Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7662/07.6TMSNT-C.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: MENORES
COBRANÇA DE ALIMENTOS
INCUMPRIMENTO
JUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - No mecanismo previsto no art.º 189, da OTM, destinado à cobrança coerciva de alimentos, visa-se sobretudo, assegurar, o mais rápida e eficazmente, a prestação alimentícia devida ao menor, levando ao suprimento das respectivas necessidades, bastando, assim que decorra o mero prazo de 10 dias após o vencimento.
II - Embora orientado para a reintegração de direitos violados, não passa pela instauração de instância executiva autónoma, caracterizando-se principalmente, por uma linearidade e simplicidade, de que decorre, contudo, uma clara limitação das possíveis medidas coercivas em termos da satisfação dos interesses do credor III - O credor pode, se assim o entender, optar pela via da execução especial, prevista no Código de Processo Civil, nomeadamente quando se tenha acumulado um valor significativo de pensões em atraso, bem como sejam conhecidos outros bens susceptíveis de penhora do devedor.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

 
            I - Relatório

            1. A…, enquanto mãe de C…, veio solicitar a intervenção do Tribunal com vista ao pagamento da pensão de alimentos, em atraso desde Agosto de 2009, devida por B….
2. Na sua promoção o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser declarado verificado o incumprimento, e ordenado o desconto no vencimento da quantia de 280€, a título de obrigação de alimentos, acrescido do desconto de 30€, até pagamento integral da dívida.
3. Foi então proferida decisão, na qual foi julgado verificado o incumprimento suscitado e, em consequência declarou que nessa data estava em dívida o valor global de € 5.040,00 correspondente às prestações de alimentos em dívida desde Agosto de 2009, condenando o Requerido no pagamento de tais quantias à requerente e ao abrigo da faculdade prevista no artigo 189.º, n.º 1, alínea a) e 2 da
Organização Tutelar de Menores, determinou a notificação da entidade processadora dos vencimentos do requerido (fls. 44) para passar a proceder ao desconto mensal no vencimento do requerido, das quantias seguintes:
a) O montante mensal de € 280,00 (duzentos e oitenta euros) respeitante à pensão de alimentos devida ao filho C…, o qual deveria ser entregue à requerente ou depositado directamente na conta bancária da requerente A…, sem qualquer encargo para esta, até ao dia 8 de cada mês.
b) Até perfazer a quantia actualmente em dívida de € 5.040,00 correspondente às prestações de alimentos em dívida, a mesma entidade deveria descontar ainda mensalmente a quantia de € 30,00 na remuneração auferida pelo requerido, a acrescer ao desconto determinado em a).
            4. Inconformada veio a Requerente interpor recurso, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
· Iniciaram-se os presentes autos de incumprimento em virtude do requerido não pagar, desde Agosto de 2009, a pensão de alimentos, no valor de € 280,00/mês, para sustento do filho menor C…, tal como havia sido acordado nos autos principais e homologado por sentença já transitada em julgado.
· A factualidade dada como provada é tão-somente a seguinte: a)- O requerido não paga a pensão de alimentos no valor supra referido desde Agosto de 2009, inclusive, estando actualmente em dívida o valor total de € 5040,00; b) que o requerido aufere os proventos constantes de fls. 44, ou seja, quantia não inferior a € 1600,00/mês líquidos.
· Com base nessa factualidade o Tribunal a quo determinou que até perfazer a quantia de € 5040,00, correspondente às prestações de alimentos em dívida pelo requerido, a entidade processadora dos seus vencimentos deveria descontar mensalmente a quantia de € 30,00 na remuneração auferida por ele.
· Ou seja, condenou o requerido a pagar € 30,00/mês, por forma a repor em 168 meses (14 anos) o valor que aquele esteve sem pagar ao filho durante 18 meses.
· Isto é, condenou o requerido a pagar em 9 meses o valor que estava obrigado a pagar num único mês (9 x € 30,00 = € 270,00).
· Tal decisão é, de todo em todo, desequilibrada na medida em que é absolutamente desproporcional à gravidade da actuação do requerido, às suas possibilidades económicas, às obrigações de pai e às necessidades do filho.
· Constitui até um autêntico prémio concedido ao requerido por este ter violado de forma grosseira as obrigações impostas pelo Tribunal e os seus deveres de pai.
· Se estivéssemos perante um incumprimento de qualquer outra obrigação pecuniária (que não de alimentos), como por exemplo de um contrato de leasing ou de crédito bancário, o seu vencimento ter-lhe-ia sido penhorado em valor muito superior a € 30,00, de acordo com o disposto no artigo 824º do C.P.C.
· Tendo em consideração a factualidade assente, ser-lhe-ia penhorado, com toda a certeza, quantia não inferior a € 300,00.
· Ora, a verdade é que o incumprimento aqui em causa é evidentemente muitíssimo mais grave do que qualquer outro incumprimento, pois tratam-se de alimentos devidos a um filho, pelo que não se justifica um tratamento mais favorável.
·  Devem ainda incidir juros legais sobre o montante das prestações que o Tribunal ad quem vier a fixar, sob pena de se continuar a “premiar” a conduta altamente censurável, e até criminosa, do requerido.
· A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artºs 1906º, nº 7, 2003º e 2004º do Código Civil, bem como o estatuído no artºs 181º e 189º, nº 1, alínea a) da Organização Tutelar de Menores, ao fixar em € 30,00 mensais o valor a pagar pelo requerido até perfazer a quantia em dívida a título de alimentos devido ao filho.
· Termos em que deverá ser alterada a decisão recorrida, na parte aqui em causa, ordenando-se à entidade empregadora o desconto mensal de € 300,00 até perfazer a quantia actualmente em dívida de € 5040,00 e condenando-se o requerido a pagar juros legais sobre esse montante, até integral pagamento
            5. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido.
6. Cumpre apreciar e decidir.
*
         II – Enquadramento facto-jurídico
            Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importa em conformidade decidir as questões[1] colocadas, no recurso formulado nos autos, vejam-se os artigos 684.º, n.º 3, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC[2], e que se prendem sobretudo, em saber, se diversamente do entendido na decisão recorrida, deveria ter sido ordenado o desconto mensal da quantia de 300,00€, até ser satisfeita a quantia em dívida de 5040,00€, condenando-se também o Requerido, ora recorrido a pagar os juros legais sobre esse montante até integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão alega que a decisão sob recurso é desproporcional à gravidade da conduta do Recorrido, às suas possibilidades económicas, às obrigações de pai e às necessidades do filho, devendo ainda incidir juros sobre as prestações em dívidas, sob pena de se premiar a conduta censurável daquele.
Apreciando.
Conforme resulta dos autos a Recorrente veio por requerimento de 6 de Maio de 2010, informar e solicitar o pagamento das prestações que se encontravam em atraso desde Agosto de 2009.
Notificado o Requerido, por intermédio do então seu Ilustre Mandatário, foi solicitada a informação sobre os proventos do mesmo junto da respectiva entidade patronal.
Na decisão sob recurso consignou-se:
(….) O artigo 189.º, n.º1, da OTM prevê, na parte que aqui interessa, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte:
a) se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do Tribunal dirigida à entidade competente;
b) se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária;(…).
Esclarece ainda o n.º 2 do citado artigo 189.º da OTM que as quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.
No caso vertente, resulta devidamente consubstanciado nos autos que o requerido não tem cumprido com o regime fixado nos autos de regulação das responsabilidades parentais em apenso, na parte relativa à pensão de alimentos para o sustento do seu filho menor C…, no valor mensal de € 280,00 conforme teor do acordo homologado em 28-05-2009 – cf. acta de fls. 21 e 22 dos autos em apenso – desde Agosto de 2009 até ao presente.
No caso, o cumprimento ou pagamento dos valores reclamados pela requerente consubstancia um verdadeiro facto extintivo do efeito jurídico dos factos articulados pela requerente, incumbindo a sua alegação e prova ao requerido, o que não foi feito,
Nesta conformidade, atendendo ao incumprimento reiterado por parte do progenitor e ao doutamente promovido a fls. 45 e 46, cumpre determinar a notificação da entidade patronal do requerido (identificada a fls. 44) para passar a descontar mensalmente no vencimento do seu funcionário B… o montante de € 280,00 (duzentos e oitenta euros) respeitante à pensão de alimentos devida ao filho C…, o qual deverá ser entregue directamente à requerente ou depositado na conta bancária desta, sem qualquer encargo para esta, até ao dia 8 de cada mês.
Das diligências efectuadas, apurou-se que o pai/requerido, com referência a Novembro de 2010 auferia mensalmente a remuneração enunciada a fls. 44 pelo que nada obsta a que se decida nos termos do disposto no artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores relativamente à cobrança coerciva da prestação.
Assim, verifica-se que o requerido deve até à presente data, por conta dos alimentos vencidos, o valor global de € 5.040,00 (€ 280,00 x 18 meses).(….)
Verifica-se, em conformidade, e não é questionado, que foi accionado o mecanismo previsto no art.º 189, da OTM, com vista à cobrança coerciva de alimentos, num procedimento de natureza pré-executiva, pois embora orientado para a reintegração de direitos violados, não passa pela instauração de instância executiva autónoma[3], e incidental quanto aos autos em que foram arbitrados os alimentos, caracterizado, sobretudo, por uma linearidade e simplicidade, pois os descontos previstos efectivam-se à margem das regras sobre a penhora, sem envolver os trâmites normais do processo executivo.
De tal simplicidade, contudo, decorre, uma clara limitação das possíveis medidas coercivas em termos da satisfação dos interesses do credor, pois apenas podem ser afectados os rendimentos do devedor dos alimentos indicados nos normativos, dessa forma compreendendo-se que o credor, possa, se assim o entender, optar pela via da execução especial, prevista no Código de Processo Civil[4], nomeadamente quando se tenha acumulado um valor significativo de pensões em atraso, bem como sejam conhecidos outros bens susceptíveis de penhora do devedor[5].
Na verdade, na interpretação do referenciado n.º 1, do art.º 189, da OTM, no atendimento que na procura do respectivo sentido importa ater-nos aos elementos gramaticais, lógicos, mas também teleológico em termos de justificação social da lei, ressalta a ideia que se visa, sobretudo, assegurar, o mais rápida e eficazmente, a prestação alimentícia devida ao menor, com vista ao suprimento das respectivas necessidades, bastando, assim que decorra o mero prazo de 10 dias após o vencimento.
Ora se atentarmos à decisão sob análise não se questiona que a satisfação da devida prestação mensal foi determinada, no acolhimento das necessidades presentes e futuras, sem prejuízo do que possa resultar de eventual alteração do anteriormente fixado, contemplando-se, ainda o quantitativo devido a título de prestações vencidas.
Tal montante, acrescendo ao fixado a titulo de prestação alimentícia, não se configura como desproporcionado, como pretendo a Recorrente, desde logo face à exiguidade de elementos constantes dos autos inerente ao procedimento processual adoptado, sendo certo que o pagamento do acumulado em atraso não deverá obstar à satisfação da necessidade actual de alimentos, sob pena de se contrariar, frontalmente, a finalidade do mecanismo legal previsto no mencionado art.º 189, da OTM.
Assiste, contudo razão à Recorrente quanto ao pedido de juros, configurando-se as prestações alimentícias como obrigações de prazo certo, existe mora independentemente de interpelação, art.º 805, n.º 2, a), constituindo o devedor na obrigação de indemnizar, art.º 804, n.º1, obrigação essa que corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, à taxa legal, art.º 806, n.º1 e 2, todos do CC, pelo que são devidos juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento.
*
III – DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e em conformidade:
- declarar que estão ainda em dívida os juros de mora contados desde o vencimento de cada uma das prestações alimentícias até ao integral cumprimento, à taxa legal.
- manter no mais o decidido.

Custas pela Apelante e Apelado, na proporção de 1/2 a cada um, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

*
Lisboa, 18 de Outubro de 2011

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
[2] Sem prejuízo, de se estar no âmbito de processo de jurisdição voluntária, art.º 150 da OTM, não se impondo critérios de legalidade estrita, procurando-se antes a solução mais adequada ao caso concreto, com vista à melhor regulação do interesse a acautelar, art.º 1409, e seguintes do CPC, sem que tal signifique, que o julgador possa abstrair-se do direito positivo vigente, quer em termos substantivos, quer em termos processuais.
[3] Cfr. Ac. STJ de 8.10.2009, referenciando Remédio Marques, Aspectos Sobre o Cumprimento Coercivo da Obrigação de Alimentos, in Comemorações dos 35 Anos do CC, pag. 619, in www.dgsi.pt.
[4] Para além de o credor poder obter a adjudicação de parte das quantias, vencimentos e pensões que o executado esteja percebendo para pagamento das prestações vencidas e vincendas, fazendo-se tal adjudicação independentemente de penhora, nos termos do art.º 1118, do CPC, poderá ainda, nos termos gerais, requerer a penhora de quaisquer outros bens de que seja titular o devedor, ficando as sobras da execução, no caso de efectivação da venda, afectas à garantia das prestações vincendas, nos termos do art.º  1121º-A, do mesmo diploma legal.
[5] Cfr. Ac. STJ acima mencionado, referindo ser manifesta a vantagem do credor da prestação alimentar em lançar mão da acção executiva, já que esta lhe pode eventualmente assegurar uma rápida e plena obtenção dos montantes acumulados e em dívida, sem ter de se submeter ao moroso processo de só faseadamente ir recebendo o montante correspondente à dívida acumulada, através dos descontos mensais, afastando a prioridade do mecanismo previsto no art.º 189, da OTM sobre a via executiva autónoma,  expressamente se consigna: basta pensar na solução aberrante a que se chegaria num caso em que, estando acumulado um montante avultado de prestações já vencidas e não pagas, se verifica, por exemplo, que o devedor, além do seu vencimento, é titular de um depósito bancário que, só por si, permitiria realizar de imediato todas as prestações em dívida: qual o interesse que impede que, nesta situação, seja lícito ao credor lançar mão do processo executivo para aí, simultaneamente, obter o pagamento imediato das prestações atrasadas pelas forças do depósito bancário e a satisfação das prestações futuras através da adjudicação de uma parcela dos vencimentos ou salários auferidos pelo devedor?