Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23546/16.4T8LSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CATEGORIA PROFISSIONAL
FUNÇÕES ACESSÓRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I. A lei admite que sejam exigidas ao trabalhador outras tarefas, fora da categoria, mas apenas como actividades acessórias (art.º 118.º, n.º 4 do CT).

II. Só são acessórias as funções que ocupem, no horário de trabalho, parte e menos tempo do que a função principal, nunca a podendo substituir integralmente.

III. Fora deste quadro, ocorre uma modificação ilícita do contrato, por violação do princípio geral pacta sunt servanda (art.º 406.º n.º 1 do CC).

IV. Se as novas tarefas atribuídas pela empregadora ao trabalhador se compreenderem no objecto do contrato, a licitude da respectiva ordem deve encontrar-se no instituto da polivalência funcional (art.º 118.º, n.os 1 e 2 do CT); se o excederem, tal terá que ser feito no da mobilidade funcional (art.º 120.º do CT).

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AA intentou a presente acção declarativa com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra BB  (em cujo formulário se opôs ao seu despedimento por ela decidido).

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Na sequência da notificação para esse efeito, a ré apresentou o seu articulado, no qual alegou, em resumo, que despediu a autora porque, na sequência de uma sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de vencimento por vinte dias por causa idênticas, que cumpriu, aquela se recusou a exercer temporariamente funções que lhe determinou que correspondiam à categoria imediatamente inferior, na qual já trabalhara antes de ser promovida à actual e sem que tal acarretasse perda de retribuição.

A autora contestou, sustentando que as coisas se passaram de modo diverso do alegado pela ré, pedindo que fosse declarada a ilicitude do despedimento e, consequentemente, aquela condenada a reintegrá-la sem prejuízo da antiguidade e categoria e a pagar-lhe o valor às retribuições intercalares vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Foi lavrado despacho saneador, dispensada a condensação da matéria de facto controvertida e admitida a prova arrolada pelas partes.

Realizada a audiência de julgamento, foi em seguida proferida sentença, na qual a Mm.ª Juíza julgou a acção procedente e, em consequência, condenou-a no pedido.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, pedindo que a sentença proferida seja revogada e, em consequência, seja mantida e confirmada a decisão de despedimento sem indemnização ou compensação, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
a)- A Apelante não se conforma com a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância que declarou ilícito o despedimento da trabalhadora AA e, em consequência, a condenou: a reintegrar a trabalhadora, no mesmo posto de trabalho, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade; a pagar à trabalhadora as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado, bem como ao pagamento das custas processuais;
b)- Desde logo, porque a Apelante considera que a Meritíssima Juíza a quo, deveria ater-se ao alegado pelas partes já que são estas que delimitam o objecto da acção;
c)- Mas, e mais relevante para o caso sub judice porque o Tribunal de 1.ª Instância fundamenta a decisão na pretensa existência de uma situação de ius variandi ilegal porquanto viola o principio pacta sunt servanda, e como tal contrária o previsto no n.º 1, do art.º 406.º do Código Civil;
d)- Todavia, considera a Apelante que as novas funções que determinou à trabalhadora se inseriam no programa contratual que vigorava entre as partes, definido pelo conjunto de normas aplicáveis à relação laboral;
e)- Como tal, a sua decisão estava legalmente enquadrada e foi legitimamente tomada ao abrigo do previsto no artigo 118.º do Código do Trabalho, em concorrência com o determinado pela Cláusula 15.ª do CCT celebrado entre a CNIS e a Federação Nacional dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais, aplicável à relação laboral, publicado no BTE, n.º 31, de 22/08/2015, por força da PE n.º 87/2016, de 14/04;
f)- Sendo que, as normas supra indicadas, atento o Principio da Especialidade ínsito no n.º 3, do art.º 7.º do Código Civil, prevalecem sobre a lei geral, neste caso o art.º 406.º do Código Civil invocado pela Meritíssima Juíza a quo para fundamentar a decisão recorrida;
g)- Ainda que assim não fosse, a licitude da ordem dada pela Apelante à trabalhadora estava enquadrada na previsão do art.º 120.º do Código do Trabalho, que consagra a figura da mobilidade funcional;
h)- Acrescendo que, essa mesma ordem respeitou todos os requisitos legais, a saber: interesse fundado da entidade patronal, temporalidade e manutenção da posição da trabalhadora, no essencial;
i)- Assim sendo, conclui-se que a sentença recorrida não respeitou o previsto nos art.os 118.º e 120.º do Código do Trabalho, bem como a Cláusula 15.ª do CCT aplicável;
j)- Normas estas que justificam a legalidade da ordem dada pela Apelante à sua trabalhadora;
k)- Daí que a recusa de cumprimento por parte da trabalhadora configure uma situação de desobediência ilegítima, e como tal uma violação grave dos deveres de zelo, lealdade e obediência;
l)- Agravada pelo fato de se tratar de uma situação recorrente, que já tinha levado a anterior aplicação de uma medida disciplinar, não contestada pela trabalhadora;
m)- Tornando por isso a relação laborei inviável, por estar ferida de morte a base de confiança em que assenta.

Contra-alegou a autora, sustentando a confirmação da sentença recorrida.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa o relator proferiu despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Apenas a apelante respondeu ao parecer do Ministério Público, mantendo no essencial o que antes já trouxera à apelação.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito dos recursos, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4]

Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber:
era lícito à apelante determinar que a apelada realizasse temporariamente as tarefas que já realizara enquanto esteve qualificada na categoria imediatamente inferior, seja à luz do art.º 118.º, n.os 1 e 2 ou do art.º 120.º, n.os 1, 3 e 4, todos  do Código do Trabalho;
nesse caso, foi lícito o seu despedimento.

IIFundamentos.

1.Factos julgados provados:

1. A Trabalhadora foi admitida ao serviço da Empregadora no dia 1.29/08/2002 para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de Auxiliar (Serviços Gerais), no Lar (…)  em Lisboa, mediante o pagamento de € 410,00 a título de retribuição base mensal.
2. A partir de 30/08/2013, a Trabalhadora transitou para a categoria 2.profissional de Ajudante de Acção Directa, de segunda a quinta, das 08h00 às 16h30, e à sexta, das 08h00 às 16h00, auferindo, actualmente, € 552,00 a título de retribuição base mensal, acrescida de € 42,00 a título de diuturnidades e de uma refeição principal por cada dia de trabalho efectivo, a fornecer pela Empregadora no refeitório.
3. Por decisão datada de 16/02/2016, a Empregadora aplicou à Trabalhadora a sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 20 dias, com perda da retribuição, agravada pela sua divulgação juntos dos demais trabalhadores em funções no Lar (…).
4. Fê-lo por a Trabalhadora ter praticado os factos melhor descritos no relatório final de fls. 125-133 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.
5. A Trabalhadora foi notificada da decisão a que se alude em 3) no dia 22/02/2016.
6. A Trabalhadora cumpriu a sanção disciplinar aplicada no período de 26/02/2016 a 16/03/2016.
7. Esteve de baixa médica, por assistência à família, de 17 a 24/03/2016.
8. No dia 28/03/2017 apresentou-se no Lar  (…) para retomar funções.
9. Naquela data a Directora Técnica do Lar, (…), abordou-a, perguntando-lhe se iria passar a cumprir a ordem da direcção da Empregadora no sentido de passar a desempenhar as novas funções, as inerentes à categoria profissional de Auxiliar dos Serviços Gerais, atentas as necessidades do Lar.
10. A Trabalhadora respondeu que não, tendo-se deslocado para o vestiário das Ajudantes de Lar, onde permaneceu até ao final da jornada diária de trabalho e onde se manteve no dia seguinte.
11. No dia 30/03/2016 a Trabalhadora voltou a deslocar-se para os vestiários, onde foi abordada pela Directora Técnica do Lar que lhe referiu que a situação não podia manter-se, tendo-lhe proposto o exercício de funções na Lavandaria por a mesma já em tempos ali ter exercido funções.
12. A Trabalhadora anuiu passar a exercer funções na lavandaria, exigindo que tal ficasse escrito.
13. Em consequência, deslocou-se para a lavandaria, onde permaneceu até ao fim da jornada diária.
14. Na lavandaria a Trabalhadora ocupou grande parte do tempo com telefonemas.
15. A Empregadora, em face da exigência da Trabalhadora, no dia 30/03/2016, redigiu o escrito de fls. 66 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.
16. Na posse do escrito a que se alude em 14), a Directora Técnica do Lar abordou a Trabalhadora na lavandaria, tendo-lho apresentado e comunicado que a decisão da Empregadora era no sentido da mesma passar a assegurar, com efeitos imediato, as tarefas de apoio à lavandaria, pelo período de 2 anos, sem prejuízo da categoria profissional e da remuneração auferida.
17. A Trabalhadora respondeu que nada assinaria sem falar e mostrar a carta ao Advogado, ao que a Directora Técnica anuiu.
18. Nos dias 31 de Março e 01 de Abril de 2016 a Trabalhadora permaneceu na lavandaria.
19. No dia 01/04/2016, durante a manhã, a assistente da direcção da Empregadora, (…), deslocou-se à lavandaria, na companhia da Directora Técnica, tendo perguntado à Trabalhadora se já tinha assinado a carta.
20. A Trabalhadora respondeu que não e que não a assinaria sem falar com o advogado, o que ainda não havia feito.
21. (…) advertiu-a de que enquanto não assinasse a carta não podia ficar na lavandaria.
22. Em consequência, a Trabalhadora regressou ao vestiário, onde permaneceu durante a jornada diária.
23. Nos dias de trabalho posteriores, e até 18/04/2016, a Trabalhadora permaneceu no interior do vestiário.
24. Por carta datada de 15/04/2016, recebida pela Empregadora no dia 19/04/2016, a Trabalhadora requereu que lhe fossem “distribuídas funções condizentes com o previsto na lei.”, conforme fls. 69 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra.
25. A Empregadora respondeu nos termos constantes da missiva de fls. 70 dos autos, datada de 21/04/2016, e cujo teor se reproduz na íntegra, recebida pela Trabalhadora a 26/04/2016.
26. No dia 26/04/2016 a Empregadora remeteu à Trabalhadora a nota de culpa de fls. 73-81 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra, que a mesma recebeu, informando-a de que havia sido determinada a sua suspensão preventiva.
27. Por decisão datada de 27/07/2016 a Empregadora deliberou aplicar à Trabalhadora a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, nos termos e pelos fundamentos constantes do relatório de fls. 139-167 dos autos, cujo teor se reproduz na íntegra, do que a Trabalhadora tomou conhecimento no dia 28/07/2016.
28. A Empregadora decidiu alterar as funções da Trabalhadora por as necessidades dos utentes do Lar, maioritariamente ocupado por idosos dependentes, não se coadunarem com a redução de horário de que a Trabalhadora beneficiava à data, 2 horas diárias, em virtude de se encontrar a amamentar filho menor.
29. A Trabalhadora é filiada no sindicato dos trabalhadores em funções públicas e sociais do sul e regiões autónomas.
30. A Empregadora é uma instituição particular de solidariedade social.

2.O direito.
2.1. A determinação de novas tarefas à luz do art.º 118.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho.[5]     
Antes ainda se procedermos à apreciação das questão enunciada, convém referir que não assiste razão à apelante no que refere nas conclusão b), isto porque, como sabemos, no processo laboral, como no civil, impera o princípio iura novit curia, vale dizer, o juiz "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito".[6] E, de todo o modo, o caminho seguido na sentença recorrida não foi, ao contrário do sugerido na apelação, o do reconhecimento de uma situação de ius variandi, como de resto adiante melhor se perceberá.

Posto isso, é sabido que "cabe às partes determinar por acordo a actividade para que o trabalhador é contratado",[7] o que "pode ser feit[o] por remissão para categoria de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa".[8] Em resultado disso "o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional".[9]

A isso fez a lei acrescer "as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional".[10]

Por outro lado, permitiu-se ao empregador, "quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador".[11] Neste caso, porém, "a ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos"[12] nem isso "pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas".[13]

Como está bem de ver, a linha de demarcação entre as duas previsões normativas é feita pelo conteúdo ou objecto do contrato de trabalho, entendido este não em sentido estrito ou resultante da vontade expressa pelas partes mas também por aquilo que ope legis se lhe deve acrescentar. Ou seja, se as novas funções determinadas pelo empregador ao trabalhador se compreenderem no objecto do contrato de trabalho assim considerado, a norma relevante é a do art.º 118.º do Código do Trabalho; caso estejam fora do seu objecto, entramos então no domínio do art.º 120.º. Por outras palavras, no primeiro caso as novas funções ainda devem ser consideradas como integrando a categoria do trabalhador mas no segundo não. É o que conclui do que a este propósito refere Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, página 269: "Para além da possibilidade de atribuição (a título permanente ou não) de actividades acessórias em relação às que definem a categoria, a lei reconhece ainda ao empregador uma faculdade «anormal» de exigir ao trabalhador, temporariamente, a realização de serviços não abrangidos pelo objecto do contrato. A «anormalidade» da solução decorre do facto de a lei admitir, abertamente, que o empregador faça ao trabalhador exigências vinculativas fora do objecto do contrato. Essas exigências, desde que obedeçam a certos requisitos legais, devem ser obedecidas; se os requisitos são cumpridos, a eventual recusa da prestação dos serviços determinados será ilegítima e poderá acarretar consequências disciplinares. Este «poder modificativo», que funciona não só para além da categoria, mas também fora do próprio objecto do contrato (reconfigurado nos termos do art.º. 118.º), surge como uma derrogação ao princípio segundo o qual os contratos não são alteráveis unilateralmente".

Assim sendo as coisas, naturalmente que a primeira tarefa a empreender no caso sub iudicio é a de apurar se as novas tarefas determinadas pela apelante à apelada se enquadravam dentro do objecto do contrato de trabalho actualmente em execução, entendido nos termos alargados supra referidos, caso em que a legalidade da ordem dada por aquela e a ilicitude do seu desacatamento por esta deve ser estabelecida à luz do art.º 118.º; ou não, caso em que tal terá que ser feito olhando ao que estatui o art.º 120.º.

As categorias profissionais em causa são preenchidas pelas seguintes tarefas, considerando para esse efeito o que dispõem o CCT e a PE relevantes:[14]
"Anexo I do CCT
Ajudante de acção directa[15]
1 Trabalha directamente com os utentes, quer individualmente, quer em grupo, tendo em vista o seu bem-estar, pelo que executa a totalidade ou parte das seguintes tarefas:
a) Recebe os utentes e faz a sua integração no período inicial de utilização dos equipamentos ou serviços;
b) Procede ao acompanhamento diurno e ou nocturno dos utentes, dentro e fora dos estabelecimentos e serviços, guiando-os, auxiliando-os, estimulando-os através da conversação, detectando os seus interesses e motivações e participando na ocupação de tempos livres;
c) Assegura a alimentação regular dos utentes;
d) Recolhe e cuida dos utensílios e equipamentos utilizados nas refeições;
e) Presta cuidados de higiene e conforto aos utentes e colabora na prestação de cuidados de saúde que não requeiram conhecimentos específicos, nomeadamente, aplicando cremes medicinais, executando pequenos pensos e administrando medicamentos, nas horas prescritas e segundo as instruções recebidas;
f) Substitui as roupas de cama e da casa de banho, bem como o vestuário dos utentes, procede ao acondicionamento, arrumação, distribuição, transporte e controlo das roupas lavadas e à recolha de roupas sujas e sua entrega na lavandaria;
g) Requisita, recebe, controla e distribui os artigos de higiene e conforto;
h) Reporta à instituição ocorrências relevantes no âmbito das funções exercidas.

2 Caso a instituição assegure apoio domiciliário, compete ainda ao ajudante de acção directa providenciar pela manutenção das condições de higiene e salubridade do domicílio dos utentes.

3 Sempre que haja motivo atendível expressamente invocado pelo utente, pode a instituição dispensar o trabalhador da prestação de trabalho no domicílio daquele.
(…)
Trabalhador auxiliar (serviços gerais)[16]
Procede à limpeza e arrumação das instalações; assegura o transporte de alimentos e outros artigos; serve refeições em refeitórios; desempenha funções de estafeta e procede à distribuição de correspondência e valores por protocolo; efectua o transporte de cadáveres; desempenha outras tarefas não específicas que se enquadrem no âmbito da sua categoria profissional e não excedam o nível de indiferenciação em que esta se integra".

Sendo assim, como bem refere a sentença recorrida, não restam dúvidas de que as tarefas cometidas ao trabalhador auxiliar (serviços gerais) são afins às que atribuídas ao ajudante de acção directa, asserção esta que, de resto, mereceu a concordância da apelante, como se vê da conclusão c) da sua alegação. Tanto mais assim é que a apelada detinha as qualificações profissionais adequadas para exercer as novas funções (já que desempenhou essas tarefas entre o dia 29-08-2002 e o dia 29-08-2013) e isso não implicava desvalorização profissional para ela (já que as suas funções integravam o nível 6 e as novas o nível 7).[17] Aliás, a não desvalorização profissional resulta, expressamente e a contrario sensu, do n.º 4 do art.º 15.º do CCT, de acordo com o qual "considera-se haver desvalorização profissional sempre que a actividade que se pretenda qualificar como afim ou funcionalmente ligada exceder em um grau o nível de qualificação em que o trabalhador se insere".

E porque assim é teremos que dizer que a solução para a questão solvenda apenas poderá que ser encontrada no âmbito do art.º 118.º e não do art.º 120.º, pois que, como está bem de ver, as novas tarefas atribuídas pela apelante à apelada ainda se compreendem no objecto do contrato (tal como actualmente) em execução (entendido nos termos atrás mencionados) e só se assim não fosse (vale dizer, se dele extravasasse) seria caso para enquadramento na mobilidade funcional a que se reporta o último daqueles normativos (note-se que o carácter temporário da atribuição das novas tarefas é factor irrelevante para determinar a aplicação da norma, pois que se é certo que é requisito obrigatório para a mobilidade funcional, a verdade é que também pode verificar-se na polivalência funcional).

Mas dito isto não pode sem mais concluir-se que a ordem dada pela apelante à apelada foi por esta ilicitamente desobedecida, pois que ainda importa ponderar a questão de saber se a norma permite que as novas funções (afins ou conexas) podem ser atribuídas ao trabalhador a título principal ou até mesmo exclusivo
No sentido afirmativo alinha a apelante, acobertando-se no acórdão da Relação de Lisboa, de 14-05-2008, no processo n.º 1650/2008-4, publicado em http://www.dgsi.pt (citado na sentença recorrida), de acordo com o qual "com a entrada em vigor do Código do Trabalho, deixou de ser necessária essa condição. Nos termos do art.º 151.º, n.º 2 deste código o empregador pode atribuir ao trabalhador o desempenho de tarefas afins ou funcionalmente ligadas às funções para que foi contratado, para as quais detenha qualificação profissional, sem que seja necessário manter, a título principal ou preferencial, a execução de funções que se integrem no objecto contratual, e desde que tal desempenho não implique desvalorização profissional para aquele".

Em sentido adverso seguiu a sentença recorrida, argumentando com a possibilidade assim aberta da modificação unilateral do objecto do contrato por parte do empregador, violando-se, desse modo, o princípio pacta sunt servanda acolhido pelo n.º 1 do art.º 406.º do Código Civil.

Por nós diremos que estamos com a solução acolhida na sentença recorrida, não só pelo argumento avançado mas também porque a própria letra da lei aponta para esse sentido ao estatuir, no n.º 4 do art.º 118.º, que "sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais".

Esta é, aliás, a solução geralmente sufragada na doutrina e na jurisprudência.

Com efeito, Monteiro Fernandes sustenta que "o empregador não pode, unilateralmente, subverter a estrutura da actividade contratualmente devida pelo trabalhador. O género de trabalho reflectido na categoria continuará a ser o elemento central e nuclear da situação do trabalhador (a sua «actividade principal»). A lei admite que sejam exigidas ao trabalhador outras tarefas, fora da categoria, mas como actividades acessórias (art.º 118.º/4), o que, antes do mais, implica que elas ocupem, no horário de trabalho, menos tempo do que a principal",[18] enquanto Maria do Rosário Palma Ramalho refere que "do nosso ponto de vista, estas funções devem ser exercidas a título acessório da actividade nuclear do trabalhador e não a título principal ou substitutivo daquela actividade, por dois motivos: porque esta solução é a que melhor se coaduna com a razão de ser da própria figura da afinidade funcional, que pretende, sobretudo, ultrapassar a rigidez do princípio da invariabilidade da prestação, facilitando o desempenho de tarefas adicionais ou complementares da actividade principal do trabalhador; e porque a solução inversa pode dar lugar a uma alteração da função nuclear do trabalhador em termos unilaterais (porque definidos pelo empregador) e definitivos (porque deixou de ser balizada por um limite temporal), uma vez que a actividade teoricamente afim é que passa a ser a actividade nuclear do trabalhador. Ora, ainda que formalmente ambas as actividades integrem o objecto do contrato, substancialmente há uma alteração daquilo que foi acordado pelas partes como actividade laboral, o que não se coaduna com o princípio geral pacta sunt servanda (art.º 406.º n.º 1 do CC)".[19]

Por outro lado, decidiram as Relações do Porto (citando Jorge Leite, in Flexibilidade funcional, Questões Laborais, Ano IV-1997, 9-10, Coimbra Editora, páginas 5 a 37, nomeadamente, páginas 33 e 34) que "o exercício de funções afins ou acessórias das correspondentes à respectiva categoria profissional pressupõe que se mantenha o exercício destas, em simultâneo e, não, a sua substituição"[20] e a de Lisboa que "o trabalhador está obrigado ao desempenho das funções afins ou funcionalmente ligadas à actividade contratada. Mas essas funções devem ser exercidas a título acessório da actividade contratada e não a título substitutivo da mesma".[21]

Baixando ao caso sub iudicio, vimos que se provou que em 28-03-2017 a apelante determinou que a apelada passasse a exercer as funções inerentes à categoria profissional de auxiliar de serviços gerais, quando a que lhe correspondia, desde 30-08-013, era a de ajudante de acção directa, o que esta recusou fazer.

Essa ordem resultava, portanto, no exercício exclusivo de funções pela apelada correspondentes a uma categoria conexa com a que lhe correspondia e que, por conseguinte, como atrás referimos, se é verdade que tal lhe podia ser exigido se lhe fosse mantido o exercício maioritário das funções da sua categoria contratada já o mesmo não acontecia com o abandono destas e o exercício exclusivo daquelas, conforme espelham os factos provados enumerados em 9 e 28.

E porque assim são as coisas, tal ordem era ilícita e não lhe era devida obediência por parte da apelada, razão por que esta não cometeu a infracção disciplinar que a apelante lhe imputou na decisão do processo disciplinar, com as consequências assinaladas na sentença recorrida (e que apenas são questionadas na medida em que a apelante enquadrou os factos de modo diverso): a ilicitude do despedimento,[22] o consequente direito da apelada ser reintegrada no posto de trabalho sem prejuízo da categoria e antiguidade,[23] a perceber as retribuições que não auferidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença[24] e ainda juros de mora sobre essas quantias, vencidos desde a citação até integral e efectivo pagamento, à taxa legal, que tem sido e actualmente ainda é de 4% ao ano.[25]

Pelo que e em síntese diremos que a apelação não poderá ser provida antes a sentença recorrida confirmada, sendo irrelevante, naturalmente, que perante situação idêntica a apelada se tenha conformado com a sanção disciplinar que a apelante lhe aplicou no âmbito de anterior processo disciplinar.

IIIDecisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).



Lisboa, 21-12-2017


António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Fialho


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Serão do Código do Trabalho as normas adiante citadas sem outra indicação de proveniência. 
[6]Art.os 5.º, nº 3 do Código de Processo Civil e 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
[7]Art.º 115.º, n.º 1.
[8]Art.º 115.º, n.º 2.
[9]Art.º 118.º, n.º 1.
[10]Art.º 118.º, n.º 2.
[11]Art.º 120.º, n.º 1.
[12]Art.º 120.º, n.º 3.
[13]Art.º 120.º, n.º 4.
[14]CCT celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (Revisão global), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31, de 22-08-2015, página 2527 e seguintes (funções de ajudante da acção directa e de auxiliar vêm descritas nas páginas 2551 e 2552, respectivamente) e a PE n.º 8/2016, de 14 de Abril, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 14 de 15-04-2016, página 709 e seguinte.
[15]Funções posteriormente desempenhadas pela apelada desde 30-08-2013.
[16]Funções primeiramente desempenhadas pela apelada de 29-08-2002 a 29-08-2013.
[17]Art.º 118.º, n.º 2 (e cláusula 15.ª, n.º 2 e 3 do CCT).
[18]Em Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, página 266.
[19]No Tratado de Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 2014, página 467.
[20]Acórdão de 08-10-2012, no processo n.º 07S3666, publicado em http://www.dgsi.pt.
[21]Acórdão de 10-10-2012, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2010, tomo IV, página 131.
[22]Art.º 381.º, alínea b).
[23]Art.º 389.º, n.º 1, alínea b).
[24]Art.º 390.º, n.º 1.
[25]Art.os 559.º, n.º 1, 804.º, n.os 1 e 2, 805.º, n.º 2, alínea a) e 806.º, n.os 1 e 2 do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.