro lugar.
Quid juris ?
A questão de saber se o despacho que admitiu o depoimento de parte, mas sem se pronunciar sobre qualquer ponto concreto ou aduzir qualquer fundamentação relativa a essa admissão, constitui ou não caso julgado formal impeditivo de, posteriormente, se julgar inadmissível a produção dessa prova, foi, exaustiva e proficientemente, tratada no Acórdão do S.T.J. de 6/7/2000 (publicado in Col. Jur., 2000, Tomo II, pp. 143-144 e relatado pelo Conselheiro SILVA PAIXÃO).
Nele se concluiu que «o juiz só tem de pronunciar-se, verdadeiramente, sobre a admissibilidade do respectivo meio probatório no momento ou no acto de produção da prova, que é a fase essencial do procedimento próprio das provas constituídas (cfr. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, págs. 495/497, e Isabel Alexandre, “Provas Ilícitas em Processo Civil”, 1998, págs. 122/123)».
É claro que, «se o juiz, em momento anterior, indefere o requerimento que oferece a prova ou não admite determinado meio de prova e se o respectivo despacho não for impugnado pela via de recurso, o requerente fica proibido de fazer uso, ulteriormente, do meio probatório em questão» (ibidem).
Todavia, «alcance diferente tem, no entanto, o despacho de deferimento» (ibidem).
É que, «se o juiz se limita a deferir, sem se pronunciar sobre qualquer ponto concreto e sem aduzir qualquer tipo de fundamentação, “não se segue daí que haja necessariamente de se admitir a produção do depoimento” (cfr. Alberto dos Reis, “Anotado”, vol. IV, pág. 136)» (ibidem).
«E isto porque o despacho foi “proferido sobre inspecção superficial e ligeira do requerimento”, sendo certo que – como adverte Antunea Varela, in Rev. De Leg. E Jurisp., Ano 123º, pág. 27/28, para haver caso julgado formal é indispensável a existência de uma decisão, de um julgamento» (ibidem).
De sorte que, «em tal hipótese, “nem o depoente está impedido de evantar no acto do depoimento, quaisquer questões relativas à admissibilidade do meio de prova, em atenção às pessoas ou aos factos, nem o juiz fica de tal modo vinculado que tenha de admitir o depoimento nos precisos termos em que foi requerido”» (ibidem).
Em resumo: «No acto de produção de prova, é que o juiz “terá de verificar cuidadosamente se, e em que limites, pode proceder-se à produção do interrogatório”» (ibidem).
Consequentemente, um despacho como o proferido nos autos em 10/10/2003, no qual o tribunal se limitou a admitir o depoimento de parte requerido pelos Réus a fls. 293 e 269, sem se pronunciar sobre qualquer ponto concreto ou aduzir qualquer fundamentação relativa a essa admissão, não constituiu caso julgado formal (art. 672º do CPC), quanto à questão da admissibilidade do depoimento de parte sobre a matéria fáctica favorável a ambos os RR..
O juiz “a quo” não estava, portanto, impedido de, em momento ulterior, rejeitar, por inadmissível – falta saber se fundada ou infundadamente – o depoimento pessoal do 1ª R. à matéria dos outros quesitos da Base Instrutória que não os 1º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, bem como o depoimento pessoal do 2º R. à totalidade da matéria a que o mesmo fora indicado pelo co-Réu.
O despacho recorrido não incorreu, portanto, em violação do caso julgado formal e, consequentemente, o agravo improcede, quanto a esta 1ª questão.

2) SE, DE QUALQUER MODO, NÃO SÓ A LEI PROCESSUAL NÃO ESTABELECE TAL LIMITAÇÃO (CFR. ARTº 554º DO CPC), COMO PREVÊ EXPRESSAMENTE A FACULDADE DE O JUIZ DETERMINAR A COMPARÊNCIA PESSOAL DAS PARTES PARA A PRESTAÇÃO DE DEPOIMENTO SOBRE FACTOS QUE INTERESSEM À DECISÃO DA CAUSA (CFR. ARTº 552º, Nº 1 DO CPC), PELO QUE NÃO É EXACTO QUE O TRIBUNAL SÓ POSSA FUNDAMENTAR RESPOSTAS À MATÉRIA DE FACTO COM A CONFISSÃO DOS DEPOENTES E QUE, EM CONSEQUÊNCIA, SÓ REVISTA UTILIDADE PRÁTICA "A AUDIÇÃO DAS PARTES A MATÉRIA QUE LHES SEJA DESFAVORÁVEL".
Na tese do ora Agravante, não é exacto que o tribunal só possa fundamentar respostas à matéria de facto com a confissão dos depoentes e que, em consequência, só revista utilidade prática "a audição das partes a matéria que lhes seja desfavorável" (cfr. despacho recorrido). Isto porque não só a lei processual não estabelece tal limitação (Cfr. artº 554º do CPC), como prevê expressamente a faculdade de o juiz determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à decisão da causa (Cfr. artº 552º, nº 1, do CPC).
Quid juris ?
O depoimento de parte constitui o meio processual de provocar a confissão judicial (art. 356º, nº 2, do Código Civil).
Logo, só é admissível quando recai sobre factos desfavoráveis ao depoente, desde que a confissão é, por definição, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do Cód. Civil).
Por isso, o n.° 3 do art. 553° do Código do Processo Civil, ao permitir que seja requerido o depoimento do co-réu, tem de ser interpretado de forma a aplicá-lo apenas quando o comparte tem uma posição sobre um ou vários factos diferente da parte que requereu o seu depoimento, posição essa que desfavorece aquele e favorece esta (vide, neste sentido, inter alia, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 03/10/2000, proferido no R. 4840/00 e publicado in Col. de Jur., 2000, tomo IV, p. 102) (5)(6)(7).
Ora, não é esse, manifestamente, o caso dos autos, conforme se pode constatar do teor das Contestações do ora Agravante e do 2° Réu, das quais decorre claramente que ambos os RR. assumem e mesmíssima posição quanto à sua putativa responsabilidade pelo evento desencadeador dos prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial que os AA. se propõem efectivar, através da presente acção.
Eis por que o agravo improcede, necessariamente, quanto a esta 2ª questão.

3) SE, DE TODO O MODO, COMO OS FACTOS PARA OS QUAIS FOI REQUERIDO O DEPOIMENTO DO 2º R. RUI BOUÇA (QUESITOS 15º A 31º, 35º, 36º E 37º DA BASE INSTRUTÓRIA) CONSTITUEM UMA DESCRIÇÃO DOS EVENTOS QUE ANTECEDERAM A PARAGEM CARDÍACA DE RUTE FRANCISCO E REFERÊNCIA ÀS CONDIÇÕES DE REANIMAÇÃO EXISTENTES NO LOCAL DA INTERVENÇÃO, A MATÉRIA SUPRA REFERIDA SERÁ OU NÃO DESFAVORÁVEL AO 2º R., MÉDICO ANESTESIOLOGISTA COM INTERVENÇÃO NOS ACTOS SUB JUDICE, DEPENDENDO DAS RESPOSTAS QUE FOREM DADAS ÀQUELES QUESITOS.
Sustenta, finalmente, o agravante que os factos para os quais foi requerido o depoimento do 2º R. R (quesitos 15º a 31º, 35º, 36º e 37º da Base Instrutória) constituem descrição dos eventos que antecederam a paragem cardíaca da falecida filha dos AA. Rute Francisco e referência às condições de reanimação existentes no local da intervenção. Pelo que, dependendo das respostas que forem dadas àqueles quesitos, a matéria supra referida será ou não desfavorável ao 2º R., médico anestesiologista com intervenção nos actos.
Quid juris ?
Os factos indagados nos quesitos em questão foram invocados pelos próprios RR. contestantes (incluindo o co-R. cujo depoimento de parte foi requerido pelo ora Agravante) e são, manifestamente, favoráveis a ambos os RR.. Como assim, o depoimento que sobre eles viesse a ser produzido pelo co.R. R nunca poderia conduzir à confissão, a qual, por definição, é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art. 352º do Cód. Civil).
Donde que o agravo também improcede, quanto a esta derradeira questão.

O MÉRITO DA APELAÇÃO

1) SE, DESDE QUE A INTERVENÇÃO CIRÚRGICA À QUAL A FALECIDA RUTE SE SUBMETEU CONSTITUI UMA CIRURGIA DE RESULTADOS (E NÃO UMA CIRURGIA DE MEIOS), INCUMBIA AOS RÉUS PROVAR, SEM MARGEM PARA DÚVIDAS, QUE A MORTE DA RUTE NÃO RESULTOU DE QUALQUER ACTO NEGLIGENTE POR ELES PRATICADO, PROVA ESSA QUE NÃO FOI FEITA, POR ISSO QUE OS RR. NÃO LOGRARAM DEMONSTRAR A SUA ALEGAÇÃO DE QUE A RUTE VEIO A FALECER NA SEQUÊNCIA DUM CHOQUE ANAFILÁTICO (REACÇÃO ALÉRGICA AOS FÁRMACOS ADMINISTRADOS NA ANESTESIA): CFR. A RESPOSTA NEGATIVA DADA AO QUESITO 19º DA BASE INSTRUTÓRIA.

Na tese dos Apelantes, era aos Réus que incumbia provar, sem margem para dúvidas, que a morte da Rute não resultou de qualquer acto negligente por eles praticado, prova essa que não foi feita, por isso que os RR. não lograram demonstrar a sua alegação de que a Rute veio a falecer na sequência dum choque anafilático (reacção alérgica aos fármacos administrados na anestesia): cfr. a resposta negativa dada ao Quesito 19º da Base Instrutória.
Isto porque a cirurgia contratada entre os AA. (enquanto pais da falecida RUTE) e o ora 1ª Réu J constituía, não uma cirurgia de meios, mas antes uma cirurgia de resultados.
É que – sempre segundo os Apelantes -, embora a obrigação de um cirurgião plástico não difira da do cirurgião geral, já deve ser feita uma distinção entre cirurgia estética e cirurgia reparadora, parecendo que, neste caso, deve haver uma obrigação de meios e, no primeiro caso, uma obrigação de resultados. Na verdade, enquanto um paciente que tem de se submeter a uma intervenção cirúrgica sob pena de ver agravado o seu estado de saúde, sujeita-se à intervenção independentemente dos resultados obtidos, sob pena de perder qualidade de vida ou até de perder a vida, a situação é assaz diferente quando - como sucedeu no caso em apreço - o paciente se submete à intervenção cirúrgica por uma questão meramente estética, ou seja, para tornar mais bonito o seu aspecto fisico. Neste último caso, estamos perante uma cirurgia de resultados.
Quid juris ?

A) DA NATUREZA CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO 1º RÉU.
Segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (8), «é hoje praticamente indiscutível que a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual»(9). «Médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso»(10).
«Pelo simples facto de ter o seu consultório aberto ao público e de ter colocado a sua placa, o médico encontra-se numa situação de proponente contratual»(11). «Por seu turno, o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta»(12). «Tal factualidade é, por si só, bastante para que possa dizer-se, com toda a segurança, que estamos aqui em face dum contrato consensual pois que, regra geral, não se exige qualquer forma mais ou menos solene para a celebração de tal acordo de vontades»(13).
Também para ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (14), «dúvidas não restam que juridicamente a relação médico-doente haverá de enquadrar-se na figura conceitual de contrato - negócio jurídico constituído por duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na comum pretensão de produzir resultado unitário, embora com um significado para cada parte». «Com efeito, verificam-se aqui todos os seus elementos: de um lado a manifestação da vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico, e de outro, a aceitação por este desse encargo, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente»(15). «O médico (ou o estabelecimento organizado sob forma comercial para a prestação de assistência, a clínica) aceita prestar ao doente a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, de seu lado, a retribuição que for devida - muito embora este pagamento não seja elemento essencial»(16)(17).
A relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil dos médicos sustentava-se - segundo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(18) - nos seguintes preconceitos:
« - os direitos e deveres dos médicos resultam apenas da lei e de normas deontológicas;
- a vida e saúde humanas não podem ser objecto de negócios;
- as operae liberales não podem, segundo a tradição, ser objecto de relações jurídicas, por representarem a expressão máxima da liberdade dos que as exercem;
- o exercício das profissões liberais é gratuito por natureza; os “honorários” não significariam pagamento, mas um modo de “honrar” e agradecer».
Plausivelmente, «a tradicional relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil médica estava antes ligada a uma certa repugnância em aceitar que o médico pudesse considerar-se presumidamente culpado sempre que o tratamento tivesse efeitos nefastos ou não alcançasse as metas que as expectativas do agente haviam subjectivamente fixado»(19). «Com efeito, dispondo os diversos sistemas jurídicos que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”(20), facilmente se compreende a delicadeza de posição - sob o ponto de vista processual - em que o médico ficaria colocado, vendo-se sistematicamente obrigado a elidir a presunção de culpa que sobre ele, na qualidade de devedor, passaria a recair»(21).
Todavia, esse problema viria a ser superado com a posterior adopção da distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultados(22). Segundo DEMOGUE(23), «a obrigação que pode recair sobre um devedor não é sempre da mesma natureza». «Pode ser uma obrigação de resultado ou uma obrigação de meios (...)»(24). «Ao invés de prometer-se um resultado, pode ser-se obrigado legal ou convencionalmente a tomar certas medidas que por via de regra são de molde a conduzir a um certo resultado (...)»(25)(26).
Um exemplo clássico das obrigações do segundo tipo (obrigações de meios) constitui precisamente - segundo MANUEL DE ANDRADE(27) - a obrigação contratual do médico. «Embora o doente busque naturalmente, ao recorrer ao médico, a sua cura, a sua saúde perdida - ou que ele lhe evite um estado de doença -, o médico não se obriga à produção de tal resultado, mas apenas a empregar uma certa diligência para tentar curar o doente ou evitar-lhe o mal que ele receia; somente se vincula - por outras palavras - a prestar-lhe assistência, mediante uma série de cuidados ou tratamentos aptos a curar»(28). «Só a isso se obriga, só por isso responde»(29). Por isso, «se o médico tratou como devia o enfermo, sem ter, no entanto, conseguido evitar-lhe a morte, não responde pelo eventus mortalitatis, justamente porque cumpriu a sua obrigação, podendo, assim, onde seja o caso de uma relação sinalagmática, exigir ou reter a respectiva contraprestação»(30)(31)(32)(33).
Ora, «bem se compreende que o ónus da prova da culpa funcione em termos diversos num e noutro tipo de situação, pois que enquanto no primeiro caso obrigações de resultado a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor (podendo este todavia provar o contrário), no segundo tipo de situações caberá ao credor fazer a demonstração em juízo que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do resultado almejado»(34). Efectivamente, segundo JOÃO ÁLVARO DIAS(35), «admitir solução diversa, isto é, fazer recair sobre o devedor (v.g., o médico) a prova de que a sua actuação não foi desconforme com certas regras de conduta (v.g., leges artis) abstractamente idóneas a favorecerem a produção de um certo resultado (a cura, p. ex.), equivaleria a uma quase autêntica impossibilidade, pois que se teria então de provar uma afirmação negativa indefinida»(36)(37).
Também para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA(38) - Autor que, como vimos supra (39), não enfileira pela qualificação da obrigação assumida pelo médico como uma obrigação de meios, preconizando antes a qualificação dessa obrigação como uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, por isso que, segundo ele, «o médico não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável», de sorte que, «ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento» -, muito embora «a presunção de culpa do devedor estabelecida no art. 799º, nº 1, do Código Civil se justifique plenamente na generalidade das obrigações contratuais, pois que facilmente se aceita que, perante uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso, se presuma que o devedor não usou a diligência devida para realizar a prestação a que estava obrigado» (40), «todavia, essa mesma presunção de culpa não se justifica na área da responsabilidade médica». É que «a existência de uma relação contratual entre o médico e o paciente não acrescenta, na área da responsabilidade profissional, qualquer dever específico aos deveres gerais que incumbem a esse profissional (41), pelo que parece não dever atribuir-se qualquer relevância, quanto ao ónus da prova da culpa, à eventual celebração de um contrato entre esses sujeitos»(42). «Dado que a posição do médico não deve ser sobrecarregada, através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu, nem podia garantir, o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual»(43)(44)(45).
Superado, assim, o obstáculo no qual radicava a tradicional relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil dos médicos - a relutância em fazer recair sobre o médico a prova da conformidade da sua actuação com as leges artis -, aceita-se hoje consensualmente que a regra é a da natureza contratual da responsabilidade médica.
Casos há, porém, «em que a actuação ilícita do médico, causadora de resultados danosos para o doente, pode configurar uma situação de responsabilidade extracontratual»(46).
«Assim, p. ex., no caso de um médico prestar assistência a uma pessoa inanimada ou a um incapaz cujo representante legal não conhece ou, de todo, não pode contactar»(47)(48).
E «o mesmo se diga daquelas situações em que o médico que pratica certo facto lesivo é agente de um serviço público (caso não se aceite a natureza contratual da responsabilidade das instituições e serviços públicos de saúde) ou daquelas outras em que determinada actuação médica, por força da ilicitude do acto e da culpa do agente, configura determinado tipo legal de crime (v.g., ofensas corporais, homicídio negligente, prática ilegal de aborto, revelação de siligo profissional)»(49).
«Isto para já não falar dos casos em que o contrato médico é nulo por ilicitude do objecto (v.g., uma intervenção experimental extremamente arriscada sem fim curativo) ou de certas situações de responsabilidade dos médicos perante terceiros (50) (v.g., emissão de um atestado que não corresponde à verdade (51)) ou, por fim, de todas aquelas situações em que os danos provocados pelo médico no decurso do tratamento nenhuma conexão funcional têm com ele (v.g., destruição dum quadro provocada pela explosão de uma mistura inflamável manipulada pelo médico, subtracção de valores aquando de uma visita ao domicílio)»(52).
Segundo ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR(53), «também, e em relação ao próprio doente, o médico apenas pode ser responsabilizado extracontratualmente, se a sua actuação, violadora dos direitos do doente e culposa, se processou à margem de qualquer acordo existente entre ambos, o que acontecerá em todos os casos em que o médico actue em situações de urgência que não permitem qualquer hipótese de obter o consentimento, o acordo do doente» (54)(55).
Também para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(56), «a responsabilidade delitual constitui meio exclusivo, quando contrato não haja, e concorre com a responsabilidade contratual, quando o médico viola um direito subjectivo absoluto incidente sobre a vida ou a saúde do paciente». Porém, «a violação de outros direitos, designadamente de natureza patrimonial, só é ressarcível em sede contratual»(57).
Na mesma linha, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA(58) sustenta que a responsabilidade civil médica «é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais»; «em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art. 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)».
Em conclusão: «a natureza da responsabilidade médica não é unitária e (...), ao lado de um quadro contratual que constitui a regra, deparamos com situações múltiplas, em que a natureza delitual da responsabilidade é absolutamente indiscutível»(59).
No caso dos autos, porém, dúvidas não existem de que entre os Autores, por um lado, e o médico 1º Réu, pelo outro, foi ajustado um verdadeiro contrato.
Provou-se, efectivamente, que:
a) - A Rute era filha dos AA..
b) - A Rute decidiu submeter-se a uma intervenção de lipoaspiração dos culotes, tendo escolhido para realizar a intervenção o R. J.
c) – A Rute recorreu ao R. J na sequência de indicações de amigas de que se tratava de cirurgião plástico e na sequência de convicção gerada por este de que estava habilitada para o efeito.
d) - Antes da submissão à cirurgia, por indicação do R. J, a Rute realizou exames médicos que não revelaram qualquer contra-indicação à realização da intervenção.
e) - A Rute deu o seu consentimento à operação, cfr. doc. de que se mostra junta cópia a fls. 41, em que assinaladamente se lê o médico informou-me que todos os procedimentos técnicos médico-cirúrgicos são com vista a um bom resultado. Fui também informado, apesar disso, de possíveis complicações no pós operatório, nomeadamente hematomas, cicatrizes alargadas, etc.... Foi-me garantido todo o acompanhamento pelo médico de forma a obter os melhores resultados. Também estou ciente de que o Dr. J estará ocupado com a cirurgia e que a não ser que seja administrada uma anestesia local, a administração e manutenção da anestesia geral são funções da responsabilidade do anestesista e por isso consinto que me sejam administradas tais anestesia ou outras que o anestesista julgue aconselháveis neste caso.
Assente que entre os pais da falecida RUTE (ora Autores) e o 1º Réu intercedeu um verdadeiro contrato, a eventual responsabilidade civil deste R. perante os Autores, pelos danos sobrevindos em consequência da intervenção cirúrgica que aquele realizou na pessoa da filha dos mesmos, assume natureza contratual.

B) DA NATUREZA EXTRA-CONTRATUAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO 2º RÉU.
Por força do disposto no art. 800º, nº 1, do Código Civil, «o médico é responsável pelos actos das pessoas que utilizou no cumprimento das suas obrigações como se fossem praticados por si próprio»(60).
«Daí que se um doente contratar com certo cirurgião a realização de determinada intervenção este é contratualmente responsável pelos actos de todos os elementos da equipa»(61)(62). «Delitualmente, existe também uma responsabilidade estrita do comitente, desde que o comissário tenha agido com culpa e sob a autoridade daquele (artigo 500º do Código Civil»(63)(64).
A ideia que preside à solução de responsabilizar civilmente os médicos pelos actos negligentemente praticados pelos seus auxiliares «é a de que os médicos apenas poderão delegar nos seus auxiliares as incumbências que as suas capacidades permitam levar a bom termo»(65).
«Em todo o caso (...) a responsabilidade limita-se, no caso do art. 800º, aos actos praticados no cumprimento da obrigação, não abrangendo os praticados por ocasião do cumprimento mas nada tendo a ver com este»(66). «Por outro lado, atento o disposto na parte final do nº 1, que considera existir responsabilidade do devedor “como se os actos dos auxiliares fossem praticados pelo próprio devedor”, deverá considerar-se que se o facto danoso não for imputável ao auxiliar, se ele não tiver culpa, não é o devedor (médico) responsável, a não ser que tenha culpa directa, por ter sido negligente na escolha do auxiliar, nas deficientes instruções que lhe deu ou na forma como acompanhou a sua actuação (arts. 798º, 801º, nº 1, e 500º do Código Civil)»(67).
De qualquer modo, relativamente aos actos praticados pelo médico anestesista, embora «sem excluir liminarmente a possibilidade de um médico poder actuar como auxiliar de outro médico (art. 800º do Código Civil), de molde a responsabilizá-lo pelos actos que o primeiro pratique, a verdade é que não se vê bem que tal qualificação quadre em absoluto à relação cirurgião-anestesista»(68).
Pelo menos nos casos em que o doente faz questão de ser assistido por determinado profissional especialista em anestesiologia, em vez de um outro que alternadamente faz equipa com o cirurgião, «só forçando a realidade das coisas se poderá afirmar que o anestesista é um mero auxiliar do cirurgião»(69). «Ao contrário, deverá considerar-se que é o próprio anestesista que pessoal e directamente responde pelos danos causados por força de qualquer actuação negligente»(70). Efectivamente, «cirurgiões e anestesistas têm áreas bem delimitadas de responsabilidade perante o doente e, por via de regra, nenhum deles controla ou dirige as actividades do outro»(71). Consequentemente, «os anestesistas são, em princípio, autónomos e (…) o cirurgião não é responsável pelos actos que os primeiros pratiquem»(72)(73).
De resto – segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243)-, «se é verdade poder afirmar-se que, em certos casos, o anestesista não tem qualquer relação com o doente antes da intervenção, na maior parte dos casos vai examiná-lo antes, inteirar-se do seu dossier, recomendar-lhe certas análises». «Forma-se assim entre o médico anestesista e o doente um contrato, por força do qual este último aceita submeter-se aos cuidados que o primeiro se propõe prestar-lhe»(74).
Aliás – sempre segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243) -, «parece curial considerar que se acaso o médico anestesista, ressalvadas circunstâncias excepcionais, tomasse a seu cargo o doente em plena sala de operações, sem previamente ter tido qualquer contacto com ele e o haver examinado, estaria só por isso a praticar um facto ilícito e culposo, susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade por qualquer dano que daí pudesse advir».
De todo o modo, «se não houver qualquer contacto anterior à operação com os colaboradores do cirurgião nem elementos dos quais se deduza que o cirurgião tenha actuado em representação de algum ou de cada um dos outros médicos ou do doente, concluir-se-á que nenhum contrato foi celebrado entre os colaboradores e o doente»(75)(76).
No caso dos autos, está provado que:
a) - Em 9-12-1999, a Rute foi para a sala de operações e sujeita a anestesia local.
b) - A administração da anestesia foi realizada com a intervenção R. R, médico anestesista.
c) - O R. R é médico com a especialidade de anestesista.
Tudo indicia, pois, que não foi a falecida RUTE, nem foram os pais desta ora Autores quem fez questão que aquela fosse assistida, em matéria de anestesiologia, pelo médico especialista ora 2º Réu, antes fazendo este habitualmente equipa com o médico ora 1º Réu.
Em todo o caso, e embora, ordinariamente, o circurgião responda pelos actos do pessoal auxiliar (enfermeiros, instrumentistas, etc), nos termos do cit. art. 800º do Código Civil, o mesmo princípio não vale para o médico anestesista ou outros especialistas que intervenham em relação de paridade com o cirurgião (77). Consequentemente, o ora 2º R., enquanto médico especializado em anestesiologia, responde autonomamente, perante os AA., pelos actos por si praticados.
E, como tudo indicia que ele não examinou a RUTE antes da intervenção cirúrgica a que esta ia submeter-se, antes tomou a seu cargo a doente em plena sala de operações, sem previamente ter tido qualquer contacto com ela e a haver examinado, a sua responsabilidade civil por quaisquer danos advenientes da sua actuação dentro da sala de operações é, portanto, de índole extra-contratual ou aquiliana.
Isto porque – como defende MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA(78) - a responsabilidade civil médica «é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais»; mas, «em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art. 483º, nº 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)».
O que, todavia, não exclui que o médico ora 1º R. responda, perante os AA., pelos danos decorrentes da actuação do médico anestesista ora 2º R..
De facto, tendo sido ele (o ora 1º R.) quem tomou a iniciativa de incluir o médico anestesista ora 2º R. na equipa médica ou cirúrgica que se ocupou da realização da cirurgia a que foi submetida a RUTE, sempre lhe poderão ser imputados os danos provocados por aquele membro da sua equipa (79).

C) O ÓNUS DA PROVA NAS ACÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA.
Entre nós, a generalidade da doutrina e da jurisprudência propende para entender que, salvo em casos excepcionais (como, por exemplo, quando sejam empregues pelos médicos meios perigosos, designadamente aparelhos de ressonância magnética, de anestesia, de hemodiálise, incubadoras, etc. – hipóteses em que incumbirá ao médico que deles fez uso provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil), a presunção de culpa do devedor consagrada no art. 799º, nº 1, do Código Civil não tem lugar no domínio da responsabilidade civil médica.
Isto porque «não recai sobre o médico, em regra, qualquer obrigação de resultado, pelo que o ónus da prova da culpa é determinado exclusivamente pelo regime da responsabilidade extracontratual»(80).
É que «a existência de uma relação contratual entre o médico e o paciente não acrescenta, na área da responsabilidade profissional, qualquer dever específico aos deveres gerais que incumbem a esse profissional (81), pelo que parece não dever atribuir-se qualquer relevância, quanto ao ónus da prova da culpa, à eventual celebração de um contrato entre esses sujeitos»(82). «Dado que a posição do médico não deve ser sobrecarregada, através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu, nem podia garantir, o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual»(83).
Adentro desta orientação, as únicas excepções admitidas poderão verificar-se na área da cirurgia estética, em que o médico se compromete a produzir um certo resultado estético no paciente, ou no caso de transfusão sanguínea em que o médico assume a não existência de qualquer risco para o paciente, ou no caso do médico analista que comunica ao paciente, por engano, um resultado distinto do verdadeiro e também no caso do médico radiologista, ou no campo da odontologia, da vasectomia, etc (84). «De resto, mesmo no que concerne às situações de cirurgia estética em que predomina a finalidade terapêutica, será discutível se, atendendo ao grau de intensidade da obrigação e do risco a que o paciente se submete, haverá uma obrigação de resultado, ou antes uma verdadeira obrigação de meios»(85).
É certo que, para algumas vozes, o nº 2 do artigo 493º do Cód. Civil, que estabelece uma presunção de culpa a cargo de quem causar danos a outrém no exercício duma actividade perigosa, seja por sua própria natureza seja pela natureza dos meios utilizados, só se livrando da obrigação de indemnizar “se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, também seria aplicável no âmbito da responsabilidade médica, por serem frequentemente utilizados, no decurso dos tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, coisas e instrumentos perigosos (86).
Todavia, predomina largamente, na doutrina, o entendimento segundo o qual a regra do cit. art. 493º-2 apenas funciona quando há utilização, pelo médico, de aparelhos ou máquinas que exigem um manuseamento cuidado e atento: só nestes casos é que incumbe ao médico provar que os danos provocados por um desses aparelhos ou máquinas não são devidos a uma utilização negligente, mas a factores independentes dessa circunstância, como, por exemplo, a um defeito de fabrico (87)(88).
De todo o modo, há, entre nós, quem sustente que, estabelecendo-se entre o médico e o paciente um contrato, recai sobre o médico, por força da aplicação do regime da responsabilidade contratual, em caso de incumprimento, a presunção de culpa estabelecida no cit. art. 799º, nº 1, do Cód. Civil. Estão nessa linha, nomeadamente, SINDE MONTEIRO/MARIA MANUEL VELOSO e ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES (89)
Segundo este último Autor, «consagrando o art. 799º, nº 1, do C. Civil, uma presunção de culpa do devedor, caso se considere que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus de prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, pois o resultado do seu trabalho intelectual e manual é o próprio tratamento e não a cura». Isto porque, «no domínio da responsabilidade contratual não militam quaisquer razões de peso específicas da responsabilidade médica, que abram uma brecha na presunção de culpa do devedor consagrada no nº 1 do art. 799º do C. Civil»(90) é assim «quer se entenda que a obrigação contratual do médico é uma obrigação de meios, quer se considere que a mesma é uma obrigação de resultado» (91)O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso» (92)(93) «com isto em nada se está a agravar a posição processual do médico, que disporá de excelentes meios de prova no seu arquivo, na ficha clínica, no processo individual do doente, além do seu acervo de conhecimentos técnicos» (94)r outro lado, tal posição tem o mérito de não dificultar substancialmente a posição do doente que, desde logo, está numa posição processual mais debilitada, pois não sendo, geralmente, técnico de medicina não dispõe de conhecimentos adequados e, doutra banda, não disporá dos registos necessários (e, possivelmente, da colaboração de outros médicos) para cabal demonstração da culpa do médico inadimplente»(95)sta posição, acerca do funcionamento da presunção de culpa do art. 799º-1 do Cód. Civil no campo da responsabilidade civil médica, foi acolhida no Acórdão do S.T.J. de 17/12/2002, relatado pelo Conselheiro AFONSO DE MELO e proferido no Proc. nº 02A4057 (96)te aresto, entendeu-se que:
«O médico, e é esta a actividade profissional que importa considerar aqui, põe à disposição do cliente a sua técnica e experiência destinadas a obter um resultado que se afigura provável.
Para isso compromete-se a proceder com a devida diligência.
Esta conduta diligente é assim objecto da obrigação de meios que assume.
Quando o cliente se queixa que o médico procedeu sem a devida diligência, isto é, com culpa, está a imputar-lhe um cumprimento defeituoso.
Não se vê assim qualquer razão para não fazer incidir sobre o médico a presunção de culpa estabelecida no art.º 799º, nº1, do C. Civil.
O que é equitativo, pois a facilidade da prova neste domínio está do lado do médico.
Se depois de uma intervenção cirúrgica simples as condições do paciente são piores do que as anteriores, presume-se que houve uma terapia inadequada ou negligente execução profissional.
(…)
Não aproveita à recorrente não se ter provado que a técnica operatória utilizada pelo B não foi uma clara violação às técnicas e artes médicas e operatórias (facto do art.º 38º da base instrutória, alegado pelo A).
É que o ónus da prova cabia ao R.
Nem o art.º 799º do C. Civil foi incorrectamente aplicado, nem o art.º 342º, nº1, do mesmo Código foi erroneamente omitido (havendo presunção legal de culpa do R, as regras dos artigos anteriores invertem-se - art.º 344, nº 1, também do C. Civil)».
Porém, MANUEL ROSÁRIO NUNES 97) discorda radicalmente do entendimento preconizado por SINDE MONTEIRO/MARIA MANUEL VELOSO e por ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES e adoptado no cit. Ac. do S.T.J. de 17/12/2002 e interroga-se: «O que seria se se instituísse a “tese” de que sempre que um paciente morresse às mãos do médico haveria uma situação de incumprimento contratual à qual se aplicaria a presunção de culpa decorrente do art. 799º do C. Civil ?».
Segundo este Autor (98), «na actividade médica em geral, a obrigação resultante dos contratos de serviço médico é uma obrigação de tratamento, ou seja, uma obrigação que tem como objectivo a atingir o tratamento, cujo conteúdo é determinado pelo médico, mas que depende também do factor reacional de cada paciente».
«E, não se prescindindo da colaboração do paciente, aquela obrigação de tratamento que impende sobre o médico é, sob o prisma da clássica distinção defendida por RENÉ DEMOGUE, fundamentalmente uma obrigação de meios ou de diligência e, excepcionalmente, uma obrigação de resultado como parece acontecer na generalidade das intervenções de cirurgia estética com fins de embelezamento»(99).
«Aos médicos incumbirá, pois, uma obrigação contratualmente assumida, de desenvolver prudente e diligentemente, atento o estado científico actual das leges artis, certa actividade para se obter um determinado efeito útil, que se traduza em empregar a sua ciência no tratamento do paciente, sem que se exija a este a obtenção vinculada de um certo resultado: a “cura”»(100). «Em suma, (…), ao invés de o médico prometer um certo resultado, a “cura”, por exemplo, um diagnóstico correcto em todos os casos (v.g. as situações de malformações), apenas estará obrigado legal ou convencionalmente a adoptar um comportamento que conduza a um resultado, ou seja, um comportamento que expresse os cuidados devidos na prestação de um serviço médico»(101).
Todavia, mesmo para quem – como MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA e MANUEL ROSÁRIO NUNES – considere que, ainda que a relação médico-paciente se estabeleça num quadro contratual, a presunção de culpa estabelecida no art. 799º-1 do Cód. Civil não funciona no campo da responsabilidade civil médica, pelo que o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual, sempre «haverá que lançar mão de mecanismos que, atentas as dificuldades no domínio da prova salvaguardem a posição dos lesados, permitindo-se uma apreciação da prova produzida pelo paciente com ponderação dessas mesmas dificuldades»(102).
É certo que, entre nós, não é possível, à luz do direito constituído, «alterar ou inverter a repartição legal do ónus da prova com o fundamento na falta de preparação técnica da parte onerada ou na especial dificuldade dessa prova para essa parte (excepto se essa dificuldade tiver sido causada pela contraparte, art. 344º, nº 2, do Código Civil), mas é possível compensar – se assim se pode dizer – o formalismo da repartição legal do ónus da prova imposta pelo art. 342º do Código Civil através da liberdade de apreciação da prova realizada pela parte, pois que, como se estabelece no art. 655º do Código de Processo Civil, a apreciação da prova depende da convicção que o tribunal formar sobre a actividade probatória desenvolvida pela parte»(103).
«Daí que, neste contexto, a prova de primeira aparência assuma importância determinante, no que respeita à culpa e ao nexo de causalidade, uma vez que, se o paciente sofre uma lesão na sua saúde após a sujeição a determinado acto médico (v.g. cirúrgico), será de presumir que, em princípio, aquela intervenção foi adequada à produção daquele dano e que, segundo a “normalidade das coisas”, “a experiência comum”, o dano provavelmente não teria ocorrido se caso fossem observadas todas as regras técnicas, de acordo com o estádio actual dos conhecimentos médico-científicos aplicáveis ao caso»(104).
«Trata-se, em suma, de uma técnica dedutiva que permite concluir que houve negligência por parte do médico, porque a experiência comum revela que, no curso ordinário das coisas, certos acidentes não poderão ocorrer senão por uma causa que se traduza em crassa incompetência e falta de cuidado»(105).
No que tange à culpa do médico, «um dos factores a considerar na avaliação dessa culpa é, sem dúvida, a probabilidade da verificação acidental do dano sofrido pelo paciente»(106). «Quanto maior for essa probabilidade, isto é, quanto maior for a probabilidade de o dano ter sido causado por uma situação fortuita e imprevisível, menor é a probalidade de o médico ter actuado negligentemente»(107). «Nessa mesma perspectiva, um erro grosseiro – isto é, uma violação indiscutível segundo o estado de conhecimento da ciência médica no momento do diagnóstico ou do tratamento – é suficiente para indiciar, através de uma presunção judicial ou prova prima facie, a negligência do médico, pois que dificilmente se pode aceitar (e demonstrar) que a lesão efectivamente sofrida pelo paciente não tem origem naquele erro»(108). «Em todo o caso, essa demonstração, que, embora difícil, não é impossível, incumbe ao médico demandado»(109).
Já no que concerne ao nexo de causalidade entre a conduta negligente do médico e os prejuízos sofridos pelo paciente, parece dever ser-se mais exigente, porquanto, «se o dano sofrido for imputável, segundo a normalidade das coisas, a uma actuação negligente do médico, é a este que incumbe a prova de que, no caso concreto, não há qualquer nexo de causalidade entre esse dano e qualquer erro de diagnóstico ou de tratamento ou, mais precisamente, de que aquele dano se deve a um nexo causal pelo qual ele não é responsável»(110).
Expostas, em linhas gerais, as duas orientações detectadas na doutrina e na jurisprudência portuguesas, em matéria de repartição do ónus da prova da culpa do médico, nas acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil médica, é, finalmente, chegada a altura de abordar o caso dos autos.
Como já se vai ver, qualquer que seja a orientação que se perfilhe, acerca do modo como se distribui o ónus da prova da culpa do médico nas acções de responsabilidade civil médica, sempre se terá de concluir pela constituição de ambos os RR. na obrigação de indemnizar os AA. – ao contrário do que, erroneamente, foi entendido na sentença ora recorrida.
Assim é que:
a) para quem considere que a presunção de culpa estabelecida no art. 799º-1 do Cód. Civil não deixa de funcionar no campo da responsabilidade civil médica, quando a relação médico-paciente se estabelece num quadro contratual, o ora 1º R. JOSÉ DE MENDIA não logrou ilidir a presunção de culpa que o onerava, visto não ter conseguido provar a sua alegação fáctica de que a paragem cardio-respiratória sofrida pela Rute Francisco fosse decorrente do choque anafilático (reacção alérgica medicamentosa grave aos fármacos anestésicos) – cfr. a resposta negativa dada ao Quesito 19º da Base instrutória -, sendo certo que – como se observou no já cit. Acórdão do S.T.J. de 17/12/2002, relatado pelo Conselheiro AFONSO DE MELO -, “se depois de uma intervenção cirúrgica simples as condições do paciente são piores do que as anteriores, presume-se que houve uma terapia inadequada ou negligente execução profissional“ (111);
b) para aqueles que sustentam que, ainda que a relação médico-paciente se estabeleça num quadro contratual, a presunção de culpa estabelecida no art. 799º-1 do Cód. Civil não funciona no campo da responsabilidade civil médica, pelo que o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual, sendo que, porém, um erro grosseiro – isto é, uma violação indiscutível segundo o estado de conhecimento da ciência médica no momento do diagnóstico ou do tratamento – é suficiente para indiciar, através de uma presunção judicial ou prova prima facie, a negligência do médico e, por outro lado, se o dano sofrido for imputável, segundo a normalidade das coisas, a uma actuação negligente do médico, é a este que incumbe a prova de que, no caso concreto, não há qualquer nexo de causalidade entre esse dano e qualquer erro de diagnóstico ou de tratamento, temos que, no caso dos autos, os ora 1º e 2º RR. cometeram um erro grosseiro ao não terem procedido, de imediato, após a paragem cardio-respiratória que a falecida RUTE sofreu aquando da administração da anestesia local, com sedação, à entubação orotraqueal da paciente (112), tendo antes optado por lhe administrar fármacos e por proceder a massagem cardíaca externa (o R. J) e a ventilação manual (o R. R), só tendo finalmente realizado a entubação orotraqueal da paciente quando constataram, muitos minutos depois, que a paciente não recuperava, sendo certo que nenhum dos RR. logrou provar a inexistência de qualquer nexo causal entre o dano-morte sofrido pela RUTE e o erro erro de tratamento por eles cometido.
Assente, pois, que ambos os RR. estão constituídos na obrigação de indemnizar os danos decorrentes da sua negligente actuação profissional, tanto basta para que a sentença ora sob censura - que julgou a acção (totalmente) improcedente e, em consequência, absolveu ambos os RR. (e a interveniente AXA Portugal – C.ª de Seguros, S.A.”) de todos os pedidos contra eles formulados pelos Autores – não possa subsistir.
A procedência da presente apelação não implica, porém, a baixa do processo à 1ª instância para aí ser proferida nova sentença que decida do mérito dos vários pedidos condenatórios formulados pelos Autores/Apelantes, em conformidade com o juízo, perfilhado por esta Relação, acerca da efectiva constituição dos ora Réus/Apelados na obrigação de indemnizar os Autores/Apelantes.
Efectivamente, desde que – como, in casu, sucede – a Relação disponha dos elementos necessários, compete-lhe (nos termos do art. 715º, nº 3, do CPC revisto de 1995/96) conhecer, no mesmo acórdão em que revoga a sentença recorrida, de todas aquelas questões que o tribunal de 1ª instância considerou prejudicadas pela (errónea) solução por si dada ao litígio, no segmento em que considerou não provado o indispensável nexo de causalidade entre a conduta dos Réus/Apelados e a morte da filha dos Autores/Apelantes.
Uma vez assente, pois, que os ora Réus/Apelados estão ambos constituídos na obrigação de indemnizar todos os prejuízos de índole patrimonial e não patrimonial directamente decorrentes do falecimento da RUTE (cfr. supra), resta apreciar o mérito de todos e cada um dos vários pedidos indemnizatórios formulados pelos aqui Autores/Apelantes.

A) A INDEMNIZAÇÃO DO DANO-MORTE.
Como é sabido, a despeito da querela que, nesta matéria, divide profundamente a doutrina nacional(113), prevalece largamente, ao nível da jurisprudência, o entendimento segundo o qual, como a vida representa uma vantagem, um bem com conotações patrimoniais e morais amplamente protegido pelo Direito, a supressão desse bem acarreta um dano infligido ao morto e a certos elementos da comunidade que o rodeiam, sendo que a indemnização devida à vítima se transmite, pela morte, aos seus sucessores(114).
No caso dos autos, os Autores/Apelantes reclamam dos Réus/Apelados € 240.000 euros, a título de indemnização pela lesão do direito à vida da falecida filha daqueles.
Quid juris ?
Tratando-se do mais valioso dos bens juridicamente tutelados e, apesar de estar demonstrado que, no caso dos autos, a Rute nasceu em 24-10-1978 e faleceu em 12-12-1999 (aos 21 anos de idade), tendo sido submetida à intervenção cirúrgica no decurso da qual veio a falecer, não porque o seu estado de saúde estivesse em perigo, mas tão somente por razões puramente estéticas, pelo que, em princípio, estava em perfeitas condições para continuar a disfrutar da vida durante muitos mais anos, considera-se, ainda assim, que a indemnização reclamada a este título pelos AA. (240.000,00 euros, quantia equivalente a Esc. 48.115.680$00) é muito exagerada, indo muito além dos valores que vêm, ultimamente, sendo praticados na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Efectivamente, uma rápida incursão pelas decisões jurisprudenciais proferidas nesta matéria, em anos mais recentes, revela-nos que:
a) segundo o Ac. da Rel. de Lisboa de 29/6/2000 (proferido no Proc. nº 0031198 e relatado pelo Desembargador SALAZAR CASANOVA, cujo sumário pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt), «presentemente, é de considerar razoável o montante de 5.000.000$00 como indemnização pela perda do direito à vida»;
b) o Ac. da Rel. de Lisboa de 18/1/2000 (proferido no Proc. nº 0073895 e relatado pelo Desembargador CARMONA DA MOTA, cujo texto integral está disponível para consulta, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) considerou «exagerada a indemnização de 20.000 contos (fixados na 1ª instância) e mais adequada a de 7.500 contos a atribuir aos pais pela morte do filho, com 20 anos dotado de grande sentido de responsabilidade e que gozava da consideração e estima de amigos e colegas, sendo sempre bom aluno, frequentando o último ano de um curso superior de "Design", com qualidades reconhecidas por colegas e professores»;
c) o Ac. da Rel. de Coimbra de 11/7/2000 (proferido no Proc. nº 1814/2000 e relatado pelo Desembargador ABRANTES GERALDES, cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) entendeu que, «sendo a vítima uma jovem com 19 anos, excelente aluna, com futuro promissor na área da economia, saudável, gentil e que suscitava amizades e simpatias, justifica-se 8.000.000$00 como compensação do dano-morte»;
d) o Ac. da Rel. do Porto de 27/11/2002 (proferido no Proc. nº 0140488 e relatado pelo Desembargador FERNANDO BAPTISTA, cujo sumário pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) considerou que «a perda do direito à vida é indemnizável em montante variável, atendendo-se verbi gratia à idade da vítima, ao seu apego à vida, à sua situação socio-económica», pelo que, «provado que a vítima era um homem saudável, alegre, muito apegado à vida, dedicando grande afecto à esposa, mostra-se equitativa a indemnização de 6.000 contos correspondentes à perda do direito à vida»;
e) o Ac. da Rel. de Coimbra de 21/2/2003 (proferido no Proc. nº 3506/02 e relatado pelo Desembargador TÁVORA VÍTOR, cujo texto integral está disponível para consulta, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) entendeu que «é equilibrado o montante de Esc. 8.000.000$00 para compensar o direito à vida de uma pessoa que esteja no nível etário da companheira do Autor»;
f) o Ac. do S.T.J. de 2/12/2004 (proferido no Proc. nº 04B3097 e relatado pelo Conselheiro FERREIRA GIRÃO, cujo texto integral está disponível para consulta, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) considerou que, «sendo a vítima mortal de um acidente de viação (ocorrido por culpa exclusiva do outro interveniente) um jovem de 20 anos de idade, trabalhador e generoso, filho exemplar, que sofreu dores e angústia durante a hora que antecedeu a sua morte, tendo esta determinado um síndroma depressivo à autora, sua mãe, mostram-se justos e consonantes com a jurisprudência dominante os seguintes valores indemnizatórios: - 8.000.000$00 pela perda do direito à vida…»;
g) o Ac. do S.T.J. de 16/12/2004 (proferido no Proc. nº 04B4262 e relatado pelo Conselheiro SALVADOR DA COSTA, cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) entendeu que «é adequada a compensação no montante de quarenta e cinco mil euros, fixada por referência ao dia 11 de Dezembro de 2003 [data da prolação da sentença], pela perda do direito à vida de uma pessoa com doze anos de idade, quatro dias depois das lesões sofridas em acidente de viação, envolvente de culpa presumida do agente, ocorrido cerca de oito anos e meio antes»;
h) o Ac. do S.T.J. de 5/5/2005 (proferido no Proc. nº 05B521 e relatado pelo Conselheiro ARAÚJO DE BARROS, cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) considerou equitativa a atribuição do montante de Esc. 9.000.000$00 a título de indemnização pelo dano da morte, num caso em que a vítima tinha 25 anos de idade, não consumia bebidas alcoólicas, nem fumava, praticava desportos ao ar livre e era um jovem alegre, vivia na companhia do pai e telefonava à mãe e visitava-a em França;
i) o Ac. do S.T.J. de 15/3/2006 (proferido no Proc. nº 06P656 e relatado pelo Conselheiro JOÃO BERNARDO, cujo texto integral pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt) considerou que a quantia de quarenta mil euros relativa a pessoa de 29 anos, alegre, jovial, saudável, dinâmica, trabalhadora, com uma vida inteira cheia de projectos e de sonhos pela frente, não peca por excesso.
Acresce que, desde que considerado esse valor em decisão do Provedor de Justiça de 19/3/2001, publicada no Diário da República, II Série, nº 96, de 24/4/2001 (Parte VIII, nº 56.), firmou-se no Supremo Tribunal de Justiça o montante de 10.000.000$00 como o adequado para ressarcir/compensar o dano/morte(115).
Ora – como se sabe -, nas "demais circunstâncias do caso", a que a lei (o art. 494º do Código Civil, aplicável por remissão do art. 496º, nº 3, do mesmo diploma) manda atender para fixação da indemnização por danos morais, incluem-se os padrões normalmente utilizados pelos tribunais em casos análogos e tudo o mais que acompanhe o caso concreto.
Consequentemente, o pedido indemnizatório formulado pelos Autores/Apelantes, a título de indemnização pela supressão do direito à vida da malograda RUTE, procede apenas em parte, sendo de fixar a indemnização a atribuir em conjunto aos Autores, pela supressão do direito à vida daquela filha de ambos, no montante de € 49.879,79 (equivalente a Esc. 10.000.000$00).

B) A INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA VÍTIMA NOS MOMENTOS QUE PRECEDERAM IMEDIATAMENTE O SEU ÓBITO.
Os Autores/Apelantes reclamam uma indemnização no valor de € 60 000,00, a título de compensação pelos danos morais (dores físicas e dores morais) sofridos pela falecida RUTE nos momentos que precederam a sua morte. Quid juris ?
É pacífico que «o sofrimento que, por regra, antecede a morte de vítima de acidente de viação decorrente de acto ilícito de terceiro gera direito a uma indemnização que se radica na própria vítima e que, com o seu decesso, se transfere aos parentes mais próximos» (Ac. da Rel. do Porto de 3/5/1999, sumariado in BMJ nº 487, p. 368) (116).
No caso dos autos, porém, não se provou que a Rute tenha sofrido no período que antecedeu a morte (cfr. a resposta negativa dada ao Quesito 8º da Base Instrutória), sendo certo que nunca mais recuperou a consciência desde o momento em que foi sujeita à anestesia até ao seu falecimento, ocorrido três dias após.
Como assim, este pedido indemnizatório por danos morais formulado pelos Autores/Apelantes improcede, necessariamente.

C) A INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS POR CADA UM DOS AUTORES PELO SOFRIMENTO DA PERDA DA FILHA.
Os Autores/Apelantes reclamam, para cada um deles, uma indemnização no montante de 150.000,00 Euros, para os indemnizar/compensar do sofrimento que a perda da filha lhes acarretou.
Quid juris ?
Como é sabido, em casos de morte, o art. 496º, nº 2, do Cód. Civil reconhece às categorias de familiares aí referidos, e pela ordem nele indicada, direito de indemnização pelos danos morais que a morte de alguém é susceptível de provocar naqueles familiares.
No número desses familiares figuram, à cabeça, e em conjunto, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes; na falta destes, o direito de indemnização é atribuído aos pais e outros ascendentes e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
Em qualquer dos casos, não se encontram na lei positiva parâmetros objectivos para a quantificação destes danos morais, tendo o legislador remetido para os tribunais essa tarefa, com recurso às regras da equidade (cfr. o nº 3 do cit. art. 496º).
De todo o modo, não pode olvidar-se que a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.
Por outro lado, nos termos conjugados dos art.ºs 496.º, n.ºs 1 e 3, 494º e 566º do Cód. Civil, os parâmetros que o tribunal deve tomar em linha de conta, na fixação, em termos equitativos, da compensação em dinheiro que há-de ser atribuída ao lesado, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito, devido à sua gravidade, são:
1) o grau de culpabilidade dos agentes;
2) a sua situação económica e a do lesado; e
3) as demais circunstâncias do caso concreto.
No caso sub judice, a morte da filha dos AA. ora Apelantes resultou da infracção grosseira, por parte dos médicos ora 1º e 2º RR., da regra de ouro da anestesiologia de acordo com a qual a situação da paragem cardíaca não imediatamente reversível determina uma E.O.T. (entubação orotraqueal) quando alguém habilitado para o fazer estiver presente.
O grau de culpabilidade dos agentes foi, portanto, elevado, traduzido em negligência grave.
Quanto à situação económica dos ora Réus/Apelados, tratando-se – como se trata – de médicos que se dedicam à medicina privada, é lícito presumir que a sua condição económico-financeira é, pelo menos, remediada, tudo levando a crer que a do 1º Réu é mesmo muito desafogada.
Pelo contrário, nada se conhece acerca da situação económico-financeira dos ora Autores/Apelantes, apenas se sabendo que o Autor marido está identificado, na petição inicial, como empresário, ignorando-se, porém, qual o respectivo ramo de negócio.
Quanto às circunstâncias do caso concreto, elas são particularmente delicadas.
Assim é que:
a) – a Rute era a mais velha das três filhas dos Autores;
b) – à data do falecimento, faltavam [apenas] duas cadeiras para que a Rute Francisco concluísse o bacharelato em contabilidade;
c) - os AA. sofreram e continuam a sofrer um profundo desgosto com a morte da filha, a quem os unia um profundo amor.
Perante este quadro factual, afigura-se que a indemnização a arbitrar a cada um dos Autores, para compensar os danos de natureza não patrimonial sofridos pelos mesmos com a morte da sua filha RUTE, deve ser fixada em € 49.879,79 (quantia equivalente a Esc. 10.000.000$00).
Donde que a apelação dos Autores apenas procede em parte, quanto a esta questão.

D) A INDEMNIZAÇÃO DO DANO PATRIMONIAL CONSISTENTE NO IMPEDIMENTO DA CAPACIDADE DE ADQUIRIR RESULTANTE PARA A FILHA DOS AUTORES DO SEU FALECIMENTO.
Reclamam, por fim, os Autores/Apelantes uma indemnização no montante de 150.000,00 Euros, pelo dano patrimonial sofrido pela sua filha RUTE ao ter-se vista impedida de auferir o vencimento mensal de 1.000,00 Euros que, previsivelmente, iria auferir, durante os cinquenta anos de vida activa que tinha à sua frente, no exercício da sua actividade profissional de contabilista.
Quid juris ?
Excepcionalmente, a lei, em caso de morte ou de lesão corporal de uma pessoa, concede indemnização aos que podiam exigir alimentos ao lesado que faleceu, e àqueles a quem ele já os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (art. 495º, nº 3, do Cód. Civil).
Parece que a simples previsibilidade futura de que iriam ser exigidos alimentos ao lesado é suficiente para a atribuição deste direito de indemnização, cujos parâmetros serão, neste caso, fixados de acordo com o art. 564º, nº 2, do Cód. Civil, não sendo, portanto, exigível a prova da efectiva necessidade de alimentos(117).
«Na falta de previsão legal parece que a indemnização deve ser, neste caso, graduada tendo em conta o tempo durante o qual previsivelmente podia o alimentado sustentar-se à custa da vítima, sem exceder o limite provável da duração da vida desta»(118).
No caso dos autos, porém, os Autores não se propõem efectivar contra os RR. o direito de indemnização por alimentos conferido pelo cit. art. 495º-3 do Cód. Civil, arrogando-se antes a transmissão, por via sucessória, do direito de indemnização por perda da capacidade aquisitiva de que seria titular a sua filha RUTE.
Uma tal pretensão indemnizatória carece, todavia, de base legal.
À data da sua morte, a RUTE era ainda estudante – faltavam ainda duas cadeiras para que ela concluísse o bacharelato em contabilidade -, não auferindo ainda quaisquer rendimentos provenientes do seu trabalho. Não pode, por isso, sustentar-se que ela, antes de falecer, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros derivados da perda de rendimento de trabalho que, por direito sucessório, se transmitiu aos respectivos sucessores, designadamente os pais (artigo 2024º do Código Civil).
Consequentemente, a apelação dos Autores improcede, quanto a esta questão.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao presente recurso de Apelação, revogando a sentença recorrida e condenando os Réus/Apelados J e R a pagarem, solidariamente entre si, aos Autores as seguintes quantias:
a) a ambos os Autores/Apelantes, em conjunto, a quantia de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pela supressão do direito à vida da filha de ambos;
b) a cada um dos Autores a importância de € 49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pelos mesmos com a morte da sua filha RUTE;
c) juros moratórios, à taxa legal, sobre as quantias referidas em a) e b), desde a data da prolação do presente aresto.
Julgam-se, porém, improcedentes os demais pedidos indemnizatórios deduzidos contra os Réus/Apelados pelos Autores/Apelantes, absolvendo-se aqueles dos mesmos pedidos.
Custas a cargo dos Apelantes e dos Apelados, na proporção dos respectivos decaímentos.

Lisboa, 24/4/2007

Rui Torres Vouga (Relator)
Carlos Moreira (1º Adjunto) – Vencido
Isoleta Almeida Costa (2º Adjunto)
***
Voto de vencido
Vencido quanto à fixação do quantum dos danos não patrimoniais.
Salvo o devido respeito quanto à posição que fez vencimento, entendo que não faz sentido, em termos jurídicos, práticos e de senso comum, igualar a indemnização da perda do direito à vida duma jovem de cerca de vinte anos, com os desgostos que os pais sofreram, por muito bem que com aquela se relacionassem. O que, aliás, contraria o critério jurisprudêncial do nosso mais alto tribunal, o qual, neste particular, tem fixado o “valor” da perda do direito à vida em cerca de cinquenta mil euros – o que se verificou in casu e com o que se concorda – e tem arbitrado verba que oscila entre vinte a vinte e cinco mil euros no que tange à indemnização por danos não patrimoniais, o qual se sufraga e que, em nossa opinião, concretiza a diferenciação que deve ser feita na tutela dos dois bens jurídicos em análise.
Fixaria, assim, no caso vertente, a compensação, a cada um dos progenitores, pelos danos não patrimoniais sofridos, na quantia de vinte e cinco mil euros - cfr. Ac. STJ de 10.11.2005 e de 12.10.2006, in dgsi.pt, processos 05B3017 e 06B2520, respectivamente.
(Carlos Moreira)
_____________________________________
(1) Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
(2) Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
(3) O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
(4) A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
(5) Cfr., igualmente no sentido de que «tendo contestado conjuntamente os réus, marido e mulher, não é de admitir que esta requeira o depoimento de parte daquele, por não conduzir à confissão», o Ac. desta Relação de 15/6/1979 (in Col. Jur., 1979, tomo III, p. 812).
(6) Cfr., de igual modo no sentido de que «um réu só pode pedir o depoimento de co-réu quando têm posições divergentes», o Ac. desta Relação de 15/12/1994 (in Col. Jur., 1994, tomo V, p. 127).
(7) Cfr., ainda no sentido de que «o art. 553º, nº 3, do CPC, apenas permite que se exija o depoimento de comparte se este toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele», o Ac. do S.T.J. de 27/1/2004, proferido no Proc. nº 03ª3530, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
(8) In “Procriação Assistida e Responsabilidade Médica”, Coimbra, 1996, pp. 221-222.
(9) Cfr., também no sentido de que «as relações mais comuns entre médico e doente assumem precisamente natureza contratual», ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (“A responsabilidade civil do médico”, in Colect. de Jurispª, ano III, 1978, p. 341).
(10) JOÃO ÁLVARO DIAS, ibidem.
(11) Ibidem.
(12) Ibidem.
(13) Ibidem.
(14) In “A Responsabilidade...” cit., loc. cit.
(15) ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem.
(16) ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, ibidem.
(17) «O médico desenvolverá, assim, uma actividade positiva e o doente, por seu lado, compromete-se a aceitar e a seguir o plano de tratamento e cuidados traçado pelo médico» (ibidem). «Concomitantemente o doente pode assumir o encargo de pagar e o médico adquirir o direito de receber determinada prestação pecuniária a título de honorários, muito embora, como se disse, este elemento não seja essencial ao conteúdo do contrato» (ibidem).
(18) In “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 80.
(19) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 223).
(20) Regra que também vigora entre nós, estando consagrada no art. 799º, nº 1, do Cód. Civil.
(21) Ibidem.
(22) A. e ob. citt., p. 224.
(23) Apud JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 224, nota 8). Contudo, segundo MANUEL DE ANDRADE (in “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed., Coimbra, 1966, p. 411, nota 4), a distinção entre obrigações de resultado e obrigações de meios, conquanto muitas vezes atribuída a DEMOGUE, «em verdade, já antes dele tinha sido formulada na doutrina alemã (BERNHÖFT e FISCHER), embora sob diferente terminologia, e daí passado para a italiana, em nenhum destes países tendo, conseguido, porém, acolhimento apreciável, ao invés do que sucedeu em França».
(24) Ibidem.
(25) Ibidem.
(26) Porém - como adverte ANTUNES VARELA (in “Das Obrigações em geral”, vol. I, 8ª ed., Coimbra, 1994, p. 87, nota 2) -, «a distinção entre obrigações de meios ou de pura diligência e obrigações de resultado «não pode ser levada demasiado longe». «Se o doente morre, porque o médico não foi assíduo ou não soube actualizar-se; se o advogado perdeu a acção, porque negligentemente perdeu um prazo ou deixou extraviar documentos, é evidente que há não cumprimento das obrigações assumidas, porque estas se encontram sujeitas, como todas as demais, ao dever geral da diligência (art. 762º, nº 2 do Código Civil )» (ibidem).
(27) In “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed., Coimbra, 1966, p. 414.
(28) Ibidem.
(29) Ibidem.
(30) Ibidem.
(31) «Da mesma forma, por ex., quanto à obrigação do mandatário (designadamente do mandatário judicial, maxime do advogado) ou do depositário» (MANUEL DE ANDRADE, ibidem). «Também aqui o devedor só se obriga a empregar um certo grau de diligência para gerir os negócios do mandante ou para custodiar a coisa do depositante» (ibidem).
(32) Contra a qualificação como obrigação de meios ou de diligência da obrigação de tratamento que recai sobre o médico pronuncia-se, porém, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (in “Os Contratos Civis...” cit., pp. 110-111). Segundo este autor, tal qualificação poderia, em 1º lugar, constituir elemento de perturbação, à luz do direito português, face à presunção de culpa genericamente estabelecida pelo art. 799º, nº 1, do Código Civil. Em 2º lugar, dificilmente se poderia conciliar a qualificação da obrigação de tratamento como obrigação de meios com a qualificação do contrato em que se insere como contrato de prestação de serviço, «uma vez que este se tipifica pela obrigação de “proporcionar certo (...) resultado” (art. 1154º)», sendo que «a explicação de que, neste caso, por resultado devem entender-se os próprios meios empregados envolve evidente paradoxo» (ibidem). «Por último, não deixa de ser estranho que, tendo o recurso à ideia da obrigação de meios surgido como veículo para explicar que a obrigação do médico se dirige a tratar e não a curar, a expressão se mantenha mesmo depois de ser bem claro que o conteúdo da obrigação se restringe aos tratamentos, aos cuidados de saúde, e não à cura» (ibidem). «Ninguém duvida que, na generalidade dos contratos, a prestação principal do médico se dirige a “tratar” e não a “curar”, isto é, que o “resultado” do seu serviço consiste no tratamento e não na cura» (ibidem).
FERREIRA DE ALMEIDA considera, por isso, preferível renunciar à distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado, por isso que o conceito de obrigação de meios poderá gerar afinal uma ideia injustificada de responsabilidade diminuída.
(33) Também para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, pp. 121-144), melhor do que qualificar a obrigação assumida ou devida pelo médico como uma obrigação de meios «será, segundo parece, qualificar essa obrigação como uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, porque o médico não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável». Segundo este Autor (in loc. cit., p. 126), «ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento». Ora, «a responsabilidade civil médica decorre da violação dessa obrigação e pode resultar de várias circunstâncias: - pode suceder que os actos médicos realizados sejam adequados e necessários, mas tenham sido praticados de forma deficiente ou defeituosa; - também pode acontecer que o médico tenha realizado actos desnecessários e inúteis perante o estado clínico do doente; - finalmente, pode verificar-se a omissão de actos necessários e adequados à situação clínica do paciente» (ibidem). «De qualquer destas eventualidades podem resultar danos para o paciente, como, por exemplo, a perda de funções orgânicas, a diminuição da qualidade ou da expectativa de vida ou ainda dores e outros sofrimentos psíquicos» (ibidem).
(34) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 225).
(35) Ibidem.
(36) Cfr., porém, no sentido de que, como «a presunção de culpa do devedor inadimplente se estende ao cumprimento defeituoso (art. 799º, nº 1)», «quem invoca tratamento defeituoso como fundamento de responsabilidade civil contratual apenas tem de provar, além do prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as leges artes, bem como o nexo de causalidade entre defeito e dano», CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (in “Os Contratos Civis...” cit., pp. 117-118). «Feita esta prova, o médico (ou a clínica) só se exonera de responsabilidade, se provar que a desconformidade não é devida a culpa sua» (ibidem). De modo que, segundo este Autor, «a pretensa qualificação da obrigação de tratamento como obrigação de meios não pode alterar esta repartição do ónus da prova» (ibidem). «Ainda que se aceite a distinção entre obrigações de meios e de resultado, não se evita o seguinte dilema: ou se considera que o tratamento defeituoso é desconforme com os “meios” que deveriam ter sido usados, competindo ao médico provar que não poderia ter empregue os adequados; ou se faz recair o encargo da prova da culpa sobre o lesado, violando ostensivamente a referida presunção legal de culpa» (ibidem).
(37) Segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 131-132), «teoricamente, também seria possível defender que a distribuição do ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica se deveria orientar de acordo com a proximidade da parte relativamente à matéria a provar». Ora, «como nessas acções litigam um não especialista (o doente) e um especialista (o médico), poder-se-ia pensar que, em vez de ser ao doente que caberia a prova de que os deveres médicos não foram respeitados e observados, deveria antes incumbir ao médico demandado a prova do cumprimento e da observância de todos esses mesmos deveres, pois que ninguém melhor do que um especialista pode provar a adequação da sua conduta» (ibidem). «Todavia - como logo adverte o mesmo Autor (in loc. cit.) -, se, numa primeira apreciação, essa orientação parece atraente e defensável, uma melhor ponderação mostra alguns dos seus inconvenientes». «Na verdade, a oneração do médico com a prova do cumprimento dos deveres médicos significa realmente que se presume que, no caso concreto em apreciação no tribunal, esses deveres não foram observados, o que, atendendo especialmente ao carácter aleatório dos resultados do acto médico, constitui uma agravação desnecessária da posição do médico perante o doente, pois que qualquer dano ou lesão seria imputável, em princípio, a uma actuação negligente do médico e só deixaria de assim suceder quando o médico provasse o cumprimento dos seus deveres» (ibidem). «Enquanto o doente beneficiaria da presunção de que qualquer resultado indesejável tem origem num erro de diagnóstico ou de terapia, o médico deveria provar o cumprimento de todos os seus deveres ou, pelo menos, demonstrar que os danos ou lesões sofridas pelo doente resultaram de circunstâncias incontroláveis ou imprevistas» (ibidem). Ora, «se é certamente indesejável dificultar a posição probatória do paciente através da exigência de uma prova irrefutável e incontroversa da inadequação dos actos médicos, também é com certeza inconveniente partir do princípio de que qualquer dano ou lesão sofrida pelo paciente se deve a uma actuação negligente do médico» (ibidem).
(38) In “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 136-137.
(39) In nota 26.
(40) Efectivamente, «se o devedor não cumpriu, ou não cumpriu devidamente, é porque, em princípio, descurou a diligência necessária para providenciar à realização da prestação» (ibidem). «É esta circunstância, correspondente à normalidade das coisas, que justifica a inversão do ónus da prova da culpa do devedor estabelecida no art. 799º, nº 1, do Código Civil» (ibidem).
(41) Na verdade, como bem observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 127), «os deveres contratualmente assumidos pelo médico coincidem normalmente com os deveres gerais impostos no exercício da medicina». «Isto é, esses deveres do médico não se distinguem daqueles que lhe são impostos por um adequado e correcto desempenho da sua actividade profissional» (ibidem).
(42) Ibidem.
(43) Ibidem.
(44) De facto, segundo MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in loc. cit.), «apesar do concurso entre a responsabilidade contratual e extracontratual, o ónus da prova da culpa do médico determina-se exclusivamente pelo regime daquela responsabilidade delitual, pelo que este último absorve a inversão característica da responsabilidade contratual».
(45) De salientar, porém, que, mesmo «no regime da responsabilidade delitual, admite-se uma inversão do ónus da prova da culpa quando forem utilizados meios perigosos: nesta situação incumbe, conforme se dispõe no art. 493º, nº 2, do Código Civil, a quem os usou provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos causados» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 137 in fine e 138). «Suponha-se que o médico utilizou aparelhos ou máquinas que exigem um manuseamento cuidado e atento, como, por exemplo, um aparelho de anestesia: neste caso, incumbe ao médico provar que os danos provocados por um desses aparelhos ou máquinas não são devidos a uma utilização negligente, mas a factores independentes dessa circunstância, como, por exemplo, um defeito de fabrico» (ibidem). Também para FIGUEIREDO DIAS e SINDE MONTEIRO (in “Responsabilidade Médica em Portugal”, B.M.J. nº 332, p. 53), «como no decurso de tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas se utilizam com frequência coisas e instrumentos perigosos, tem plena aplicação esta presunção de culpa consagrada no art. 493º, nº 2, do Código Civil. Segundo estes Autores (in loc. cit.), «também no domínio contratual se aceita a ideia de uma “obrigação de segurança” no que respeita ao bom estado e correcto funcionamento das coisas e instrumentos (em especial, máquinas) empregues».
(46) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 226).
(47) Ibidem.
(48) Segundo JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 226 nota 13), «duas situações tipo podem ocorrer: a primeira é a de o médico se deparar face a um doente por força de circunstâncias puramente fortuitas (v.g., ocorrência de um acidente, qualquer que ele seja, no local onde o médico se encontrava); a segunda diz respeito àqueles casos em que é uma terceira pessoa que chama o médico para assistir o inconsciente ou o incapaz», sendo que, «consoante os casos, assim o tratamento jurídico será diferente». «No primeiro caso, recai sobre o médico um verdadeiro dever legal e deontológico de assistência à pessoa que se encontra em perigo, sendo tal omissão passível de procedimento criminal» (ibidem). (...) «No caso de ser uma terceira pessoa a alertar o médico para cuidar de quem se encontra em estado de inconsciência ou é incapaz poder-se-ia figurar a actuação desse terceiro como uma verdadeira gestão de negócios, que o próprio doente poderá ou não vir a ratificar» (ibidem). «Isto, claro está, na medida em que o terceiro tenha excedido o próprio dever legal que sobre ele também recai de prestar assistência ao doente suscitando a intervenção de uma pessoa qualificada (o médico)» (ibidem). «Na limitada medida, porém, em que possa falar-se aqui de uma situação de gestão de negócios, teremos que a responsabilidade do médico será contratual se a gestão for ratificada pelo paciente» (ibidem). «Em todos os outros casos (actuação por força de um dever legal ou não ratificação pelo doente) estaremos em face de uma responsabilidade de natureza delitual» (ibidem).
(49) A. e ob. citt., pp. 226 in fine a 228.
(50) Cfr., também no sentido de que «o médico apenas poderá ser extracontratualmente responsabilizado» «em todos aqueles casos em que, mesmo existindo contrato com o doente, da conduta ilícita e culposa do médico resultem danos para terceiros», ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (in “A responsabilidade...” cit., p. 345). De facto, «estes, como tal, não são partes naquele contrato e daí que só possam ser ressarcidos dos danos eventualmente sofridos, fazendo apelo às regras da responsabilidade extracontratual» (ibidem).
(51) Segundo ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR (in “A responsabilidade...” cit., p. 345), «estão neste caso os terceiros a que se referem os arts. 495º e 496º do Cód. Civil - designadamente os referidos no art. 495º, nº 3, os que poderiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - e os familiares referidos no art. 496º, titulares de um direito a indemnização por danos não patrimoniais». «Mas, já diversamente, os familiares do doente que, em caso de morte deste, pretendam, como seus sucessores, a reparação dos danos sofridos por ele em consequência da conduta do médico violadora do contrato, podem socorrer-se dos princípios próprios da responsabilidade contratual» (ibidem).
(52) JOÃO ÁLVARO DIAS in ob. citt., p. 228.
(53) In “A responsabilidade civil...” cit., p. 345.
(54) Para este autor, «diferente é a situação em que, apesar da urgência da actuação do médico e da falta de acordo do próprio doente, porque não está em condições de o manifestar, aquele actua, incumbido por parentes ou amigos próximos do doente, que em nome deste contratam com o médico» (loc. cit., nota 35). «Neste caso, a falta de prestação de cuidados gerará responsabilidade contratual» (ibidem).
(55) Ao contrário de MOITINHO DE ALMEIDA - que qualifica esta situação como gestão de negócios, daí fazendo derivar as consequências respectvas em matéria de responsabilidade, porquanto considera que, em tais casos, o médico «actua para proteger a vida de terceiros sem que para tal se encontre autorizado» -, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR sustenta não ser «necessário, nem mesmo muito adequado recorrer a esta qualificação» (ibidem). «Desde logo porque, contrariamente às hipóteses de gestão de negócios, não se verifica com a intervenção do médico a assunção da direcção de qualquer negócio alheio» (ibidem). «Muito diversamente, assume o médico, por via de uma imperiosa determinação legal, imediata e directamente, uma tarefa própria da sua função, e é o cumprimento do dever imposto que preside à sua actuação» (ibidem). «Portanto, é por via desse dever legal, e no seu cumprimento, de que se não pode libertar sem sanção, que o médico intervém e não (ou não directamente) no interesse e por conta do doente - muito embora este possa, como reflexo da actuação imposta ao médico, colher os seus benefícios» (ibidem). «Como a gestão de negócios, na sua noção legal (art. 464º do Cód. Civil) e doutrinal pressupõe a intervenção espontânea, não autorizada, em princípio mesmo ilícita, pois constitui uma intromissão na esfera jurídica alheia, não pode constituir gestão a intervenção do médico, que lhe é imposta por lei, em que ele tem a obrigação legal de praticar todos os actos exigíveis e possíveis em relação a um doente em perigo» (ibidem). «Este dever geral imposto ao médico corporiza-se em forma de lei no art. 66º do EOM Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 40 651, de 21 de Junho de 1956, cujo capítulo IV - arts. 66º a 113º - se considera ainda em vigor, apesar da revogação daquele diploma pelo Decreto-Lei nº 282/77, de 5 de Julho, visto que, muito embora o art. 2º deste diploma disponha que “fica revogado o Estatuto da Ordem dos Médicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 40 651, de 21 de Junho de 1956”, o novo Estatuto - que contém apenas matéria relativa ao próprio organismo Ordem dos Médicos, como tal - incorpora, nas suas disposições transitórias, um preceito - o art. 104º - determinando que “enquanto não forem aprovados os regulamentos e o Código de Deontologia Médica, mantêm-se as disposições legais que regulam a matéria” - que são precisamente aqueles arts. 66º a 113ºº do Estatuto anterior, ora revogado em bloco : “seja qual for a sua função ou a sua especialidade, todo o médico deve, salvo caso de força maior, prestar socorros de extrema urgência a um doente ou sinistrado em perigo imediato se outros cuidados médicos lhe não puderem ser facilmente assegurados”» (ibidem). «Daqui resulta que, nestas situações de urgência em que o médico actua sem o acordo do doente, por imposição de um dever legal, se causar qualquer dano por facto seu, apenas poderá ser chamado a responder civilmente se se verificarem os requisitos e pressupostos próprios da responsabilidade civil extracontratual» (ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, loc. cit., p. 346). «A própria não actuação, a omissão, em si mesma, poderá determinar, verificados os restantes requisitos, a responsabilização do médico» (ibidem).
(56) In “Os Contratos Civis...” cit., loc. cit., pp. 81 in fine e 82.
(57) Ibidem.
(58) In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 127.
(59) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. e loc. ultim. citt.).
(60) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(61) Ibidem.
(62) Cfr., também no sentido de que, «se o doente contratou apenas com o cirurgião, este responde pelos actos de todos os membros da equipa, incluindo o anestesista», FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (in “Responsabilidade Médica...” cit., p. 51).
(63) FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (ibidem).
(64) «Normalmente, o anestesista não deverá ser considerado um comissário do cirurgião» (FIGUEIREDO DIAS-SINDE MONTEIRO (ibidem). «De qualquer forma, parece ser razoável admitir que um médico possa actuar como comissário de um outro médico» (ibidem).
(65) A. e ob. ultim. citt., p. 244.
(66) A. e ob. ultim. citt., p. 245.
(67) Ibidem.
(68) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(69) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(70) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(71) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(72) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., pp. 243-244).
(73) «É que qualquer decisão de sinal contrário “não apenas permitiria mas acabaria mesmo por impor que um especialista em determinado campo da medicina – cirurgia – fosse obrigado a supervisionar o modo exacto de actuação de um médico de uma outra especialidade (anestesia) em que os cada vez maiores conhecimentos científicos exigem uma perícia cada vez mais acentuada»: tais são os dizeres de uma decisão proferida em 1972 no Estado da Califórnia (Marvulli v. Elshire, 27 Cal. App. 3 d 180, 103 Cal. Rptr., 461, 1972, a propósito de um caso em que a doente, que estava a ser submetida a um hemorroidectomia, teve uma reacção adversa ao anestésico que estava a ser utilizado (anestesia epidural caudal), decisão essa que merece o apluso de JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p.244, nota 50).
(74) JOÃO ÁLVARO DIAS (in ob. cit., p. 243).
(75) CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA in “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico” cit., p. 105.
(76) «Neste caso – ainda segundo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, ibidem, pp. 105-106 -, o anestesista e outros colaboradores do cirurgião deverão ser considerados como auxiliares no cumprimento, cuja escolha é permitida por força dos arts. 1165º (mandato) e 264º, nº 4 (procuração)». Trata-se, todavia, de opinião não consensual na doutrina – como vimos. O que já não suscita controvérsia é que, numa tal hipótese, «só o cirurgião terá um direito contratual à remuneração pelo conjunto dos servços prestados e só a ele se aplicarão as regras da responsabilidade contratual» (CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA in “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico” cit., p. 106).
(77) Cfr., neste sentido, MANUEL CARNEIRO DA FRADA in “Direito Civil. Responsabilidade Civil. O método do Caso”, 2006, p.117.
(78) In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, comunicação apresentada ao II Curso de Direito da Saúde e Bioética e publicada in “Direito da Saúde e Bioética”, Lisboa, 1996, edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 127.
(79) Cfr., no sentido de que parece, em muitos casos, aceitável que ao cirurgião possam ser imputados os danos que foram provocados por algum elemento da sua equipa, mesmo que não se saiba por quem, MANUEL CARNEIRO DA FRADA in “Direito Civil. Responsabilidade Civil. O método do Caso”, 2006, p.117.
(80) MANUEL ROSÁRIO NUNES in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos”, 2005, pp. 48 a 56.
(81) Na verdade, como bem observa MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 127), «os deveres contratualmente assumidos pelo médico coincidem normalmente com os deveres gerais impostos no exercício da medicina». «Isto é, esses deveres do médico não se distinguem daqueles que lhe são impostos por um adequado e correcto desempenho da sua actividade profissional» (ibidem).
(82) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
(83) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
(84) MANUEL ROSÁRIO NUNES in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., p. 55, nota 90.
(85) MANUEL ROSÁRIO NUNES, ibidem.
(86) Assim é que, para MANUEL LOPES ROCHA (in Responsabilidade Civil do Médico/Recolha de Órgãos e Transplantações”, Separata da Revista “Tribuna da Justiça”, nº 3, 1987, p. 48 e segs.), «é razoável admitir que, ainda hoje, mesmo tendo em conta os espetaculares progressos das ciências médicas, certas operações de enxerto ou transplantação, sobretudo de órgãos, comportam um elevado grau de riscos para a saúde e para a vida do beneficiário, que permitem qualificá-los como perigosos, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados». «Justifica-se, aqui, um dever de diligência explicável pela ideia de que a previsibilidade do dano está in re ipsa, devendo o agente, ao actuar, ter em conta o perigo para terceiros e não sendo, por isso, bastantes os deveres de diligência normal: onde a periculosidade está ínsita na acção, há o dever de agir tendo em conta o perigo» (ibidem). «Certo que a solução tem o inconveniente de inverter o ónus da prova, que não é de modo algum dispiciendo, na medida em que fomenta o receio do médico de proceder a operações de alto valor sócio-terapêutico que possam desencadear a sua responsabilidade e, por esse lado, constituir entrave ao próprio progresso da ciência, que não dispensa uma contínua experimentação, como essencial à afinação da técnica» (ibidem).
(87) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 138.
(88) Cfr., igualmente no sentido de que, «sem prejuízo da susceptibilidade de recurso ao art. 493º nº 1 quanto à presunção de culpa daquele que detém equipamentos técnicos de diagnóstico ou cura com a obrigação de os vigiar, não deve considerar-se a actividade médica [em si mesma] uma actividade perigosa para efeitos do nº 2 do aludido preceito», MANUEL CARNEIRO DA FRADA (in “Direito Civil. Responsabilidade Civil. O método do Caso” cit., p. 116).
(89) In “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos”, publicado in Revista Direito e Justiça, 2000, ano XIV, nº 3, pp. 182, 183 e 209.
(90) ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES in “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos” cit., loc. cit.
(91) ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES, ibidem.
(92) ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES, ibidem.
(93) Segundo CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA (in “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico” cit., p. 116), «o cumprimento é defeituoso sempre que haja desconformidade entre as prestações devidas e aquelas que foram efectivamente realizadas pelo prestador de serviços médicos». «Em relação à obrigação principal, considera-se que o tratamento é defeituos, quando seja desconforme com as “leis da arte médica”, de harmonia com o estádio dos conhecimentos da ciência ao tempo da prestação dos cuidados de saúde» (ibidem).
(94) ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES, ibidem.
(95) ÁLVARO DA CUNHA RODRIGUES, ibidem.
(96) Cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
(97) In “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., p. 52, nota 89.
(98) Ibidem.
(99) MANUEL ROSÁRIO NUNES, ibidem.
(100) MANUEL ROSÁRIO NUNES, ibidem.
(101) MANUEL ROSÁRIO NUNES, ibidem.
(102) MANUEL ROSÁRIO NUNES in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., p. 56.
(103) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 140-141.
(104) MANUEL ROSÁRIO NUNES in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., p. 58.
(105) MANUEL ROSÁRIO NUNES in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., pp. 58-59.
(106) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 142.
(107) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
(108) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., pp. 142-143.
(109) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica” cit., p. 143.
(110) MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
(111) Segundo informa MANUEL ROSÁRIO NUNES (in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos” cit., pp. 41-42), «a doutrina e a jurisprudência italianas consideram que a ideia fundamental em matéria de ónus da prova nas acções de responsabilidade civil por actos médicos consiste em separar os tipos de intervenção cirúrgica, repartindo o ónus da prova de acordo com a natureza mais ou menos complexa da intervenção médica». «Assim, enquanto nos casos de difícil execução o médico terá apenas alegar e provar a natureza complexa da intervenção, incumbindo ao paciente alegar e provar não só que a execução da prestação médica foi realizada com violação das leges artis, mas que também foi causa adequada à produção da lesão, nos casos de intervenção “rotineira” ou de fácil execução, ao invés, caberá ao paciente o ónus de provar a natureza “rotineira” da intervenção, enquanto que o médico suportará o ónus de demonstrar que o resultado negativo se não deveu a imperícia ou negligência por parte deste» (MANUEL ROSÁRIO NUNES, ibidem).
(112) Efectivamente, uma das regras de ouro da anestesiologia é a de que, numa situação de paragem cardíaca não imediatamente reversível, deve proceder-se imediatamente a uma E.O.T. (entubação orotraqueal) quando alguém habilitado para o fazer estiver presente.
(113) No sentido de que a perda da vida é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, como dano não patrimonial autónomo (o chamado dano da morte), transmitindo-se o respectivo direito de indemnização aos sucessores da vítima, pronunciam-se, entre outros, MENESES CORDEIRO (in "Direito das Obrigações", 2º vol., Lisboa, 1987, pp. 289 a 295), ALMEIDA COSTA (in "Direito das Obrigações", 8ª ed., 2000, p. 542, nota 2), DIOGO LEITE DE CAMPOS (in "A indemnização do dano da morte" in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. L, pp. 247 e segs. e também in "A vida, a morte e a indemnização", BMJ nº 365, pp. 5 e segs.), GALVÃO TELLES (in "Direito das Sucessões", 6ª ed., pp. 93 e segs.) e CARVALHO FERNANDES (in "Lições de Direito das Sucessões", 1999, pp. 61 e segs). Discordam deste entendimento, nomeadamente, ANTUNES VARELA (in "Das Obrigações em geral" cit., Vol. I, pp. 619 a 628), JORGE RIBEIRO DE FARIA (in "Direito das Obrigações", Vol. I, 1990, pp. 493 a 494), RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA (in "Lições de Direito das Sucessões", vol. I, 4ª ed., 2000, pp. 317 e segs.) e JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO (in "Direito Civil – Sucessões", 5ª ed., 2000, pp. 243 e segs.).
(114) Cfr., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/3/1971 (in BMJ nº 205, p. 150), de 7/5/1972 (in BMJ nº 215, p. 218), de 22/12/1972 (in BMJ nº 222, p. 392), de 16/3/1973 (in BMJ nº 225, p. 216), de 16/1/1974 (in BMJ nº 233, p. 55), de 13/11/1974 (in BMJ nº 241, p. 344), de 7/3/1975 (in BMJ nº 245, p. 486), de 18/6/1976 (in BMJ nº 261, p. 222), de 17/5/1978 (in BMJ nº 277, p. 253), de 15/1/1980 (in BMJ nº 293, p. 285), de 23/5/1985 (in BMJ nº 347, p. 398) e de 7/11/1990 (in BMJ nº 401, p. 197).
(115) Vide., entre outros, os Acórdãos de 15/1/2002, na Rev.nº3952/01-6ª e de 27/2/2003, Rev.nº4553/02-2ª.
(116) Cfr., igualmente no sentido de que «é devida indemnização por danos morais relativamente a dores e sofrimentos suportados pela vítima entre o acidente e a sua morte», o Ac. desta Relação de Évora de 14/7/1998, sumariado in BMJ nº 479, p. 735).
(117) Cfr., no sentido de que «é devida a indemnização, por perda de alimentos, a irmão mais novo de sinistrado que contribuía com o seu ordenado para pagar as despesas da casa onde vivia com aquele e a mãe, nomeadamente com a alimentação, vestuário e instrução», mas já «é claramente imprevisível a necessidade futura de alimentos devidos ao pai do falecido sinistrado, a quem este não prestava, nem tinha de prestar alimentos, por, sendo divorciado, não viver com o filho», o Ac. da Rel. do Porto de 21/9/1999, proferido no Proc. nº 9920921 e relatado pelo Desembargador AFONSO CORREIRA (cujo sumário pode ser consultado, via Internet, no sítio www.dgsi.pt ).
(118) RODRIGUES BASTOS in “Notas ao Código Civil”, Vol. II, 1988, p. 294.